O jovem andava pela pequena cozinha vestindo suas roupas largas de dormir e carregando um guardanapo no ombro. Seus pés iam de um lado a outro, ouvindo atento ao noticiário, abrindo a janela para deixar o ar fresco entrar.
O som do óleo fervendo no fogão fazia companhia ao som das notícias na sala ao lado, formando a trilha sonora daquele início de noite.
O âncora na TV anunciava o início da próxima matéria, algo sobre uma série de roubos acontecendo nas cidades vizinhas e o alerta dos possíveis riscos de enchentes e, alguns bairros com a proximidade de chuvas nas semanas seguintes.
— Todo dia isso – pegando o pacote de salgados congelados na pia, o rapaz comentou balançando a cabeça, nem um pouco impressionado.
Sua mão rasgou o plástico e adentrou o pacote, retirando algumas mini coxinhas e outros salgadinhos quase totalmente descongelados. Sem pressa, caminhou até o fogão, alguns metros dali, colocando os na frigideira.
O fogo alto e a queda desajeitada de um dos congelados fez o óleo espirrar, acertando seu braço e tirando algumas reclamações estabanadas dele.
Não era comum que fizesse fritura para o jantar, entretanto estava cansado quando saiu do trabalho e achou que ao invés de se esforçar em uma refeição exaustiva, eles poderiam aproveitar uma sexta-feira bagunçada. Achou que mereciam alguma porcaria de vez em quando.
No meio da barulheira que acontecia na cozinha, o som de chaves chamou sua atenção. Limpando a mão no guardanapo, ele correu até a entrada da cozinha vendo a jovem de cabelo preto e vestido azul folgado adentrando a casa.
— Oi – falou automaticamente antes de dar tempo a ela de se virar por completo.
Sua voz contente a surpreendeu, fazendo o olhar por alguns instante antes de fechar a porta e caminhar até ele sorrindo.
— Oi! – Dando um beijo curto em seus lábios, falou. — Chegou cedo.
— Dona G. me expulsou de lá – explicou rindo enquanto caminhava ao lado dela em direção a cozinha. — Falou que já trabalhei em excesso essa semana.
— Não mentiu.
—É… – Ligeiramente envergonhado, riu concordando. — Aí passei no mercado e comprei o que lembrei que faltava – o comentário a fez olhar ao redor procurando as sacolas, encontrando somente um fogão barulhento e o cheiro de fritura tomando o local. — E o que não precisava.
O rapaz se explicou dando alguns passos à frente enquanto ela ainda tentava decifrar o que era. Viu então o pacote aberto na pia e as figuras ilustrativas que a fizeram sorrir.
— Salgadinho?! – Perguntou alto, tirando um riso curto dele em resposta.
— Salgadinho.
Esse não era o tipo de comida favorito deles — evitavam exagerar no óleo sempre que podiam —, entretanto comer esse tipo de coisa sempre os lembrava de ocasiões felizes, quase infantis, e trazia um contentamento nostálgico em seus corações.
Anthony assistiu a jovem colocar a bolsa em uma das cadeiras enquanto se sentava na outra. Viu suas mãos correrem por seus cabelos longos tirando a fita que o prendia no topo e sentiu seu cansaço quando ouviu um suspiro tímido escapar dos lábios delicados dela.
Era frustrante vê-la exausta, queria tirar todo o stress de seu corpo e tomar para si, porém por outro lado estava feliz de saber que estava se esforçando todos os dias para fazer o que amava.
— E como foi a tarde? – O jovem perguntou, caminhando em direção ao fogão.
— Agitada. Mais que o normal – rindo timidamente, respondeu. — Quase não tive tempo de descansar.
— Sexta-feira, né?
— Sim… Parece que só nesse dia todo mundo tem pedido para fazer e retirar – comentou debruçando-se sobre a mesa, olhando para as frutas coloridas no canto.
Seus olhos piscavam devagar, sentindo o peso do sono se agarrar as suas pálpebras enquanto se lembrava de toda a correria atrás do balcão da confeitaria.
O silêncio caiu sobre a sala por instantes deixando o fogão falar alto, quase calando a voz do homem no jornal.
Seus grandes olhos azuis se levantaram vendo o rapaz fazendo caretas toda vez que chegava perto da frigideira. Um sorriso cruzou seu rosto. Não tinha se dado conta do quanto estava feliz por vê-lo ali assim que chegou.
— Ah, tem uma coisa – no meio de seus pensamentos se lembrou daquilo que tinha passado o dia todo pensando. Sua voz ligeiramente alta chamou a atenção dele. — Me pediram pra fazer uma receita de um doce para o cardápio que vai entrar essa semana.
— Sério?! – Perguntou com a boca escancarada e olhos que brilhavam orgulhosos.
— Sério, mas eu não sei cozinhar – sua voz não parecia decepcionada, estava mais para preocupada.
— Ah… Verdade.
— Eu tentei recusar, mas – se interrompeu por instantes, mordendo os lábios, pensou no momento em que o chefe lhe fez o pedido sorridente e ela sentiu seu coração se afundar em alegria e desespero. — Precisavam de ajuda.
Anthony sorriu. Sabia que Blood não era boba como ele a ponto de não saber dizer não. Então se ela aceitou o pedido, foi porque realmente queria fazer isso acontecer.
— Eu te ajudo – falou em um tom gentil, tirando outra bolinha dourada do óleo. — Amanhã a gente tá de folga então dá pra bagunçar um pouco.
A jovem o observou em silêncio por segundos. Não queria atrapalha-lo e menos ainda fazer trabalhar mais do que já trabalha a semana toda, porém não conseguia negar a agitação em seu peito, contente, ao se lembrar que podia sempre contar com ele.
— Obrigada – falou sorridente, atraindo a atenção dele que a encarou com o sorriso apaixonado de sempre. — E como foi seu dia?
— Bem mais calmo que o seu – brincou, colocando os últimos petiscos no óleo. — Não importa o dia, na floricultura tudo é devagar.
— Isso faz bem para você – Blood comentou se ajeitando na cadeira. — Porque quando você precisa fazer o trabalho de jardinagem na casa dos outros, você se estressa demais.
— É…
— E você sabe que eu prefiro que fique os dois dias em casa pra descansar, mas fico feliz que a floricultura seja a melhor opção.
— Você sabe como eu sou – retrucou, frustrado consigo mesmo. — Se eu ficar em casa durante a semana, eu enlouqueço.
— Eu sei, – riu do jeito dramático dele — mas não exagere.
— Não vou. Essa semana saiu do controle por causa do condomínio. Aquela a gente pega pesado – cruzando os braços, se apoiou no balcão da pia enquanto falava. — Mas não se preocupa. Eu vou tentar não deixar acontecer de novo.
— Tentar… – Repetiu, o olhando de canto, sarcástica. Ele riu desviando o olhar.
— Mas... Tirando as 2 horas que fiquei olhando para o teto e a manhã toda correndo com estoque de encomendas, hoje apareceu um casal lá – começou a contar, a olhando com uma expressão surpresa a fazendo levantar as sobrancelhas. — É difícil isso. Eu até achei estranho, porque a gente lida com encomenda pra velório, shows, casamento… eventos geral, mas nunca com gente, gente.
— Ainda mais casal.
— Sim! – Respondeu alto, depois se afastou da pia pegando a escumadeira. — E eram dois senhores. E eles eram tão… – apertando seus mãos no ar, o rapaz mordeu os lábios, fechando as sobrancelhas, fazendo a expressão de quando se vê algo fofo. Blood riu. — Acho que tinham a mesma idade. Queriam flores para decorar a casa. Tavam escolhendo tudo junto, aí um deles saiu de perto para ver as pelúcias na vitrine e o outro, que parecia mais sério, ficou no balcão comigo – contou enquanto cutucava os salgadinhos. — Aí ele chegou perto e sussurrou pra mim "você pode me fazer um buquê simples de gérbera, mas não deixa ele ver".
— Ah, que fofo.
— Foi! Eu fiquei sorrindo igual tonto por eles – comentou rindo, tirando as frituras. — Aí eu fiz e entreguei pra ele escondido. Ele saiu de perto e o outro voltou. Acertou comigo as mudas que queria comprar e combinamos o dia de pegar – desligou o fogo e guardou a frigideira no forno, depois se virou para continuar contando olhando para ela. — Aí o outro senhor ficou parado atrás dele com o buque e quando ele virou levou um susto com as flores. Ele não sabia se ria ou chorava… Acho que fez os dois.
— Meu Deus…
— Fiquei esperando o pedido de casamento, mas não teve… – admitiu rindo enquanto a namorada apertava as bochechas contagiada pela situação. — Semana que vem eu vou perguntar se são casados – falou a fazendo rir de sua curiosidade. Depois parou por alguns instantes a olhando e riu sem jeito. — Quando eles foram embora, eu fiquei pensando "será que vai ser assim com a Blood e eu?"
A questão foi inesperada a pegando de surpresa. Seus olhos se arregalaram e suas bochechas se tornaram vermelhas vendo o rosto gentil dele. Seu coração disparou, imaginando um futuro onde ainda estariam juntos em cadeiras de balanço, aproveitando o final da primavera.
Anthony notou o silêncio e sentiu seu rosto queimar. Amava Blood mais que tudo e sabia que era amado por ela, mas sempre que falava algo um tanto romântico demais acabava sentindo seu corpo todo se enrolar em vergonha.
— E- E também dona G. me deu biscoitos. Falou que fez demais de novo – mudou o assuntou, sem jeito fazendo Blood rir. Ela, sem dúvidas, conseguia ver esse futuro para eles. — Você quer ir tomar banho? Eu vou terminar aqui.
— Tá bom – concordou, se levantando enquanto ele se virava para limpar o restante de pratos na pia e esconder o rosto avermelhado.
— Vou ver se tem algo na TV também.
—
Ela saiu do banheiro vestindo seu pijama de bolinhas quase desbotado. As gotas ainda escorriam de seu cabelo, molhando a toalha que repousava em seu pescoço.
Devagar caminhou dali até a sala, encontrando o rapaz sentado no sofá com o controle na mão, passando pelos canais.
Dando mais dois passos, colocou a toalha esticada no braço do sofá ao lado e se dirigiu em direção ao namorado.
O prato de salgadinho estava na almofada ao lado dele e dois copos cheios de refrigerante descansavam no encosto do sofá — se apoiando na parede branca —, próximo a cabeça dele.
Ela se aproximou, colocando o prato quente no colo, sentando-se ao lado.
— Tem esse filme agora – falou, sem tirar os olhos da TV. — Mais tarde vai passar aquele do dragão com o menino.
— O desenho?
— Não, aquele outro lá... – Olhou para o chão com uma expressão dolorosa tentando se lembrar. — Aragon... Não, Eragon.
— Ah! – A reação contente dela o fez sorrir.
— Me lembra de trocar de canal.
— Tá.
Colocando o controle de lado, suspirou se jogando para trás e finalmente relaxando o corpo. Seus olhos procuraram pelo rosto dela onde pousaram encantados. A insistência em seu olhar chamou a atenção da jovem que se virou para vê-lo.
Estavam próximos um do outro, se olhando, e por um momento aquilo pareceu como sua primeira vez. Seus corações dispararam e seus sorrisos brilharam apaixonados.
— Agora a gente pode descansar – passando a mão no ombro dela, a puxou gentilmente para perto em um abraço. — E comer coxinha.
— E comer coxinha!
Os dois riram enchendo a sala de amor. A vida deles era assim. Cheia de altos e baixos, dores e sorrisos. Não lutava contra monstros como nos filmes que assistiam, mas sempre faziam de tudo para superar mais um dia e ficar juntos no final.
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