Como toda boa história de amor há de acontecer um bom rebuliço.
Tudo começou com um sorriso e que sorriso, desses que deixam a gente meio sem jeito com as pernas bambas e que vem da maneira mais inesperada, simplesmente acontece e te envolve.
Era apenas um dia comum rotina básica de trabalho, rola o mouse, puxa tela, confere no caderninho se era pra usar aquele código mesmo. Nada extraordinário e então ele vem com um sorriso encantador e diz bom dia, boa tarde, algum cumprimento geral, aquele gesto apenas por educação.
E assim começa essa saga, essa jornada pelo amor e sofrimento, um sentimento reprimido, escondido e que vem a tona toda vez que naquela voz profunda e séria invade cada cantinho do ouvido e que ressoa até no ritmo da batida do coração.
Nome? Não trabalhamos com isso, para que sair do anonimato se o proibido sempre é mais divertido. Apenas impressões que meu cérebro trabalhava sobre ele enquanto meus olhos vidravam na tela do computador e fingiam se concentrar na primeira rotina diária.
Conversa ia e vinha, aquele bate papo meio pra se conhecer, para quebrar o anonimato que o ambiente de trabalho impunha na gente. Cada detalhe e cada minúcia era uma nova descoberta, um despertar de sentimentos que cada vez crescia mais. Ele falava sobre as origens, sobre a família, contava das delícias gastronômicas da terra natal, do frio das manhãs que acalentavam meu coração. Eu sei que parece meloso e romântico, mas não foi. Na frente de toda essa confusão emocional tinha apenas uma garota comum, calça jeans, camisa polo e tênis velho no pé. E como contrafé a todas essas novidades sobre ele eu exarava todos os detalhes que convinha pertinentes.
Comida, tópicozinho bom pra conversar hein sô, não tem como errar e sempre serve de indireta pra saber se a pessoa realmente presta atenção, fato que o destino provou vero. Os dias se passavam normalmente, sempre indiferentes, até começar meu estado resmungão do quero doce. Meu humor tem estágios, sempre condicionados a algum fato biológico, seja sono, seja fome, coisa comum, ainda mais para mulher que passa por uma maratona de hormônios diária e constante e ao mesmo tempo variável, porém o tal do humor do doce é o pesadelo diário, só causa transtorno e choramingação. Um fato é bem claro: doce engorda. Mas ficar o dia inteiro na vontade de adoçar o dia amargo não dá, tem que tem uma reserva escondida na gaveta, como um colete salva vidas só que salva doces e ai acontecia, ele percebia e dando uma de aleatório, de tenho aqui, pegava e sacava um bombom, um bolo, uma jujuba, o que quer que fosse, mas era doce.
Cada vez mais palpitava, e eu sempre negando o sentimento. Ele piscava, eu negava, ele sorria e eu só ria. E assim naturalmente se desenvolveu uma amizade naquele ambiente antes tão hostil.
Até o presente momento, qualquer hipótese desacertada que minha mente produzia era apenas isso, uma ideia, um desejo, um medo, uma situação inventada por ele ser um ser humano legal. Alguém engraçado e educado e sempre disposto a te ajudar, a te animar, a tirar qualquer dúvida inimaginável sobre a vida e sobre o serviço. E discorrendo sobre tudo isso eu me sentia cada vez mais e extremamente tola por acreditar que pudesse haver qualquer tipo de sentimento mútuo que não fosse o coleguismo por que afinal o escrachado faz de conta sempre foi uma história contada nos quadrinhos.
Tudo fluía normalmente, eu chegava, ele chegava, eu ligava meu monitor e ele o dele, e o serviço ia se desenvolvendo, sendo melhorado e retificado, funcionava como máquina, era um ciclo infinito de produção de aparar arestas. Tocava o telefone, suspirava, espirrava, fosse o que fosse independente do que acontecesse o dia continuava e fim.
E no apagar das luzes, no fechar das portas tudo mudou, o barulho do sistema do computador me alertou, e ali piscando na tela tinha uma mensagem, um requerimento de conversa interna e um oi com um sorriso. Oi, respondi e começou a confissão. Tal qual padre numa paróquia, escutei, e aquele ouvir tecnológico interpretado pelos olhos, habilidade de transformar palavras em tahoma tamanho doze numa verdadeira serenata. A confissão de amor que eu tanto esperara, e me questionei acerca de estar vivendo na realidade certa e momentânea. O tempo parecia distorcer enquanto lia cada palavrinha na tela brilhante do computador e ainda sem acreditar me virei e veio de encontro aquele bom e velho sorriso encantador, mas diferente. Não sei o que me alertou, se foi a maneira que seus lábios se curvavam para mim ou o desejo escancarado que seus olhos destinaram a mim. Foi então que cai, ou melhor, me joguei nas lascívias de amor proferidas, nos segredos de amor compartilhados e num beijo, um tanto rápido e escondido e assim continuou.
E os dias se passaram, modificados pela tensão de amor que impregnava o ambiente enquanto lado a lado digitávamos palavras secas, minutas curtas, diretas e que modificavam vidas, que meramente buscavam naquelas decisões burocráticas um indício de não alienação social.
Da mesma maneira estúpida e súbita na qual um relance era trocado e os beijos roubados a realidade nos alcançou e friamente lembrou que nem todo romance é para acontecer. E assim o foi, soterrado pelas pilhas de trabalho a serem terminadas, pelos minutos contados para o final do expediente e aos poucos foi ficando na memória com velhas mágoas e a consciência do que pudemos ser e do que podia ter sido. E continuando lado a lado, digitamos, minutamos e nos distanciamos.
Sorrisos agora frios e cordialidades diárias. Devaneios de um coração quebrado, lágrimas e fim. E juntos soterramos o passado, nosso último ato de amor.
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