hunterprirosen HunterPri Rosen

T'Challa adora sair pela vizinhança e curtir a liberdade, mas hoje deverá ficar em casa. É Halloween e ele é um gatinho preto, portanto, todo cuidado é pouco. O problema é que T'Challa não entende que existe um mundo perigoso lá fora e está empenhado em se vingar pelo cárcere privado imposto por sua humana super protetora.


Humor All public.

#comédia #halloween #gatos
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Capítulo Único

Notas Iniciais:

Esta história foi escrita para o DESAFIO ABÓBORAS ATÉ LÁ EMBAIXO • GRUPO CANETA TINTEIRO.

O tema é Halloween e a restrição é que não pode ter bruxas.

A imagem de capa é de uso livre retirada do Unsplash.

T'Challa tem esse nome por causa do personagem Pantera Negra e porque meu sonho de princesa é ter um gatinho preto com esse nome ♥

Boa leitura ♥



Uma borboleta ondulava entre as árvores da rua ladeada de cercas brancas. Pousou em inúmeras abóboras que enfeitavam o caminho para o Halloween, enfurnou-se na boca escancarada de uma delas e brotou de um dos olhos esbugalhados instantes depois. Foi cortando o ar com as asas laranjas, pontilhadas de branco e preto, até se aproximar de uma das casas do pacato bairro. Descansou sobre o parapeito da varanda e decidiu ficar ali, completamente alheia ao par de olhos amarelos cintilantes que passaram a lhe espreitar com interesse crescente.

Exalando paciência, T’Challa permaneceu imóvel por um longo momento, limitando-se a estudar a borboleta enquanto planejava o fatídico bote. Quando finalmente saiu das sombras, foi com admirável discrição e leveza. Aproximou-se devagar até a metade do caminho como uma pluma traiçoeira. Com o rabo erguido e o olhar compenetrado, esperou mais um pouco. Então, num movimento rápido, saltou sobre a vítima com determinação felina.

A borboleta escapou por entre as patas quando o gato caiu desengonçado do outro lado da varanda, derrubando um vaso de flores pelo caminho. Incapaz de desistir, no entanto, ele a surpreendeu com uma segunda investida. Uma terceira. Quarta. A quinta foi bem-sucedida e compensou a trabalheira.

Realizado, T’Challa não hesitou em carregar a borboleta rumo à pequena portinhola da residência onde vive. Nem em procurar sua humana pela casa para mostrar o interessante brinquedinho que caçou. Em seu íntimo, apostava que ela ficaria orgulhosa da proeza. Pudera, ele se sentia mesmo fenomenal e vitorioso!

O gatinho subiu a escada aos pulos e entrou no único quarto da casa. Paredes num tom claro de verde, móveis bem dispostos que otimizavam o pequeno espaço e uma cama de solteiro meio bagunçada na qual, sem cerimônia, T’Challa saltou. Ele desfilou sobre Amanda que, em um sono já não tão profundo, suspirou e se mexeu um pouco embaixo do cobertor.

O felino estancou sobre seu peito, soltando o inseto babado e moribundo por ali mesmo. Mas como a humana não acordava logo, perdeu a paciência e lhe deu algumas patadas no rosto. Mordeu seus braços sob o cobertor e arranhou seu nariz também, enfim fazendo-a abrir os olhos. O gato de pelagem preta miou com inocência enquanto balançava o rabo suavemente, como se lhe desejasse bom dia.

A jovem se espreguiçou e massageou o rosto um tanto dolorido antes de acariciar o bichano e sorrir em retribuição. 

— Bom dia, pretinho.

Numa reação natural, ele fechou os olhos por alguns instantes e aconchegou a cabeça na palma da mão acolhedora. T’Challa achava incrível como os humanos, apesar de meio patéticos, ainda tinham alguma serventia para seres evoluídos como os de sua espécie. Amanda, por exemplo, era ótima para lhe dar carinho, para alimentá-lo, para lhe distrair quando estava entediado, para mantê-lo a salvo de trovões que ele detestava.

Ao se lembrar da grande caçada de momentos atrás, ele não demorou em empurrar a borboleta agonizante no pescoço da humana, esperando que ela gostasse do presente. Quem sabe ficaria tão feliz quanto ele ficava ao ganhar uma caixa de papelão novinha em folha para se esconder e brincar?

O reflexo exagerado de Amanda — que soltou um grito de pavor e se levantou aos tropeços — assustou o pequeno animal, no entanto. Chocado com a desfeita e impressionado com o berro, T’Challa correu para fora do quarto, desaparecendo na velocidade da luz, sem olhar para trás e com o orgulho muito, muito ferido.

Com o coração agitado, Amanda respirou fundo e tentou se acalmar. Olhou para as asas trêmulas da borboleta moribunda no chão e ponderou com certo alívio:

— Pelo menos não foi uma barata dessa vez. Já é um progresso.

***

Mais ou menos recuperada da travessura, Amanda saiu à procura do gato pela casa minutos depois. Na cozinha, deparou-se com olhos amarelos e ofendidos encarando-a de cima da geladeira. Um chiado arisco se espalhou quando ela fez menção de se aproximar para pegá-lo.

— Eu quase enfartei e você que fica chateado? Como posso me redimir, soberano gatinho?

Amanda olhou em volta, analisando as possibilidades. Ao reconhecer um bloco de anotações esquecido perto do micro-ondas, teve uma ideia simples, mas que costumava funcionar.

O bichano observou atentamente quando ela arrancou uma folha, amassou e lançou a bolinha no ar. E, como de costume, ele simplesmente não resistiu. Pulou e correu atrás do maravilhoso brinquedo sem pensar duas vezes.

T'Challa mergulhou nessa distração enquanto sua humana preparava o café da manhã tranquilamente. Ele só parou de correr pelo chão com a bolinha entre as patas quando foi atingido pelo segundo susto do dia.

Não importava que Amanda sempre usasse a maldita torradeira naquele horário. Quando as torradas ficaram prontas e o estalo do eletrodoméstico se espalhou no ar, o gato pulou junto com elas, muito alto, e despencou sobre as patas em alerta. Depois, refugiou-se embaixo da mesa com os olhos arregalados e um sentimento de humilhação e revolta. Qualquer dia desses, iria destruir o maligno invento! Ah, se ia!

A humana riu, aconchegando-o em seu colo enquanto bebia o café.

— Desculpa, camarada, não quis te assustar. Estamos quites agora, hum?

Aos poucos, o gato se acalmou e passou a brincar com as pontas do cabelo dela. Foi bem nesse instante que Amanda lembrou da borboleta e se perguntou de onde ela teria vindo. Tinha plena certeza que todas as janelas da casa estavam com os vidros fechados, logo...

— Ai, meu Deus! Você saiu? Mas hoje é Halloween, T'Challa! Seu primeiro Halloween e eu cometo um erro desses! Que péssima mãe eu sou!

Às pressas e protegendo-o com mais ímpeto entre os braços, Amanda caminhou até a porta, abaixou-se e acionou a trava de segurança da portinhola com dedos trêmulos. Beijou o gato entre as orelhas várias vezes e recebeu um tapa de volta quando ele se encheu do seu rompante aflito.

Sentindo que até mereceu o tapa, por ter esquecido de trancar o amado bichinho de estimação antes, ela decidiu não ralhar com o animal. Ao invés disso, e mesmo ciente de que T’Challa não conseguia compreender suas palavras, ouviu-se explicando:

— Tem pessoas muito cruéis lá fora, sabia? Halloween não é seguro para um gatinho preto como você. Sinto muito, bebezinho!

T'Challa detestava quando a humana falava desse jeito, exageradamente infantil, com ele. Pior, como se ele entendesse os grunhidos constrangedores que ela soltava.

— Não se preocupe, a mamãe está de folga hoje e não tem aula. Vou passar o dia inteiro aqui te fazendo companhia, te protegendo. Será muito divertido!

E detestava mais ainda quando a portinhola não cedia ao seu empurrão, como aconteceu assim que Amanda lhe deu as costas e ele tentou sair para aproveitar o dia.

Sentindo-se traído, acompanhou a humana com o olhar até ela voltar à mesa. Miou baixinho em protesto e balançou o rabo devagar, pensando em como o quintal era irresistível. A vizinhança também. Todo o bairro. Os pássaros que adorava perseguir entre as árvores, os cachorros que amava provocar ao desfilar pelos muros como um rei enquanto eles latiam feito os bocós que eram.

Uma voltinha nesse instante seria perfeita. Ficar preso ali não podia estar certo.

Miando mais alto, T'Challa arranhou a portinhola sem descanso. Até a bronca ter vindo pelo menos:

— Ei! Pare com isso! É para o seu próprio bem!

O gato observou Amanda de um jeito insistente. Sem dúvida, ressentido e inconformado. Não entendia por que ela minou sua liberdade sem mais nem menos. Só o que sabia, naquele momento, é que isso não ficaria assim. Haveria represálias. Sempre havia quando ela aprontava suas humanices.

***

Embora venerasse o sachê de salmão com sua ração matutina, o gatinho fez pouco caso quando a humana colocou a refeição na sua frente. Ele cheirou com ar de desdém e resistiu com muita força de vontade antes de deixar a cozinha com passadas lentas.

— Será que está doente? T’Challa? Volta aqui...

A preocupação na voz dela lhe deixou muito satisfeito. Mais tarde, quando Amanda não estivesse por perto, iria devorar tudo e lamberia o pote com vontade. Por ora, dar tal gostinho a ela estava fora de cogitação para ele.

Seguindo esse instinto vingativo, T’Challa partiu para a sala e, sem querer querendo, derrubou alguns livros e enfeites pelo chão ao caminhar com muita classe pelas prateleiras. Coincidentemente, itens de muito apreço para Amanda, como um colecionável do Pantera Negra, outro do Han Solo e um romance autografado por sua autora favorita na última bienal do livro que foi.

Sem se intimidar, o gato ignorou o novo reproche da humana controladora e se acomodou no braço do sofá, onde adorava tirar altos cochilos em dias comuns.

Dessa vez, no entanto, ele fez questão de manter os olhos bem abertos e fixos num ponto adiante. Em dado momento, espiou Amanda rapidamente e se deliciou com a expressão em seu rosto. Ela sempre ficava apavorada quando T’Challa olhava desse jeito para o nada, pois imaginava que ele estivesse vendo alguma entidade do além.

O fato de hoje ser Halloween intensificou ainda mais esse temor, levando-a a engolir em seco. Por fim, ligou a televisão para se distrair com qualquer coisa que estivesse passando e espantar os pensamentos paranoicos.

O gato, por sua vez, seguiu compenetrado no plano maligno, estreitou ainda mais o olhar na parede da sala e balançou o rabo com suavidade, como se planejasse o segundo bote do dia.

Amanda achou melhor desligar a televisão, depois que um comentário durante uma matéria especial lhe causou certo arrepio. Algo sobre a noite de Samhain. Sobre o véu que separa o mundo real do mundo sobrenatural desaparecer nessa noite do ano. Uma lenda, é claro. Ainda assim, apavorante quando se está suscetível a acreditar em criaturas perversas por um momento.

***

T'Challa ainda lhe pregou mais algumas peças ao longo do dia. Quando Amanda passou próxima da escada, ele resolveu pular do degrau mais alto direto em cima da sua cabeça, agarrando-se ao rabo de cavalo por algum tempo. Depois, correu ensandecido, de um lado para o outro da sala, enquanto a humana recuperava-se do susto vergonhoso. Pior que ele repetiu o salto surpresa em outros momentos do dia e Amanda nunca estava esperando por sua astúcia.

Depois, enquanto enchia um recipiente de tamanho considerável com doces e guloseimas variadas, para as crianças da vizinhança que deveriam passar por ali mais tarde, ela argumentou de um jeito paciente:

— Sinto muito, mas você não pode mesmo colocar as patas para fora hoje. Se quiser me enlouquecer por causa disso, vai em frente.

Mesmo sem entender a linguagem humana, T'Challa sentiu-se misteriosamente desafiado naquele momento. Por isso, fez questão de atormentar Amanda enquanto a noite caía. Se não podia respirar a liberdade lá fora, tinha que dar um jeito no tédio que parecia imperar ali dentro e sufocá-lo.

Almofadas foram tiradas do lugar, bem como o travesseiro da humana que foi arrastado até a porta do quarto sem qualquer propósito. Mais objetos foram derrubados acidentalmente de prateleiras e estantes. T'Challa causou um novo e ainda maior sobressalto em Amanda, quando se chocou em cheio com o vidro da janela da sala, tentando capturar uma borboleta que pousou do outro lado.

Em sua defesa, esse foi totalmente acidental mesmo e, talvez por isso, lhe rendeu uma massagem para aliviar certa dor e alguns beijinhos. Mas nada minorava a humilhação de ter esquecido que a janela estava fechada, como todas as outras da casa. Sentia-se um idiota, coisa que os gatos definitivamente não eram.

Sobrou até mesmo para a caixa de areia, que T'Challa resolveu não usar hoje. Foi com muita concentração que Amanda deteve o ar em seus pulmões enquanto limpava as necessidades fisiológicas e muito fedidas do bichano.

Por um momento, chegou a pensar que o comportamento do gato era um sinal de que estava possuído. Quem sabe pelo próprio Samhain? O barulho de um copo espatifando-se na cozinha lhe fez fechar os olhos e praguejar baixinho:

— Possuído é pouco...

Exausta, Amanda deixou-se despencar no sofá e ligou a TV, depois que arrumou toda a bagunça. T'Challa mordiscou seus pés antes de decidir se sentar bem na frente do aparelho, atrapalhando a visão da humana descabelada.

Mas, como uma vingança do destino, acabou se assustando quando uma cena de Invocação do Mal 2 ficou ensurdecedora e espalhou um sentimento sombrio por toda a parte. Enquanto Lorraine Warren tentava se defender da freira macabra, o bichano correu para debaixo do sofá e Amanda sorriu com satisfação.

T'Challa não saiu de lá quando a campainha tocou. Mesmo assim, ela caminhou pé ante pé e abriu a porta com extrema cautela, temendo que ele percebesse a oportunidade para escapar noite à fora.

As três crianças vestidas de bruxa, vampiro e fantasma assustaram-se um pouco com a jovem descabelada que surgiu na soleira. A mais corajosa delas gaguejou ao perguntar:

— Doces ou travessuras?

Amanda olhou para dentro de casa, avistou a tigela repleta de doces e pediu:

— Só um minuto.

Olhos cintilantes destacaram-se na escuridão que emanava de debaixo do sofá. Pareciam mais amarelos do que nunca. Mais determinados.

— Não se atreva a sair daí agora, T'Challa. Estou falando sério.

Amanda encostou a porta apenas para pegar os doces. Quando tornou a abri-la, tudo aconteceu muito rápido. Ela mal teve tempo de fechá-la para fazer a distribuição das guloseimas com as primeiras crianças da noite de Halloween. Porque T'Challa emergiu de repente, irrompeu pela soleira e pulou dentro da tigela com um impacto assombroso.

A escuridão parcial na varanda, a aparição inesperada de um borrão preto e o fato de não terem percebido que era apenas um gatinho muito temperamental mergulhando na tigela fizeram as crianças gritarem alarmadas. Tomadas pelo enorme susto, derrubaram os doces que já tinham conseguido em outras casas do bairro e colocaram-se a correr em disparada, tropeçando nas próprias fantasias durante a desenfreada fuga.

Um novo grupo delas, que passava por ali e pretendia tocar a campainha de Amanda, hesitou diante da cena. Um segundo depois, elas também correram na direção oposta. Os olhos amarelos de T'Challa espreitaram cada uma delas até que Amanda apressou-se em voltar para dentro da casa.

Não que ainda tivesse medo do bichano escapar naquele momento. Para seu alívio, ele estava se divertindo demais em meio aos doces para lembrar da chance perdida. Na verdade, Amanda só precisava colocar a tigela sobre o aparador porque era difícil equilibrá-la quando seu corpo inteiro era sacudido por uma gargalhada irresistível.

Foi lutando para recuperar o fôlego que ela pediu:

— Por favor... Vamos fazer isso de novo?

De alguma forma, T’Challa assimilou o novo tom de desafio como um chamado para a aventura. Ainda estava possesso que a humana super protetora não lhe deixasse sair de casa, mas também estava disposto a relevar dessa vez, já que tinha descoberto uma brincadeira muito divertida e ela estava diretamente envolvida nisso. No fundo, gostava sim dela e não conseguia ficar muito tempo com raiva. 

Então, toda vez que a campainha tocou ao longo da noite e Amanda pegou a tigela de doces, T’Challa foi em seu encalço. Sempre calculando o novo mergulho e o aprimorando com maestria.

Toda vez, gritos assustados e muita correria de crianças desgovernadas ressoaram pela vizinhança.

Nov. 20, 2018, 7:43 p.m. 4 Report Embed Follow story
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The End

Meet the author

HunterPri Rosen You know who I am. Oi? Caçula de três irmãs, apaixonada por dogs, lufana. Sou Hunter, Whovian, Grimmster, fã de Friends e de mais uma pá de séries. Adoro filmes de suspense, terror sobrenatural e clássicos de ação. AMO livros e fan(fictions) de vários gêneros.

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Adryelle Albuquerque Adryelle Albuquerque
Ja virei fã
March 30, 2019, 12:58

  • HunterPri Rosen HunterPri Rosen
    Super obrigada, chuchu! Fico feliz que curtiu <3 Gracias pelo review <3 April 01, 2019, 19:25
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