jidiy Jidiy *

Série Star Wars: Fractal é um projeto despretensioso, um carinho com a Star Wars. Consiste em construir, a partir de uma imagem referente à saga, uma história, podendo ou não seguir o enredo dos filmes e livros. Apresentará releituras ou interpretações sobre cenas, sendo em formato de contos ou até de pequenas novelas. Hoje, veremos Luke na sala do Imperador, tentado a tomar o Império para si. Boa leitura.


Fanfiction Movies For over 18 only.

#381 #drama #Releitura-Star-Wars #jedi #Queda #star-wars #Imperador #Darth-Vader #Luke-Skywalker #Fanfic-Star-Wars #The-Force #força #Skywalker #Anakin
Short tale
0
4.2k VIEWS
Completed
reading time
AA Share

À Sombra do Trono


Quando ele desligou seu sabre de luz, ainda eram audíveis os suspiros do Imperador ressoando em todo o salão negro. Gemidos moribundos, guturais, recheados de sangue. Os olhos amarelos e corruptos arregalavam-se, estarrecidos e incrédulos, encarando Luke. Não deveria estar mais vivo. O ódio os sustentava abertos, resistindo ao fim. No entanto, o medo mesclava-se à ira e o resultado construíra um quadro mais patético do que ameaçador. Aquele que bilhões temeram por décadas, aquele que fora responsável por incontáveis seres terem suas vidas roubadas, violentadas, destruídas... não passava de um nada agora, de apenas um homem velho que se agarrava a fiapos de vida, aterrorizado com a proximidade da morte.

Poderia tê-lo matado, então. Um golpe de misericórdia e acabar com seu sofrimento. Mas, não. Ele não merecia a rapidez da inconsciência e do vazio. Teria que sofrer, naqueles eternos segundos, o desamparo, a solidão, o terror, a derrota.

As explosões silenciosas no espaço cintilavam na enorme janela como se fossem fogos de artifício a comemorarem a morte de Palpatine. Luzes coloridas que levavam da vida seus adversários e amigos na contínua batalha. Brilhos onde as almas de todos aqueles abatidos gritavam. Ele nada via ou ouvia, além de seu inimigo resistindo à morte.

A mão engelhada se elevou na direção dele, trêmula, os raios azuis a piscarem, faíscas anis a perder a decadente potência. Seu rosto se congelou, suas próprias mãos esquentando e iluminando-se, um reflexo inédito, um poder nascente. Conteve-se, cerrando os punhos. Apreciou as últimas forças do Imperador se levantarem, formando um círculo luminoso intermitente. Mas não durou mais do que um respirar. E, quando a mão do Imperador caiu, seu corpo decrépito e trêmulo finalmente não se moveu mais.

Luke arfava, não mais pelo esforço da luta, e sim pela grandiosidade escura que enchia seu coração. O conflito terminara, sua própria guerra interna. Cedera... cedera à raiva, ao ódio e vencera. Não teria derrotado seu pai e o mestre sombrio sem esses sentimentos. Eles o engrandeceram, romperam as comportas de seu íntimo e a Força fluiu sem entraves, sem culpas. Yoda e Obi-Wan temiam essas emoções. Afirmavam que inevitavelmente ele, Luke, seria levado à escuridão para elas se abrisse. Entretanto, não acontecera assim. Ainda era ele mesmo. Não se transformara. Eles estariam enganados...? Eles teriam estado enganados por toda uma vida...? Todos os jedi teriam acreditado em uma crença inverídica? Teriam ele se retraído a um poder maior por... medo de não controla-lo?

Vader fora vencido. O Imperador, morto. Destruíra-o com o próprio ódio que Palpatine desejava que fosse instrumento de submissão ao trono. Com o Darth Sidious às suas costas perdia-se em gargalhadas de sombria satisfação perante a derrota final de seu antigo aprendiz e o nascimento de seu novo discípulo, Luke havia se voltado rapidamente para o Sith com o sabre acionado, perfurando seu coração.

Olhou com desprezo para o corpo caído, envolto de um manto enegrecido. Procurou um traço de compaixão e surpreendeu-se por não encontrar em si um ínfimo lamentar por aquele ser terrível. Quase era impossível distingui-lo no piso de mármore negro. Palpatine não era mais nada, a não ser algo que se perdia na escuridão. Não deveria sentir alguma tristeza pelo desperdício de vida daquele ser...?

Passou por aquele farrapo e subiu lentamente os degraus para o trono. Cada patamar vencido, uma glória obscura tintilava por todo o seu corpo, encorpando-se nele as certezas de seus atos. Ao chegar ao topo, avistou pela ventana translúcida as naves rasgando o manto do espaço. Sua mão enluvada pousou no braço no assento real, o poder daquele posto a irradiar-se por seus dedos e correr-lhe a alma. A Galáxia estava livre. Todos estavam livres, agora. Livres... Os disparos se acentuaram com a explosão de um destroier, iluminando-lhe o semblante rígido. Livres?! Livres para continuar guerreando, pensou, apertando os olhos azuis com pontículos amarelos. Livres para prosseguirem nas injustiças, no sofrimento dos desprotegidos, na crueldade com os fracos, na ganância sem fim. Livres para, mais cedo ou mais tarde, levarem à Galáxia àquele mesmo ponto de destruição. Livres para serem... maus.

Deu as costas para a batalha espacial e sentou-se no trono, juntando sua mão humana e a artificial, entrelaçando os dedos. Seus olhos ardiam, a ira borbulhando em seu espírito. Estava livre agora aquela mesma raiva encapsulada de quando encontrou seus tios mortos, antes guardada e revitalizada pelos companheiros da Aliança eliminados, pelas crianças escravizadas, pelas vidas de tantos aniquiladas. A mesma raiva condenada por Yoda em Dagobah.

A mesma raiva que obteve vitória que seu mestre não alcançara.

O alaranjado cintilante da luta no espaço refletia em sua face direita. O ciclo de guerra sem fim Não precisava ser assim. Não deveria ser assim! A paz não era um conceito abstrato. Poderia existir para todos. Porém, nem todos a aceitariam de bom grado. Ainda eram incipientes em perceber que esse era o objetivo para a Galáxia. Não eram capazes de compreender. Não seriam convencidos... por vontade própria. Talvez fosse preciso... uma postura firme. Leia não aceitaria aquela postura. Ela acreditava no convencimento através do diálogo. O confronto, no qual ela se embrenhara por boa parte de sua vida, fora por necessidade, não convicção. Já pensara antes como ela. Agora, não mais.

Ele podia parar a roda das dores de todos... Suas mãos pousaram lentamente nos braços do trono. Uma imagem enveredou por sua mente. Não havia como distinguir se era um sonho a ser construído ou uma visão do futuro. Fosse o que fosse, ele gostou. Assumir o comando do Império. Assumir a direção da Aliança. Unir os até então inimigos e promover um só caminho sem guerras.

Suas mãos agarram e apertaram o frio metal do assento real.

Franziu a testa. Aqueles pensamentos lhe soaram estranhos, notas grotescas em uma música suave. As palavras de seu pai. As mesmas palavras de Vader...

Junte-se a mim e eu completarei seu treinamento. Com nossos poderes, nós dois seremos capazes de pôr um fim nesse conflito destruidor e restaurar a ordem na galáxia.

Não. Estava só. Não havia se aliado a Vader. Faria tudo da sua maneira, não da dele.

Você devia conhecer o poder do Lado Sombrio.

Sim, havia conhecido...

Junte-se a mim e juntos poderemos governar a galáxia como pai e filho.

Ele mesmo acabaria por fazer o mesmo convite a Leia. E como ele, Leia recusaria...

Pôs-se em pé imediatamente, como se o trono o envenenasse. A pressão do assento ainda se fazia sentir em todo o seu corpo, uma vibração grudenta, aderente e sedutora. Não. Não era como ele. Não precisaria se transformar para levar a paz e a justiça para a Galáxia. Seus motivos eram nobres. Eram bons. Como poderia vir o mal de um bem?!

Um suor frio o acometeu. Gotas de água salgada brotaram por seu rosto como lágrimas. Estaria ele enganado...? Na fúria que o acometeu e liberou seu poder, quando Vader ameaçou corromper Leia, havia consciência na permissão de sua ira, quase como ele mesmo abrindo as portas de si mesmo em vez da ira ter arrebentado seus limites. Ele não foi vítima ou passivo naquela situação. Ele queria, embora se detivesse até aquele momento fatídico.

- Precisava de uma desculpa. – murmurou para si mesmo – Eu queria apenas um motivo aceitável para fazer o que sempre desejei...

Desceu os degraus do trono, atordoado. Uma voz insinuante serpenteou sua alma. Não seja fraco. Não desista de seus objetivos, dizia ela. Não renegue seu destino. As sombras só existem porque a luz brilha. Existe alguém que só seja luz? Abandonará a possibilidade de disseminar a paz por medo da escuridão? Deixará de fazer um bem maior por receio de não ser pura luz? Covarde. Egoísta! Assim agiram os antigos jedi!

Estacou perto do passadiço ao lado do poço, onde travara o final do duelo com Vader... onde achava-se prostrado o corpo de seu pai. Sem a mão direita e com o elmo partido, o gigante de armadura encontrara o seu fim. O cheiro da fiação queimada exposta e dos produtos químicos vazantes de seu capacete ainda empesteavam o ar. Enrijeceu-se. Depois de caído, com a mão arrancada, Luke não se deteve em descer o sabre e quebrar-lhe a máscara, deixando-o em uma morte lenta, para logo depois atacar o Imperador.

Seu pai já se encontrava abatido e vulnerável e, mesmo assim, ainda o atingira mortalmente.. Queria matá-lo. Sim... fez conscientemente, apesar do frenesi da batalha. Não havia desculpas ou atenuantes. Nem mesmo o fato de que essa atitude desarmara o Imperador para alguma investida sua, deixando-o relaxado, pois imaginara que ele, Luke, sucumbira ao Lado Sombrio. Sua majestade jamais esperaria, naquela altura, a lâmina de seu futuro discípulo em seu coração.

Vader. Deixar um ser tão perigoso e maléfico vivo, já derrotado e impotente, seria atitude de um jedi...? Normalmente, sim, acreditava. No entanto, Yoda e Obi-Wan o enviaram para assassinar o próprio pai... Realizara o que seus próprios mestres mandaram. Fizera o que seus amigos e irmã aprovariam. Exterminara um ser maligno.

Então, por que o amargor que travava sua garganta?

Um gemido fraco, tão fraco que não seria escutado se não fosse o silêncio absoluto reinante naquele grande salão negro.

Luke caminhou para perto de seu pai, sua mão destra envolta na luva escura já a retirar o sabre encaixado do cinto. Aproximou-se cautelosamente, as luzes azuis do abismo de energia clareando seus passos e revelando parcialmente o rosto de seu pai envolto de fios, baterias e conexões, dentro dos destroços do elmo.

Ajoelhou-se ao lado dele. A máscara partida ocultava apenas parte de seu rosto. A face esquerda à mostra trazia um semblante que há vinte e quatro anos não recebia luz. Cicatrizes profundas naquele crânio calvo. Lívida a pele, emaciada, cortada em pequenas suturas pela secura intocada. Olheiras empapuçadas e roxas debaixo daquele olho azul. Aquele olho azul... no qual Luke viu seu próprio reflexo com o sabre a ser acionado, a fisionomia perturbada, os lábios contraídos. Aquele era ele mesmo?

Recolou sua arma no cinto, o coração pesado.

- Não vai me matar, meu filho? – a voz verdadeira, sem o respiradouro, sem alterações. Uma voz humana débil pela fraqueza, mas firme em seu timbre de barítono.

- Pensei ter te matado. – as palavras roucas dele carregavam vergonha – Não posso... mais.

- Você me matou, sim. Uma parte de mim. O que restou... não durará muito. Satisfaça sua raiva. Seria uma gentileza comigo.

Uma revolta ameaçou crescer, a mágoa, a fúria. Entretanto, foi a tristeza que o infestou, que o trucidou, que o venceu. Os sentimentos sombrios, porém, mantiveram-se a postos, enclausurados por uma cadeia muito frágil.

- Ainda desejando que eu me transforme, pai? Ainda me atraindo para o Lado Sombrio?

- Não... justamente o contrário. Quero que a abandone aqui, comigo, de uma vez por todas.

A surpresa espantou seus fantasmas e Luke se desarmou por completo.

- Não... não te entendo.

- Se me odeia tanto a ponto do que fez, termine com isso e deixe essas sombras irem comigo. Se é preciso a minha morte para você se libertar delas... faça.

Luke balançou a cabeça negativamente. Onde estava aquele ódio, aquela fúria justificada? Onde estavam seus planos de levar a paz para a galáxia sob uma firme mão pesada? Onde estavam suas certezas obscuras, sonhadas no trono? Seus castelos de grandeza, tão sedutores e tão concretos se diluíam diante de seu inimigo caído. Seu pai. Seu pai... para quem ele não hesitara em descer o sabre para tirar-lhe a vida.

- Tire o que sobrou da minha máscara, Luke. Por favor... tire isso de mim.

Contendo um soluço, Luke cuidadosamente desencaixou as últimas conexões do elmo, partindo o pedaço da máscara trincada. Todo o rosto de seu pai veio à mostra. Outras fissuras. Outras marcas. Outras tristezas. Outras amarguras.

- Eu queria... ter salvado você. E te destruí.

- Não. Quase se perdeu para me salvar. E salvar sua irmã.

- Não, pai. Ia me perder por mim mesmo. – as palavras quase não saíram, a clareza da lucidez revelando verdades terríveis – Tudo estava dentro de mim... sempre. Se não fosse aqui, teria sido em outro lugar, em outra situação. Você não é o responsável pelo o que fiz contigo. Não te ataquei somente por causa de Leia.

- Compreendo. Compreendo muito bem...

Uma tosse o sufocou e ele não conseguia mais respirar. Luke o levantou um pouco e sentou-se, colocando sua cabeça em colo.

- Quis salvar sua mãe também. – disse após recuperar o fôlego – Me desesperei com a visão da morte dela... e sua. Fiz tudo para salvar vocês dois. Me tornei isso. Mas, no fundo... não era só por vocês. Eu desejava... eu queria... o poder. Queria mudar... tudo. Queria ter a galáxia em minhas mãos para que todos vivessem em paz. Na minha paz. – um sorriso torto provocou mais rugas melancólicas em seu semblante – Minha paz... que só trouxe guerra. Que levou Padmé para longe de mim. Que colocou meus filhos contra mim.

Luke apertou a mão restante de seu pai, as lágrimas agora riscando seu rosto bronzeado sem impedimentos. Elas riscavam suas faces como fogo, marcando seu rosto para sempre.

- Perdoe-me. Perdoe-me, pai. Sentia que havia o bem ainda em você e mesmo assim, quis te destruir. Te abandonei. Te traí. Queria vencer o mal... em você. O mal... em mim.

- Não precisava. Nunca... precisou. Você estava certo sobre mim. Não conseguiria te matar, como não consegui antes. – apertou a mão do filho – Também acreditava em você. Não me matou, mesmo quando mais desejou.

- Precisava fazer o que fiz. Precisava destruir o Imperador... mas não desse jeito. Não a esse custo.

- Luke... escute-me. Você já havia vencido antes mesmo de se entregar. Ele previu isso. Ele sabia que não teria você. Que você morreria ou o mataria. Era uma guerra vencida. Por isso, o Imperador te temia tanto.

- Mas pai... então por quê...?

- Na arrogância dele, o Imperador acreditava ser tão poderoso capaz de te corromper. Ou de te matar, se fosse preciso... através de mim. Esse foi o engano dele. Eu... desejava você perto de mim. Nós dois, no trono... juntos.

- Estamos juntos, pai. Estamos juntos agora.

De repente, a enorme janela se iluminou toda em tons vermelhos e amarelos. O chão estremeceu e ferragens despencaram no teto e das paredes. Luke abaixou-se e protegeu seu pai com o próprio corpo, enquanto desviava os destroços deles com a Força.

- Deixe-me, meu filho. Vá.

- Não vou deixá-lo, pai.

- Diga à sua irmã. Diga... que você estava certo sobre mim. Deixe-me...

- Não. Você vem comigo.

- Estou morrendo, Luke. Nada pode impedir isso.

- Se tiver que morrer, não será aqui. Você não pertence mais a esse lugar.

Abraçou o pai, levantando-o. Seus músculos desenvolvidos pelo treinamento jedi não eram o suficiente para levantar aquele gigante caído. Arreganhou os dentes, concentrando-se, a Força correndo por suas veias, por seus músculos, por seu espírito, dando-lhe a capacidade de levantar seu pai naquela armadura.

E os dois caminharam a passos trôpegos para longe daquele salão negro, para longe da escuridão.

***

Quando as labaredas alcançaram o céu estrelado de Endor, parte do coração de Luke se foi com o corpo de seu pai. A fumaça saia pela máscara trincada, como se libertasse finalmente Anakin Skywalker de todas as dores e ambições que o transmutarem em Vader.

A suave brisa da noite desmanchava os cabelos louros dele. Em sua mão direita, a tocha em chamas. Fogo... fogo que destruía. Fogo que limpava. Fogo que destruía para criar.

Esperava que estivesse em paz, finalmente em paz. A sensação que feria sua alma era que seu pai vivera sempre em guerra consigo mesmo, debatendo-se como um pássaro engaiolado, quando não existia nada que o prendesse, a não ser ele mesmo. Nesse desespero em libertar-se, aprisionou-se em ilusões, em paixões, em ódio. Cortara suas próprias asas. Fora preciso que ele se queimasse até a última emoção para ser livre.

Enquanto a fumaça se elevava até às estrelas, Luke travou a mandíbula, semicerrando os olhos. Ele ficara. Ele estava... preso. Escapara da Estrela da Morte. Escapara da própria morte, mas não sem um custo muito alto. Por pouco – muito pouco – não imergira nas sombras. Por um quase nada, chegara a matar Vader e a transformar-se em Vader. Fora Anakin, seu pai, que o puxara da escuridão.

A gratidão por seu pai era doce, pois ele acabara, de certa forma, dando sua vida para salvar o filho. Porém, a derrota era amarga. A derrota dele, Luke, em relação a si mesmo. Ele falhara consigo mesmo. Ele falhou em ser um jedi. Ele se deixou seduzir. Por alguns momentos, abraçara as sombras conscientemente. Por alguns momentos, levaria a todos consigo na escuridão.

Até aquele momento, sentado no trono, não conhecia realmente esse ímpeto e desejos seus profundos. Vivera iludido consigo mesmo, blindando-se de boas intenções, acochegando-se no amor de seus tios, de seus poucos amigos, de sua irmã. Não havia como esconder-se de si agora. Escapara... de si mesmo, mas teria que viver com aquela cicatriz que ele mesmo se infligira.

Jogou a tocha na fogueira e cerrou os punhos, contendo a luz que se irradiava de suas mãos. O poder. O intenso e inebriante... poder. Fechou os olhos. Essa lembrança não o abandonaria. Teria que sempre conviver com a tentação, a um passo da queda. Ter aquele poder todo sem estar preparado era como andar sobre as águas, olhando para o fundo, afundando-se e reerguendo-se. Yoda teria enfrentado essa situação? Teria custado seus novecentos anos para sentir-se seguro quanto ao que levava consigo? E Obi-Wan, que parecia estar além de qualquer provação...? Como, como ele adquirira aquela serenidade e mansidão?

Ou então eles não sabiam. Será que seus mestres foram tão fortes na Força quanto ele era? Quanto seu pai assim fora...? Ou essa tentação só pertencia aos Skywalkers, deixando todos os outros seres à parte? O Imperador... ele não vivera em conflito. Ele se entregara, se integrara, se dera ao Lado Sombrio. Seu pai também.

E ele mesmo... por um breve espaço de tempo.

Sentiu-se só... completamente só. Sempre se sentira à parte dos outros e agora compreendia a real razão.

Leia. Leia... Seria ela também...? Sua irmã. Seu sangue. A Força nos Skywalkers. Deveria treiná-la...? Ela passaria pelo o que ele passou...? Faria isso com ela, sua doce Leia, expô-la a essas incertezas? Treinaria sua irmã para ser um jedi?

Balançou a cabeça, desolado. O que aprendera dessa lição é que sua decisão, fosse qual fosse, não poderia cercear a escolha de ninguém, muito menos a dela. Todos deveriam escolher por si próprios como viver. Em meio a erros ou a acertos, a tristezas ou alegrias. Ele não podia intervir na escolha. Interferir nas consequências, com certeza, quando essas colocassem outros sob servidão, sob sofrimento, sob morte. Porém as decisões pertenciam a cada ser senciente.

Sua irmã deveria escolher. E ele deveria aceitar o que ela decidisse.

Outros seres sensíveis à Força rondavam pela galáxia, distraídos, podia sentir. Pequenas ondulações na Força, alguns em paz, alguns em conflito, porém todos na ignorância de si mesmos. Eles também tinham a liberdade de escolha. Mas ele, Luke, não. Pois, se a escolha de Leia e de outros fossem trilhar os caminhos da Força, precisariam de um professor.

De um mestre.

Ele era o único com algum conhecimento. Sendo o último ser vivo alguma experiência consciente na Força, não havia como se furtar.

Não se via como um jedi. Via-se como um andarilho dentro de si mesmo, arranhado por dentro, destruído em suas ilusões sobre ele mesmo. Como seria um mestre...? Sem alguém para orientá-lo. Sem respostas a um zilhão de perguntas que o alfinetavam. Sem um igual para contê-lo, se um dia fosse necessário.

Respirou profundamente, captando as estrelas no céu escuro de seus olhos fechados. Teria que se fazer por si mesmo. Teria que ser melhor, não apenas por si mesmo, mas por todos... para todos. Porque a diferença entre viver na luz ou na escuridão dependia de um ínfimo instante de consciência a ser mantido aceso. Precisava de conhecimento. Precisava de mais do que já aprendera até então.

Abriu os olhos e as estrelas reais encheram sua visão, acoplando-se à visão interna, sobrepondo uma à outra. . Livros... livros empoeirados à sua espera. Uma ilha... uma serena ilha verdejante, cercada de um mar revolto. O templo jedi. O primeiro templo jedi. Sim... o caminho se mostrava para ele, como uma teia luminosa entre as estrelas, formando um mapa entre as constelações.

Ahch-To.

Não possuía ilusões. Não bastaria o conhecimento para torná-lo sábio e tornar o poder pulsante em si um instrumento e não uma arma. No entanto, seria um começo para que ele se realmente se visse como um jedi e, quem sabe, capaz de bem ensinar sobre a Força a quem desejasse, sem lhes causar mal.

Teria que adiar essa busca, por enquanto. O Imperador caíra, mas o Império, não. Como um ser acéfalo, o todo se esfacelaria em partes. Partes comandadas por generais ambiciosos, egocêntricos e vaidosos o bastante para pretenderem avocar a si o poder central. Em contrapartida, a Aliança se organizaria não mais como uma rebelião, e sim como proto-governo, onde lutaria para reorganizar as forças existentes e contra os fragmentos vivos de um império morto. Leia estaria à frente. Ela precisaria dele ao seu lado.

Uma perturbação na Força, um chamamento. Leia. Preocupada com ele. Desejava tê-lo em seus braços, para garantir, para ter certeza que ele sobrevivera. Ela confiava em seus instintos, pressentimentos ancorados na Força, mas sempre prescindia do concreto, no que podia tocar e ver.

Ela necessitava dele... agora.

A fogueira se abrandara, mais em brasas do que em chamas. Quanto tempo passara meditando?

Seu pai se fora. Fora-se completamente. Mas seu amor por ele, não. Sorriu, melancólico e deu as costas para a pilha crematória. Despediu-se de seu pai. Não saberia se voltaria a vê-lo ainda em vida. Nutriu a esperança que Obi-Wan e Yoda o auxiliassem a se encontrar na Força. Quem sabe, um dia... um dia poderia vê-lo em espírito, olhar novamente para ele, falar novamente com seu pai, sem a armadura de Vader. Sem nenhum resquício do monstro. Só seu pai, como ele era. Como deveria ter sido sempre.

Com um suspiro, embrenhou-se na floresta de Endor. Era uma boa caminhada até a aldeia dos Ewoks. Ele seguiria pela escuridão, guiado pelas estrelas e pelo amor de Leia. Não teria como se perder.

***

Nota: Obrigada por ter lido esta história. Espero que tenha gostado. Caso tenha alguma imagem ou arte que deseje que eu escreva sobre, é só deixar recado nos comentários ou no inbox.

March 10, 2019, 2:39 a.m. 0 Report Embed Follow story
0
The End

Meet the author

Jidiy * Alguém que sonha

Comment something

Post!
No comments yet. Be the first to say something!
~