Já passava das dez da noite quando o carro preto estacionou em frente a casa, e de dentro dele um homem alto saiu.
Ele caminhava de maneira preguiçosa, estava exausto. Aquele mês estava sendo um verdadeiro inferno no trabalho, seu chefe o estava enchendo de coisas para fazer, não podia parar para respirar um minuto e lá estava ele lhe dando mais trabalho, inclusive na área que não atuava. Parecia um diretor criativo, só faltava ganhar como um.
Trabalhar numa desenvolvedora de jogos em época de lançamento, não era nada fácil, ainda mais porque parecia que as pessoas iriam arrancar os cabelos a qualquer minuto tentando cumprir corretamente com o cronograma, andando de um lado pro outro, e repassando tudo quantas vezes fosse necessário.
Park Chanyeol fazia parte dessa trupe de descabelados ambulantes e revisores.
Passava tanto tempo focado no trabalho que não fazia certas coisas como comemorar o próprio aniversário, que inclusive era aquele dia, e que nem teve a chance de comemorá-lo com dignidade. Os colegas de trabalho lhe compraram um cupcake e colocaram uma vela (enorme e rosa, deveria ressaltar) em cima do doce, cantando parabéns logo em seguida. Seus amigos de fora também haviam o chamado para tomar uma cerveja e essas coisas, mas como também da vez do seu último aniversário — em que havia ficado lotado de trabalho para umas três semanas no mínimo — negou. Os amigos até reclamaram — vulgo Baekhyun, melhor amigo — mas não teve jeito.
O único problema do Park era o seu chefe que parecia querer comê-lo vivo, dando trabalho e mais trabalho para ele. Porra, não era só ele que trabalhava ali!
— Aquele filho da mãe...aposto que não transa…
“...se bem que ultimamente eu também não…"
Pensou numa careta enquanto enfiava distraidamente a chave no trinco da porta.
Entrou na casa deixando os sapatos devidamente arrumados perto da porta, colocou sua pasta de projetos em cima de uma mesinha ali, juntamente das chaves e qualquer outra coisa que tivesse no bolso tirando o seu celular.
Havia adquirido aquele hábito já que, se esquecia facilmente das coisas, então estando tudo exposto, a chance de não se lembrar de algo era menor.
Caminhou em direção a sala pensando se deveria ou não processar seu chefe por abuso de poder, enquanto tirava seu casaco o jogando no sofá.
Até teria continuado a seguir seu percurso, se não tivesse ouvido o ruído forte dos botões da jaqueta batendo contra o chão. A casa estava escura, nem havia se dado ao trabalho de acender as luzes, já conhecia tudo mesmo, só queria subir até o seu quarto, tomar um bom banho quente e dormir por pelo menos doze horas contínuas, sem acordar com o miado do gato da vizinha que parecia fazer de todas as sextas-feiras um ponto de encontro para casais felinos procriarem no telhado da sua casa.
Chanyeol se aproximou de onde tinha achado jogar a jaqueta e tateou o chão às cegas achando ela de imediato. Se endireitou indo colocá-la corretamente sobre o sofá. Não queria deixar tudo largado pela casa, já que ia acarretar aos poucos numa enorme bagunça que não teria um pingo de disposição para arrumar mais tarde…
Estendeu as mãos procurando o sofá, mas não o achou. Balançou um pouco mais as mãos no ar circulando pela sala também às cegas, e notando que tudo parecia vazio, até mesmo a mesinha de centro — onde mesmo depois de quase quatro anos morando ali, insistia em esbarrar em todos seus surtos de ficar vagando pela casa no escuro, apenas para testar suas habilidades ninjas durante um apagão — não estava lá.
— Mas hein? — caminhou em direção ao outro lado da sala, onde sabia ficar o interruptor, motivo também que ajudava na sua tendência de morcego por causa da preguiça de ficar andando pra lá e pra cá — Mas que porr—
CRACK!
Estava prestes a ligar o interruptor, quando ouviu um barulho alto e uma sombra passou do lado oposto onde se encontrava, mais precisamente perto da cozinha.
Seu estômago pesou.
Dez e meia da noite na casa de um solteirão que já sentia a virgindade da bunda voltar, e sem nenhum peguete há mais de um mês? Coisa boa é que não era.
Começou a caminhar meticulosamente sobre o chão amadeirado, de modo que não fizesse ruído algum.
As sombras pareciam aumentar gradativamente, indicando que eram mais de uma pessoa, e pelo o que tinha reparado, uma delas havia levantado algo.
“Que não seja uma arma, que não seja uma arma...”
À medida que contornava a sala, tentando voltar até a saída, constatou que realmente nenhum dos móveis estava ali. Seu desespero aumentou.
“Merda, eu nem tinha acabado de pagar a TV.” Choramingou mentalmente.
Quando foi virar o pequeno corredor, viu a silhueta de um homem segurando algo que parecia ser um abajur.
Sentiu o coração falhar uma batida se lembrando do noticiário da TV, onde um assaltante que só roubava móveis estava a solto pelas ruas da Coreia do Sul. Ele roubava as casas pegando o maior número de móveis possíveis, e se houvesse pessoas nela, elas iam junto dos móveis, ou seja, pra vala. Não queria ser sequestrado, assassinado, roubado ou sei lá o que.
Quando a silhueta se aproximou mais, Chanyeol deu meia volta quase tropeçando nos próprios pés, e subiu rapidamente as escadas. Da onde estava não era possível se ver muita coisa, já que a claridade que provinha da janela, iluminava precariamente apenas o lado oposto onde estava, de modo que também não pôde identificar o sujeito para que, se caso algo acontecesse consigo, atormentá-lo como alma penada pelo resto da vida dele.
Assim que pisou no segundo andar, continuou com tudo apagado, não queria chamar atenção. Olhou para os lados tentando achar uma solução.
Se conseguisse chegar ao pequeno quarto que havia improvisado de estúdio, barra, sala de jogos,barra, biblioteca de mangás, barra, tudo, conseguiria sair pela janela que ficava um pouco acima de uma árvore. Já havia trepado ali por inúmeros motivos nenhum, apenas com a mentalidade de uma criança de cinco anos e a vontade de quebrar um braço ou dois. Pularia a cerca do vizinho, correria do cachorro dele e com sorte quando ligasse para a polícia, pelo menos metade dos seus móveis seriam recuperados.
Esse seria o seu plano se não tivesse ouvido passos no final da escada e no susto não tivesse entrado na primeira porta do corredor.
“Droga, droga!”
Fechou a porta esperando não ter feito muito barulho e se apoiou nela. Se fosse para assaltar a sua casa, que assaltassem só ela!
Olhou em volta vendo que se encontrava em seu quarto. O lugar estava bem iluminado graças a grande janela que tinha ali, o que era bom porque assim ele não ficaria totalmente no escuro.
Até teria trancado a porta, mas não sabia onde tinha colocado a chave, e também não tinha tempo ou condições para procurá-la, já que provavelmente deveria estar no porta chaves no andar de baixo.
À medida em que ouvia os passos do lado de fora, começou a se desesperar ainda mais, girando de um lado pro outro. Correu para o lado da cama, mas ela era pequena demais para conseguir se esconder em baixo dela — malditas camas modernas e extremamente confortáveis, amaldiçoou —, fora que também era uma péssima ideia, os assassinos sempre olhavam em baixo da cama.
Ia morrer ali e não tinha nem para quem pedir ajuda... a não ser…
“Ah, seu burro! O celular!”
Tateou os bolsos alcançando o celular numa velocidade impressionante, discou rapidamente o número da polícia com os dedos extremamente trêmulos, sem tirar os olhos da porta por um segundo sequer, nem mesmo para ver se estava discando de maneira correta.
Levou o celular à orelha e viu que ele estava chamando. Aguardou a ligação ser atendida ouvindo o bater descompassado de seu coração durante o processo.
Quando atenderam a chamada, sentiu todo o ar voltar para os seus pulmões de uma vez só.
— Alô? — a voz soava um tanto baixa e preguiçosa.
— Alô! É da polícia? Eu acho que estão assaltando a minha casa! — falou tudo extremamente rápido, tendo a aflição crescente em cada palavra.
— An? ... Chanyeol?
O quê? Era normal um policial saber o seu nome? Certo que de vez em quando botava fogo sem querer nas coisas, e sua casa era visitada pelo corpo de bombeiros três vezes mais do que qualquer outro cidadão coreano durante toda a sua vida, mas quem deveria saber seu nome seria um bombeiro não um policial.
— É, é o Chanyeol, como você sabe o meu nome?
— … bem, você me falou.
— O quê? Eu falei? Quem é que tá falando?
— Sou eu, o Kris.
Chanyeol piscou posicionando o celular em frente ao rosto e vendo o nome do outro estampado na tela, junto de uma foto dele abraçado com um barril de chopp.
— ... Chanyeol? Você ainda está aí? Eu não entendi o que você disse.
— Tem alguém na minha casa. — a afobação voltou a tomar conta de si.
— O quê?! Então sai daí!
— Eu não consigo, tem mais de um lá em baixo, eu nem sei se eles estão armados, e se for aquele louco do jornal? Eu fui na sala e todos os móveis tinham sumido… e esse cara rouba móveis e os donos dos móveis, que nesse caso sou eu. — choramingou indo mais fundo no quarto, se mantendo o mais longe possível da porta. — Meu quarto por enquanto está normal pelo menos...
— Você está no quarto?
— Sim.
— Chamou a polícia?
— Era isso que eu estava tentando fazer.
— Então desliga e—
— O quê?! — tapou a própria boca quando o som saiu alto demais — Não desliga, Yifan! Eu não quero ficar sozinho aqui e morrer solitário!
— 'Tá, calma, eu vou ligar do meu telefone.
O outro parecia estar entrando em desespero também, afinal, não é sempre que você chega de uma viagem e quando está tirando um cochilo no sofá, alguém te liga dizendo que está tendo a casa invadida naquele exato momento.
click...
A fechadura da porta começou a girar lentamente.
Chanyeol saltou como um gato para trás e foi parar do outro lado do quarto.
“Merda, merda, merda, merda.”
No seu salto esbarrou em algo e quando olhou para trás viu que era seu pequeno closet. Na mesma hora entrou nele e ficou agachado lá dentro esperando a porta terminar de abrir.
Ela ia se abrindo lentamente, quase como se não estivessem prestado atenção nela. Talvez o seu assaltante também fosse um psicopata e andasse com uma picareta e máscara de lenhador… se é que lenhadores usassem máscaras.
— Kris…— sussurrou o mais baixo que pôde.
— O quê?
— Eles estão entrando…
— Fica calmo, e não faz barulho. — começou a sussurrar também do outra lado da linha, como se estivesse lá junto dele.
— Se eu morrer você dá comida pro Tom? — parou por um segundo — Se bem que eu acho que roubaram ele também… cara roubaram meu peixe, quem rouba um peixe?
— Chanyeol você não vai morrer.
— Kris, nesses últimos momentos eu só quero que você saiba que na festa de réveillon foi eu quem vomitou no seu chapéu, desculpa… — falava olhando para o teto do closet.
— O quê?!... Chanyeol calma, por favor...
— Eu também ainda tenho aquele seu nude e olho pra ele todos os dias antes de dormir. Não era zueira, eu realmente queria ver o seu pau… e fiquei muito contente quando você me mostrou...
— Chany! fica quieto.
— Na verdade eu queria repetir aquilo da páscoa, mas eu não sabia como chegar em você… a gente é amigo, amigos não devem transar...
— Chanyeol! — a voz vinha de modo baixo, mas claramente repreensivo.
— Eu não acredito que vou morrer aqui e nem vi o seu pau de novo… — choramingou puxando o fio solto de um dos casacos pendurados ali.
Os passos foram ficando mais pesados indicando que haviam finalmente entrado no quarto e estavam perto. Chanyeol abaixou o celular e o pressionou contra o peito, sentindo o coração palpitar fortemente a cada segundo. Se a sua respiração pesada não o entregasse, o palpitar frenético do seu peito iria.
Uma sombra negra cobriu todos os feixes de luz que entravam ali.
O Park arregalou os olhos e as portas do closet foram abertas num rompante estrondoso.
— SURPRESAAA!
A luz foi acesa e o grito estridente que soltou provavelmente ecoou pela casa toda, e talvez pela vizinhança também.
— Não falei que ele ia gritar? — Sehun, um dos amigos do Park disse enquanto arrumava o chápeu de festa que usava, para só então receber um tapa na cabeça.— Ai!
— Gostou da surpresa? — perguntou Baekhyun de modo meio abafado por conta da língua de sogra em sua boca, enquanto segurava um bolo cheio de velas.
Chanyeol ficou imóvel, ainda se mantendo praticamente colado ao fundo do closet, enquanto encarava as figuras mais que conhecidas por si.
— Antes de tudo, devo dizer que fui totalmente contra isso, mas me obrigaram a permanecer calado. — Junmyeon se enfiou entre os que tapavam a visão do Park no chão.
— Mas foi você quem sugeriu isso!
— Eu sugeri a lhama, ninguém quis a lhama. — fez um biquinho.
— E quem ia querer uma lhama? — daquela vez quem tomou um tapa na cabeça foi ele, voltando pro fundo do aglomerado de pessoas.
— O Jongin quase acabou com a surpresa quebrando aquele seu abajur ridículo que parece um pinto de borracha. — Baekhyun voltou a falar — Ele não sabe se esconder, onde já se viu ficar atrás de uma cortina?…. E como você chegou aqui em cima sem ninguém te ver? Sorte que o Tao quis mijar senão a gente não ia ouvir você falando com o seu namorado.
— Que namorado?
— O Yifan. — Baekhyun sorriu maliciosamente fazendo uma vozinha afetada, enquanto todos os outros no quarto faziam um “Humm” igualmente afetado — Eu até ia convidar ele, mas me disseram que ele estava viajando.
— Espero que você não se importe Chany, tiramos os móveis da sua sala e colocamos na garagem para conseguir montar as mesas com as coisas da festa… — Minseok surgiu também dali do meio — Você estava trabalhando tanto, e não podíamos deixar você passar mais um aniversário em branco.
Todos balançaram a cabeça concordando.
— Você não está bravo, né? — perguntou se curvando para frente sorrindo, tendo o barulho de uma buzina de festa ao fundo antes de lhe tacarem confete na cara, assim como na do próprio Park que apenas piscou um dos olhos em reflexo.
— Yifan… — Chanyeol sussurrou depois de reposicionar o celular lentamente sobre a orelha, ainda mirando os amigos.
— O quê?
— Cancela a viatura.
➮➮➮➮
Depois do susto que o Park tomou, e que acabou por dar em Yifan também, perguntou se ele não gostaria de ir até a sua casa e participar da festa surpresa feita pelos amigos, o Wu concordou e lá estavam eles rindo de toda a situação enquanto bebiam e faziam competições idiotas como sempre.
Quando a festa finalmente acabou, e todos os móveis foram colocados de volta em seus devidos lugares — inclusive o seu peixinho Tom —, Chanyeol mandou todos embora e disse que poderia cuidar do resto sozinho, no entanto, Yifan se ofereceu para ajudá-lo mesmo assim, e o Park acabou por aceitar de bom grado.
Estavam terminando de reposicionar as almofadas corretamente no sofá depois de terem lavado a louça, quando Kris se pronunciou de modo casual:
— Chanyeol…
— O quê? — se mantinha de costa para o outro.
— Aquele seu lance com o meu pau, era verdade?
Chanyeol arregalou os olhos já grandes por um segundo, quase engasgando com a própria saliva, antes de respirar fundo e com coragem se virar para trás. Já esperava por aquela pergunta, só não sabia quando ela seria feita.
O Wu sustentava um sorriso pequeno acompanhado de uma das sobrancelhas arqueadas.
— Talvez… faz tanto tempo que eu vi… quem garante que o sentimento vai ser o mesmo? — bem, se você já está no inferno, sente no colo do capeta.
— Então eu teria que te mostrar de novo?
— Se você quiser tirar a prova dos nove… sim.
Yifan exibiu um sorriso malicioso soltando a almofada que segurava antes de se aproximar do outro o agarrando pela cintura.
E nisto foi a vez do Park sorrir abertamente naquela noite.
Antes só sem cueca do que sem móveis.
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