“Sempre precisei de um pouco de atenção
Acho que não sei quem sou
Só sei do que não gosto
E destes dias tão estranhos
Fica poeira se escondendo pelos cantos
Este é o nosso mundo
O que é demais nunca é o bastante
E a primeira vez é sempre a última chance”
Aline abriu a porta e protegeu os olhos com a mão. O dia estava claro, claro demais para que seus olhos suportassem. O sol brilhava intenso e quente e sua pele ferveu. Um passo para trás e ela estava salva sob a sombra do interior da casa.
Que dia era esse? – Aline olhava para fora e não entendia. Todos os outros dias eram cinzentos e confortáveis, ela podia sair sem preocupação e caminhar pelas ruas livremente. Mas agora estava presa dentro de casa, queria sair e caminhar, mas estava claro e quente demais.
“Ninguém vê onde chegamos
Os assassinos estão livres, nós não estamos
Vamos sair mas não temos mais dinheiro
Os meus amigos todos estão procurando emprego
Voltamos a viver como há dez anos atrás
E a cada hora que passa envelhecemos dez semanas”
Aline acordou assustada e pulou da cama indo direto para a janela e abrindo as cortinas com brutalidade. Sorriu aliviada, foi só um sonho, apenas um sonho. O dia estava cinzento e ideal para uma caminhada.
Abriu a porta e saiu, colocando um pé depois do outro, ainda assustada e com receio de que o que sentira durante o sonho se concretizasse naquele momento. Olhou para o céu e seus olhos se maravilharam. Não tinha sol, não tinha luz.
“Vamos lá, tudo bem eu só quero me divertir
Esquecer, dessa noite ter um lugar legal pra ir
Já entregamos o alvo e a artilharia
Comparamos nossas vidas
Esperamos que um dia
Nossas vidas possam se encontrar”
Aline não fechou a porta, apenas colocou-se a caminhar devagar admirando a paisagem e sorrindo para os que passavam por ela. Bom dia! Como vai? Tudo bem? Aline distribuía sorrisos e acenos, apertava uma ou outra mão. Deu um abraço em um velho corcunda e o ajudou a atravessar a rua.
O velho agradeceu e continuou a andar curvado para baixo. Aline seguiu para o lado oposto, sentia-se orgulhosa, valente e invencível. O sorriso estampado no rosto encantava a cada um que olhava para ela e sorriam de volta.
- Oi, - Alguém a parou no meio da travessia de um cruzamento – o que está fazendo aqui fora?
“Quando me vi tendo de viver
Comigo apenas e com o mundo
Você me veio como um sonho bom
E me assustei
Não sou perfeito
Eu não esqueço”
- Estou caminhando. – Aline respondeu desconfiada – Quem é você?
- Não sou nada, - Alguém respondeu – nada que importe.
Um carro buzinou e ela se assustou, correndo para o outro lado. Alguém continuou a caminhar ao lado dela, calado. Aline olhava para ele vez ou outra e já não tinha o sorriso no rosto. Não tinha mais os olhos voltados para frente e não via os que passavam por ela e a saudavam.
“A riqueza que nós temos
Ninguém consegue perceber
E de pensar nisso tudo, eu, homem feito
Tive medo e não consegui dormir
Vamos sair mas não temos mais dinheiro
Os meus amigos todos estão procurando emprego
Voltamos a viver como há dez anos atrás”
- Para onde você vai?
- Eu? – Aline perguntou confusa – Eu não sei.
Ela nunca pensou para onde ir, ela apenas ia. Curtia os dias cinzentos que a camuflavam entre os humanos. Faziam com que ela parecesse humana e ela gostava disso. Sentia-se confortável sob a desfaçatez dos sorrisos frios e ensaiados.
- Você tem um guarda chuva?
- Tenho. – Aline parou e se virou para Alguém – O que você quer?
“E a cada hora que passa
Envelhecemos dez semanas
Vamos lá, tudo bem eu só quero me divertir
Esquecer, dessa noite ter um lugar legal pra ir
Já entregamos o alvo e a artilharia
Comparamos nossas vidas
E mesmo assim, não tenho pena de ninguém”
- Veja. – Alguém apontou para cima e Aline gritou.
Diante da realidade que a rodeava, o dia claro, muito claro, o sol brilhando forte e quente. Tudo estava vazio, ninguém para conversar nem cumprimentar. Aline se abaixou encolhendo-se sobre si mesma.
A pele ardendo em chamas invisíveis, os olhos cegos pela luz do dia.
- Por quê? – ela gritou rouca.
Sua boca estava seca e oca e não saiam mais palavras gentis. Aline apertou os olhos e eles sangraram ódio, um caldo escuro e mal cheiroso. Seus ouvidos não ouviam mais nada que não fosse seu próprio barulho interno.
"E destes dias tão estranhos
Fica poeira se escondendo pelos cantos
Este é o nosso mundo
O que é demais nunca é o bastante
E a primeira vez é sempre a última chance”
- Porque Aline, - Alguém se abaixou e ergueu o rosto dela – você ainda está sonhando com dias melhores.
“E mesmo assim, não tenho pena de ninguém”
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