No quintal - aquela coisa em volta das casas que as pessoas usam para fazer buracos e colocar sementes, cultivar às vezes alguns legumes e até verduras e que também é usado como banheiro por cachorros - tinha um pé de árvore.
O pé não era realmente um pé, porque pé tem dedos, e no máximo cinco. O pé de árvore, que não era pé e que também não tinha dedos, não tinha pé e muito menos dedos. Sempre que eu ia brincar:
- Luuuuuuuucas.
- Que, mãe?
- Cuidado com o pé de árvore que o teu pai plantou.
- Que pé?
- Esse rodeado por pedras. Cuida pra você não jogar a bola nele.
- Hum.
O quintal era cheio de pedras que decoravam a nossa casa por fora. Eram muitas, milhares, realmente incontáveis. Incontáveis mesmo, pois quem se atreveria a contar? Acho que ninguém além da minha cabeça que imaginava eu contando, “uma, duas, três”, depois de muito tempo, “um milhão trezentos e vinte e nove mil cento e sessenta e sete”. Deveria ser chato ter que contar pedras, eu não iria gostar.
Depois de imaginar a contagem, fui até o pé que não era pé, era uma muda de árvore. Sei que é muda porque eu estava com o meu pai quando ele plantou e com a voz bem rouca, grossa, ele falou:
- Lucas, filho.
- Que, pai?
- Isso é uma muda.
- O que é muda, pai?
- Muda é quando nós pegamos uma planta pequena, ainda neném como essa e plantamos em um local de onde ela jamais sairá. – Não deixei de imaginar a plantinha, indefesa, com fraldas, um babador e uma mamadeira sendo carregada no colo para o seu berço.
- Ela nunca mais vai sair daqui?
- Espero que não, pois essas pedras aqui. – Ele pegou algumas pedras maiores e ajeitou todas, formando um círculo com a muda no centro. – Essas pedras vão, de alguma forma, protegê-la.
- Mas proteger do quê?
- Filho, de que alguma bola, meio amarelada como essa sua de brincar no quintal, a atinja. De que o Quilbêtez arranque-a. – Quando meu pai falou o nome do nosso raça “X”, definição do médico de cães que eu resolvi chamar de raça “éqs”, ele fez um som, “uuuaaaAAAAAAAAo”, e tampou o focinho.
Então o pé não era um pé como eu imaginava. Não tinha dedos, muito menos cinco, era uma muda, e ela, no meio daquele círculo de pedras, crescia.
Enquanto eu estava ali, com a bola nas mãos, feito uma estátua, daquelas que é obrigado a ficar quando se brinca de estátua, uma voz vinha do chão.
- Ei, você pode me dar licença?
Primeiro olhei a minha volta, e nada.
- Ei, você pode me dar licença?
Olhei mais uma vez, e nada. Meu cachorro estava deitado me olhando, como se também escutasse alguma coisa.
- Ei, você pode me dar licença?
A voz da minha mãe não era, do alto não vinha e quando fui olhar para baixo vi uma centopeia passando por cima do meu pé, pé de verdade, com dedos, unhas e pequenos, como o de uma criança é.
- AAAAAAAAAAAA. – Gritei.
- Você não pode dizer que não fui educado. Eu pedi licença e você não saiu da minha frente.
Fiquei olhando, agora em silêncio, para aquela centopeia muito ousada que passava sobre o meu pé e também falava comigo. Depois de um tempo, cinco segundos no máximo, eu falei:
- Você fala!
- Claro que sim. Por que o espanto?
- Você não deveria falar.
- Por que não?
- Porque centopeias não falam.
- Credo, que nome horrível que você me chamou. Não sou tão feio assim.
- Como você se chama, então?
- Me chamo Bruno, e você?
Resolvi me abaixar, o Quilbêtez se aproximou e latiu.
- Meu nome é Lucas. Esse aqui, – Acariciei o meu cachorro antes de retomar a fala. – Esse aqui é o Quilbêtez, meu cachorro.
- Não gosto de Guilberts meu cachorro. Eles nos devoram, quando não colocam as patas sobre nós, e simplesmente nos dividem em dois Brunos. Depois de dividirem, nos contorcemos e eles latem, pulam, se abaixam como você está agora e deixam essa língua pendurada. – A centopeia chamada Bruno apontou com uma patinha apenas para a língua pendurada do cachorro, que estava daquele jeito, caída do lado da boca por causa da transpiração. – E como se fosse roupa no varal, deixam suas babas escorrerem! – Voltou a falar Bruno.
Fiquei olhando, e acho que franzi o cenho. Meu cachorro deu um gemido estranho e o Bruno perguntou:
- Que cara é essa, Lucas?
- É que é estranho, uma centopeia que fala e ainda por cima me dizendo tudo isso.
- Estranho pra você, pois pra mim não é não.
- Mas o Quilbêtez, o meu cachorro, nunca fez isso, não é Quilbêtez? – Fui inquisitivo ao olhar para o canino de boca aberta que deixava a baba escorrer pelo canto da boca.
Mudei o rumo da nossa conversa, já que não queria desentendimento com Bruno, centopeia que acabava de conhecer.
- Do que você chamou o Quilbêtez, o meu cachorro?
- Guilberts meu cachorro. Como você disse, ué.
- Não Bruno, ele se chama Quilbêtez.
- Guilberts, como lhe falei.
- Não Bruno, é quiiIILL – Bêtz. – Falei pausadamente, para que o Bruno não tivesse dificuldades em aprender o nome do meu cachorro. Ele repetiu:
- quiiIILL – Bêtz.
- Isso Bruno, daí é só juntar as duas partes, e fica assim ó, Quilbêtez, entendeu?
- Sim e “o meu cachorro”? Aonde é que fica?
- Meu cachorro, é o meu cachorro, como se você dissesse, minha mãe, meu irmão, meu pai, minha bola, meu livro, entendeu?
- Ah, entendi. Então meu cachorro não é meu?
- Não, é meu.
- Ah, entendi. Então meu cachorro não é meu, é o seu cachorro.
- Isso mesmo, Bruno.
- Ah, entendi. QuiiIILLBêtez é o nome do seu cachorro.
- Isso mesmo Bruno. O meu cachorro se chama QuiiIILLBêtez.
- Ah, entendi.
- O Quilbêtez é um bom cachorro. Ele cuida da nossa casa, e dorme o tempo todo.
- Hum. Ó, tenho uma ideia, você quer vir na minha casa?
- E eu posso?
- Pode sim, vem comigo. O Quilbêtez, seu cachorro pode vir junto.
Primeiro tentei imaginar como faria para poder entrar na casa de Bruno, pois olha o meu tamanho. Depois tentei imaginar o Quilbêtez em uma casa de centopeias, não sei se daria certo.
Não sei se por mágica, feitiçaria ou imaginação, após eu aceitar o convite para ir até a casa de Bruno, eu vi o meu cachorro encolhendo. Encolheu, encolheu, encolheu e encolheu. Mais uma vez ele encolheu. Ficou minúsculo, do tamanho da centopeia. Em pouco tempo, senti algo estranho, um friozinho na minha barriga e um vento erguendo o meu cabelo.
Encolhi uma vez e lá veio o vento erguer a minha cabeleira. Encolhi pela segunda vez e lá veio o vento erguer a minha cabeleira outra vez. Encolhi pela terceira vez e lá veio o vento erguer a minha cabeleira outra vez. Encolhi pela quarta vez e lá veio o vento erguer a minha cabeleira outra vez. Não tinha noção de quantas vezes pudesse encolher, então esperava pela quinta encolhida, mas nada mais aconteceu.
- Pronto, já estamos do mesmo tamanho, Lucas.
- Como é que aconteceu isso? – Indaguei.
O meu cachorro latiu por duas vezes, já que não sabia falar. Acredito que fazendo a mesma pergunta.
- Não sei, Lucas. – Bruno, a centopeia, olhou para o meu cachorro, forma de dizer o mesmo a ele.
- Estamos esperando o quê? Vamos à sua casa, Bruno.
O meu cachorro latiu por duas vezes, já que não sabia falar.
De repente comecei a notar tudo à minha volta. A casa ficou muito distante e gigante, de gigantes e para gigantes. As pedras do nosso quintal eram enormes, não sei dizer o quanto. O Quilbêtez, meu cachorro, latia por duas vezes e pulava de uma rocha para outra.
- Vamos. – Disse Bruno, a centopeia. – A minha casa não é muito distante daqui.
- Quanto tempo vamos levar para chegar à sua casa? – Perguntei.
O meu cachorro latiu por duas vezes, já que não sabia falar.
- Algumas ampulhetadas de tempo, só.
Ficamos em silêncio por duas ampulhetadas e ele, o Bruno, a centopeia, se voltou para mim:
- Ampulheta é esse negócio aqui, ó.
O meu cachorro latiu por duas vezes, já que não sabia falar.
Olhei para as cinquenta patinhas de Bruno, porque as outras cinquenta estavam longe da minha visão. Ele mantinha quarenta e oito patinhas no chão, e com duas patinhas erguidas ele me mostrava, em uma estava a ampulheta, e com outra patinha ele me apontava para o objeto contador de tempo.
- Hum. – Disse. – Sempre que a areia toda cai de um lado da ampulheta é preciso virar?
- É. – Foi a resposta.
Seguimos caminhando, o meu cachorro à frente, latindo, pulando. Logo notei uma gigantesca árvore protegida por uma muralha. Aos poucos comecei a reconhecer aquela árvore e aquele cercado de pedras. Claro, meu pai e eu é que plantamos ela, quando ela ainda era uma muda.
Chegamos bem próximos da muralha de pedras e o Bruno apontou para um espaço entre uma pedra e outra, e era ali entre as duas pedras que ficava o caminho para a casa do Bruno.
- Vamos. – Disse ele.
Ele foi à frente, meu cachorro foi o último da fila. De repente Bruno, a centopeia, começou a descer no que parecia uma escada caracol. Fomos atrás, espantados, olhos arregalados e confesso que eu estava com um pouco de medo.
- Olá, Lucia. – Falou Bruno à uma formiga que carregava folhas para dentro do que parecia uma cidade, cidade, na qual estávamos, meu cachorro e eu, submersos.
- Oi, Bruno. – Respondeu a formiga, meio agitada com o trabalho.
Cinco outras formigas que vinham em fila indiana cumprimentaram a centopeia. Elas carregavam o que parecia ser uma enorme minhoca que, por motivo de força maior, tinha-se ido. Virado finado mesmo, e deixado seu corpo para ser distribuído em várias partes no açougue. Filé de minhoca, ótimo para churrasquinho. Paleta de minhoca, dizem que dá um ótimo assado. Costela de minhoca e também outras partes que só os especialistas em carne, de minhoca, podem falar.
- Oi, Bruno. – Disse uma.
- Oi, Bruno – Disse outra.
- Oi, Bruno – Disse outra.
- Oi, Bruno – Disse outra.
- Oi, Bruno – Disse outra.
- Oi. – Disse Bruno.
O meu cachorro latiu por duas vezes, já que não sabia falar.
- Aquelas formigas. – Disse-me Bruno, a centopeia. – Elas, trabalham para o Besouro-chifre-de-serra, o açougueiro.
- Hum. – Respondi.
- Quando algum ser do nosso mundo deixa de existir, virando... sabe... defunto, as formigas vão buscar, porque é função delas. Algumas trabalham com o comércio de folhas, a Lucia é uma delas.
- Hum. – Respondi.
O meu cachorro latiu por duas vezes, já que não sabia falar.
Fomos andando, andando e andando e pude escutar o som de um violão. Fiquei impressionado, já que nunca pude imaginar que debaixo dos nossos pés, ou melhor, acima da minha cabeça existia um mundo e aqui outro.
- Quem faz música por aqui? – Resolvi perguntar para o Bruno, a centopeia.
- Ah, é o Grilo Falante. Ele veio de uma história de um tal de La Fontaine. Por muito tempo ele foi visto pelas formigas, de onde veio, como um preguiçoso.
Esfreguei os olhos e continuei escutando o Bruno, a centopeia.
O meu cachorro latiu por duas vezes, já que não sabia falar.
- O Grilo Falante, depois de trabalhar para o tal de La Fontaine, foi trabalhar com um boneco de madeira, numa história. Também não deu muito certo e ele não conseguiu o reconhecimento esperado, já que todos que escutaram a história pensavam que ele fosse a tal consciência, o pensamento do boneco de madeira.
Não pude deixar de imaginar um boneco de madeira com um grilo dentro da sua cabeça, enquanto o Bruno, a centopeia, me contava tudo.
- Ele trabalhou por pouco tempo com o boneco de madeira e sempre que alguém o reconhecia, lhe chamavam de preguiçoso, tudo por causa da fábula de La Fontaine chamada o “Grilo e a formiga”.
Seguimos o caminho e o som da música foi crescendo e de repente estava o Grilo Falante com um instrumento musical muito parecido com um violão, tocando e cantando com alguns insetos ao seu redor. Tinha alguns grilos também e sempre ao final de uma música ele recebia alguns cumprimentos da repleta plateia.
- Depois de muito tempo, ele, o Grilo Falante, chegou até aqui. Falou com o chefe da subterra e ganhou permissão para cantar e alegrar a vida dos que precisam trabalhar para sobreviver, assim como ele.
- Hum. – Respondi.
O meu cachorro latiu por duas vezes, já que não sabia falar.
- Tudo o que ele queria era o reconhecimento. Não é, Grilo? – Bruno acenou para o músico da subterra e ganhou uma levantadinha de cartola do Grilo Falante.
Seguimos caminhando, Bruno, a centopeia, em primeiro, eu e depois Quilbêtez, meu cachorro.
- Quantas ampulhetadas já estamos caminhando? – Resolvi perguntar.
- Acho que umas dez. Ó, aqui é a minha casa.
Bruno, a centopeia foi em direção a um pequeno buraquinho que na medida cabia ela, a centopeia de nome Bruno.
- E agora? O que faremos nós? Voltaremos? Hein, Bruno?
A centopeia entrou no buraco, que dizia ser a sua casa.
- Hein, Bruno?
O meu cachorro latiu por duas vezes, já que não sabia falar.
- Ele vai dormir por muito tempo agora. – Uma voz cantarolou atrás de mim. Olhei meio assustado e pude notar que era o Grilo Falante cantando.
- Como assim?
- Ele vai dormir por muito tempo agora. – O Grilo Falante repetiu o canto.
- Isso você já me falou. Mas por que dormir por muito tempo?
O meu cachorro latiu por duas vezes, já que não sabia falar.
- Vejamos, por que você dorme, meu rapaz? – Cantarolou o Grilo Falante a pergunta.
- Por muitos motivos. – Disse.
- O primeiro? – Cantarolou o Grilo Falante a pergunta.
- Por sono. – Disse.
- O segundo? – Cantarolou o Grilo Falante a pergunta.
- Por cansaço. – Disse.
- O terceiro? – Cantarolou o Grilo Falante a pergunta.
- Você pode parar de cantar?
O meu cachorro latiu por duas vezes, já que não sabia falar.
- Por quê? – Cantarolou o Grilo Falante a pergunta.
- Porque está me irritando!
- Por quê? – cantarolou o Grilo Falante a pergunta.
- Já chega! Nós vamos voltar pelo caminho que viemos. E você, por favor, pare de cantar! – Ordenei ao Grilo Falante e cantante.
Iria voltar pelo mesmo caminho quando a voz do Grilo Falante saiu como fala, e não como canto:
- Rapaz, algo está bloqueando a única passagem para o seu mundo.
Fiquei pensativo, acredito que por duas ampulhetadas. O meu cachorro latiu por duas vezes, já que não sabia falar. Lembrei da minha bola que não encolheu e que ficou no quintal de casa. Provavelmente ela, com o vento, rolou, rolou e bloqueou a passagem. Justamente a única.
- Rapaz, vejo que você e seu bicho peludo não são como nós da subterra. Mas como ficaram assim?
- Não sei.
O meu cachorro latiu por duas vezes, já que não sabia falar.
- Estranho. Mas posso ajudá-los, se me permitirem.
- E o Bruno?
- Rapaz, ele está cansado. Não acordará tão cedo. Além do mais, se você não recorda, a única passagem para o seu mundo está bloqueada, por isso não irá adiantar nada que o Bruno acorde.
- É verdade. – Concordei com o Grilo Falante que agora falava. Baixei a cabeça e pude sentir uma lágrima rolando no meu rosto.
O meu cachorro latiu por duas vezes, já que não sabia falar.
- E como você irá nos ajudar?
- Ninguém aqui na subterra sabe, mas eu, além de cantar e alegrar o árduo trabalho desses moradores, também escrevo.
- E escrever vai ajudar no quê?
- Eu escrevo uma história, coloco você e o seu cachorro nela e transporto você para o seu mundo. Simples, não é? – O Grilo Falante se empolgou e começou a cantar. – Simples, não é? Simples, não é? Simples, não é? Simples, não é?
- Tudo bem, é simples, mas como?
Cantando o grilo voltou a falar. Melhor dizendo, continuou cantando o que queria falar:
- Rapaz, como você acha que eu nasci? Como você acha que o Pinóquio nasceu? Como você acha que a Árvore Barbada, grande sábia e minha conselheira por anos, nasceu? E a Coruja filósofa?
- Não sei. – Respondi.
O meu cachorro latiu por duas vezes, já que não sabia falar.
- Rapaz, todos eles nasceram porque alguém, algum dia, resolveu criá-los. Você nasceu porque a sua mãe o criou. Tudo é criação de alguém.
- Como? – Perguntei, um pouco conformado.
- O Pinóquio, italiano boneco, nasceu quando Carlo Collodi resolveu escrever sobre um boneco de madeira. Es - cre - ver, viu?
- Sim.
- A Árvore Barbada, a Coruja, personagens de pano, nasceram quando alguém resolveu escrever sobre alguma coisa, entendeu?!
- Hum.
O meu cachorro latiu por duas vezes, já que não sabia falar.
- Esse cachorro só sabe ladrar?
- Sim.
O meu cachorro latiu por duas vezes, já que não sabia falar.
- Então vamos começar, serei o escritor que os levará para fora da subterra.
- Você vai escrever aqui?
- Não. Vamos para minha casa. Lá eu escreverei.
- Você não está com sono, não é?
- Não meu rapaz.
O meu cachorro latiu por duas vezes, já que não sabia falar.
Dessa vez o Grilo Falante foi o primeiro da fila, fui o segundo e o Quilbêtez, o último. Creio que caminhamos por algumas ampulhetadas até a casa do Grilo Falante. Era realmente uma casa, muitos quadros pela pequena parede. Alguns com a simples assinatura F. K. Outros assinados somente Dalí.
- Você gosta de pintura?
- Sou um apaixonado pela arte. Esses. – O Grilo Falante apontou para os quadros da sua direita.
– Esses ganhei, na minha breve passagem pela Espanha. Os quadros à minha esquerda eu ganhei quando estive no México. Lugar adorável. Foi lá que aprendi a tocar violão. Foi lá que comprei esses chapéus.
Fiquei admirado com tanta coisa na casa do Grilo Falante. O meu cachorro latiu por duas vezes, já que não sabia falar. Em pouco tempo ele nos serviu chá, se acomodou em uma poltrona, ajeitou os óculos, empunhou a pena e começou a escrever.
‘Era uma vez.’ – O Grilo Falante ia escrevendo e falando. – ‘Um menino, chamado...’ – Como você se chama mesmo? É Lucas?
Confirmei.
‘Um menino chamado Lucas e seu cachorro malhado de branco e preto, muito parecido com uma vaca e que não sabia falar, caminhavam pelo...’ – Por onde, Lucas?
- Pelo nosso quintal. O nome do meu Cachorro é Quilbêtez.
- Obrigado. – Disse o Grilo Falante.
‘Caminhavam pelo quintal. O cachorro, muito parecido com uma vaca, se chamava Quilbêtez. Grande fazedor de buracos, e de cocô. Um dia Lucas e o fazedor de buracos conheceram o Bruno, se conheceram e entraram na subterra. E me conheceram, conheceram as formigas e o Bruno dormiu. Muito desesperado, chorando rios de lágrimas, quase inundando a subterra, resolvi ajudá-los, o Lucas e o seu fazedor de buracos que só sabe ladrar e que parece uma vaca.’
- Eu não chorei tanto assim.
- Eu sei, mas assim dá mais emoção. Entende?
- Tudo bem.
O meu cachorro latiu por duas vezes, já que não sabia falar.
‘Aí, bateu na porta da minha casa um pintor famoso e muito meu amigo que iria fazer uma pintura do quarto da casa do Lucas com o seu fazedor de Buracos que só sabe ladrar e que parece com uma vaca.’
- Esse quadro ele vai pintar e vocês dois irão de volta para o mundo de vocês.
Toc toc.
- Quem é? – Sorriu o Grilo Falante.
- Raphael.
- Não falei que ele iria vir?
- Sim, você falou.
O meu cachorro latiu por duas vezes, já que não sabia falar.
- Será que nós seremos transportados para o nosso mundo?
- Sim, não viu que tudo deu certo até agora? – Perguntou o Grilo Falante.
Toc toc.
- Tem alguém em casa?
- Já estou abrindo a porta, senhor Raphael.
O Grilo Falante abriu a porta e de pé, de cartola, gravata borboleta, de barba bem aparada, o artista plástico com uma maletinha esperando para ser convidado a entrar, esperava.
- Quanta honra, Raphael. – Disse o Grilo Falante. – Por favor, entre em minha humilde casa.
Em pouco tempo o pintor, em silêncio, entrou e começou a arrumar seu material para pintar o quadro. Depois de tudo arrumado, Raphael se voltou para nós dois e começou a pintar.
‘O pintor iniciou a sua obra que levaria de volta ao mundo, longe da subterra, o menino Lucas e o seu fazedor de buracos que não sabia falar e que parecia uma vaca.’
- Como é o teu quarto? – Indagou o pintor.
- Ele tem uma cama, uma janela, uma mesinha cheia de carrinhos, um tapetinho e é azul. Tem uma televisão e um quadro com um cachorrinho em uma tela bordada.
- Hum. – Analisou o artista, alisando a barba, a descrição que o menino fez do seu quarto.
Continuou o Grilo Falante a escrever e a falar:
‘O artista plástico analisou a descrição feita pelo garoto e começou a esboçar o quarto.’
- Rapaz. – Disse Raphael.
- Quê? – Perguntei.
- Pode se despedir. Em pouco tempo irás para o teu mundo novamente.
- Mesmo?
- Mesmo.
Levantei da minha poltrona e deixei a xícara com chá sobre a mesinha de centro. Fui até o grilo e agradeci com um aperto de mão. O meu cachorro latiu por duas vezes, já que não sabia falar. Agradeci o artista plástico Raphael, também com um aperto de mão e me preparei para viajar.
‘O artista plástico começou a pintar o menino deitado em sua cama. O seu fazedor de buracos que não sabia falar e que parecia com uma vaca, estava pintado sobre o tapetinho do quarto. Após a pintura feita, o artista plástico mais importante dos últimos tempos, resolveu tomar uma xícara de chá, não falou muito, na verdade nada. Antes de guardar o seu último pincel ele escreveu o seu nome. A tela estava pronta, o artista se despediu e deixou de presente a pintura.’
- Grilo, um dia nos veremos. Até mais. – Disse o artista plástico. Logo após os dizeres ele foi embora.
O Grilo Falante analisou o quadro e se pôs a cantar e a tocar seu violão. Feliz o inseto escreveu o seguinte final:
‘Tudo não passou de sonho, para o menino e para o seu fazedor de buracos que não sabia falar e que parecia com uma vaca.’
Após escrever isso, o Grilo Falante saiu para o seu trabalho, o de músico, e o artista plástico resolveu voltar e acrescentar à pintura o livro escrito pelo Grilo Falante, que além de músico era também ator e escritor. Assim, ao acordar, tudo não passaria de um estranho sonho com grilo, centopeia, formigas e uma viagem para um submundo, a subterra.
Acordei e tive uma estranha sensação de que algo não estava normal, mas tudo bem, tinha acabado de acordar e os sonhos quando acontecem, parecem que são realidade. Meu cachorro estava comigo, a minha bola também e na janela do meu quarto caminhava lentamente uma centopeia na companhia de um grilo barulhento. O meu livro de cabeceira estava comigo no meu colo e o meu cachorro de nome Quilbêtez... ah... o meu cachorro latiu por duas vezes, já que não sabia falar.
Fim
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