Por favor, não se assuste. Essa voz não é da misteriosa criatura que se esconde nas sombras do seu quarto, ou chega até você vinda de um mundo distante, que seus olhos ainda ignoram. De certa forma, eu falo de um mundo diferente do seu, mas não se preocupe comigo! Sei que não está aqui por minha causa, sou apenas a Narradora, e farei o possível para passar despercebida. Você está aqui para saber sobre Tiernan e Agnieszka, a estranha dupla que tem inspirado canções e cochichos curiosos por todas as terras emersas e submersas, não? Pois bem, não vou incomodar! Meus comentários não serão frequentes, e eu prometo me ater à história exatamente como ela aconteceu. Mas estejam cientes, isto é apenas a introdução, um pequeno fragmento que explica como Tiernan e Agnieszka se conheceram. Tudo o que aconteceu depois, bem… Infelizmente ficará para outra oportunidade.
Sigam-me, então! Logo começarei a história. Sei que esse mundo é novo para você, mas eu não deixarei que se perca. As regras são simples!
Mantenha seu ouro bem protegido, pois há mãos leves e dedos ágeis escondidos em cada esquina.
Não deixe o seu rosto dando sopa por aí, ou alguém poderá roubá-lo.
E toda vez que ouvir o distante som de um grunhido frustrado, apenas vire a página e continue. É provavelmente o Tiernan.
Apresentada por Ninguém, a história começa nas regiões montanhosas do pequeno reino minerador de Silverrain…
Podemos começar?
Tiernan esfregava discretamente as palmas das mãos uma na outra, sendo esse o único sinal de seu nervosismo. Naquela época, ele ainda era bom em disfarçar quando se sentia encurralado, sem opções. Com o passar dos anos, disfarçar ficou cada vez mais difícil, conforme a vida se tornava uma série de situações estranhas e arriscadas, mas então, ele não se importava mais em se manter sério.
– Lembre-se de ser…
– Discreto! Eu sei, Reed, você não para de dizer isso desde que saímos do castelo. – Tiernan interrompeu o cavaleiro de armadura brilhante e o símbolo do rei prendendo sua capa, logo acima do brasão de sua família. Reed revirou os olhos em um murmúrio impaciente. Ele detestava que as conversas com Tiernan sempre parecessem tão informais, como se fossem amigos ou algo do tipo. Não eram.
Em condições normais, Tiernan e Reed nunca nem deveriam ter se conhecido. Tiernan também não deveria ter conhecido o rei Finian, muito menos ter visto o interior de seu castelo, ele, nascido em uma família miserável nas distantes fronteiras do reino. O fato de todas as coisas que não deveriam acontecer terem indubitavelmente acontecido significava apenas uma coisa: Tiernan não sabia qual era o seu lugar. De alguma maneira, aquele ladrão atrevido estava sempre se colocando no caminho de nobres, de modo que metade deles queria matá-lo com as próprias mãos, e a outra metade, assistir à execução.
Se lhe perguntassem, ele era capaz de jurar por todas as estrelas que não fazia por mal! Tiernan começava devagar, seus pequenos crimes eram racionais e seguros, e ele só buscava um pouco de dinheiro. Mas em questão de horas, aquilo virava uma bola de neve. Era um talento e uma maldição! Se colocassem uma venda sobre seus olhos e o soltassem na cidade para escolher sua próxima vítima aleatoriamente, alguma coisa o faria escolher, de todos os cidadãos, o nobre mais influente do lugar. E de repente Tiernan se via correndo estrada abaixo, desviando das carroças e dos pedestres enquanto uma pequena guarda de soldados bem treinados o perseguiam. Reed era um exemplo disso, seus caminhos já haviam se cruzado quatro vezes sem qualquer intenção, e agora, capturado, mais uma vez estavam juntos.
– Eu só quero ter certeza. – Reed deu de ombros. – Você não é muito cuidadoso.
– Não se preocupe, Reed, eu garanto que vamos entrar e sair sem ninguém nem desconfiar que a Princesa Resia está desaparecida.
– O quê?! – Uma senhora na sacada da casa ao lado se inclinou para a frente, com os olhos arregalados de espanto e temor. – A Princesa Resia está desaparecida?
– Não, eu não disse…
– Danya! Você soube disso? Soube que a princesa está desaparecida? – Ela gritou para alguém dentro da casa, mas com certeza a rua inteira escutou. Tiernan lançou um olhar hesitante para Reed.
– Eu acho que o segredo vazou…
O nobre soldado apenas cobriu o rosto com a mão pesada, impaciente.
– Dá para terminar logo com isso?
– Não se preocupe. A galera daqui sabe de tudo, com certeza terão alguma informação – falou Tiernan, entrando na estalagem suspeita. Sendo o local mais próximo da encosta virgem da montanha, muitos criminosos viviam pelo local. Era fácil correr para o meio das árvores e desaparecer em seguida, se preciso. E, por isso, Reed não entrou. Ele deveria manter sempre os olhos em Tiernan, por ordem do rei, mas não seria seguro entrar ali na companhia de um cavaleiro real. Reed apenas esperou na frente da porta de madeira, que, mesmo fechada, ainda permitia escutar o que acontecia lá dentro. Reed ouviu a voz de Tiernan se erguer sobre as outras. – Alguém aqui por acaso viu uma mulher loira, não muito alta, muito parecida com a Princesa Resia? Idêntica, na verdade, apesar de definitivamente não ser ela?
Reed apoiou as costas na parede, com um suspiro incrédulo.
– Muito discreto, Tiernan… – Reed falou, quando o ladrão saiu novamente. – Achei que você fosse bom em encontrar pessoas. Não foi isso que ofereceu ao rei?
– Isso é parte do trabalho! – Ele se defendeu. – E você vai engolir suas palavras. Eu já sei onde ela está.
– Duvido. – Reed falou. E em um instante de grave sabedoria, completou: – Não pode ser assim tão fácil.
E Reed nunca esteve tão certo. Mas naquele momento, ainda não sabiam que não havia esperança de resgate para a Princesa Resia; ela já havia morrido antes mesmo deles começarem as buscas. Mas a pista que Tiernan havia conseguido permitiu que, ainda naquela noite, ambos voltassem para o castelo na companhia de alguém que tinha o rosto da princesa. Os traços doces, a maneira como agradecia aos dois valentes heróis que a haviam resgatado, o modo tímido como alisava o anel em sua mão graciosa, o sorriso angelical…
Mas, se Tiernan tivesse prestado mais atenção, teria percebido que seus olhos não eram nada angelicais.
O rei Finian, já um senhor idoso de quase oitenta anos, havia ficado extremamente aliviado com o retorno de sua filha. A princesa o abraçava aos prantos, pedindo desculpas por tê-lo assustado, e Tiernan achou melhor não atrapalhar o momento perguntando sobre a recompensa pelo resgate.
Certo, certo, foi Reed quem o puxou para fora do salão real assim que percebeu que ele abria a boca para falar algo. Tiernan não gostou disso. Ele já tinha experiência o bastante com “aquele tipo de gente”, e ele falava dos nobres no mesmo tom pejorativo que os nobres usavam para falar dele, para saber que dívidas deviam ser cobradas imediatamente. A realeza, então, tinha o péssimo hábito de pensar que servi-los já era a própria recompensa!
Mas Reed não permitiu que entrasse novamente. O rei Finian parecia um avô divertido e adorável, mas se transformava facilmente em um velhaco ranzinza que não hesitaria em castigar um ladrão que o irritasse. Igualmente teimoso, no entanto, Tiernan não foi embora. Permaneceu na frente do salão, esperando ser chamado. Já era tarde da noite, provavelmente o rei não o veria até o dia seguinte, mas sua irritação não o deixou pensar direito. Quando alguns guardas saíram do salão, Tiernan recuou até o grande vaso no corredor e se escondeu atrás dele, para que não fosse mandado embora novamente, e ficou ali, envolvido nas sombras do corredor mal iluminado pelas velas.
Pouco depois, viu a Princesa Resia sair, ombros curvados, enxugando as lágrimas de alívio. Tiernan pensou e se levantar, não havia porque se esconder dela, e durante o caminho de volta tiveram boas conversas. Mas algo o impediu de se mover; assim que as portas se fecharam em suas costas, a princesa ficou ereta, em um porte decidido, limpou o rosto sem mais soluços e, com um sorriso enigmático, começou a andar em passos firmes, girando o anel em seu dedo nervosamente.
– Ok… – Tiernan murmurou, quando o som dos passos desapareceu. – Nada suspeito, nada assustador…
Tiernan pensava ser curioso demais para não verificar o que estava acontecendo. A verdade mais simples é que ele não era inteligente o suficiente para perceber que essa ideia estava entre as piores que já havia formulado. Odiava seu próprio corpo por se mover sem consentimento, seguindo pelos corredores escuros onde viu a princesa desaparecer. Logo a encontrou novamente, e a seguiu à distância, seus passos eram silenciosos como os de um gato, e estava sempre pelos cantos das paredes, onde poderia facilmente se esconder atrás das decorações caso a princesa suspeitasse de algo.
Em um corredor tão significativo quanto qualquer outro, Tiernan viu Resia dispensar os guardas na frente que uma porta pesada de ferro, e, apesar dos olhares hesitantes dos guardas, logo foi obedecida. Tiernan se escondeu enquanto os guardas passavam, mas logo se aproximou das portas, agora abertas. A princesa entrara na sala do tesouro.
Apesar de ter construído uma fama pelo reino de Silverrain, Tiernan nunca havia feito um roubo tão ousado, e realmente não achava que “salas de tesouro” fossem reais. Parecia algo tão infantil, saído das histórias populares, e, pelas estrelas!, em um corredor qualquer com dois ou três guardas o protegendo? O rei Finian estava se arriscando… O tesouro estava bem ali, pedindo para ser tocado. Que mal faria se Tiernan pegasse só um pouco? O rei nem notaria.
Ao espiar dentro da sala, porém, nem o ouro, nem as joias preciosas, eram capazes de atrair sua atenção. Apenas um pensamento invadia a mente de Tiernan:
– Má sorte… – murmurou, temeroso. Na sala do tesouro, havia uma mulher, mas não era a princesa Resia, que ele vira entrar segundos antes. Usava as roupas da princesa, mas era diferente. Nunca foi a Princesa Resia. Tiernan havia viajado com um Azar a tarde inteira. Azares eram maus presságios, sinalizavam a presença próxima de bruxas. As mãos de Tiernan estavam frias e rígidas, e o pior pensamento finalmente o abateu: ele não havia resgatado a princesa.
Não havia recompensa.
Tiernan encostou a cabeça na parede, com um lamento choramingado que, felizmente, mas não se sabe como, não despertou a todos no castelo.
Ainda se lembra do que lhe disse no começo?
Agora é a hora de virar a página.
Thank you for reading!
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