Notas iniciais: Oie ♥
Se alguém aqui acompanha minhas longs, eu ainda estou de hiatus, mas voltando pouco a pouco.
Primeiro, eu agradeço a betagem. Sério, que trabalho lindo da Rebel Princess (Liga dos Betas Nyah) ♥
Tudo como sempre é culpa de alguém e dessa vez é do Arthur ♥
A fanfic foi feita para o Desafio Sítio do Pica-Pau Amarelo, a lenda que escolhi foi do Guaraná. Eu já fui obcecada por lendas do nosso vasto folclore e parte disso se dá por ter nascido na própria Amazônia. Dito isso, tem várias modificações aqui, como também existem muitas formas dessa lenda contadas diferentemente. O que eu fiz foi dar enfase a um personagem que participa dessa lenda (sem prejudicar os elementos dela) com sua própria versão dos fatos.
Espero que gostem ♥
Lembrando que é ANGST, se não se sente confortável com mortes, tragédias e dor psicológica, por favor, não leia!
A verdade de um demônio – seu próprio relato
Se você mora em qualquer parte do que é ou já foi a Amazônia um dia, deve me conhecer. Embora eu use um nome social hoje – JungKook, que me possibilita ter até mesmo um passaporte –, já fui conhecido apenas por Jurupari. Muitas vezes me trataram como seu legislador, ou como um demônio que invade os sonhos e até mesmo como representante dos homens e seus temidos rituais secretos. Por quê? Simples, se uma mulher ver tais rituais, precisa ser morta, de fato, se elas olharem apenas para minha sombra, irão morrer.
Meu próprio nome faz jus a tudo que está relacionado a mim, “boca fechada”, devem manter segredo. Eu, como o próprio filho do Sol e seu leal servidor, mantive por um tempo minhas inúmeras promessas a ele, dentre elas, a de que não devo me intrometer nos assuntos humanos, em hipótese alguma. Porém o que os olhos não vêem, o coração não sente; dito e feito, porque eu adorava sair à noite. A ausência do calor do sol me trazia muita segurança sem seus olhos julgadores, pois a única coisa que ele faz é nos vigiar. Sim, o próprio Sol enviou à Terra centenas de representantes – nascidos de mãe virgem – para buscar a mulher perfeita para ele.
Hoje, você chamaria a “perfeição” que ele buscava de submissão. Tal contexto já serviu de inspiração para tantas obras animalescas que diminuem mulheres. Imagino também que deve estar se perguntando como eu, Jurupari, poderia sequer defender mulheres quando as matei e as bani de seu poder. A resposta é simples, as histórias são escritas pelos vencedores e eu, meu caro, nunca venci uma simples batalha.
Inseriram um tal de cristianismo por toda mata e com isso alguém deveria ser um demônio, a fonte de todo mal, e adivinha quem eles escolheram? Sim, o ser meio-humano que vaga por todas as noites, de sombra em sombra, fugindo de mulheres e crianças. Por vezes disseram que eu invadia seus sonhos, mas tal poder não me compete. Por outras, que eu invejava suas vidas e fazia de tudo para dar errado. Ah, nisso estavam parcialmente corretos, eu os invejava. Queria sentir o calor das manhãs, queria ouvir chamarem meu nome com aquelas vozes doces e risonhas das crianças e, principalmente, faz parte de uma tribo.
Contudo, eu nunca fui o favorito, Tupã era – ou Taehyung, nome que o próprio adotou para viajar pelo mundo. Todos o veneravam e o agradeciam por tudo que recebiam, seria ele o Jesus Cristo na Amazônia. Ele sempre foi capaz de conceder desejos aos sinceros, e um deles não mudou somente a vida de um casal sem filhos, mas a minha também. Assim como eu, eles adoravam crianças, porém sua esposa nunca conseguia segurar por muito um no próprio ventre e passava noites aos prantos. Eu a compreendia, entendia a dor de estar privado de algo tão natural. Meu lado humano queria uma vida comum e eu a implorava ao Sol sempre quando apontava uma possível esposa, mas ele as negava e ordenava seguir com meu trabalho.
Após desacatar as ordens claras do Sol, eu fui condenado a vagar pela densa Amazônia e nunca mais ser visto por outro humano – com exceção dos homens que realizavam meus rituais, mas era claro que eu não os queria ver e nunca mais apareci para tais, com isso, o poder se desequilibrou e a irresponsabilidade do mais forte sobre o mais fraco tomou conta. Confesso que não fiz questão de consertar e os deixei na própria ruína. Quem consegue arrumar algo, quando se está quebrado?
Eu fugia da luz do dia e me abrigava na mais profunda escuridão, ao passo que minha pele se tornou cinza, meus olhos – em totalidade – negros e a pele tão fria quanto o gelo.
Irritado. Frustrado. Perdido. Busquei por Tupã, pois ele era o único que me compreendia. Não estava desesperado como eu, pois sempre esteve na companhia de humanos e, ainda assim, ele entendia minha natureza amarga e sombria. Quando o encontrei, ele já estava adiantado – junto da mulher que pedia por filho, velando seu sono. O olhar dourado dele iluminou minha mente e aqueceu meu coração, pois, embora não pudesse fazer nada contra as leis que Sol havia imposto em mim, poderia amenizar minha dor ao conceder àquela pobre mulher o que tanto queria, porque eu sentia e compartilhava de sua dor.
Quando o pequeno bebê nasceu, eu parti. Voltei imediatamente ao meu posto de “buscando uma noiva perfeita ao Sol” e por anos o fiz, mais de duas décadas para ser exato. Obviamente, nenhuma o agradou. A sua fúria foi implacável – ele me odeia, essa é a verdade –, trouxe inúmeras chuvas para a região, mais que o normal, com direito a tempestades. Muitos perderam suas vidas e eu, me sentindo um filho perdido, corri até aquela família abençoada por Tupã e vi que sua casa estava inteira.
O sol não brilhava devido ao recente temporal, mas ainda estávamos no meio do dia e eu sentia o olhar Dele sobre mim. Não me importei de imediato, ele não destruiria nada que fora tocado por Tupã – o filho favorito. O arrependimento só caiu quando um feixe brilhante do sol iluminou um menino que percorria os arredores da casa, ele colhia pequenos frutos e se equilibrava para não derrubar os maiores já colhidos.
Adorável.
Minha mente ficou em branco ao olhar para ele, a maioridade já o tinha atingido e eu sabia que os rituais a Jurupari – eu – já haviam ocorrido. Tudo porque ele continuava vivo quando seu olhar caiu sobre mim e não parecia assustado, ou nem que iria fugir. Estancado nos próprios pés, eu notei como era diferente de todos por ali. Seus olhos eram dourados como os de Tupã e imaginei que a força vital do outro o mantinha vivo. Além da cor, os olhos eram lindos, perfeitamente colocados em seu rosto claro e delicado. A boca, composta por lábios carnudos, chamava toda a minha atenção. Se vestia como seus pais e eu, nu.
Eu me vi perdido naquele momento, pois eu não era o único que o observava. Sol também notou o mesmo que eu, ele era perfeito. O ar escapava de meus pulmões, nada se parecia como ele. Sua pele não possuía o tom amarelado tão característico de quaisquer outros índios por ali, ou até mesmo como seus pais. Os cabelos também eram dourados como seus olhos e ele só deixava claro que sua existência era total oposição da minha. Contudo o Sol estava esperando eu o levar até ele, mas eu não queria. E não o fiz. Consegui enrolar Sol, dizia que a mulher teria uma filha e que agradaria muito mais a ele.
A noite eu fazia o caminho tão conhecido e encontrava o menino a minha espera. Jimin sempre me esperava e compartilhava suas frutas comigo, seu jantar, seus sorrisos e seus pensamentos. Éramos tão diferentes, mas acima de nós, não nos assemelhávamos aos demais e isso nos uniu.
Nunca serei capaz de esquecer do primeiro toque quente que recebi em minhas mãos quando ele questionou meu nome. Por receio, me denominei JungKook e ele riu. Mais uma vez, me vi perdido. Seu sorriso era mais iluminado que os próprios olhos, as bochechas rechonchudas obrigavam seus olhos a se fecharem. A partir disso, eu descobri que nada era mais lindo que seu sorriso.
Algo nasceu em mim e eu não sabia como o denominar, mas a cada dia minha pele se aquecia e seu tom cinza desaparecia pouco a pouco. Talvez eu devesse ter acreditado em Tupã quando me disse que eu amava aquele menino dourado. Ele foi a única causa que me fez relatar partes de minha vida e querer a redenção. Porque, sim, eu o amava muito. Nunca seria capaz de fazer o que as lendas contam, nunca o faria mal.
Por mais que deteste lembrar daquele momento, ele nunca saiu de minha mente um único dia sequer, porque algo maravilhoso ocorreu antes de toda tragédia e eu lhes darei os detalhes.
Lembro bem que chovia e eu me sentia bem por estar distante dos olhares do Sol, somente aquilo me fez ir até Jimin sem preocupação alguma. Ele cuidava de seus afazeres rotineiros como todas as manhãs, ajudava a mãe com as tarefas e afazeres da casa, caçava para seu pai – já doente – e ainda colhia as frutas que adorava.
Aquela visão é a que mais tenho saudade, quando eu parava a passos distantes de Jimin apenas para observá-lo por horas. Ria inconscientemente dos sustos que ele levava sempre que me encontrava por detrás das árvores. Sua próxima reação era de pura alegria, me dava aquele sorriso maravilhoso e corria para me abraçar. Eu devia tê-lo abraçado mais forte naquele dia.
Passamos por um longo tempo apenas nos admirando, a diferença de altura o fazia esticar o pescoço para olhar diretamente em meus olhos, os quais ele nunca julgou assustadores mesmo sem as partes brancas iguais aos seus. Ele dizia que a profundidade de meus olhos era o que mais adorava em mim. Toda essa admiração me fez perder pela terceira vez o controle, porque eu fiz o que mais queria provar dessa vida – os lábios rosados e carnudos de Jimin. O ato tirou nosso fôlego, o deixou com o rosto quente e vermelho, mas foi repetido inúmeras vezes naquele fatídico dia.
Minha distração é meu maior arrependimento, tanto que rasga meu peito e, por mais que tente, não existe volta.
O sol clareou depois de muitos beijos trocados em baixo de uma gigante Maçaranduba¹ e aí tudo mudou. Não somente o clima, mas meu corpo mudou de forma como nunca ocorreu antes. Todos meus ossos queimaram e pareciam quebrar em múltiplos pedaços como um estilhaço, o barulho de cada explosão no meu interior me fez ficar surdo e jurava que iria perder os sentidos. Eu encolhia enquanto meus membros se uniam, e escamas recobriram minha pele. Senti a mandíbula se projetar para frente e presas cresceram nos dentes superiores e inferiores, enquanto o osso que sustentava tudo isso se partia. Um grito meu ecoou por toda a mata – assustou Jimin e também clamou por ajuda de Tupã.
Quando aquilo acabou, eu fiquei imóvel, mas não fui o único. Jimin me olhou assustado e eu jurava que também de dor. Demorei alguns instantes para tentar colocar a mente no lugar e me debati para me mover – mas nada ocorreu. O sol brilhou mais forte e eu sabia o que isso significava.
Tupã não chegou a tempo.
A ordem do Sol era clara, todas as serpentes rastejantes deveriam atacar o menino de olhos e cabelos dourados. Naquele instante eu era uma serpente, um tanto maior que as mais comuns e mais que suficiente para acatar as ordens de um soberano que provia energia para os movimentos de seres rastejantes.
Tentei me frear, mas o corpo flácido não me obedeceu. Minhas presas foram diretamente no pescoço de Jimin, em sua veia mais pulsante. Eu vi a vida escapar de seus olhos e o dourado deixar todo o seu ser – os cabelos se tornaram negros e os olhos marrons.
O Sol se pôs e tudo escureceu. Meu corpo voltou ao normal e a dor que passara anteriormente fora nada comparado ao pequeno corpo jazigo em meus braços. Senti meu rosto molhado e gotas caindo no pequeno rosto com olhos estáticos. Fora a primeira vez que chorei em meio ao desespero e caos que minha vida seguiu.
Tupã chegou instantes depois e parou todos que tentaram se aproximar – eu ainda era Jurupari e minha presença poderia por fim em outras vidas. A maior dor só veio quando ele me mandou fugir e que resolveria tudo.
Fugi, voltei para minha escuridão e permaneci em estado vegetativo até ser buscado por Tupã, que apresentou um semblante tão cansado, tão incompatível consigo.
– Terminou – ele me disse com a voz arrastada.
Lembro que foi o suficiente para compreender de imediato o que ele queria dizer com aquilo e somente o segui. Atravessamos a vasta escuridão em que me afundo todas as vezes. Tive plena consciência de que minha aparência estava pior do que das outras vezes, a pele tão negra quanto a noite. Não mais cinza, apenas preto. Nenhum detalhe meu foi notado na escuridão da noite e eu ainda continuava sendo letal a todos que não participaram do ritual dedicado a mim.
Cada passo pela trilha tão conhecida foi uma tortura. A Lua se compadeceu conosco naquela noite e iluminou o caminho, pois o brilho típico de Tupã se apagou. Não era à toa, uma vida que partilhava da sua partiu.
Não lembro por quanto tempo fiquei preso na minha escuridão, mas tudo estava diferente quando saímos, o ar mais pesado e a chuva um tanto ácida. O Sol se escondeu pelo tempo das cheias do Rio Amazonas por um tempo e deu a todos o que mais queriam, um demônio que se transforma em serpente para atacar suas vítimas.
– Eu os aconselhei a fazer isso – Tupã tinha dito quando me indicou uma árvore estranha em meio a todas as outras.
Eu tive pressa naquele instante, lembro que esbarrei nele, o desequilibrando para então estar diante dela, ainda era pequena na época e com alguns frutos fechados em um dos galhos verdes. Quando os toquei, por instinto, tive a sensação de movimento e um a um se abriram rapidamente – pareciam olhos, mas não eram quaisquer. Tão negros e profundos quanto os meus.
Nunca esqueci do que Tupã disse como um sussurro ao me passar conforto com uma mão sobre meu ombro:
– Os olhos que eu dei não carregavam apenas a vida que lhe permiti ter. Também carregavam amor, e isso ele recebeu de você.
Aquela fora a última vez que chorei. Desespero. Dor. Pavor. Raiva. Saudade. Passei por todos os estágios do luto e tentei me unir aquela árvore – um guaranazeiro –, mas meus pedidos foram negados por Tupã, ele disse que eu deveria garantir o equilíbrio natural das coisas e, como Jimin nunca deveria ter existido, nada se alteraria. Porém, eu tinha um propósito e era criar caos por onde eu passasse.
Atormentaria todos os dias mais e mais o Sol.
Abandonei a Amazônia, a civilização a tentou domar e eu a abracei sem culpa. Vi bandeirantes a desbravarem e tomarem as terras a força. Também presenciei a chegada de máquinas, armas e toda sorte de criações do homem. Segui o fluxo que não me permiti quando estava amarrado pelo Sol, quem diria que ser aquilo que tanto diziam sobre mim me daria a liberdade.
Hoje sigo pelas calçadas do vasto centro de uma das maiores metrópoles e, assim como fiz para o Sol tantas vezes, passei a buscar por toda eternidade a perfeição que já amei, meu Jimin.
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Maçaranduba¹ - é uma árvore brasileira.
Thank you for reading!
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