Lucas rolou na cama e o cheiro dela desgrudou do travesseiro ao lado quando ele afundou o rosto no retângulo macio. Ele puxou o ar com o nariz grudado no tecido da fronha branca e logo a imagem do sorriso que ele mais amava no mundo surgiu em sua mente. O perfume, o sorriso, os cabelos espalhados como um leque preto azulado.
“Quando ela cai no sofá
So far away
Vinho à beça na cabeça
Eu que sei”
Ela está tão longe e ele não sabe que dia é. Ele não lembra que dia foi e outro dia já está nascendo novamente. Mais um dia sem ela. Menos um dia feliz. A insônia traz lembranças que amargam o coração e despedaçam a alma.
“Quando ela insiste em beijar
Seu travesseiro
Eu me viro do avesso
Eu vou dizer aquelas coisas
Mas na hora esqueço”
Lucas se vira novamente e fica entre os dois travesseiros. O quarto começa a clarear, mas não traz a luz necessária para que ele resolva tudo. Onde ela está? Ele não sabe. Por que ela foi embora? Ele prefere não responder. Um suspiro escapa e ele coloca as mãos embaixo da cabeça e lembra de quando ela deitava em seu peito e falava sobre as coincidências dos signos, fingindo não dar importância para o momento.
“Eu encomendo um jantar
Só pra nós dois
Se não tem nada para depois
Por que não eu?”
Ele sorri. Se lembra da primeira vez que ela veio para o jantar. A campainha soou e quando Lucas abriu a porta ela estava com uma travessa de torta de limão feita por ela, decorado com chantilly e raspas da casca verde.
Lucas pediu comida tailandesa para impressionar, mas ela preferiu pizza e coca cola. Comeram a sobremesa quase toda, conversaram sobre quase tudo que foi possível e ele a beijou antes que ela começasse a falar sobre relacionamento.
“Você tá nessa rejeitada
Caçando paixão
Eu com a cara mais lavada digo
Por que não?”
E antes que ela dissesse que não queria nenhum compromisso, Lucas arrancou a camiseta e a levou para o quarto. Fez planos enquanto desenhava os contornos do corpo dela e a fez gemer antes que ela pudesse falar que aquilo era apenas sexo.
Dormiram juntos, fizeram uma concha perfeita, acordaram quase ao mesmo tempo e tomaram café da manhã. Antes que ela dissesse que precisava ir, Lucas a levou para o chuveiro e lá a beijou sob a chuva morna.
“Por que não eu?
Por que não eu?
Por que não eu?
Por que não eu?”
E ela ficando, cedendo a cada truque que Lucas armava para mantê-la por perto. Dividiram a taça de sorvete no restaurante de frutos do mar. Dividiram a toalha de banho, a escova de dentes, o travesseiro, a conta em algum lugar caro, dividiram o guarda-chuva, o guarda roupas, os sonhos mais íntimos e dormiram de meia no inverno.
Um dia ela acordou diferente, meio distante, meio triste, acordou metade. Não quis o café da manhã, não quis dividir o chuveiro, negou a sobremesa e disse que preferia comer em casa.
“Quando o sol de cada dia entrar
Chamando por você
Querendo te acordar
Vai ter sempre alguém pra receber
Dizer pra esperar
Você já vai chegar
Alguém pra olhar a casa
E alguém que regue o seu jardim
Até você voltar”
Lucas não ficou atento, não como deveria. Ela precisava de espaço e ele lhe deu e se afastou tanto que ela achou uma brecha por onde se embrenhou. Tinha a cópia da chave e em uma manhã ensolarada fez as malas, escreveu um bilhete com o batom vermelho no espelho e desapareceu.
“E como é normal acontecer
Se num entardecer
A dor te visitar
Vai ter sempre alguém pra socorrer”
Lucas fechou os olhos e passou as mãos no rosto. Não aguentava mais ficar deitado, mas não queria se levantar. E a pergunta se repetia em sua mente, como um mantra infernal de porquês. Ele não entendia, estava tudo tão bem e tudo se encaixava, ela cabia nos braços dele e ele cabia no colo dela.
Ele a procurou por todos os lados, por todas as ruas e bares e restaurantes. Igrejas, templos, hospitais, delegacias, bairros, casa de amigos, no trabalho, nos ônibus e metrôs e táxis. Olhou por dentro do capacete de cada motociclista, fez abrir todas as janelas escuras de carros parados nos faróis.
Ele a procurou em cada rosto que olhava, em cada reflexo de espelho, em manequins de lojas, entre folhas de livros, em cheiros pairando no ar, em vozes, em sorrisos. Lucas a procurou em cima dos prédios e embaixo das galerias. Ela havia desaparecido. Ela havia simplesmente desaparecido.
“Fazer o seu jantar
Dormir no seu sofá
Enquanto a noite passa por mim
Eu rego o seu jardim
Você já vai voltar”
Lucas sentou-se na cama e se espreguiçou. Seria mais um dia à procura dela, tinha uma pista. Ele havia visto uma mulher de cabelos preto azulados passando em frente à sua casa há duas noites passadas. Ele tinha um plano. Levantou-se e tomou um banho, escovou os dentes e se vestiu. Tomou o café da manhã sem pressa, lavou a louça e abriu as janelas.
Abriu as cortinas deixando que o sol entrasse dourado, iluminando cada canto, avivando a casa como se estivesse à espera de uma visita especial. Lucas olhou ao redor e gostou da luz que banhava seu interior. Há meses que ele não sentia isso, vivendo na escuridão.
“E como é normal acontecer
Se num entardecer
A dor te visitar
Vai ter sempre alguém pra socorrer
Fazer o seu jantar
Dormir no seu sofá
Enquanto a noite passa por mim
Eu rego o seu jardim
Você já vai voltar”
Lucas arrumou a cama, esticou o lençol como se fosse um camareiro de hotel de luxo. Alinhou os travesseiros lado a lado e puxou a colcha sobre eles. Abriu a janela do quarto e o sol também banhou o cômodo que tanto guardou noites de amor.
E a campainha soou, Lucas não esperava ninguém àquela hora. Dirigiu-se para a porta sem sequer pensar em quem poderia estar do outro lado da porta. Tinha em mente o plano para executar mais tarde.
E a campainha soou novamente.
- Estou in... – Lucas abriu a porta e suas palavras sumiram.
- Oi. – era ela.
Era ela e o sorriso dela. O perfume dela. Os cabelos dela. Os olhos, o nariz empinado, os lábios rosados, o rosto delicado. O corpo esguio completo e do mesmo jeito que Lucas conhecera.
- Trícia?...
E ele não esperou mais. A tomou nos braços em um abraço apertado deixando que suas lágrimas de saudade finalmente se libertassem e dessem espaço para lágrimas de felicidade. E disse a ela que nunca mais fizesse isso.
E ela prometeu que não faria, pois havia descoberto que o amava. Ela só precisou de um tempo e de uma pergunta: por que não nós?
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