Nota: Esse conto foi escrito em 2017, num desafio do grupo Café com Letra, cujo tema era Manias e Fobias. Escolhi falar de Catoptrofobia/Eisoptrofobia (medo de espelhos).
***
Espelhos me aterrorizam há muito tempo. Como boa parte das fobias, você pode me dizer que este também é um medo irracional, cercado por lendas e superstições rasas e sem importância. Mesmo assim, não consigo evitar a angústia que sinto toda vez que passo diante de um deles. Pior ainda, quando sou obrigado a encarar meu reflexo por mais segundos do que consigo suportar. É inevitável, sempre sinto o suor brotar em minhas mãos e um aperto comprimir meu peito agitado. Pensamentos de morte e a suspeita quase tangível de que algo sobrenatural e maligno está prestes a transpor a frieza do espelho rondam minha mente, alimentando o pânico e a ansiedade.
Chama-se catoptrofobia ou eisoptrofobia, e começou há muitos anos, em minha infância, quando eu era apenas um menino suscetível a se impressionar com qualquer coisa. Lembro-me das noites chuvosas, quando eventualmente faltava luz, e minha mãe espalhava velas pela casa. E lembro-me de certa vez em que meu irmão mais velho pegou duas delas e me arrastou para o quarto de nossos pais.
Havia um enorme espelho lá, ao lado do guarda-roupa de casal, com a moldura em madeira rústica, muita antiga e ramificações em alto relevo de uma ponta a outra. Era daquele tipo que você conseguia observar-se de corpo inteiro com outra pessoa ao seu lado, sem que as duas ficassem espremidas ou disputando espaço. A verdadeira relíquia já estava lá quando nos mudamos. Os antigos moradores parecem ter esquecido antes de partirem. Ou quem sabe, tenham deixado de propósito.
Eu e Gabriel gostávamos de brincar com o espelho durante o dia, como se fosse um portal para outro mundo. Sempre nos revezávamos entre quem ficaria de qual lado e nos comunicávamos, fingindo ser o que não éramos. Chegamos a gravar nossas iniciais no forro enegrecido atrás dele. Entretanto, naquela noite em especial, o espelho me pareceu estranhamente assustador. Ora iluminado pelos relâmpagos que irrompiam através das janelas, ora mergulhado na mais completa escuridão. Seguindo um instinto, evitei olhar de modo direto para sua superfície laminada e concentrei a atenção no meu irmão.
Com a chama do fogo desenhando sombras sinistras em seu rosto infantil, Gabriel me entregou uma das velas e me desafiou a olhar para o reflexo diante de nós. Não me pareceu uma boa ideia. Hesitei. Recuei. Ele o fez sozinho então.
Nunca soube o que, exatamente, meu irmão viu naquela noite e naquele espelho. Por muito tempo, quis acreditar que a expressão atônita que surgiu em seu rosto e o grito de assombro que se espalhou pelo quarto, alertando nossa mãe ainda no andar de baixo, foram apenas fingimento para assustar o irmão caçula, mas nunca tive certeza disso.
Gabriel nunca falou daquela noite. E eu nunca tive coragem de perguntar a respeito. Com medo de que ele confirmasse que viu mesmo algo que o assustou, enterrei o ocorrido dentro de mim e fingi que não percebi que meu irmão havia mudado desde então.
Aquela foi uma semana estranha e longa. Gabriel em nada lembrava o menino travesso e cheio de energia de antes. Parecia acuado, impressionado e distante. Todas as noites, me acordava durante a madrugada, dizendo que precisava ir ao banheiro. Ele estava com medo e me pedia para cobrir o espelho do armário com uma toalha. Só assim ele entrava.
Como o irmão três anos mais novo, lembro que me senti o mais forte, corajoso e importante de nós dois. Era eu quem costumava importuná-lo quando tinha pesadelos e, agora, era ele quem, aparentemente, precisava de mim. De certa forma, eu tinha uma vantagem e fiquei orgulhoso.
Até então, eu não havia levado a mudança de Gabriel tão a sério. Achei que aquilo iria passar em algum momento, que ele pensou ter visto algo estranho no reflexo e só estava chateado por ter ficado de castigo, já que deu um baita susto em nossa mãe com o grito que soltou. Entretanto, quando ele me fez prometer que nunca olharia para aquele espelho — ou para qualquer outro —, sob a luz de uma vela, muito menos no escuro absoluto, voltei a ficar intrigado e receoso. Engoli em seco e assenti.
Infelizmente, nunca pude dizer para Gabriel que eu o entendia e, no fundo, acreditava nele. Mesmo sem saber o que ele havia visto aquela noite, mesmo sem querer descobrir, eu acreditava que não podia ter sido apenas fingimento ou sua imaginação. Por mais que o medo nos faça enxergar coisas que talvez não estejam lá de verdade, tive certeza que isso não se aplicava a ele.
Meu irmão faleceu no final de semana seguinte. Brincávamos em uma velha árvore, no quintal dos fundos, quando eu desci e corri em direção à cozinha. Estava com sede. Gabriel estava mais relaxado naquele dia. Lembro que, ao ouvir o baque surdo em meio às folhas secas pelo chão, virei e sorri inocente, imaginando que tudo não passava de uma brincadeira. Mas o seu corpo estava imóvel e sua cabeça, torta de um jeito anormal. Mesmo na inocência dos meus sete anos, logo entendi que havia alguma coisa errada.
Ninguém soube explicar de forma satisfatória como Gabriel pôde quebrar o pescoço. A árvore não era tão alta assim e já havíamos escalado seus galhos centenas de vezes. Estávamos em território conhecido.
Ao que tudo indicava, meu irmão havia caído de mal jeito. Até hoje, a possibilidade de que algo ou alguém o empurrou de lá de cima me assombra. A ideia de que o ocorrido com o espelho teve relação com seu misterioso acidente me assombra ainda mais. Tudo isso alimentou o meu medo e o verteu na fobia que carrego comigo até hoje.
O fato dos meus pais terem morrido pouco tempo depois de Gabriel também contribuiu para que eu passasse a evitar qualquer contato com espelhos. Especialmente com aquele que permanecia no quarto dos dois, velando por eles enquanto tentavam dormir, noite após noite. Frio e bizarro de uma forma que apenas eu parecia sentir.
Arrasado com a perda trágica e prematura do primogênito, meu pai começou a beber. Uma noite, ele passou da conta. Houve um acidente enquanto voltava para casa. Seu carro ficou destruído. O caixão, fechado o tempo todo durante o velório.
Apesar de saber que a combinação álcool e direção foram determinantes neste caso, uma parte de mim culpa o espelho pelo ocorrido. Ele estava lá, no quarto, o tempo todo, não como uma testemunha ocular, mas como algo estranhamente sombrio que, de alguma forma, influenciou meu pai a agir daquele jeito.
Imagino que a dor de perder um filho seja excruciante. Mas Josué Brandão era um homem forte. Ele teria sofrido em silêncio e ficado ao nosso lado durante o luto. Ao invés disso, tornou-se distante, arredio e até violento em seus momentos finais. Não fazia sentido.
Se você não acha essas duas mortes estranhas, o que dizer de uma jovem mulher, no auge de seus trinta e três anos e em plenas condições de saúde, que morre pouco tempo depois de perder filho e marido? De causas naturais, segundo o legista que examinou o seu corpo na época. Ou melhor, de infarto fulminante enquanto dormia um sono, de certo, perturbado por tais perdas.
De novo, o espelho. Ele estava lá. Refletindo o olhar vítreo de minha mãe quando eu a encontrei naquela fria manhã e não consegui acordá-la. Foi desesperador.
De costas para o espelho, senti uma fina camada de suor escorrer em minha nuca e minhas mãos ficaram trêmulas. Tive a forte sensação de que algo me observava através dele. Não tive coragem de olhar em sua direção a fim de obter a certeza. Lembro apenas de sair correndo, com as mãos cobrindo parcialmente meus olhos, e pedir ajuda à vizinha mais próxima, que chamou a polícia e uma ambulância.
Dias depois do funeral de minha mãe, mudei da espaçosa casa no interior de São Paulo para uma mais enxuta na capital do estado. Fui morar com um tio — por parte de pai — e sua esposa.
O antigo imóvel da minha família, bem como a mobília, foram vendidos. E eu nunca mais ouvi falar daquele espelho. Espero que continue assim.
***
Não importa quantos anos tenham se passado. É raro o dia em que não acordo pensando no irmão e nos pais que perdi. Em parte porque sinto falta deles, é claro, em parte porque suas lembranças estão diretamente atreladas à fobia que me acompanha há vinte e cinco anos. Uma coisa me faz pensar na outra, é automático.
Apesar de ter crescido, me tornado um homem e enterrado parte das crenças sobrenaturais em meu passado infantil, o desconforto diante de espelhos persiste. Quase como se fosse parte de mim, algo que me moldou ao longo do tempo e me transformou em quem sou hoje.
Não há espelhos expostos em meu novo apartamento. Apenas um em tamanho razoável, devidamente guardado no gabinete do banheiro, para o caso de alguma visita aparecer de surpresa ou alguma pretendente a namorada passar a noite por aqui. Nada disso acontece muito, devo admitir.
Meu contato maior com espelhos se dá apenas quando estou dirigindo e sou obrigado a checar os retrovisores vez ou outra. Ou ainda, quando vou fazer a barba no mesmo salão de sempre, no Largo do Arouche. Procuro manter meu olhar fixo em algum ponto do teto ou do chão enquanto Renato, um senhor gorducho e de meia idade, faz o seu trabalho.
Por falar em trabalho, tentando me agarrar à lógica e buscar explicações sempre racionais para incidentes estranhos e mortes de uma forma geral, escolhi ser investigador policial. Lidero uma delegacia da capital paulista há cerca de sete meses.
Ainda estou prendendo a arma no coldre e procurando as chaves do carro sobre a bagunçada mesa do café da manhã, quando meu celular começa a vibrar ao lado da caneca outrora cheia.
— Miguel — atendo de pronto, ao reconhecer o número da delegacia. Ouço a ocorrência relatada por um dos policiais com atenção. Intrigado, limito-me a avisar: — Tudo bem, já estou a caminho.
Encerro a ligação e deixo meu apartamento para trás. Desço pelo elevador de serviço, que não possui espelho em sua cabine.
***
Assim que chego ao prédio residencial, que fica na Oscar Freire, sou colocado a par do que aconteceu. Aparentemente, um homem se jogou da sacada do seu apartamento, no décimo segundo andar, há uma hora. Seu nome era Marcos Mendes, trinta anos, filho de um empresário do ramo têxtil, estava noivo de uma corretora de imóveis.
A jovem está sentada em uma poltrona na recepção, segurando um copo de água com as mãos visivelmente trêmulas, olhos vermelhos e um tanto inchados, abalada. Ela estava descendo a rampa rumo ao estacionamento quando viu o noivo despencar diante do seu carro.
O corpo foi coberto com um lençol de imediato. A perícia já foi acionada. Vizinhos curiosos circulam por toda a parte, filmando a cena com seus modernos smartphones, numa clara demonstração de falta de humanidade. A curiosidade mórbida os fazem parecer com urubus, ao meu ver. Se não fosse pela faixa de isolamento e pela vigia constante dos policiais, certamente já teriam ido mais longe. Tenho certeza que logo a imprensa abutre estará por aqui também, procurando por alguma brecha e, claro, por audiência.
— O que você acha? — pergunto ao meu braço direito e amigo de longa data, Denis.
— Suicídio. Ou, na melhor das hipóteses, morte acidental. O apartamento estava trancado por dentro. As câmeras de vigilância não mostram ninguém entrando ou saindo de lá. Marcos estava sozinho, é fato.
Para mim, está claro que é mesmo uma ocorrência simples. Mesmo assim, preciso apurar todos os fatos envolvidos. Pensando nisso, afasto-me de Denis e paro diante da única testemunha do incidente.
Não importa quantas mortes eu tenha investigado até hoje, nunca sei direito o que dizer aos familiares e amigos nessas horas. Sempre acabo limpando a garganta e dizendo a mesma coisa inútil.
— Sinto muito por sua perda... — Checo o nome que consta nas anotações prévias que Denis me entregou quando cheguei. — Srta. Lavínia.
Um longo momento de silêncio se passa até que ela ergue o olhar em minha direção e inquere de um jeito seco:
— É você que vai comandar as investigações?
Noto seu tom insatisfeito e duvidoso. Já o senti na pele outras vezes. A maioria das pessoas me acha novo demais para o trabalho. Pouco interessa o mérito, idade acaba sendo sinônimo de incompetência para alguns preconceitos enraizados.
Acostumado, não me intimido e esclareço com firmeza:
— Com todo o respeito ao seu luto, parece bem claro o que aconteceu aqui. A conclusão do caso não deve demorar.
— Qual o seu nome?
— Miguel. Por quê?
Também sem demonstrar intimidação, Lavínia me perscruta com seus olhos castanhos por um momento. Abandonando o tom preconceituoso, ela articula de um jeito incisivo:
— Miguel, com todo o respeito ao seu distintivo, isso não foi um acidente. Muito menos um suicídio. O Marcos jamais faria algo assim. Não importa o que pareça, ele não se matou.
Estreito o olhar.
— O que você está querendo dizer?
Lavínia toma um longo gole da água. Pensa por um momento. Torna a me fitar diretamente nos olhos.
— Que você devia investigar.
Quando se perde alguém próximo é difícil compreender certas coisas. A mulher diante de mim não aceita as circunstâncias em que perdeu o noivo. Eu entendo. E por mais que esteja óbvio para mim o que houve, sei que, às vezes, nada é o que parece ser. Estaria sendo hipócrita se ignorasse os crimes aparentemente simples com os quais me deparei nos últimos anos e como, no final das contas, eles se mostraram mais complexos e surpreendentes em seus desfechos.
Em outras palavras, eu não estou me negando a investigar, é o meu trabalho, apenas querendo evitar que Lavínia se agarre a falsas esperanças porque, no fim, talvez este seja um caso simples.
Querendo provar isso ou reconhecer que meu palpite está errado, peço licença e vou averiguar a cena do possível crime.
***
Quando a porta do elevador se abre e dou de cara com o reflexo me encarando do outro lado, sinto meu estômago se comprimir e uma palpitação no peito. Desvio o olhar no ato e me afasto. Fecho minhas mãos com força ao lado do corpo, para que parem de tremer, e aguardo até a porta dupla se fechar por completo.
Às vezes, até elevadores de serviço possuem espelhos. É por isso que, às vezes, eu prefiro escadas. Mesmo que tenha que enfrentar uma infinidade de degraus até chegar ao meu destino.
Quando, por fim, piso no décimo segundo andar, um pouco esbaforido e suado, caminho pelo extenso corredor rumo ao apartamento em questão. A porta está aberta, mas não há ninguém aqui além de mim. Levanto a faixa de isolamento e adentro o lugar, passando o olhar rapidamente pela decoração refinada e masculina do ambiente. Não toco em nada e meço bem os meus passos, para não comprometer o trabalho dos peritos que estão a caminho.
A porta da sacada está escancarada e as cortinas cor de marfim balançam com o vento forte. Um silêncio sepulcral impera pelo apartamento. Aproximo-me e olho para baixo. Visto daqui, o lençol que oculta o corpo de Marcos é só um pontinho branco cercado por formigas curiosas.
Viro-me para checar o resto do lugar e meu sangue gela quando vejo algo de relance, pela porta entreaberta do quarto mais à frente. Meu primeiro instinto é de me afastar e ir embora, mas não posso fazer isso. Por mais difícil que seja, não estou aqui como alguém que sofre de catoptrofobia, estou aqui para investigar a morte de uma pessoa e solucionar tal mistério. Além disso, talvez eu tenha enxergado mal, talvez aquilo não seja um espelho. O quarto está bem escuro, aliás. Impossível precisar o que é aquilo apenas olhando daqui. Tenho que chegar mais perto.
Respiro fundo, mas é como se o oxigênio não entrasse em meus pulmões. Faço um esforço e ignoro a onda de pânico que se agita dentro de mim. Aos poucos, consigo me mover e empurro a porta lentamente, causando um rangido incômodo e sinistro que rompe o silêncio antes dominante, além de iluminar o recinto de forma parcial.
Atordoado e olhando por um breve instante, confirmo minha suspeita, é mesmo um espelho. Não qualquer modelo, mas um muito parecido com aquele que assombrou minha infância.
Um palpite angustiante ronda minha mente e me pego pensando que talvez seja o mesmo. Uma parte de mim, acha loucura, mera coincidência. A outra, está intrigada demais para recuar.
Evitando olhar diretamente para o espelho, espalmo o interruptor, acendo a luz e me obrigo a dar um passo rumo ao interior. Ignoro a sensação gritante de que meu reflexo está se movendo de um jeito animalesco à medida que percorro o quarto, passo a passo, aproximando-me cada vez mais do objeto de meu medo, porém desviando de forma estratégica para alcançar a parte detrás dele.
Em contrapartida, é como se a perspectiva do cômodo desafiasse as leis da física. Sinto que o ambiente se reduz, espremendo-me pouco a pouco, enquanto o espelho se engrandece, tentando atrair meu olhar a todo custo.
É apenas sua imaginação. Digo em pensamento, buscando uma convicção inexistente dentro de mim neste momento.
Desvio o olhar para a parede ao meu lado e continuo o percurso meio às cegas, com a mão direita estendida e o andar arrastado. Por fim, meus dedos esbarram na moldura gélida do antigo e intimidante espelho. O mais rápido que consigo, me posiciono atrás dele e puxo o ar com força. Consegui.
Fecho os olhos por um instante e procuro me acalmar. Na medida do possível, ao menos.
Obrigo-me a manter o foco, lutando contra a ansiedade e a angústia crescentes, enquanto procuro pela prova que preciso para acalentar a paranoia. Não pode ser o mesmo espelho. De certo, é bem parecido, mas não deve ser o mesmo...
Engulo em seco ao encontrar as iniciais que não via há muito tempo. O G de Gabriel ainda está ao lado do M de Miguel. Exatamente como eu me lembrava. Exatamente como registramos em um passado que não parece tão distante agora. Tudo volta à tona. As brincadeiras, o desafio naquela noite chuvosa, a luz das velas crepitando, o grito de meu irmão, o medo sufocante do desconhecido que parecia nos vigiar e influenciar atrás do espelho. Deste espelho. Exatamente este.
Abalado, e ao mesmo tempo convicto de que o dono do apartamento não cometeu mesmo suicídio, luto para retomar o controle sobre minhas ações a fim de romper o torpor que me mantém paralisado.
Com a garganta seca e o coração retumbando sonoramente em meus ouvidos, demoro a perceber o ruído afiado que nasce de súbito. Ele cresce de forma contínua e insistente logo depois.
Lembro-me de que estou sozinho no quarto, no apartamento e neste andar. Questiono de onde o som inexplicável e aflitivo pode estar vindo então. Em choque, constato que algo está arranhando a superfície do espelho. De dentro para fora. Tentando me atrair ou, pior, sair. O desconhecido quer vir para este mundo. Para o meu mundo.
Lavínia estava certa. Eu devo investigar o que houve com seu noivo. Só não sei se terei tempo suficiente para isso.
O espelho do meu passado está de volta. Depois de tantos anos, ele finalmente me encontrou. Algo me diz que a ameaça sobrenatural que, de certo, reside nele anseia por concluir o que começou em minha infância.
Neste momento, a luz do quarto pisca algumas vezes. Logo, apaga por completo. Estou na escuridão.
A fobia me domina ainda mais, me impedindo de raciocinar com clareza. O suor escorre por minha testa. Sou incapaz de me mover. Digo para mim mesmo que é apenas minha imaginação me pregando uma peça, como uma brincadeira de mal gosto, que só preciso me acalmar e sair daqui. Às vezes, o medo nos faz enxergar coisas que não estão lá de verdade, certo?
O som cortante de estilhaços se espalha por toda a parte, como se me desse uma resposta. Estou petrificado e olhando fixo para as iniciais diante de mim. Apenas para elas. Para nada mais.
Algo acabou de atravessar o espelho? Ou tudo não passa de alucinação? Um jogo mental da criatura desconhecida? Seria um demônio? Uma entidade? Meu próprio reflexo voltando-se contra mim? Quando eu e meu irmão nos referíamos a este espelho como um portal para outro mundo, havia verdade nisso?
Fecho os olhos por um momento e, aos poucos, o silêncio volta a dominar o quarto. Tudo o que preciso é me acalmar, abri-los de novo e descobrir a verdade, seja ela qual for.
Respiro de um jeito superficial, com certa dificuldade e, por fim, abro os olhos.
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