lara-one Lara One

Mulder tenta começar uma nova vida, ao lado da irmã. Mas o que essa verdade trouxe para ele? Samantha ainda significa tanto em sua vida? E Mulder, não é um mero estranho na vida dela? Como se comportariam cara a cara, depois que soubessem e refletissem tudo o que aconteceu? Mulder seguiu até aqui só por ela? Ou porque gosta do que faz?


Fanfiction Series/Doramas/Soap Operas For over 18 only.

#arquivox
1
5.3k VIEWS
Completed
reading time
AA Share

S02#04 - ANJOS E DEMÔNIOS


INTRODUÇÃO AO EPISÓDIO:

Fade in.

Mulder, sentado numa plataforma de pesca, com os pés dentro da água, as calças dobradas por sobre o joelho. As mangas da camisa também dobradas. Mulder olha para o horizonte. Olhar perdido no mar.

MULDER (OFF): - De tanto amor minha vida se tingiu de violeta ... e fui de rumo em rumo como as aves cegas... até chegar a tua janela, amiga minha: ... tu sentiste um rumor de coração quebrado... e ali da escuridão me levantei a teu peito, ... sem ser e sem saber fui à torre do trigo, ... surgi para viver entre tuas mãos, ... me levantei do mar a tua alegria. ... ninguém pode contar o que te devo, é lúcido ... o que te devo, amor, e é como uma raiz ... natal de Araucânia, o que te devo, amada... é sem dúvida estrelado tudo o que te devo, ... o que te devo é como o poço de uma zona silvestre ... onde guardou o tempo relâmpagos errantes*.

VINHETA DE ABERTURA: LA VERDAD ESTÁ ALLÁ AFUERA

*Pablo Neruda


BLOCO 1:

Escola Pública de La Macella – Venezuela

Sábado – 8:06 A.M.

Sala de aula, cheia de adolescentes, burburinho geral. Eles conversam entre si, cada um em sua classe. Riem, cochicham, bagunça geral.

Mulder entra, segurando alguns livros. Coloca-os sobre a mesa do professor. Põe as mãos na cintura e olha pra eles.

Os adolescentes continuam indiferentes à presença dele. Mulder, tenso, bate com a mão sobre a classe. Todos viram-se, ficando quietos. Mulder olha pra eles, sério.

MULDER: - Ok... Espero que me entendam porque ‘no hablo español’. Meu nome é Mulder. Sou o novo professor de inglês. Portanto, as questões devem ser feitas em inglês, ok?

A garotada olha assustada pra Mulder. Mulder também está assustado. Abaixa a cabeça e fala pra si mesmo.

MULDER: - O que eu estou fazendo aqui?

Eles olham com expectativa pra ele. Mulder pega um giz. Enquanto fala, sinaliza o que vai fazer e o que eles devem fazer.

MULDER: - Copiar, entenderam? Escrever em seus cadernos...


11:46 A.M.

Os alunos saem correndo pela porta. Mulder senta-se. Abaixa a cabeça e a sustenta com os braços apoiados na classe. Rosa, a simpática diretora da escola, encosta-se na porta, cruzando os braços e olhando pra Mulder.

ROSA: - Como foi seu primeiro dia, professor de inglês?

Mulder ergue a cabeça.

MULDER: - Acho que eles não me entendem!

Rosa aproxima-se.

ROSA: - Claro que entendem. Já possuem algum conhecimento. Eu não entregaria novatos nas suas mãos. Não faria isso com você.

MULDER: - Parecia que olhavam pra mim como se eu fosse um alienígena... Quando me virava, ouvia cochichos em espanhol. Levava bolinhas de papel na cabeça... Essas coisas que você pensa que só você fazia e que um dia nunca vai te acontecer...

ROSA: - (SORRI) Você vai se acostumar. Foi uma sorte ter aparecido. Estávamos há muito querendo um professor que não falasse nossa língua. O método é melhor, eles não têm como conversar em espanhol e muito menos como fazer traduções. Isso impede o ensino, porque nunca há tradução correta entre as línguas.

MULDER: - Há quanto tempo está nisso, Rosa?

ROSA: - No curso de inglês? Há um ano. Na escola, há vinte!

MULDER: - É muito tempo para levar bolinhas de papel na cabeça...

ROSA: - Você vai pegar a febre, Mulder. Ensinar é uma febre. Quando você começa, nunca mais termina. Apega-se aos alunos. Faz parte da vida deles e eles da sua.

MULDER: - Preciso de uma ajuda.

ROSA: - Fale.

MULDER: - Como se diz ‘calem a boca’ em espanhol?


12:03 P.M.

Mulder caminha pela beira da praia, segurando o paletó por sobre o ombro. Com a outra mão segura os sapatos. Alguns pescadores retiram redes do mar. Olham pra Mulder. Um dos homens acena. Mulder retribui acenando. O homem vira-se para o outro.

PESCADOR: - É o novo professor. É americano. Gente fina!

Eles olham curiosos pra Mulder. Mulder continua caminhando, até entrar numa pequena casa com varanda, que dá na praia. Samantha está na cozinha.

SAMANTHA: - Fox! Que bom que chegou! Estou fazendo um almoço e garanto que não terá erros dessa vez! Aprendi a cozinhar!

Mulder sorri. Senta-se exausto numa cadeira. Atira o paletó na outra.

MULDER: - (SUSPIRA) Que saudade do FBI!

SAMANTHA: - Por que diz isso?

MULDER: - Enfrentar caras armados, monstros e alienígenas é piada, diante de um bando de garotos nada civilizados! Estou um caco!

SAMANTHA: - Vai se acostumar. (FELIZ) Ah! Consegui um emprego naquela loja.

MULDER: - Sério?

SAMANTHA: - Sério. O salário é modesto, mas pelo menos vai dar pra ajudar. E estou aprendendo algumas coisas em espanhol com a senhora Thomaz.

MULDER: - Deveríamos ter ido pra Austrália! Fiquei quase dez minutos na mercearia tentando explicar que queria comprar pão!

SAMANTHA: - Desafios, Fox. Você gosta disso.

Mulder levanta-se. Vai até a porta. Pára. Vai até a varanda e deita-se numa rede. Fecha os olhos.


7:21 P.M.

[Som: Mr. Mister – Broken Wings]

Mulder, sentado na varanda, numa cadeira de balanço, observa os pescadores na praia. Samantha sai da cozinha, vai pra varanda. Está toda arrumada, num vestido.

SAMANTHA: - Não quer sair?

MULDER: - Não.

SAMANTHA: - Fox, precisa conhecer pessoas.

MULDER: - Odeio pessoas.

SAMANTHA: - Fox! Como pode odiar sua própria espécie!?! Eu quero mais é ficar com os humanos, me sinto segura entre eles!

MULDER: - Eu sempre preferi conviver com os alienígenas. Eles não falam.

SAMANTHA: - Bata em sua boca, Fox! Nunca diga isso, não sabe do que está falando!

MULDER: - Vá se divertir. Quero ficar aqui.

Samantha olha pra ele.

SAMANTHA: - Eu sei em quem está pensando...

MULDER: - ...

SAMANTHA: - Vejo você amanhã.

MULDER: - Tome cuidado com esses caras! Você não conhece as maldades do mundo!

Samantha sai. Mulder a acompanha com os olhos. Desvia o olhar para o mar. Levanta-se. Vai para seu quarto. Atira-se na cama, agarrando-se aos lençóis, derrubando lágrimas.


Escola Pública de La Macella

Segunda-feira - 3:02 P.M.

Mulder observa os alunos, enquanto está sentado. Com o braço sobre a classe, estalando os dedos das mãos, nervoso. Os alunos estão fazendo exercícios no livro. Um deles levanta o dedo. Fala em inglês, muito mal falado.

PABLO: - Professor, como diz barco em inglês?

Rúbia levanta-se. É uma bonita adolescente de longos cabelos negros, mas com roupas rebeldes, bem desleixada, que mais parece um moleque do que uma moça.

RÚBIA: - Boat, Pablo.

A garota olha pra Mulder e sorri. Mulder retribui um sorriso cansado. Um aluno ergue o braço. Mulder olha pra ele.

PEDRO: - Professor, donde és?

MULDER: - Não falo espanhol. ‘No compreendo!’

PEDRO: - De onde vem, professor?

MULDER: - Ah, sou dos Estados Unidos.

PEDRO: - É um bom lugar pra morar?

Todos param de fazer os exercícios. Olham atentos e curiosos pra Mulder.

MULDER: - É, é bom.

Outro se intromete.

ESTEBAN: - É verdade que lá não existem pessoas pobres?

MULDER: - Isso é besteira! Existem pobres sim.

Os alunos se interessam pelo assunto.

GABRIELA: - Professor, acha que vamos falar inglês algum dia?

MULDER: - Acredito que sim. Só depende de vocês praticarem.

HERNANI: - Professor, você é democrata ou republicano?

ANITA: - Professor, como funciona o sistema de ensino por lá?

JOSÉ CARLOS: - Professor, é verdade que existem muitos empregos no seu país?

JUAN: - Professor, e o caso do Bill Clinton com a Mônica Levinsky?

MARIA LÚCIA: - Professor, onde fica Hollywood?

As perguntas começam a surgir. Mulder se surpreende. Não sabe o que responde primeiro.


4:31 P.M.

Rosa passa pela sala de aula. Pára. Olha pela janela, incrédula.

Os alunos fizeram uma roda com as cadeiras e conversam com Mulder que explica coisas pra eles. Rosa sorri.


6:14 P.M.

[Som: Lulu – To Sir, with love]

Os alunos saem, um por um, despedindo-se de Mulder. Mulder despede-se deles em espanhol. Está mais aliviado, até consegue sorrir com a situação.

Rúbia aproxima-se, segurando os livros contra o peito.

RÚBIA: - Saiu-se bem, senhor. Acho que agora está mais calmo.

MULDER: - Confesso, estou.

Rúbia estende a mão.

RÚBIA: - Meu nome é Rúbia.

Mulder a cumprimenta.

MULDER: - Mulder.

RÚBIA: - (RINDO) Mulder não é nome.

MULDER: - ... Fox Mulder.

RÚBIA: - Fox?

MULDER: - É, mas não espalha. Eles vão ter mais um motivo pra rir da minha cara.

Rúbia começa a rir.

MULDER: - Oh, viu só? ... Você fala muito bem inglês.

RÚBIA: - Eu gosto de inglês. Quero morar no seu país.

MULDER: - ...

RÚBIA: - Vejo que sempre vai pela praia.

MULDER: - É, gosto do mar.

RÚBIA: - Posso acompanhar o senhor, professor? Moro perto da sua casa. Assim posso praticar o meu inglês...

MULDER: - Claro.

Mulder pega os livros. Os dois saem da sala.


9:17 P.M.

Mulder, sentado na varanda, de pés descalços, sem camisa e de calças jeans. Olha pro céu. Rabisca num diário, algumas palavras. Samantha vem chegando.

MULDER: - Estava preocupado com você.

SAMANTHA: - Me esqueça, Fox!

Samantha entra na casa. Mulder levanta-se. Vai atrás dela.

MULDER: - Te esquecer? Acho que você me esqueceu! Estou aqui, tentando ser o irmão que eu não fui, tentando cuidar de você, mas parece que não liga pra isso!

SAMANTHA: - Eu não te pedi nada, Fox! Nada!

MULDER: - (INCRÉDULO) ...

SAMANTHA: - Você não se importa comigo!

Mulder olha pra ela. As lágrimas enchem seus olhos.

MULDER: - Eu dei minha vida por você, Samantha. Como pode me pedir que te esqueça? Perdi momentos que nunca mais terei, minha juventude, minha carreira como psicólogo, a mulher que eu amo. Nunca mais diga que não me importo com você!

SAMANTHA: - Você perdeu porque quis! Perdeu porque você gosta de perder! Porque nunca foi um psicólogo, nunca amou ninguém e escolheu a solidão! Não jogue sua culpa em cima de mim!

Mulder fica chocado com as palavras dela. Senta-se numa cadeira.

MULDER: - ... Eu não acredito no que estou ouvindo!

SAMANTHA: - Fox, eu sou uma pessoa diferente! Você não me conhece! Aquela menina se foi! Aquele menino também! Não temos mais nada em comum e você sabe disso! Passei apenas 8 anos de minha vida com você! E 26 anos longe da sua companhia! Portanto, não me venha com essa história de novo! Eu estou enterrando um passado, eu vivi sozinha, por mim mesma! Não preciso de você agora! Eu não te conheço e você também não me conhece!

Samantha entra em seu quarto, batendo a porta. Mulder volta pra varanda. Desce as escadas e vai pra beira da praia.

Mulder senta-se na areia. Olha pro mar. Dobra os braços sobre as pernas e abaixa a cabeça. Começa a chorar, desesperado. Encolhe-se, com medo do que ouviu.


Escola Pública de La Macella

Terça-feira – 2:07 P.M.

Pedro esgana Pablo, outros moleques ficam na torcida e incentivando. As meninas conversam alto, sentadas em cima das classes, em grupinhos. Alguns garotos fazem guerra de pedaços de giz.

Mulder entra cabisbaixo na sala.

Os adolescentes todos tomam seus lugares e se aquietam.

Mulder coloca os livros sobre a classe. Está visivelmente triste.

MULDER: - Peço desculpas à todos pelo meu atraso.

Os alunos se entreolham. Mulder senta-se. Abre a lista de chamada.

MULDER: - Anita?

PEDRO: - Não veio, professor. Tá com febre.

MULDER: - Carlos?

CARLOS: - Aqui, chefe!

MULDER: - Esteban?

ESTEBAN: - Presunto!!!!

MULDER: - Estela?

ESTELA: - Aqui!

MULDER: - Fátima?

FÁTIMA: - Presente, profe.

MULDER: - Gabriela?

GABRIELA: - Presente, professor...

MULDER: - Gra... Grei..?

GRAÇA: - Aqui! É Graça, professor.

MULDER: - Her... Hernani.

HERNANI: - Se pronuncia Ernani, sôr, não “Rernani”.

MULDER: - Obrigado pela dica gramatical. Iolanda?

IOLANDA: - Aqui! Atrás desse cabeçudo.

Iolanda acerta um tapão na cabeça de Pedro. Os outros riem.

MULDER: - José Antônio?

JOSÉ ANTÔNIO: - Tô na área!

MULDER: - José Carlos?

GABRIELA - Foi no banheiro.

MULDER: - Juan?

JUAN: - (DORMINDO NA CLASSE) Zzzzzzzz...

Gabriela sacode o colega. Juan, meio dormindo, ergue a mão. Volta a dormir.

MULDER: - Maria Lúcia?

MARIA LÚCIA: - Aqui!

MULDER: - O... O...

OLAVO: - Olavo, gringo. O-L-A-V-O.

MULDER: - Pablo?

PABLO: - Sim mestre!!!

MULDER: - Pedro?

PEDRO: - É “nóis” na zona!

MULDER: - Rúbia?

RÚBIA: - (SUSPIRA) Presente, professor.

Os meninos começam a rir.

Corta pra Rúbia: visual completamente modificado. Cabelos penteados, roupas bem cuidadas e modernas, ares de mocinha.

Mulder fecha a lista de chamada e abre um livro.

MULDER: - Abram o livro na unidade 10, página 34.

Eles se entreolham e abrem os livros.

MULDER: - Quero que façam os exercícios dessa unidade. O que não entenderem, por favor me perguntem.

Mulder fecha o livro e vai para a porta. Escora-se e observa o horizonte. Os alunos começam a cochichar.

PEDRO: - O que houve com ele?

JOSÉ CARLOS: - Parece que andou chorando...

GABRIELA: - Me disseram que ele brigou com a esposa. Não sabem o que falaram, ninguém entende nada mesmo. Mas eles estavam gritando um com o outro.

Rúbia olha pra Mulder com piedade.

PABLO: - Por que será?

GABRIELA: - Sei lá, mas deve ter sido sério.

Mulder entra na sala. Olha pra eles furioso.

MULDER: - Eu pedi que fizessem os exercícios! Não que ficassem cochichando pelos cantos!

Eles se calam. Mulder sai da sala. Eles continuam a cochichar.


6:03 P.M.

Mulder está sentado sobre a classe. Os alunos vão saindo. Pedro e Rúbia param na frente dele.

RÚBIA: - Professor, vamos dar uma festa na Sexta-feira e gostaríamos que você fosse.

MULDER: - (INCRÉDULO) Eu?

PEDRO: - É. A galera o considera um cara legal e... Achamos que iria se divertir.

MULDER: - Não gosto de dance music. É o som de um bate-estaca irritante.

RÚBIA: - Não vamos ouvir dance. Vamos fazer um lual na praia, com violão. Gosta de música latina?

MULDER: - Conheço pouca coisa... Gloria Stefan?

PEDRO: - Cara, cê tá por fora! Vai ter que chegar no pedaço. Precisa se enturmar.

MULDER: - Não sou velho demais pra isso?

PEDRO: - Seguinte, a gente te escolheu pra ser o nosso guru. Já votamos em você pra ser o nosso professor regente. Puxa, considere-se feliz por isso. Não curtimos muito essa velharada da escola. Mas você é legal.

MULDER: - (INCRÉDULO) Guru? Eu? Guru de alguém? Vocês mal entendem o que falo!

PEDRO: - Vai nessa, professor. Acho que tá precisando curtir um pouco.

MULDER: - Vou pensar no assunto... (OLHA PRA RÚBIA) ... Está diferente... O que houve com você?

RÚBIA: - (OLHOS BRILHANTES/ SORRI) O... O senhor notou?

MULDER: - É. Você está mais bonita assim.

PEDRO: - Acho que algum bicho mordeu ela, professor. Deve estar apaixonada. Sempre foi uma rebelde, agora tá se achando uma mulher...

Rúbia o belisca.

MULDER: - Não seja indelicado com sua colega. Ela é uma garota. E garotas gostam de se arrumar.

PEDRO: - Por falar em garota, quiser levar alguma garota, pode levar. Me entendeu, né? Camaradagem, professor. Sigilo total.

Os dois saem. Mulder começa a rir.

MULDER: - Guru... Professor... Acho que tenho mais palavras pra acrescentar no meu dicionário de experiências bizarras. Crianças...


BLOCO 2:

9:11 P.M.

Mulder, sentado na praia, observa os pescadores jogarem as redes. Samantha aproxima-se. Senta-se a seu lado.

SAMANTHA: - Me desculpe por ontem à noite.

MULDER: - (CHATEADO) Você falou o que queria falar.

SAMANTHA: - ... Fox, estamos nesse lugar há um mês. Há um mês que toda a noite, quando deito, fico imaginando que eles estão voltando para me pegarem.

MULDER: - Samantha...

SAMANTHA: - Não, Fox, quero que me escute. Obrigado é uma palavra que nunca vai significar o quanto fez por mim. Mas não pode tirar as experiências que tive da minha cabeça, você não é Deus, Fox. Não pode me proteger do mundo. Veja você mesmo! Olhe pra si! Não protege a si mesmo, como pode achar que vai me proteger?

MULDER: - Você me culpa por ter deixado te levarem.

SAMANTHA: - Não, não te culpo. Mas não quero ver você se culpando por algo que eu nem o culpo! Consegue entender o que estou dizendo?

MULDER: - ...

SAMANTHA: - Fox, passamos muitas coisas juntos. Coisas desagradáveis. Eu era pequena, não me lembro de nossos pais, mas sinto que as coisas não corriam bem naquela casa. Sinto que só tinha você. E era recíproco. Foi muito bonito, Fox. Mas tudo muda. As pessoas mudam. O mundo muda.

MULDER: - ...

SAMANTHA: - Eu sinto muito, mas preciso te dizer algo que... Que está trancado na minha garganta. Eu sofri muito, sofri no seu lugar. Eu fui mais vítima que você, porque não tive a sorte de ter um pai esperto, que me poupasse. Nem de ter uma mãe cuidadosa. Porque ela escolheu você. Ela pode ter dito que não, mas ela escolheu você, não eu! Era uma covarde, que nunca conseguiu fugir deles! Se eu fugi, você fugiu, por que ela não?

MULDER: - ... Mamãe te amava. Ela me odiou por te levarem. Ela nunca quis que eu ficasse. Ela amava você. Não eu.

SAMANTHA: - Fox, olhar pra você me lembra as coisas ruins que aconteceram. Me desculpe, mas é o que sinto. Olhar pra você me dá medo de que tudo aconteça de novo, porque estamos juntos aqui, sozinhos. Me faz pensar que é filho daquele maldito desgraçado que roubou minha vida e matou o meu pai.

MULDER: - Acha que eu não amava seu pai? Eu o considero meu pai, o único pai que conheci na vida!

SAMANTHA: - Mas ele era meu pai e não o seu pai. Sei que não tem culpa alguma do pai que tem e das coisas que ele fez. Mas eu quero esquecer aquilo tudo, Fox! E sua presença não me deixa!

MULDER: - ...

SAMANTHA: - (IRRITADA) Acha que sou uma criança? Você me vê ainda com oito anos! Eu vejo na minha frente um homem completamente desconhecido! Não há mais laços, Fox. Não há. Preciso que entenda isso. Eu agradeço por ter arriscado sua vida pra me tirar daquele país. Mas seu lugar não é comigo, Fox. É com Scully! Vocês se conhece bem. Sabem o que cada um pensa. Não é assim comigo, Fox. Vai perder a outra metade de sua vida por minha causa? Você não precisa de uma irmã ao seu lado. Precisa é de uma mulher!

Samantha levanta-se.

SAMANTHA: - Eu não vou perder mais nada, nem por você, nem por ninguém. Porque se eu estivesse no seu lugar, jamais te procuraria. Não desperdiçaria meu tempo e a metade da minha vida numa busca, que foi em vão.

MULDER: - (IRRITADO) Em vão? Como pode dizer isso? Você está aqui! Eu não desperdicei nada, não perdi nada, porque você está aqui! Valeu o esforço, não valeu?

SAMANTHA: - Foi em vão. Porque você não me encontrou. Eu te encontrei. E se, por acaso do destino, não tivesse te encontrado, eu teria fugido sozinha. E você continuaria achando que eu estava nas mãos dos alienígenas. E continuaria nessa sua vidinha miserável e só!

Mulder perde seu olhar para o mar, enquanto derruba lágrimas, ferido.


12:01 A.M.

[Som: Lulu – To Sir, with love]

Mulder continua sentado, com os pés no chão, na beira do mar. Olha pro oceano, pensando longe. Olhos inchados. Alguém aproxima-se e tóca seu ombro. Mulder ergue a cabeça.

RÚBIA: - Perdeu o sono, professor?

MULDER: - O que está fazendo numa hora dessas, sozinha nessa praia?

RÚBIA: - Ia perguntar a mesma coisa.

Rúbia senta-se. Puxa uma carteira de cigarro.

RÚBIA: - Quer?

MULDER: - Isso faz mal.

RÚBIA: - Mas é gostoso.

Rúbia acende um cigarro. Olha pro mar.

RÚBIA: - Fujo pra praia pra fumar escondida. Minha avó me entregaria ao meu pai.

MULDER: - Espero que fume só isso.

RÚBIA: - O senhor é careta, professor?

MULDER: - Não. Mas vi um amigo terminar sua vida por causa de drogas. Começou fumando e terminou morrendo com uma seringa na perna. Não tinha mais veias para furar.

Rúbia olha pro dedão do pé de Mulder, vendo uma cicatriz.

RÚBIA: - O que houve com seu pé?

MULDER: - Tive que fazer uma cirurgia às pressas.

RÚBIA: - ... (QUESTIONANDO-O)

MULDER: - Você não acreditaria.

RÚBIA: - Ah, professor, por favor!

MULDER: - ... Tirei um chip de metal.

RÚBIA: - Sério? O senhor já teve contato com alienígenas?

MULDER: - Conhece o assunto?

RÚBIA: - Claro que conheço. Nossa, estou com um abduzido em pessoa! Nunca conheci nenhum.

MULDER: - (DEBOCHADO) Muito prazer... Abduzido, às suas ordens.

Rúbia ri.

MULDER: - Não tenho certeza se era chip alienígena ou humano.

RÚBIA: - Aposto que tem muitas histórias pra contar.

MULDER: - E o que te faz pensar isso?

RÚBIA: - Sei lá. O senhor é calado, misterioso... Por que veio parar aqui, nesse fim de mundo? Eu não consigo entender. Eu daria tudo pra morar em seu país e o senhor vem morar aqui, na Venezuela? O que um norte-americano faria na América Latina a não ser por estar fugindo ou por roubar florestas?

MULDER: - (PÂNICO) Nossa! Essa é a visão que vocês latinos têm do povo norte-americano? Ladrões e oportunistas?

RÚBIA: - Nem queira saber as outras visões que temos... Fala, por que o senhor veio pra cá?

MULDER: - Primeiramente não me chame de senhor. Pareço até um velho!

RÚBIA: - (RINDO) ... Desculpe. É questão de educação.

MULDER: - Vim pra cá porque as mulheres daqui são bonitas...

RÚBIA: - Besteira! O senhor... Você está fugindo de alguma coisa. Não tem cara de quem quer roubar florestas.

MULDER: - ...

RÚBIA: - Tudo bem, não precisa falar.

MULDER: - Pensei que estava fugindo do passado. Mas não. Trouxe o passado comigo. Acho que fugi do futuro. Joguei o meu futuro na lata do lixo só pra fazer as pazes com um passado que... nunca foi meu.

RÚBIA: - Isso não é bom... Foi por causa da sua esposa?

MULDER: - Esposa?

RÚBIA: - É, aquela mulher bonita que mora com você.

MULDER: - (SORRI) Pensa que ela é minha esposa?

RÚBIA: - Pelo menos a comunidade comenta que você a deixa sair sozinha e que ela dança com outros homens...

MULDER: - Não, eu não sou casado. Ela é minha irmã.

RÚBIA: - Tome cuidado com esse povo daqui, professor. O lugar é pequeno, as línguas são grandes. Acho melhor deixar eles saberem que ela é sua irmã, porque se continuarem pensando que é sua esposa, vai ganhar apelidos nada legais por aí.

MULDER: - (RINDO) ... Valeu pelo aviso...

RÚBIA: - O que fazia no seu país? Lecionava inglês?

MULDER: - ... Não, mas isso não tem importância alguma.

RÚBIA: - ... Aposto que era mais um cara tentando ser ator.

Mulder olha pra ela, incrédulo.

MULDER: - Ator? O que te faz pensar que eu queria ser ator?

RÚBIA: - Sei lá, você é bonito. Parece aqueles galãs que a gente vê nos filmes de Hollywood. Que parecem só existir naquelas telas... Que a gente jamais encontraria na rua.

MULDER: - Puxa!! Pelo menos ouvi um elogio hoje! O dia não foi perdido.

RÚBIA: - Aposto que perdeu uma carreira e tanto!

MULDER: - Não, eu nunca me dei bem com essas coisas.

RÚBIA: - Seus pais ficaram por lá?

MULDER: - Eles morreram há muito tempo.

RÚBIA: - Sinto muito.

MULDER: - Você fala inglês muito bem... Eu não tive tanto tempo pra ensinar isso à você...

RÚBIA: - Meu pai é americano. Mas ele nunca fica por aqui. Então convivi com isso desde pequena. Tenho problemas pra escrever e ler. Não pra falar.

MULDER: - ...

RÚBIA: - As garotas da turma ficam olhando pro seu bumbum. Você foi escolhido o professor mais bonito da escola.

Mulder abaixa a cabeça e ri.

MULDER: - Por que me diz isso?

RÚBIA: - Sei lá. Gostaria que uma daquelas fofoqueiras passasse agora por aqui e me visse com você.

MULDER: - ... Que período bom da vida, sabia? As preocupações se resumem aos rapazes, ao novo disco da banda preferida, ao que usar na festa, a nova edição em que saiu o Leonardo di Caprio...

RÚBIA: - Por que me diz isso? Preocupações na sua idade são diferentes e horríveis?

MULDER: - Agora está novamente me chamando de velho mas sem usar a palavra senhor?

RÚBIA: - (RINDO) Não.

MULDER: - (RI)

RÚBIA: - Tem namorada?

MULDER: - Não.

RÚBIA: - Não deixou nenhuma por lá?

MULDER: - ...

RÚBIA: - Ah, não minta, professor! Não é um bom exemplo pra seus alunos.

MULDER: - Não sou um bom exemplo pra ninguém. Ouça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.

RÚBIA: - Gostava dela?

MULDER: - Ainda gosto.

RÚBIA: - Por que a deixou?

MULDER: - Porque sou burro.

RÚBIA: - Isso é algo difícil de admitir.

MULDER: - Se tornou uma constante em minha vida.

RÚBIA: - ... Por que não volta?

MULDER: - Não posso.

RÚBIA: - Querer ajuda, sabia?

MULDER: - Querer não é poder.

RÚBIA: - Quem te disse isso? Todos os caminhos levam à Roma. Algo parecido como aquele jogo do Kevin Bacon.

MULDER: - Que jogo?

RÚBIA: - Pense em um ator. Depois pense em outro que trabalhou com ele. No sexto ator que relacionar vai dar no Kevin Bacon. Não tem erro.

MULDER: - (DEBOCHADO) Acha então que a minha vida, em qualquer direção que eu tomar, vai terminar no Kevin Bacon?

RÚBIA: - (RI) Não!!! Vai terminar no seu destino.

MULDER: - Não acredito nisso.

RÚBIA: - Pense bem, deve ter motivos pra acreditar. O que está escrito, ninguém muda.

MULDER: - ... Acredita realmente nisso?

RÚBIA: - Minha mãe me ensinou isso. Ela sempre me diz em sonhos.

MULDER: - E conversam fora dos sonhos?

RÚBIA: - Não. Ela morreu quando eu tinha 6 anos.

MULDER: - Sinto por isso.

RÚBIA: - Não sinta. Eu a vejo sempre. Sempre está comigo, onde quer que eu vá.

MULDER: - ...

RÚBIA: - Sei até o dia em que vou morrer. 16 de setembro de 2.024...

MULDER: - Acredita em paranormalidade?

RÚBIA: - E não devia acreditar?

MULDER: - ...

RÚBIA: - Vou morrer nessa praia. Não sei como, mas vou morrer no mar.

MULDER: - Não tem medo disso?

RÚBIA: - Não. Gosto do mar. Do verde do mar.

Rúbia olha nos olhos dele.

RÚBIA: - O verde é um mistério, professor. É profundo.

Mulder desvia o olhar.

RÚBIA: - Misterioso, cheio de segredos. Mas sempre quer que alguém os desvende. Ora é calmo, ora é agitado. Nunca sabemos como estará no dia seguinte.

Mulder levanta-se.

MULDER: - Acho melhor você ir pra casa. Já está tarde e tem aula amanhã de manhã.

Rúbia levanta-se.

RÚBIA: - Moro com minha avó. Ela deve estar dormindo... Bom, lhe vejo amanhã à tarde, professor.

Rúbia sai caminhando lentamente. Mulder a acompanha com os olhos.


Escola Pública de La Macella

Quarta-feira – 2:01 P.M.

Mulder escreve algumas coisas no quadro. Os alunos entram. Sentam-se fazendo barulho, puxando cadeiras, agitação total. Mulder vira-se.

MULDER: - Ei, não podem ser mais silenciosos?

PEDRO: - E aí, mestre, vai falar sobre o quê hoje?

MULDER: - Que tal falarmos sobre boas maneiras?

PEDRO: - Ah não! Poderia dar uma aula sobre rock’n roll!

Alvoroço. Todos ficam concordando.

MULDER: - Por favor, gente, se acalmem! Vamos falar sobre rock’n roll então.

GABRIELA: - Que tal dar algumas letras pra gente?

PEDRO: - É, isso daí!

PABLO: - Prometemos que vamos cantar sem erro!

MULDER: - Tá, tá certo. Mas se desafinarem, eu atiro em vocês!

PEDRO: - Aí, o profe anda armado...

Mulder atira um giz na cabeça de Pedro.

MULDER: - Munição aqui não falta. Agora façam uma roda, eu quero olhar pro rosto de cada um.

PABLO: - Professor Murder...

Todos começam a rir.

MULDER: - Murder? Não, Pablo! (RINDO) Isso é o verbo assassinar! Não sou assassino! É Mulder o meu nome!

Mulder abaixa a cabeça, ainda rindo. A classe toda folga com ele.

MULDER: - Murder... eu não acredito nisso! Era só o que faltava...

PEDRO: - (FOLGANDO) Aí, professor ‘Murder’! Manda uma dos Ramones pra assassinar!!!!!


5:13 P.M.

Mulder escreve outra canção no quadro.

PEDRO: - Ô professor ‘Murder’, quando vai aplicar a prova?

JOSÉ CARLOS: - Shii, aposto que ele vai matar a gente!

Mulder vira-se pra eles.

MULDER: - Terça da semana que vem. E quero que vocês estudem. Dependo desse emprego e da avaliação de vocês.

PEDRO: - Se depender da avaliação das garotas, está contratado pela escola!

Os rapazes começam a rir. As meninas assoviam.

MULDER: - Quer saber? Pedro, vem você até o quadro. Já que está se sentindo o palhaço da turma.

PEDRO: - Eu? Eu mesmo?

MULDER: - Acho que só tem um Pedro nessa sala. Pra minha sorte! Vem aqui pra frente.

PEDRO: - Fazer o quê?

MULDER: - Eu dito e você escreve. Quero ver como andam seus ouvidos.

PEDRO: - Não mesmo, “Murder”. Eu não sou bom de ouvido. Tá tudo entupido de cera...

MULDER: - Eu te ajudo a desentupir com essa caneta.

PEDRO: - Ah, cara, qual é? Hermano...

MULDER: - Nada de espanhol! Isso é uma classe de inglês. Cada palavra que disserem em espanhol é menos um no meu caderno. Agora vem pra cá.

PEDRO: - ... Fuc...

MULDER: - Ah! Palavrões em inglês você conhece todos!

PEDRO: - Ah, sabe qual é, “Murder” é que eu vejo muitos filmes do Tarantino. Aliás, já contou quantas vezes a palavra fuc... ‘fumo’ é pronunciada em Pulp Fiction?

MULDER: - Não e nem quero saber. Não tenho tempo pra ficar contando. Venha aqui. Estamos aqui pra aprender, não é? Ou acha que vai conseguir ouvir televisão e conversar nos Estados Unidos se ficar com a cara grudada nesse livro? Aliás, fechem essa droga. Ninguém aprende nada por aí mesmo.

Todos fecham os livros. Pedro levanta-se. Todos começam a rir dele. Ele vai andando, requebrando como um malandro até a frente do quadro. Mulder entrega o giz. Olha pra classe.

MULDER: - O primeiro que rir de algum erro dele, será o próximo a vir pro quadro. E o “Murder” aqui não está brincando!


5:47 P.M.

Mulder fecha os livros. Olha para o relógio.

MULDER: - Ok. Quem pode me dizer quantos minutos faltam pra terminar a aula?

PEDRO: - Ah professor! Na sua idade você ainda não sabe ver as horas? Ali, oh, faltam treze minutos. Quando o ponteiro pequeno está...

Todos riem. Mulder olha debochado pra Pedro.

MULDER: - Muito engraçado. Quero saber as horas em inglês.

PEDRO: - Mas não sabe ainda? Que absurdo! Aí, oh, nos enrolaram, ele não é americano não!

Todos começam a rir. Mulder bate o livro na mesa.

MULDER: - Puxa vida, eu já ensinei as horas pra vocês!

RÚBIA: - Faltam treze minutos, professor.

MULDER: - Muito bem, Rúbia. Então vocês ainda têm treze minutos pra combinarem a festa de vocês.

Mulder senta-se. Alguns alunos levantam-se e vão para as classes dos outros, conversar.

Rúbia fecha os livros e debruça-se sobre eles.

Mulder olha pra ela. Ela ergue a cabeça e olha pra ele. Mulder disfarça.


Escola Pública de La Macella

Quinta-feira – 2:37 P.M.

Mulder anda de um lado para outro, por entre as classes.

MULDER: - Quem sabe me responder?

Todos se entreolham. Pedro levanta-se.

PEDRO: - Basebol!

MULDER: - Yes!

Pedro começa a comemorar.

PEDRO: - Eu sou um gênio! Eu sou um gênio!

Rosa bate à porta. Mulder vai até a porta. Abre. Rosa olha pra ele, assustada.

ROSA: - Mulder, acho que sua irmã está com problemas.

Mulder passa por ela e sai depressa. Os alunos ficam olhando pra ele pela janela. Rúbia levanta-se, preocupada.


BLOCO 3:

Posto Médico – 2:49 P.M.

Mulder entra numa sala. Samantha está numa cama.

MULDER: - Samantha, pelo amor de Deus, o que aconteceu?

SAMANTHA: - Eu desmaiei.

MULDER: - Desmaiou? Como assim desmaiou?

SAMANTHA: - ... Minha cabeça, Fox... Eu... acho que são efeitos colaterais...

Mulder puxa uma cadeira e senta-se ao lado da cama.

MULDER: - Samantha, acho que não pode trabalhar. É melhor ficar em casa, tem suas amigas que te fazem companhia...

SAMANTHA: - Não quero ficar em casa!

MULDER: - ... Então quer me causar problemas?

SAMANTHA: - (EMBURRADA) ...

MULDER: - Fizeram exames em você?

SAMANTHA: - Não!

MULDER: - Graças à Deus! (NERVOSO) Como ia explicar o monte de chips que tem espalhados pelo corpo? Como iria explicar essas cicatrizes? E os genes nada humanos que correm no seu sangue?

SAMANTHA: - (EMBURRADA, CRUZANDO OS BRAÇOS) ...

MULDER: - Meu Deus, Samantha! Não torne as coisas mais difíceis do que estão. Estou dando um duro danado pra te dar uma vida descente e você...

SAMANTHA: - Pois eu não quero nada de você, Fox!

MULDER: - ...

SAMANTHA: - Volte pros seus alunos. Eles precisam de conselhos. Eu não!

MULDER: - Ah, você não precisa... Quer saber de uma coisa? Pois eles têm mais experiência nesse mundo do que você!

SAMANTHA: - Fox!

MULDER: - Impressionante, Samantha. Olho pra você e vejo a mamãe. Você é igual à ela, impossível de se conviver!

Mulder sai do quarto batendo a porta. Algumas enfermeiras olham pra ele. Cochicham.


Escola Pública de La Macella

Sexta-feira – 2:01 P.M.

Os alunos entram na sala. Mulder está sentado sobre sua mesa. Pablo entra por último e bate a porta com força. Mulder olha pra ele.

MULDER: - Por que isso?

PABLO: - O quê?

MULDER: - Por que bateu a porta?

PABLO: - Não é costume americano?

MULDER: - (INCRÉDULO) De onde tirou essa ideia?

PABLO: - Minha tia que é enfermeira disse que você fez isso no ambulatório. Ela mora ao lado da sua casa e diz que você e sua irmã fazem isso sempre. É tradição americana, não é? Como aquela coisa dos gregos de quebrarem os copos depois de beberem...

Mulder abaixa a cabeça, incrédulo.

MULDER: - Daqui a pouco toda a cidade vai começar a bater portas e a comer sementes de girassol!


Casa de Mulder e Samantha - 7:37 P.M.

Mulder sai do banheiro, secando os cabelos. Vai até a cozinha. Há um bilhete na geladeira. Mulder aproxima-se e lê.

SAMANTHA (OFF): - “Fox, voltarei tarde, não me espere. Sam.”

Mulder tira o bilhete da geladeira. Joga no lixo. Abre a geladeira e tira uma caixa de suco. Larga a toalha sobre a cadeira. Imediatamente escuta a voz de Scully.

SCULLY (OFF): - Mulder, como pode fazer uma coisa dessas? Coloque essa toalha no banheiro já!

Mulder sorri. Larga o suco sobre a mesa. Pega a toalha e leva pro banheiro. Volta pra cozinha, pega o suco e vai pra varanda. Senta-se numa cadeira de balanço. Observa alguns garotos jogando futebol na areia. Mulder fica assistindo o jogo. Pablo sai do jogo e vai até a frente da casa dele.

PABLO: - E aí, professor, não quer jogar?

MULDER: - Não, obrigado. Sou zero em futebol.

Pablo volta pro jogo. Mulder pega seu diário que está sobre uma mesa. Pega a caneta. Começa escrever.

MULDER (OFF): - É difícil. Muito difícil. Coisas novas estão surgindo e isso até é muito divertido. Gosto do que estou fazendo, embora estivesse muito assustado há dias atrás. Mas sinto que falta alguma coisa por aqui. E nem preciso te dizer quem é... Scully, dormir à noite é como tentar lutar contra a corrente. Eu me lembro de você, eu sonho com você e até me pego sozinho, conversando com uma Scully imaginária... Tento parecer feliz pra não perturbar a Samantha, mas não estou feliz. As únicas horas em que me esqueço de você são durante a tarde, quando os alunos me tiram todos os meus conhecimentos parecendo vampiros! Quando volto pra casa, a sensação de vazio volta. Eu venho caminhando pela praia e olhando pra esse mar que nos separa. Às vezes penso em roubar um barco e correr pra você como um louco. Eu penso muito em você. Fico imaginado o que está fazendo agora... Fico imaginando coisas que não gostaria de descrever por não ter certas intimidades com o papel... Amo você, Scully, e te confesso: Queria estar aí. Ou que você estivesse aqui... Às vezes, quando me sento na praia à noite, vejo você surgindo por entre as ondas como um milagre que vem me salvar... Scully, isso não vai ser jogado numa garrafa ao mar, mas é um pedido de socorro: Me salve de mim mesmo. Estou morrendo, Scully. Morrendo aqui. E a dor maior é que eu escolhi isto...


3:27 A.M.

[Som: Mr. Mister – Broken Wings]

Mulder caminha na beira do mar, pés no chão, calças dobradas... As ondas passam por entre os pés dele. Mulder olha pra areia, pra água, pras conchinhas que a maré traz. Perdido, completamente perdido dentro de si. De repente, um objeto aparece se desenterrando da areia pela onda que fôra embora. Mulder agacha-se e puxa o objeto da areia. É uma bússola, muito antiga.

MULDER (OFF): - Ora veja só... Como o mar adivinha as coisas? Adoro objetos antigos...

Mulder coloca a bússola no bolso da camisa. O vento sopra arrastando a areia pela praia. Mulder segue caminhando. A água batendo em seus pés.

MULDER (OFF): - Scully... Acho que agora eu entendo o que tínhamos... Agora entendo tudo o que te neguei. Tudo o que tirei de você. Tudo o que você me deu sem nunca pedir nada em troca...’A não ser uma escrivaninha!’

Mulder sorri.

MULDER (OFF): - Escrivaninha. Agora você tem uma escrivaninha. Mas sei que não era desse jeito que a queria ter...

Mulder coloca as mãos no bolso e continua caminhando.

Uma mulher aproxima-se dele, vestida de branco. Mulder olha pra ela, pois ela tem uma beleza encantadora. Ela pára. Olha pra ele. Sorri, timidamente.

CARLA: - Pensei que fosse um assaltante. É uma cidade pequena, mas essas coisas podem acontecer.

MULDER: - Não, não sou um assaltante.

CARLA: - Eu sei. É o novo professor.

MULDER: - Pelo jeito estou famoso por aqui.

CARLA: - Quer me acompanhar? Me afastei demais de casa e pelo jeito você não está com pressa nenhuma.

Mulder sorri. Os dois caminham pela praia.

CARLA: - Falam muito de você por aqui. Te chamam de “O Americano”...

MULDER: - ... É melhor que me chamarem de...

CARLA: - “Murder”?

MULDER: - Como sabe?

CARLA: - Tenho uma filha em sua sala.

MULDER: - Quem é ela?

CARLA: - Você não a conhece. Ela é tímida demais, fala pouco.

MULDER: - ... Vocês por aqui costumam dormir tarde. Sempre tem alguém nessa praia.

CARLA: - Não, a essa hora, apenas eu costumo ficar por aqui. É um hábito de muitos anos, gosto de caminhar.

MULDER: - É americana? De onde é?

CARLA: - Boston.

MULDER: - Boston. Bom lugar pra se viver.

CARLA: - Não acho.

MULDER: - O que veio fazer aqui... Ah, me desculpe, isso não se pergunta.

CARLA: - Buscar coisas que havia perdido.

MULDER: - Uma bússola?

CARLA: - Não! (RINDO) Um passado.

MULDER: - Pelo jeito os americanos fogem pra La Macella em busca do passado.

CARLA: - Procura o seu?

MULDER: - Não. Eu já o encontrei. E confesso, está difícil de lidar com ele.

CARLA: - Talvez porque você não saiba lidar com ele. O passado tem que ficar distante pra poder perder-se em suas divagações.


5:03 A.M.

Mulder e Carla sentados na beira da praia. Conversam.

MULDER: - Nem sei porquê falei tudo isso.

CARLA: - Pode confiar em mim. Não revelarei a ninguém, nem à minha filha.

MULDER: - Acha que fui egoísta?

CARLA: - Não. Acho que seguiu um instinto mais forte. Acho que foi curioso. Não foi egoísta.

MULDER: - Mas eu a deixei. Depois de tudo o que ela fez por mim. Eu deveria estar lá, cuidando dela, abraçando a verdade dela. Só porque encontrei a minha verdade, não tinha o direito de abandoná-la no meio do caminho da sua.

CARLA: - Sina. Talvez precise passar por estas coisas para entender o que sua amiga significa pra você. Talvez ela precise passar por isso pra entender o quanto precisa de você. Ela é egoísta também. E lhe falta coragem para deixar tudo pra trás. Para admitir que gosta de você.

MULDER: - Como sabe disso?

CARLA: - Intuição feminina. Aposto que você disse mais vezes eu te amo do que ela.

MULDER: - ... Tem razão.

CARLA: - Porque é difícil pra ela dizer isso. Em sua cabeça, eu te amo significa fim da minha vida. Ela tem medo também. Nunca amou alguém desse jeito. Apegar-se pode significar perda, num futuro distante. E ela não quer perder.

MULDER: - Eu sinto isso também.

CARLA: - Então, professor, ambos são cabeças duras porque tem medo de se entregarem.

Carla levanta-se.

CARLA: - Bem, moro aqui, naquela casinha azul. Quando estiver precisando de uma amiga, se não me encontrar na praia, estarei aqui.

Carla afasta-se. Mulder levanta-se e a observa com os olhos. Ela entra na casa. Mulder volta caminhando pela praia.


Sábado – 8:07 A.M.

[Som: Lulu – To Sir, with love]

Mulder irritado. Sentado sobre sua mesa. Rúbia, a única aluna na sala.

RÚBIA: - Bem, professor, aposto que devem estar de ressaca.

MULDER: - É, a festa deve ter sido boa.

RÚBIA: - Por que não foi?

MULDER: - Eu vou ser sincero com você. Não quero me apegar à vocês todos. Não sei se ficarei aqui por muito tempo.

Rúbia levanta-se da cadeira. Senta-se de frente pra ele.

RÚBIA: - (PREOCUPADA) Vai embora?

MULDER: - Pode acontecer de um dia precisar ir.

RÚBIA: - Foge de quem ou do quê?

MULDER: - ... De pessoas que querem tomar a minha irmã de mim. Você não entenderia, e eu não quero falar disso.

RÚBIA: - Tá bom. Vai me dar aula?

MULDER: - Quer?

RÚBIA: - Claro. Só porque o ensino é gratuito não significa que eu vou desperdiçar conhecimentos.

Mulder sorri. Senta-se numa cadeira, ao lado dela.

MULDER: - Tem alguma coisa que não entendeu ainda e gostaria de tirar dúvidas?

RÚBIA: - ... Você.

MULDER: - ...

RÚBIA: - Não entendi você ainda.

Mulder perde a graça. Disfarça abrindo um livro.

MULDER: - Eu...

RÚBIA: - Sobre os conteúdos não tenho dúvidas. Poderia então dar alguma matéria nova? Posso sugerir?

MULDER: - (RECEOSO) ... Pode.

RÚBIA: - Que tal sobre astrologia? Os signos em inglês.

MULDER: - É, é um bom assunto.

Rúbia abre o caderno. Pega uma caneta do estojo.

RÚBIA: - Fala professor, se eu me confundir, soletre.

MULDER: - Tá.

RÚBIA: - Qual é seu signo?

MULDER: - Meu signo? Isso é importante?

RÚBIA: - Ah, vai, diz.

MULDER: - Libra.

RÚBIA: - Coitadinho!

MULDER: - Nossa, é tão ruim assim ser libriano?

RÚBIA: - Claro. Você se ilude fácil, é um romântico por natureza e não são raras as suas decepções com o sexo oposto. Você é tímido, mas é um bom amigo, embora as pessoas se afastem de você e seus amigos podem ser contados numa única mão!

MULDER: - Como sabe sobre isso?

RÚBIA: - Leio muito sobre o assunto. Mas você deve ter um ascendente como capricórnio... Explica por que sempre prefere a solidão. Librianos não gostam disso.

MULDER: - E você? Já que sabe tanto sobre mim por que não me fala de você?

RÚBIA: - Sou ariana.

MULDER: - E isso é bom?

RÚBIA: - É. Porque nunca sei onde ficam os freios!

MULDER: - Precisa aprender. Pode precisar deles um dia.

RÚBIA: - Não me preocupo com isso. Tenho um ascendente em capricórnio, esperando para se manifestar algum dia.


7:11 P.M.

Samantha e Mulder estão à mesa. Samantha olha pra ele.

SAMANTHA: - Como foi seu dia?

MULDER: - Tive apenas uma aluna na classe porque os outros estavam curtindo uma ressaca... À tarde aprendi a jogar futebol. Agora eles querem que eu ensine basebol. Amanhã temos um jogo de basquete. E na Segunda, a semana começa de novo. Tenho que fazer as provas deles.

SAMANTHA: - Tá gostando?

MULDER: - Confesso, é divertido. Mas não pra fazer a vida toda.

SAMANTHA: - E o que gostaria de fazer a vida toda?

MULDER: - ...

SAMANTHA: - Trabalhar no FBI, não é?

MULDER: - Vamos mudar de assunto. Não mencione isso por aí ou vou perder meu emprego. O povo daqui não vai gostar de saber que a mão que segura um giz naquela sala é a mesma que já atirou em pessoas.

SAMANTHA: - (DEBOCHADA) Nossa, você é poético, não?

MULDER: - (SORRI) ...

SAMANTHA: - Vai sair comigo hoje ou vou sozinha de novo?

MULDER: - Não gosto de povo, Samantha.

SAMANTHA: - Isso não é um pouco ‘classista’ demais?

MULDER: - Não é isso, eu não gosto de gente. Prefiro ficar aqui.

SAMANTHA: - Você adoraria dançar salsa, mambo...

MULDER: - (CURIOSO) Você aprendeu a dançar?

SAMANTHA: - Claro. É fácil é só mexer os quadris...

MULDER: - Não, não mesmo. Posso gostar da ideia e ficar rebolando fora de hora.

SAMANTHA: - Que preconceito, Fox! ... Ah, quer ouvir uma boa? Escute só. Resolvi colocar uma blusa, daquelas de frente única. Todo mundo ficou olhando pra mim. Daí é que percebi!

MULDER: - Ah, meu Deus! O número em suas costas!

SAMANTHA: - Exato! Então me perguntaram se eu era judia!

Mulder se engasga.

MULDER: - O quê?

SAMANTHA: - Perguntaram se fugi quando criança de um campo de concentração alemão.

MULDER: - Mas que gente imbecil! Você nem existia naquela época!

SAMANTHA: - Puxa, Fox, eles são pescadores, não intelectuais como você. Não sabem datas e acontecimentos históricos.

MULDER: - E o que você disse?

SAMANTHA: - Disse que foi uma tatuagem que fiz.

MULDER: - Daqui a pouco, só escute, vai ter um monte de gente tatuada com um número de identificação nas costas!

SAMANTHA: - Por que fariam isso?

MULDER: - Porque acham que nós, americanos, somos os reis das convenções sociais, sabemos tudo de moda e nos seguem como exemplo... Vamos juntar um dinheiro e você vai fazer uma plástica nisso. E eu que reclamava do meu salário de policial americano... Tente viver com um salário de professor venezuelano!

SAMANTHA: - Não quero plástica. Odeio que toquem em mim.

MULDER: - Está saindo com alguém?

SAMANTHA: - Um homem?

MULDER: - Preferencialmente.

SAMANTHA: - Não.

MULDER: - Samantha, tenho medo. Você é ingênua demais e...

SAMANTHA: - Vai começar, Fox? Acha que sou burra? Não, eu não sou.

MULDER: - ... Tem coisas que você precisa saber mas... Puxa, é difícil pra mim te explicar, eu sou homem!

Samantha levanta-se. Abre a bolsa. Tira uma camisinha e mostra pra ele.

SAMANTHA: - Tenho amigas, Fox.

MULDER: - ... (ENCABULADO) Queria que a Scully estivesse aqui. Ela tem jeito pra essas coisas...

SAMANTHA: - Não se preocupe comigo, preocupe-se com você. Que tal sair, arranjar uma garota? Acho que está precisando!

MULDER: - (IRRITADO) Não estou precisando de nada!

SAMANTHA: - Então, boa noite. Preciso me arrumar.

Samantha sai cantando La Cucaracha e rebolando os quadris. Mulder começa a rir.

MULDER: - Samantha, minha irmãzinha... Quem diria!

Mulder levanta-se. Recolhe os pratos, coloca-os na pia.


BLOCO 4:

10:18 P.M.

Mulder sentado na beira da praia, calça jeans e camiseta, pés no chão, lendo um livro de ufologia. Rúbia aproxima-se com duas latas de refrigerante na mão. Senta-se do lado dele. Mulder abaixa o livro e olha pra ela.

MULDER: - O que está fazendo aqui?

RÚBIA: - Vim trazer refrigerante pra você.

MULDER: - Obrigado.

RÚBIA: - De nada.

MULDER: - Pode me responder uma coisa?

RÚBIA: - Claro.

MULDER: - Onde está todo o povo? Geralmente isso daqui é um inferno aos sábados.

RÚBIA: - É que hoje o inferno se transferiu para o clube. É dia da festa do padroeiro da cidade e todos vão pra lá festejar, depois da procissão.

MULDER: - Ah! Está explicado! Por isso quando acordei hoje de manhã, alguns pescadores me deram um peixe enorme!

RÚBIA: - (RINDO) ... Não foi por isso. Deram porque você é professor. Eles o respeitam, o admiram.

MULDER: - E o que você está fazendo aqui? Por que não está se divertindo com seus colegas?

RÚBIA: - Pras meninas compararem vestidos? Pros garotos ficarem falando de futebol e de revistas em quadrinhos?

MULDER: - Revista em quadrinhos são legais.

RÚBIA: - Não gosto disso. São assuntos banais. Gosto de conversar coisas mais complexas... O que está lendo?

MULDER: - Erich Von Däniken.

RÚBIA: - Eram os deuses astronautas... Eu li esse.

MULDER: - Queria algo mais novo, mas não há opções na biblioteca da escola. Sorte ter achado um livro em inglês! É uma conspiração.

RÚBIA: - Por quê?

MULDER: - Porque o único livro ufológico está em inglês! O que significa que muitos não o lerão.

RÚBIA: - Gosta de ler?

Mulder fecha o livro. Coloca-o na areia. Abre a lata de refrigerante.

MULDER: - Gosto. Não tinha muito tempo pra fazer isso, mas agora... tempo é o que mais tenho.

RÚBIA: - Meu pai tem muitos livros em inglês. Posso trazer.

MULDER: - Peça antes. (DEBOCHADO) Não quero ser visto como “americano ladrão e oportunista”...

RÚBIA: - Ele não irá sentir falta mesmo. Nunca está aqui.

MULDER: - O que seu pai faz na vida?

RÚBIA: - Vendas. É representante em Caracas de uma empresa de periféricos. Vive mais em Caracas e nos Estados Unidos do que aqui. Vem no natal, mas vai logo embora.

MULDER: - Seu pai perto do meu vale ouro.

RÚBIA: - Disse que seu pai havia morrido.

MULDER: - É. Morreu pra mim.

RÚBIA: - Nossa! O que ele te fez?

MULDER: - Arruinou minha vida. Aliás, não posso culpá-lo. Cada um é culpado por sua própria ruína.

RÚBIA: - Você parece um velho falando, professor.

MULDER: - Eu sou um velho.

RÚBIA: - Professor, você é biruta, sabia? Estou falando daqueles velhos que ficam sentados nas varandas, em cadeiras de balanço...

MULDER: - Não estou longe disso. E acaba de me chamar de velho novamente.

RÚBIA: - (RINDO) Desculpe.

MULDER: - ... O que essa gente faz por aqui pra se divertir?

RÚBIA: - Quer se divertir?

MULDER: - Não. Estou preocupado com a minha irmã.

RÚBIA: - Ah, não se preocupe. Os homens daqui são muito bobos.

MULDER: - Não quero que ela termine com um pescador.

RÚBIA: - Pescador? Não a vi com nenhum pescador. A vi com um americano.

MULDER: - Americano?

RÚBIA: - É, um sujeito bem bonito. Parece que se chama Bruce.

MULDER: - Ah, essa não. Esse cara não desiste? Voltou de novo! Preferia um pescador, aquele sujeito é perigoso.

RÚBIA: - Por que não cuida de você e deixa ela viver em paz? Isso é muito chato.

MULDER: - Tem um irmão mais velho?

RÚBIA: - Não. Só uma irmã.

MULDER: - Então não vai entender.

RÚBIA: - ... Muitas coisas eu não entendo.

MULDER: - Como o quê?

RÚBIA: - Você.

MULDER: - (SORRI) Me pegou nessa de novo.

[Som: Lulu – To Sir, with love]

Rúbia aproxima os lábios dos dele. Mulder olha pra ela assustado. Afasta-se dela. Rúbia olha pra ele, decepcionada.

MULDER: - Isso não está certo.

RÚBIA: - Por quê? Por que você é o professor e eu a aluna?

MULDER: - Não. Porque tenho a idade de seu pai.

RÚBIA: - ... Minha irmã se casou com uma cara 20 anos mais velho do que ela.

MULDER: - A cultura do meu país é diferente. Se isso acontecesse por lá, eu seria preso.

Rúbia levanta-se. Olha pra Mulder.

RÚBIA: - Está na Venezuela. Não se esqueça disso. A cultura por aqui é diferente.

Rúbia sai caminhando. Mulder deita-se na areia, olhando para as estrelas. Fecha os olhos.

MULDER: - Era o que me faltava... (COMEÇA A RIR) ... Essa coisa de aluna e professor...


3:38 A.M.

Mulder dorme na areia. Carla aproxima-se dele.

CARLA: - Ei, dorminhoco!

Mulder acorda-se.

CARLA: - Nossa, deve estar exausto hoje!

MULDER: - Digamos que um bando de adolescentes acabaram com minha resistência física numa partida de futebol.

CARLA: - Que pena! Pensei que teria companhia pra caminhar.

MULDER: - Sem problemas.

Mulder levanta-se. Pega o livro. Os dois caminham em direção à casa dela.


4:11 A.M.

Eles param na frente da casa de Carla.

MULDER: - Não, está enganada!

Mulder sorri. Ela sorri também.

CARLA: - Não, não estou e sabe disso.

Mulder continua rindo. Carla fica séria.

CARLA: - Tem um sorriso bonito. Deveria sorrir mais vezes.

Carla sobe as escadas. Abre a porta. Vira-se pra Mulder.

CARLA: - Não quer entrar?

MULDER: - Não, acho melhor não.

CARLA: - Eu preparo um café, um chá, uma limonada...

Mulder sorri.

MULDER: - Café está bom.

Mulder sobe as escadas. Entra na casa. Carla fecha a porta.

MULDER: - Você tem uma casa muito bonita.

CARLA: - Pelo menos meu marido deixou algo para mim e a minha filha.

Carla vai pra cozinha. Mulder a segue. Carla pega uma chaleira, coloca água e põe a esquentar.

CARLA: - Com ou sem cafeína?

MULDER: - Tanto faz, nenhum tipo de café me mantém acordado quando estou com sono.

CARLA: - Está com sono?

MULDER: - Ainda não...

Mulder puxa uma cadeira e senta-se. Põe o livro sobre a mesa da cozinha.

MULDER: - Não percebeu ainda que sabe tanto sobre mim, te falei tantas coisas e nem sei o seu nome?

CARLA: - Carla.

MULDER: - Carla... Bonito nome.

CARLA: - Costuma descobrir o nome das pessoas apenas no segundo encontro?

MULDER: - Isso é um encontro?

CARLA: - (SORRI) Não sei. Apesar de que acho você um homem muito interessante.

MULDER: - Eu não sou interessante. Eu sou um chato.

CARLA: - Poderia lhe dizer que é bonito. Mas eu vejo além da beleza física.

MULDER: - Você é uma bruxa?

CARLA: - (SORRI) Claro que não. Digamos que tenho uma paranormalidade avançada.

MULDER: - E pode ver através de mim?

Carla desliga a água. Aproxima-se de Mulder.

CARLA: - Fique em pé.

Mulder levanta-se. Carla fica de frente pra ele, olhando em seus olhos.

CARLA: - Você tem uma alma verdadeira. Mas há uma luz negra ao redor de sua aura. Você a está atraindo. Você afasta-se de anjos pra correr atrás de demônios, sabia?

MULDER: - ...

CARLA: - Precisa afastar essa luz, essa energia negativa. Você está infeliz e essas coisas se aproximam quando se está infeliz.

MULDER: - Então você é um demônio?

CARLA: - Não. Nem sou um anjo. Sou apegada à vida. Talvez eu seja alguém sozinha, que precise de conforto, de um carinho, de um abraço pra me sentir viva. Porque estou tão carente e só quanto você.

Carla aproxima-se de Mulder. Os dois trocam um beijo, longo, demorado. Mulder envolve o rosto dela com as mãos. Ela abre a camisa dele. Mulder desce suas mãos e abre o vestido dela. Beija-lhe o pescoço.

MULDER: - E a sua filha?

CARLA: - Ela foi se divertir com os amigos, está na festa...

Carla pega Mulder pela mão. O leva para o quarto.

Close da porta fechando-se.


4:41 A.M.

Mulder e Carla estão na cama, debaixo dos lençóis. Ela recosta suas costas no corpo dele. Mulder está abraçado nela.

MULDER: - Me desculpe.

CARLA: - Ora, quem está enganando?

MULDER: - ...

CARLA: - Sei porque pronunciou o nome dela. Você fez amor comigo pensando nela. E eu fiz amor com você, pensando no meu ex-marido.

MULDER: - Gosta dele ainda?

CARLA: - Nunca o esquecerei. Ainda imploro pra ficar com ele, mas ele não me escuta.

MULDER: - ...

CARLA: - Como eu disse, estamos buscando consolo um nos braços do outro.

Carla vira-se pra Mulder. Senta-se sobre seus quadris. Eles trocam outro beijo. Ela afasta os lábios.

CARLA: - Vai. Vai embora e não olhe pra trás. Volte pra ela, porque ela está sofrendo, assim como você. Não existe nada pra você aqui, este lugar não te pertence. Não fique preso aqui como eu estou. Estarei aqui por toda a eternidade. Presa a sentimentos que não pude conter. Quem me dera viver o amor de novo. Viva o seu.

MULDER: - Você é uma mulher tão incrível. Como pode estar sozinha?

CARLA: - Estou presa no passado. Não prenda-se a ele, Mulder. Fale com o Cortez, ele trabalha nas docas. Diga que é meu amigo. Há um barco que parte às 10 da manhã para a Flórida. Vá embora, deixe tudo, volte pra ela.

MULDER: - Como posso te agradecer pelas palavras de consolo?

CARLA: - Pode dar alguns conselhos pra minha filha, conselhos que o pai dela nunca deu.

Os dois trocam mais um beijo. Mulder a empurra sobre a cama.


6:11 A.M.

Mulder entra em casa. Acende as luzes. Vê Rúbia no sofá, dormindo. Mulder vai até ela.

MULDER: - Ei, o que está fazendo aqui?

Rúbia acorda-se.

RÚBIA: - Onde estava?

MULDER: - Perguntei primeiro.

RÚBIA: - Estava te esperando.

MULDER: - Rúbia, precisamos conversar sobre isso.

RÚBIA: - Conversar sobre o quê?

MULDER: - Você sabe.

RÚBIA: - ...

MULDER: - Eu vou embora.

RÚBIA: - (INCRÉDULA) O quê?

MULDER: - Eu preciso ir.

RÚBIA: - (DESESPERADA) Não, não pode me deixar aqui! Eu amo você, professor!

MULDER: - ... Rúbia, por favor!

RÚBIA: - Tá. Então me leve com você!

MULDER: - Você é uma garota, eu sou um homem! Não sou o que você pensa!

RÚBIA: - (TRISTE) ... Professor...

MULDER: - Olha, entendo que se apaixonou por mim, está numa fase de descobertas. É completamente normal que se apaixone por um homem que esteja por perto, que se preocupe com você. Afinal sou seu professor. E é natural que se apaixone por um cara mais velho, você quer a atenção que os garotos não lhe dão porque ainda não amadureceram como homens e você sabe que as mulheres despertam-se primeiro.

RÚBIA: - Parece tão bonito vindo da sua boca. Você é tão inteligente!

MULDER: - Rúbia, por favor. Não quero encrencas e você é uma encrenca! Uma encrenca perigosa.

RÚBIA: - Uma encrenca interessante?

MULDER: - (INCRÉDULO) Ahn...?? Olha, há rapazes ótimos à sua volta. Há garotos da sua idade. Você precisa sair com eles, vai gostar de algum... Eu mesmo, quando tinha sua idade, me apaixonei pela minha professora de Geografia. Eu sabia até a capital do Marrocos só pra agrada-la!

RÚBIA: - Gosto de você, professor.

MULDER: - Está me ouvindo? Estou dizendo que não podemos ficar juntos!

RÚBIA: - Não me acha bonita?

MULDER: - Rúbia, você é uma garota bonita e inteligente. O que estou dizendo é que você é garota demais pra mim! Você ainda é uma criança!

RÚBIA: - Isso te incomoda, não é? Acha que por que tenho 14 anos não tenho sentimentos?

MULDER: - Não é isso, Rúbia. Talvez não entenda agora, mas um dia vai me agradecer pelas coisas que eu te disse.

RÚBIA: - (CHORA) Por favor, me leva com você! Eu não tenho nada por aqui! Eu amo você, de verdade! Você é o primeiro amor da minha vida!

Mulder fecha os olhos. Senta-se no sofá, ao lado dela.

MULDER: - Me sinto honrado por merecer seus sentimentos, Rúbia. Mas não posso ficar e você não pode ir. Eu tenho uma vida que deixei pra trás e quero tê-la de volta. E você tem uma vida pela frente. Aproveite-a.

RÚBIA: - ...

MULDER: - Rúbia... Talvez um dia nos veremos de novo. E você vai ver que eu estava certo.

RÚBIA: - ... Odeio você!

Rúbia sai porta à fora. Mulder sente-se arrasado. Fecha os olhos.


9:13 A.M.

Samantha entra. Mulder está no sofá, sentado.

SAMANTHA: - Não acredito que passou a noite aí, vigiando a hora em que eu chegaria!

MULDER: - Nem tudo é por você, Samantha.

Close na mala ao lado do sofá. Samantha percebe. Sorri.

SAMANTHA: - Fox?

MULDER: - ... Preciso voltar. Descobri que você foi o motivo da minha busca pela verdade. Mas foi o início. Eu não posso viver longe daquele porão. E-eu... Eu não sou professor, Samantha. Eu sou detetive. E eu não consigo ficar longe dela. Temos uma ligação forte, muitos anos juntos e...

SAMANTHA: - (SORRI) Não fala mais nada. Volte, Fox. Seu lugar não é aqui.

Os dois irmãos se abraçam.

MULDER: - Vai ficar bem?

SAMANTHA: - Melhor do que estou.

MULDER: - Pode me perdoar?

SAMANTHA: - Perdoar por quê?

MULDER: - Por te deixar. Sinto que ainda não está pronta para isso.

SAMANTHA: - Fox, tenho 34 anos! Larga do meu pé!

MULDER: - ... Samantha, eu amo você. Sempre a amarei. Por favor, cuide-se.

SAMANTHA: - Estarei bem, Fox. Convidei o Bruce para morar aqui.

MULDER: - O Bruce?

SAMANTHA: - É, ele também não pode mais voltar pro nosso país. A polícia quer coisas que ele não pode dar.

MULDER: - ... Samantha, eu...

SAMANTHA: - Vá Fox. Te escreverei. Nos veremos sempre que quiser. Mas agora, me deixa viver a minha vida, tá legal? Eu ficarei bem, tenho alguém para me proteger e... e que faz coisas que um irmão não pode fazer.

MULDER: - ?

SAMANTHA: - Mistérios, Fox. E vai continuar sem saber.

MULDER: - Você não...

SAMANTHA: - E daí? Já foi tarde demais! Perdi muita coisa boa na vida e não vou perder mais nada! Sua amiga Scully foi quem disse que isso era bom. Acho melhor correr, porque ela não vai ficar sozinha por muito tempo.

Mulder pega a mala.

MULDER: - Tem o endereço dos pistoleiros. Mande as cartas pra lá, é mais seguro.

SAMANTHA: - Tá.

MULDER: - Amo você. Espero que seja feliz.

SAMANTHA: - Digo o mesmo. Passado enterrado, Fox!

Mulder sai. Samantha acena pra ele.

SAMANTHA: - Ei, o que digo aos seus alunos?

MULDER: - Que eles terão uma professora substituta!


10:01 A.M.

Mulder aproxima-se do barco. Cortéz está ali parado.

CORTÉZ: - Então vai embora, professor?

MULDER: - É. Agradeço sua amiga Carla por isso.

CORTÉZ: - A Carla? O que a Carla tem a ver com isso?

[Som: Lulu – To Sir, with love]

Rúbia aproxima-se, com um livro nas mãos. Olha pra Mulder.

RÚBIA: - Vim me despedir.

MULDER: - (SORRI) Quando precisar de algo, fale com a Samantha. Ela sabe como me encontrar.

Rúbia abre um livro. Tira uma folha dobrada. Entrega pra Mulder.

RÚBIA: - Também sei como encontrar você, professor.

Mulder abre a folha. É um cartaz de procurado pelo FBI. Mulder olha assustado pra garota.

RÚBIA: - Sei quem você é, professor. E não acredito nos outros, mas em você. Seu segredo estará bem guardado comigo. Cuidarei da sua irmã.

MULDER: - (CURIOSO) Onde encontrou isso?

RÚBIA: - Não é seu? Estava dentro do seu livro.

MULDER: - Eu não tinha nenhum desses... E que livro?

RÚBIA: - (SORRI) O que deixou na minha casa ontem. O que foi fazer lá? Me procurar?

MULDER: - Sua casa? Como assim sua casa?

RÚBIA: - Tudo bem, professor. Amo você também. Não foi o momento, apenas isso... Mas guarde este livro. Para o senhor, com amor.

Rúbia entrega o livro e beija Mulder no rosto. Afasta-se, derrubando lágrimas.

Mulder olha pra Cortéz, perplexo.

MULDER: - Eu... Eu não entendo.

CORTÉZ: - O quê não entende? Eu é que não entendo porquê tocou no nome da Carla, a mãe da Rúbia. Você nem a conheceu! Ela morreu há 8 anos!

Mulder olha assustado para a praia e para Rúbia que se afasta.


Pistoleiros Solitários – 1:32 P.M.

Frohike faz um café. Scully abre um envelope. Retira a agenda de Mulder. Começa a ler em silêncio, enquanto as lágrimas caem de seus olhos.

Fade out.


08/02/2000


Nov. 26, 2018, 12:41 p.m. 0 Report Embed Follow story
1
The End

Meet the author

Lara One As fanfics da L. One são escritas em forma de roteiro adaptado, em episódios e dispostas por temporadas, como uma série de verdade. Uma alternativa shipper à mitologia da série de televisão Arquivo X.

Comment something

Post!
No comments yet. Be the first to say something!
~