Notas iniciais: Olá meus anjos, eis que eu caio na tentação do desafio e priorizo ele e... só publico desafio. PERDÃO! A fase ruim irá passar e eu volto com o amorzinho em Por Amor. Enfim, o Desafio Mapa-Múndi me obrigou a escolher uma das civilizações mais antigas e sanguinárias de toda a América Latina, os Astecas. Com isso, escolhi o México para usar isso sem receios.
Todos os créditos de betagem vão para RebelPrincess da Liga dos Betas (Nyah), um anjo em uma missão contra meu uso excessivo de vírgulas.
Avisos: angst pesadíssimo, morte, sangue, romance, depressão e menção ao suícidio. Não é a toa que tá como +21 anos. Se mesmo com os avisos você quiser seguir, prepare uns lencinhos e vamos lá.
O chamado, era assim que definia o que me perseguiu por anos, e logo o atenderia. Os anos que economizei para estar naquele lugar foram os piores, nunca tive muito para esbanjar, porém o uso inconsequente de bebidas me colocava no vermelho no final de todo mês. Foi em um dos meus momentos de bebedeiras que eu o encontrei – ele cheirava a tabaco e de longe aquilo me incomodou. Claro que deveria ser um empecilho, pois sempre detestava qualquer forma de cigarros, mas não nele, nunca com ele. Minha obsessão ia além da figura máscula que ele representava, ou da pele morena contrastando com os olhos verdes brilhantes, porque meu interesse estava em sua origem. Mais precisamente em seus antecedentes, os Astecas.
Nunca falamos sobre aquilo – nunca falávamos muito –, mas eu sabia porque conseguia sentir. Os sentimentos que emanavam no meu coração sempre que o tinha por perto me davam a certeza de que era ele. Embora pensassem que nosso envolvimento fosse amoroso, eu o detestava – afastando-o a todo instante – e o cheiro da nicotina se tornava o menor dos detalhes se comparados a sua ainda existência.
Não éramos semelhantes e sim completo opostos. Quanto a estética, seus olhos verdes felizes completavam os meus azuis tão frios e opacos. Às vezes, me via confortável com sua presença por simplesmente estar ali e me dar o maior dos prazeres para esquecer dos acontecimentos recentes. Sempre manteve meu espaço intocável, assim como seu coração tão distante de mim.
Levei-o adiante dentro de minha vida para aquele momento, sim, meu chamado. Finalmente eu iria conhecer sua família no México, mais precisamente, os descendentes do Sol. Carregavam a mais alta hierarquia asteca no sangue e se diziam filhos da estrela mais brilhante do Universo. Por Deus, eles não eram Incas – não tentaram amarrar o sol, mas fundaram um Império muito maior e mais cruel de toda América Latina. Se tivesse algo para os chamar, seria de descendentes vermelhos – regados pelo sangue de tantos inocentes com seus sacrifícios injustos e cruéis.
Seus antepassados são os cruéis. Eu repetia sempre que imaginava o primeiro encontro com todos, ao passo que vagava o olhar pelas nuvens através da pequena janela do avião e focava em mente que eram apenas descendentes. Toda a dor e sofrimento que aquele Império causou não era necessariamente culpas deles, então por que doía tanto aquela ansiedade dentro de mim em confrontá-los?
A frustração me tomava a cada minuto, a hora não queria passar e Alejandro insistia em acariciar minha coxa – como se isso fosse ser útil ou me acalmaria.
– Se acalme, meu amor – sorriu com todos os dentes. Devolvi seu olhar com o meu cerrado. – Eles vão te adorar, é impossível não gostarem de alguém.
Ah.
Não porque eu era uma pessoa formidável em fazer as pessoas me adorarem em retorno, mas sim porque sua família amava qualquer um. Que lástima. Voltei a fechar a cara e ele apenas gargalhou recolhendo a mão.
O romance não nos pertencia, apenas usávamos um ao outro por necessidade pessoal. Passamos por tantos anos daquela forma que pouco me importava, não mais, pois tinha meu chamado e eu sabia que conquistaria o que tanto precisava ao lado dele.
Mesmo sem compreender todas as minhas próprias razões, restavam os sentimentos que se mexiam no meu íntimo e com tal intensidade que até mesmo a respiração falhava.
Alguma coisa faltava. Estava, então, com o destino traçado sobre a solidão. Porque Alejandro não me preenchia, somente nas vezes em que transamos sem proteção. Ainda assim, sentia que um eco percorreria meu interior se alguém ousasse gritar um nome lá dentro.
Continuei a observar a imensidão da paisagem pela janela. Já podia ver além das nuvens e sorri com a intensidade do sol. Mesmo que tenha nascido em uma cidade de pouquíssima incidência solar no sul do Brasil, eu o amava. Várias vezes, me vi refletindo que somente pela falta dele era o que me fazia o amar mais, muito mais. Sabia bem como era a diferença entre algo que nunca tive daquilo que recebia com tão baixa frequência. Assim como o sol, minha alma sabia que já havia conhecido a reciprocidade do amor em uma intensidade que até os ossos doíam a cada sensação única de seu preenchimento.
Um amor puro, sólido e límpido. Só que não naquela vida.
[...]
A mão quente apertava a minha demonstrando segurança, pois meus olhos permaneciam vendados. Os passos se atropelavam e, vez ou outra, um galho batia em meu corpo e você, ah você, meu amor, segurava as risadas inutilmente ao pedir desculpas. Sentia um beijo e outro pelo meu rosto a cada pedido seu.
Paciência. Era tudo que me pedia, porque seria a mais especial das surpresas que já me dera. Claro que eu o seguia sem medo e sem receios, você nunca me decepcionaria.
– Chegamos, meu anjo – ouvi sua voz melodiosa e sabia que estava sorrindo, o que confirmei quando suas mãos quentes tocaram meu rosto carinhosamente até puxar a venda e lá estava, o sorriso mais lindo de todo o Império. O mesmo sorriso que me conquistou assim que o vi trabalhando no zoológico do Palácio Quetzalpapalotl.
Naquele instante, eu não pensaria na realidade, não em quanto nosso amor era proibido ou que meu casamento real já estava marcado desde minha morada no palácio – a futura união entre cidades-estados vizinhas para consolidar o Império Asteca. Eu casaria com o herdeiro e proveria todo o abastecimento que a realeza necessitava, pois meu pai era dono do maior ‘celeiro’ dos Astecas – o maior senhorio de todos os feudos.
Tarde demais foi quando descobri que tu eras minha alma gêmea, depois de todos os dias em que passava estudando os animais contigo e as diferenças entre os povos. Descobria, também, os prazeres que poderia dar e receber – tudo graças ao amor que compartilhávamos. Tive sorte em não poder encontrar com meu noivo antes do grande evento, com isso, todo meu tempo foi gasto em você.
E ali estávamos observando a vista mais linda de Tenochtitlán – o maior lago da cidade, totalmente cristalino, refletindo a luz da lua. Você me segurava em seus braços, colava seu peito nu em minhas costas e ainda me torturava com pequenos beijos na nuca.
O cenário era perfeito e tudo parecia mágico. Perdemos a noção de tempo e somente quando já não havia lua no céu, eu me desesperei. Apanhei minhas roupas com toda a velocidade que meu corpo extasiado me permitiu e o chamei. Seus olhares percorriam meu corpo com luxúria e aquilo me encantava, mas não agora, não quando precisava voltar ao Palácio antes de descobrirem minha “fuga”.
Porém, tudo estava fora do meu alcance. Ouvi seu chamado e senti seu último abraço ao me proteger da flecha lançada em nossa direção. Pude jurar que suas últimas palavras me mandaram fugir, correr e me esconder, mas eu só ouvi um “eu te amo tanto”. Não podia te deixar sozinho ali e foi isso que fiz. Tentei reanimá-lo a qualquer custo, o chamei, o sacudi em prantos.
Nada.
Quando notei que o perdi, fiquei sem reação, o fôlego não veio porque nunca mais veria seu sorriso, nunca mais ouviria seu riso e nem sentiria seus braços quentes.
– Yolihuant! – O homem que carregava o arco se aproximava gritando meu nome e fez sinal para que seus homens me segurassem, como se eu fosse fugir.
Olhei-o com raiva, todo meu corpo tremia e as lágrimas insistiam em continuar caindo. Ele se aproximava lentamente para observar seu trabalho e seu sorriso, aquele maldito era um sádico. Quando ele gargalhou, eu soube como o chamar.
– Yuma... – minha voz saiu arrastada rasgando minha garganta pela dor.
– Agora tu reconheces teu próprio noivo, meu bem – sua fala era sarcástica e cruel. – Não sabe o quanto eu esperei por esse momento, – se agachou em minha frente – sempre desejei colocar minhas mãos em você – elevou meu queixo com as mãos frias, seu olhar era de superior, mas no fundo eu via algo instável e inconstante. Yuma pareceu perceber que o estava lendo e se afastou lançando minha cabeça ao chão.
Alguns minutos se passaram enquanto ele observava o seu corpo frio com a flecha nas costas, notei que o “filho do chefe” – o significado de seu nome – possuía um corpo atlético como os homens que regiam a guarda do Palácio, possuía várias cicatrizes por seu corpo e carregava um olhar verde e tão frio quanto aquele lago.
– Se... – Yuma disse baixo e pareceu incerto, pois a cabeça também estava abaixada ainda encarando você, o meu bem mais precioso sem vida, no chão. – E se tivéssemos nos conhecidos antes, – se virou para mim – teria sido a minha fonte de vida? – Sua pergunta veio tão carregada de dor que eu senti culpa, pois meu nome significava aquilo e meus pais tinham orgulho ao dizer que eu era a renovação da vida deles e ouvia isso de você, minha alma gêmea, a todo instante. Nunca considerei em ser fonte de outra pessoa e ele sabia disso.
O choque me fez recuar e claro que ele notou, aquilo apenas serviu para o espantá-lo mais e mais. Até que a fúria o cegou e o sorriso sádico estava ali mais uma vez. Não tirou os olhos de mim um segundo sequer, enquanto que seus movimentos foram ágeis ao apanhar seu punhal dourado e, com o outro braço, enlaçar o pescoço da luz da minha vida, de Sugey.
Eu gritava, berrava e implorava pelo que ele ia fazer. Yuma ia nos separar, ia estraçalhar o corpo alheio para que sua alma se perdesse também e, assim, nunca mais encontrasse com a minha. Foi exatamente o que ele fez, ao realizar um sacrifício longe das pirâmides, ele desgraçava a alma da pessoa. Arrancou seu coração e estraçalhou com o próprio punho, meu coração parou. Por fim, decapitou sua cabeça junto dos outros membros. Meu choro aumentou e a dor no peito foi maior do que jamais havia sido. Seus guardas me seguravam e, diferente de mim, não conseguiam olhar, eles até sentiram ânsia diante da carnificina que Yuma estava realizando. Ele só parou quando seu corpo estava todo coberto por sangue e a vida já não existia dentro de mim.
Agora minha alma era uma renegada, obrigada a viver em solidão a cada passagem pelo mundo. Porque aquele que me completaria nunca mais existiria.
[...]
– Sugey... – acordei com o coração acelerado e ofegante. Abri os olhos com dificuldade, ainda estava em um avião, ainda estava ao lado de Alejandro e ainda estava sentindo o vazio abrigar meu interior.
Abri a pequena janela enquanto massageava meu peito com a outra mão, o sol continuava pleno lá fora e eu fingi o tocar com a mesma mão. Pouco a pouco eu me acalmava. O sol, na verdade, me acalmava. Isso sempre ocorria quando eu tinha o mesmo sonho, sabia que era só buscar pelo sol que já estaria bem.
Sugey.
Na primeira vez que sonhei com ele, busquei seu nome e, como um bom navegador de internet que o século XIX poderia ter, eu tive a resposta. Luz do sol era seu significado. Sugey era a luz de Yolihuant que, por sua vez, era a fonte de Sugey. Dois seres únicos que se completavam como almas gêmeas. Por esta razão eu aguentava Alejandro e, acima disso, eu ia até a própria Cidade do México, a atual Tenochtitlán. Minhas esperanças eram altas para encontrar as respostas daquele sonho e de minha estranha relação com o sol.
Quando pousamos, eu já estava muito melhor. Ou talvez achava que estava até ouvir Alejandro enquanto pegávamos nossas malas.
– É melhor você usar esse rostinho bonito e sorrir, – ele dizia ácido como se soubesse que eu não ocupava minha mente pensando nele – eles vão acabar descobrindo que nos odiamos.
E saiu em minha frente carregando as duas malas – incluindo a minha –, era extremamente birrento, mas ainda assim cuidadoso comigo. Sua família estava na frente da ala de desembarque e carregava uma placa enorme com nossos nomes. Haviam balões coloridos também. Alejandro não poupou suas enormes pernas cansadas da classe econômica e correu de encontro a sua mãe, ele a abraçou e a girou no ar. A mulher deu tapas pesados no ombro dele para se soltar e ria meio envergonhada com a cena. Quando os olhos dela, iguais aos do filho, encontraram os meus, ela sorriu. Um sorriso tão acolhedor e bonito que não resisti em copiá-la.
Os mexicanos eram amorosos e acolhedores, sua mãe deixou isso claro desde o primeiro segundo que me conheceu. Eu só me perguntava onde estava esse lado de Alejandro e porque apresentava isso apenas com sua família.
Entre abraços e questionamentos que eu não compreendia, pois falavam em espanhol, entramos em um carro grande e caro – eu não fazia ideia de qual era a marca ou o modelo, só sabia que valia muito mais que minha casa, era espaçoso e possuía bancos de couro claro. O motorista permaneceu lá com o ar condicionado ligado e só então notei que ele era o chefe da família, a qual era composta pelo pai, mãe e irmã mais nova de Alejandro.
O carro deu partida e saímos do Aeroporto Internacional Benito Juarez. A cada rua eu percebi que a modernidade havia ficado lá para trás nos embarques e desembarques, pois a Cidade do México carregava muita história a cada esquina. Haviam catedrais, pequenos edifícios, grandes e pequenas esculturas, sem falar das estátuas nas praças. O encanto era nítido em mim, mas algo faltava.
– Quando veremos as ruínas? – Perguntei rápido a Alejandro, que ao meu lado parecia atento a qualquer movimento meu. Seus olhos estavam sobre os meus e delinearam meu rosto antes de sua boca abrir minimamente para engolir a saliva e voltar a assentir antes de responder.
– Quando quiser, meu bem.
Encarei-o na mesma intensidade, seu olhar era sereno e demonstrava sinceridade. Parecia tão pronto quanto eu. Alejandro conhecia minhas dores e, principalmente, conhecia meu chamado.
– Podemos ir agora? – Perguntei baixinho diante do olhar atento de sua irmã (eu deveria ser um alienígena para ela) e, quando o vi querer negar, insisti. – Por favor...
– Tudo bem, – suspirou fundo e assentiu para ninguém em específico – vou pedir para mudarem a rota.
Voltei minha atenção para a janela – enquanto a comunicação em espanhol se iniciava –, alguém negava e eu acreditei que poderia ser a mãe, mas sabia que Alejandro faria tudo que eu pedisse. Eu nunca lhe pedia nada, talvez – só talvez – ele esperasse que eu pedisse coisas a ele.
Lá fora eu via todas as decorações serem preparadas para o Dia dos Mortos que aconteceria no dia seguinte. As cores eram tão vivas e maravilhosas de se ver, não causavam uma poluição visual, pelo contrário, traziam conforto. Várias pessoas carregavam os cravos-de-defunto alaranjados tão típicos daquela celebração, claro que era motivo de festa – seu povo se manteve vivo diante de Sol a cada morte, a cada sacrifício humano. Os cravos deveriam ser vermelhos.
O sol estava se pondo e as luzes começaram surgir uma a uma, até que as pirâmides começaram a surgir no horizonte e eu esqueci como respirava.
– Mantenha a calma – Alejandro passou um braço por trás e me abraçou de lado. Mantive o corpo na mesma posição e voltei a respirar.
Por fim, o carro parou e, mesmo com vários protestos dos outros, eu saí correndo. Segui em direção da maior pirâmide ali – a Pirâmide do Sol –, eu a conhecia, sim, eu havia me sacrificado nela.
Não me importei com os batimentos cardíacos ou qualquer outra coisa, apenas parei quando já estava aos pés dela. Lembrei de seus dias de glória, de quando era vermelha – talvez pelo sangue que escorria nela, ou apenas porque era assim que deveria ser. Toquei suas extremidades e a circulei em busca de traços de sua antiga cor. Ao encontrar, meus joelhos também encontraram o chão e eu a reverenciei.
– Eu voltei, – dizia em uma língua estranha – me aceite mais uma vez em sacrifício para findar esse ciclo incansável, pois eu já não consigo realizar minha vingança.
Naquele ponto, minha mente não era mais minha, pois eu era Yolihuant que amava sua alma gêmea, Sugey. Busquei em minha bolsa aquilo que passou batido pelos seguranças mexicanos, o punhal asteca que pertencera a Yuma, meu noivo. O ouro o revestia, assim como os símbolos que levei anos para traduzir.
– Ao Sol sempre pertencerás – repeti em voz alta uma língua que nunca fora de meu conhecimento e apertei a lâmina em minha mão, a puxei devagar e segurei o gemido de dor. Com a palma vermelha, toquei a base da pirâmide que outrora fora tão viva quanto aquele sangue.
Voltei a abaixar a cabeça, era um sinal de agradecimento depois de todos os anos que sofri sem minha alma e vivendo a infelicidade ao lado de Yuma. Fiquei naquela posição até o sol se pôr completamente e quando me ergui, as pernas não fraquejaram. Elas sabiam para onde me levar e segui até a pirâmide menor, a da Lua. Eu precisava concluir mais um ritual de sacrifício.
Só assim nos libertaria.
A Lua iluminou os degraus e, no instante em que pisei no primeiro, aquilo me deu a certeza de que fazia o correto. Era tudo por Sugey, e de certa forma, por Yuma. Passo a passo, as lágrimas caíam molhando meu rosto; degrau a degrau, as mãos paravam de tremer para ganhar a firmeza com o punhal.
Do topo, eu vi Alejandro, que me procurava pelo breu – a Lua não o favorecia –, sorri pequeno quando sua figura encontrou a minha. O desespero em seu olhar me fez sorrir mais, porque tinha toda a certeza que o iria livrar daquele sofrimento também. Meu vazio lhe causava tanto mal que ele apenas dizia não se importar para não ser afastado. Os tratamentos nunca fizeram o efeito desejado para com minha mente e só ao encontrar o punhal foi que descobri o objetivo da minha vida. Finalmente, eu tinha uma razão para existir, uma justificativa para o furacão que existia no meu âmago.
Levantei o punhal dourado para a Lua e a saudei. Alejandro gritava para que eu parasse e subia desesperado. Abaixei o punhal tocando-o com minha testa e estava para perfurar minha garganta, porém um corpo trombou com o meu e jogou o punhal para longe.
– O que está fazendo? – Alejandro perguntava aos berros e, pela primeira vez, me mostrava sua verdadeira face.
– Estou te salvando – disse dentre mais lágrimas ao tocar sua bochecha gelada, pela corrida, com a palma cortada.
– Como isso vai me salvar? – Ele parecia querer rir daquilo, enquanto segurava o choro. As lágrimas que nunca vi.
– Vou nos desamarrar, – mantive meus olhos nos seus – te livrar disso tudo sem sentido, porque você nem é minha alma gêmea – aquilo pareceu o machucar e eu apenas chorei mais, porque odiava quando causava dor em si e odiava não conseguir o odiar o suficiente mesmo sendo a alma de Yuma.
– Eu sei que não sou, – ele desviou seu olhar e tirou minhas mãos de seu rosto – mas não posso te amar por nós dois? Não posso ser sua fonte de vida?
E aquilo me destruiu, era tudo que eu mais queria evitar e não consegui deixar de criar laços com ele. Senti as pernas fracas e a Lua apagar toda a certeza que antes me dera. Minha cabeça girava. Yuma feriu Yolihuant, mas Alejandro tentava me amar. Sempre respeitou meu espaço, minhas crises, meu ódio por pequenos detalhes nele e, especialmente, esperou pelo dia em que eu o corresponderia. Esperava pelo dia em que poderia se mostrar como era e o que sentia por mim.
Não controlei o choro, o libertei do fundo da minha alma, solucei até perder o ar. Senti seus braços me puxarem para si e, ali no “topo” da lua, eu adormeci em seus braços após ter lavado a alma.
[...]
Como em todas as vezes em que eu tinha uma crise, acordava em um hospital, o braço com um "soro" conectado a veia e um Alejandro adormecido segurando minha outra mão. Permanecia por horas assim, só observando seu rosto sereno repousando depois de se entregar a exaustão.
Minhas memórias se embaralhavam e eu nunca lembrava exatamente como tinha acabado daquela forma, mas daquela vez eu lembrava. Algo havia acontecido, aquele emaranhado errado de nossas almas já não existia e a obrigação de um estar presente pelo outro desapareceu. Éramos só nós.
Apertei de leve sua mão contra a minha e sorri ao ver seus olhos em expectativa para mim. Sorri mais quando ele levantou e selou minha testa, não existia mais Yuma ali, muito menos o rancor de Yolihuant.
Ele se afastou minimamente, disse que avisaria o médico que despertei. Concordei. Porém o segurei quando o vi se afastar. Alejandro me garantiu que iria voltar e eu sabia que iria. Mesmo assim, me ofereceu seus lábios como se selasse nosso novo contrato. Um beijo carinhoso e calmo, nada que tivéssemos provado juntos antes.
Assisti-o sair com calma e, quando a porta se fechou, o breu voltou. Senti a brisa fria de fora e observei o movimento das cortinas. A hipnose parecia dominar minha mente, pois sem perceber já estava as segurando. As janelas estavam de fato fechadas, como imaginei, algo diferente do vento as soprava. Até ver um rosto tão conhecido refletido na vidraça.
Sugey.
Sorria com os olhos e li seus lábios dizendo, “tu pertencerás a onde a felicidade te abraçar”. Ele me libertava da vingança que o Sol prometeu a Yolihuant e só queria que a alma que eu compartilhei com sua fonte de vida fosse verdadeiramente feliz, ao menos em uma vida.
Cada um pagava um preço naquela realidade, mas ainda assim, existíamos. Sugey nunca teria essa chance e eu vi a Lua me conceder o vislumbre do espírito dele, pois vivia em paz no mundo pós-morte.
Alejandro recebia a segunda chance como Yuma para reparar seus erros para com Yolihuant, mas a cada segundo que fechava a cortina em sinal de adeus, me separava das vidas passadas.
Senti uma lágrima escorrer no meu rosto, vi a cortina fechada em minha frente e nada entendi.
Alejandro abriu a porta e se assustou comigo tão perto da janela, eu já havia tentado aquilo antes. Para diminuir o choque em seu olhar, corri até ele e o abracei, tão forte como nunca antes havia pensado em fazer.
– Vai ficar tudo bem, – disse o acalmando e o senti devolver o abraço na mesma intensidade – prometo não fugir das consultas e tomar todos os medicamentos corretamente – afastei um pouco só para ver sua reação e não haviam dúvidas em si, era tudo que eu precisava. – Também prometo não me isolar de você. Só, por favor, me mostre seu coração também.
Finalmente, eu o vi chorar. Suas lágrimas caíam diante de todo seu controle e eu as sequei uma a uma. Sabíamos que a luta continuaria, mas tudo seria diferente daquele dia em diante.
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