ocarina Ocarina

Perdida, a pequena Alice se vê incapaz de encontrar o caminho de volta para casa. No entanto, ao conhecer o alegre e divertido Marco, descobre que está destinada a seguir um rumo completamente diferente daquele que procurava.


Short Story Not for children under 13. © História de minha autoria. Plágio é crime

#conto #chuva #amizade
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Do Outro Lado da Chuva

Em meio a uma larga e interminável trilha de pedrinhas brilhantes, Alice vinha caminhando por horas sem ter ideia de como havia chegado ali. A garotinha de apenas nove anos de idade somente pensava em retornar para casa, para juntos dos seus pais. Onde eles estavam, afinal? Ela não era capaz de se lembrar.

Sentia-se amedrontada, pois nunca havia passado tanto tempo sozinha. Sondava o seu entorno procurando desesperadamente por algum elemento familiar que pudesse guiá-la de volta ao seu lar, fosse o muro colorido da escola onde estudava, a banca de jornais da esquina ou o parquinho em que costumava brincar quase todos os dias. No entanto, ela nada encontrou. Ao seu redor, tanto à direita, quanto à esquerda, somente havia uma densa e escura floresta que ela jurava nunca ter visto na vida. Tudo naquele lugar parecia absolutamente novo e desconhecido.

Completamente perdida, não conseguia enxergar nada ao fim do horizonte. Não tinha ideia de onde aquele caminho a levaria e quanto tempo mais seria necessário percorrê-lo. Cada vez mais desesperada, sentia uma dor terrível e angustiante inundar o seu peito, mas ainda assim, foi incapaz de chorar. Nem mesmo Alice saberia dizer o porquê, mas por mais que quisesse, nenhuma lágrima se formava em seus olhos.

Cansada, ela desabou no chão e, agarrada nos próprios joelhos, permaneceu soluçando de forma inaudível. Enquanto isso, o céu que estava ligeiramente nublado, aos poucos foi se tornando cada vez mais carregado de nuvens escuras. A tempestade veio alguns instantes depois, caindo violentamente sobre aquela frágil menina.

Ignorando a água gelada que se chocava com o calor de sua pele, ela não moveu um músculo sequer para procurar abrigo e somente reagiu quando, repentinamente, sentiu algo lhe tocar o ombro. Alarmada, pulou de susto e olhou para cima, deparando-se em seguida com o semblante alegre e curioso de um certo menino sardento. Rapidamente, ela o analisou dos pés à cabeça na tentativa de descobrir se já o conhecia, mas assim como tudo à sua volta, ele também era uma novidade.

Considerando a sua altura, Alice achou que o garoto devia ser uns três anos mais velho que ela. Ele usava uma bermuda marrom e uma camisa azul marinho de mangas longas, já completamente encharcadas pela água. Além disso, numa tentativa falha de proteger-se da chuva, segurava uma enorme folha de árvore sobre a cabeça, o que certamente deixaria a situação um tanto cômica, se na realidade não fosse trágica.

— Qual o seu nome?! – ele gritou na tentativa de fazer com que sua voz sobressaísse ao barulho chuva.

— A-alice – ela respondeu hesitante ao se lembrar do alerta que sua mãe havia feito sobre conversar com desconhecidos.

— O que está fazendo aí no chão?!

Ela emudeceu. Afinal, nem mesmo Alice possuía a resposta para aquela pergunta. Ela não sabia onde estava, como havia chegado ali e para onde estava indo.

— Está perdida? – o menino sugeriu a possibilidade e, em resposta, ela balançou discretamente a cabeça confirmando suas suspeitas.

— Eu também! – ele retrucou mais animado do que deveria, com um sorriso de orelha à orelha – Vem comigo! Vamos sair daqui antes que a gente acabe pegando um resfriado!

O garoto estendeu a mão direita a fim de ajudá-la a levantar do chão, mas Alice não aceitou o gesto. Do contrário, se encolheu ainda mais aonde estava, franzindo o cenho com a insegurança.

— Acho melhor não... – ela abraçou a si mesma, tentando inutilmente se afastar dele.

— Está tudo bem, não precisa ter medo de mim! – ele se ajoelhou ao lado dela e posicionou a folha que trazia consigo sobre a cabeça da garota, fazendo com que a água parasse de lhe atingir diretamente no rosto. Por fim, se apresentou amigavelmente e novamente estendeu a mão – Meu nome é Marco.

Dessa vez, ao encará-lo bem nos olhos, Alice aceitou cumprimentá-lo com timidez. Assim, juntos colocaram-se de pé, unidos por aquele aperto de mãos um tanto desconcertante.

— Vamos pra floresta! Lá podemos nos esconder da chuva! – Marco sugeriu lhe puxando em direção à mata escura, porém, incerta sobre o que fazer, Alice forçou os pés no chão na tentativa de se manter estagnada no mesmo lugar.

— Pode ser perigoso. E se lá tiver algum animal feroz?

No mesmo instante um relâmpago rasgou o céu sobre eles, acompanhado de um estrondo assustador que fez com que ambos saltassem do chão em sincronia.

— Com certeza será mais perigoso se ficarmos aqui! Eu conheço um lugar na floresta onde podemos ficar! Eu vim de lá!

Utilizando mais força do que antes, ele a puxou novamente arrastando-a com facilidade até a mata. Ali, as copas das árvores passaram a protegê-los daquele imenso volume de água que se desprendia do céu. Marco e Alice correram juntos, ele na frente guiando-se com precisão entre os caminhos sinuosos do local, e ela atrás, apreensiva sem saber para onde estava sendo levada.

Depois da correria, chegaram até o que parecia ser a maior árvore daquela densa floresta. Seu tronco arranhado e irregular indicava o quão antiga devia ser, e os galhos praticamente vazios deixavam claro que ela já estava no fim da vida. Repentinamente Marco puxou Alice para baixo, fazendo com que a mesma caísse ajoelhada na terra molhada daquele solo. Num primeiro momento, a menina não entendeu o garoto estava fazendo, mas ao vê-lo engatinhar em direção à árvore, percebeu o enorme rombo que havia naquele tronco antigo e oco. O buraco era grande o suficiente para que Marco adentrasse, chamando Alice para se juntar a ele.

A garotinha olhou uma última vez para cima ao ouvir o som assustador dos trovões na tempestade e, sem pensar duas vezes, correu para junto de Marco na tentativa de abrigar-se dos perigos que a chuva lhe oferecia.

— Ufa! – ele suspirou aliviado – Ainda bem que conseguimos!

Sem a água embaçando a sua visão, ela o estudou atenta em cada detalhe, focando-se principalmente nas mechas de cabelos negros que escorriam ensopadas sobre seus olhos azuis, de um tom azul escuro que ela nunca havia visto antes.

— Você também se perdeu dos seus pais? – tímida, a menina perguntou aos sussurros.

— Sim. Não tenho ideia de onde foram parar! E os seus, Alice?

— Também não sei. Na verdade, não sei que lugar é esse. Você sabe Marco?

— Mas é claro! É uma floresta!

— Mas como eu vim parar nessa floresta?

— Ora, eu não sei! – ele a respondeu com sinceridade.

— E você, como veio parar aqui?

— Não sei também – ele deu de ombros – Mas eu sempre viajo com meus pais para acampar. Devo ter me perdido em algum momento.

— Você não se lembra?

Ele negativou com a cabeça, sem dar muita importância ao fato.

— Mas eu nunca acampei e nem viajei pra um lugar como esse – ela se encolheu cabisbaixa – não sei como vim parar aqui...

— Nunca acampou?! – ele perguntou perplexo, como se Alice tivesse lhe dito algo absurdo – E o que você costuma fazer nas férias?

— Vejo as flores nascerem no jardim da mamãe.

— Só isso?

Ela balançou a cabeça em concordância antes de responder.

— Gosto muito delas, principalmente as amarelas! São as mais bonitas! – ela respondeu esboçando um sorriso nos lábios para, em seguida, deprimir-se mais uma vez – Queria que mamãe estivesse aqui...

Ao perceber o quão aflita Alice estava, ele a abraçou amigavelmente fazendo com que a tristonha menina repousasse a cabeça sobre seu ombro.

— Não esquenta Alice. Com certeza seus pais devem estar te procurando, assim como sei que os meus também estão atrás de mim. Você parece cansada, por que não dorme um pouco? Depois que acordar, eu te ajudo a encontrá-los.

— Promete?

— Prometo.

Apesar de preocupada, deixando-se levar pelo som hipnotizante da chuva, a garotinha foi vencida pelo cansaço e adormeceu nos braços de seu mais novo companheiro. Perdendo a pouca noção de tempo que lhe restava, acordou num sobressalto após um terrível pesadelo. Ela não sabia ao certo o que havia sonhado, pois as imagens bagunçaram-se em sua mente no instante em que abriu os olhos. Além disso, seu coração martelava num ritmo frenético que lhe impedia de raciocinar com calma.

Somente se recordava de sua mãe a colocando na cama para dormir, como fazia todas as noites. De repente, algo estranho aconteceu e a mulher gritava pelo seu nome, enquanto chorava em desespero. Seu pai também estava lá, mas ela não foi capaz de lembrar o que ele estava fazendo. Ele não era um homem de falar muito e tampouco aparecia em casa todos os dias. De certa forma, Alice preferia que fosse assim, pois das últimas vezes que esteve presente, ele e sua mãe brigaram por longas e incansáveis horas.

— O que aconteceu?! Está tudo bem, Alice? – Marco a sacudiu, fazendo com que a menina voltasse à realidade. Ela nem havia se dado conta de que resmungava em voz alta, o que fez com que o garoto também acordasse.

— Eu tive um pesadelo.

— Com o quê?

— Eu não me lembro... – ela esfregou os olhos, confusa.

— Fica calma, foi só um sonho. Seja lá o que tiver acontecido, não foi real – ele tentou tranquiliza-la, enquanto a menina respirava profundamente com o intuito de se recuperar do susto.

Após Alice se acalmar, aproveitando que a chuva havia diminuído de intensidade, as duas crianças saíram de dentro da árvore em busca de seus pais, como haviam combinado que fariam. Marco acompanhava a menina de mãos dadas com o intuito de mantê-la sossegada e, por vezes, tentava lhe arrancar um sorriso do rosto fazendo piadas e palhaçadas. Tal como uma criança comum, ele interrompeu a busca para propor algumas brincadeiras. Num dado momento improvisaram um balanço numa árvore, em outro se divertiram brincando de esconde-esconde e por fim chegaram a um enorme rio que terminou se tornando o palco de uma aventura pirata, fruto da imaginação fértil do garoto.

Gradativamente, a pequena Alice foi ficando cada vez mais serena e alegre e, assim como o humor da menina, o céu também parecia ter se tranquilizado. A única coisa que havia restado daquela terrível tempestade era uma fina garoa, fraca o suficiente para ser completamente ignorada pelas crianças.

Marco pulava no rio espirrando água para todos os lados, incluindo a parte rasa em que Alice se encontrava. A garota, ao entrar na brincadeira, decidiu revidar lhe molhando o rosto cada vez que ele ousasse se aproximar dela. Assim, após agitarem a correnteza do rio com aquela farra, de longe Marco avistou algo flutuando em sua superfície. Curioso, ele nadou até o objeto a fim de descobrir do que se tratava. Sem medo algum, o retirou da água e o desdobrou, revelando um antigo chapéu desbotado e cheio de retalhos.

Internamente, o garoto sorriu tentando imaginar quem seria louco o suficiente para usar um trapo velho como aquele. Rapidamente ele saiu do rio para colocar sua camisa – ainda úmida devido ao banho de chuva que havia tomado anteriormente – e vestiu o chapéu.

— Olha só Alice! Eu pareço um pescador, não? – ele perguntou a ela, com uma das mãos na cintura e a outra naquele acessório que, por ser excessivamente grande para sua cabeça, insistia em não se manter no lugar. A princípio a garota riu da cara de deboche de Marco, mas em seguida fechou sua expressão num semblante de medo, desviando o olhar por cima dos ombros do garoto.

Intrigado, ele se virou depressa a fim de descobrir o que havia causado tal mudança na expressão de Alice, esperando deparar-se com algum animal perigoso ou assustador. Porém, Marco na realidade defrontou-se com algo que contrariava completamente as suas expectativas: um senhor, carrancudo e visivelmente mal-humorado se aproximava deles em passos largos e ágeis. Sua magreza, em conjunto com a pele excessivamente enrugada devido à velhice parecia ter sido mais do que o suficiente para assustar a menina, no entanto, Marco não teve medo algum. Assim, de prontidão colocou-se na frente da garotinha para protegê-la caso fosse necessário.

— Ei, moleque! Me devolva isso agora mesmo! – o homem vociferou ao ficar frente a frente com Marco, arrancando em seguida os chapéu de suas mãos.

Alice se encolheu atrás do amigo, amedrontada com a atitude agressiva do idoso. O garoto, por sua vez, permaneceu atônito, enquanto observava o homem alisar o chapéu antes de colocá-lo sobre sua própria cabeça.

— Esse chapéu é seu, senhor?

— Mas é óbvio que sim! E de quem mais seria?!

— Não sei, ele estava no rio. Não achei que tivesse um dono.

— Era só o que me faltava... – o velho resmungou para si mesmo em voz alta, revezando os olhares entre Marco e Alice –...dois pirralhos! Não são muito jovens pra estarem aqui?

— Nós nos perdemos dos nossos pais – Marco respondeu – Sabe nos dizer aonde fica a cidade mais próxima daqui? Tenho certeza que lá alguém poderá nos ajudar a encontrá-los.

— Cidade? Do que está falando garoto? Não existe cidade alguma aqui. Vocês nem deviam ter saído da trilha pra início de conversa!

— Ué, por que não?

— Porque aquele é o único caminho. Ficar nesse matagal não vai levar vocês a lugar algum!

— Mas você também saiu da trilha, não é?

— Moleque atrevido! Se saí, foi porque meu chapéu foi levado por aquela tempestade! Estou atrás dele desde então. Somente por isso! – o homem rosnou de maneira feroz, dando um passo em direção a eles.

Assustada, Alice recuou tropeçando num pedregulho que se encontrava no local, atraindo toda a atenção do homem para si. Ao encarar sua face amedrontadora, a menina estremeceu de medo e, no mesmo instante, a chuva engrossou novamente trazendo consigo uma forte ventania que ameaçou levar embora mais uma vez o chapéu do idoso.

— Maldição! – ele exclamou segurando a peça com firmeza em sua cabeça antes de se se voltar para Alice – É tudo culpa sua!

— Cala a boca, velhote! Ela não tem culpa de nada! – Marco defendeu ao ver a garotinha se encolher ainda mais no solo.

— Mas é claro que é! Você não percebe, pirralho?! Essa chuva é culpa dela! Mas não vou deixar que ela me atrase ainda mais! Eu vou embora daqui antes que seja tarde!

Irritado, ele deu as costas para os dois e partiu na direção oposta ao rio.

— Você vai nos abandonar aqui?! – indignado com a irresponsabilidade daquele homem, Marco correu até o velho, agarrando-o pela camisa.

— Não sou babá de criança nenhuma pra carregar vocês comigo! – ele retrucou, empurrando o garoto na terra molhada.

— Pelo menos nos diga para onde ir! – Marco implorou, se colocando de pé após o tombo.

— Eu já disse, nunca deveriam ter saído da trilha. É o único caminho possível – ele repetiu com a mesma entonação de antes – Será que você ainda não percebeu, garoto?!

Marco o encarou em silêncio tentando assimilar a pergunta. O que ele não tinha percebido? O que estava deixando passar? Ao ver a confusão mental em que o menino se encontrava, o velho inspirou fundo, tentando acalmar os nervos antes de continuar a conversa.

— O mundo que você conheceu já não existe mais. Uma vez que se chega até esse lugar, somente resta seguir em frente e caminhar pela trilha. Coisas terríveis acontecem com quem passa muito tempo fora dela. Se quiser salvar sua alma, sugiro que volte pra lá agora mesmo!

— Mas nós já caminhamos muito por ela e não chegamos em lugar nenhum.

— É preciso ter paciência, moleque. Deixe tudo para trás e se concentre na trilha!

— Mas aonde ela vai nos levar, afinal?

— Para o outro lado da chuva.

Marco esboçou uma careta após ouvir a resposta do senhor e, analisando as redondezas, tentou descobrir o que poderia ser o “outro lado da chuva”. Porém, aquele pé-d'água parecia exatamente o mesmo em todas as direções.

— Como assim? O que quer dizer?

— Quero dizer que você não vai chegar ao seu destino final enquanto estiver chovendo. Nem você, nem eu, nem ninguém! Por isso largarei vocês aqui, já que ela... – o velho apontou para Alice –...é quem está causando isso tudo!

— Mas...

— Já chega! O meu tempo está se esgotando! – o homem o interrompeu – Já falei mais do que deveria! Vou continuar o meu caminho antes que seja tarde demais. É melhor você fazer o mesmo, porque ela é um caso perdido – severo, ele encarou os dois uma última vez antes de dar às costas e partir rumo à trilha de pedrinhas brilhantes, sumindo completamente de vista em meio àquela mata escura.

Após o encontro com o homem, as duas crianças retornaram para a árvore que anteriormente havia lhes servido de abrigo, onde mais uma vez pretendiam se esconder da tempestade. Ali, ambos permaneceram calados, apreciando em silêncio o som das gotas da chuva se chocando com a terra do solo, e do assovio do vento balançando violentamente os galhos das árvores ao redor.

Alice estava desolada. Por que aquele senhor a tratou tão mal? Por que ele a culpava? Ela não conseguia entender. Marco, por sua vez, estava confuso, enquanto remoía aquelas duras palavras que tanto lhe atormentavam: “o mundo que você conheceu já não existe mais”. Se ele havia compreendido bem, então provavelmente Alice e ele não encontrariam mais seus pais, ou pelo menos não os encontrariam tão cedo.

De repente, o garoto se lembrou do momento em que Alice teve um pesadelo, enquanto dormia ao seu lado. Naquela hora Marco também estava sonhando, porém não havia sido um sonho ruim, na verdade ele estava muito feliz. Cantava alegre no banco traseiro do carro, enquanto viajava com seus pais para um acampamento, até que, num dado momento, simplesmente pegou no sono. Marco sabia que algo tinha acontecido enquanto estava adormecido e o mesmo havia se passado com Alice, já que a última lembrança que a menina possuía era a de ser colocada na cama pela própria mãe.

O garoto suspirou cansado e bisbilhotou Alice pelo canto dos olhos. Será que aquele velho estava certo sobre ela? Permanecer ao lado da menina faria com que ele tivesse um destino terrível? Estava claro que aquela chuva incessante era de fato uma personificação do humor da garota, ele havia percebido isso no instante em que o idoso lhe disse. No entanto, não conseguia entender o porquê ela não chegava ao fim.

Afinal, se nem mesmo sua presença foi o suficiente para acalmar o coração de Alice, de que outra maneira ele poderia fazer a chuva parar? Marco pensou em todas as alternativas, mas não encontrou nenhuma solução imediata. Devastado por dentro, soube que o homem estava correto sobre ter que abandoná-la para salvar sua própria alma, mas ainda assim parecia lhe faltar coragem para tomar tal atitude.

Ao perceber que Marco a observava, Alice o encarou de volta, fazendo com que no mesmo segundo ele desviasse o olhar para o outro lado, com medo de que, de alguma forma, ela pudesse ler seus pensamentos.

— Marco... – ao estranhar a infelicidade estampada no rosto do amigo, Alice tentou puxar assunto sem saber exatamente o que queria dizer.

No entanto, ele não lhe deu a mínima atenção. Parecia estar com a mente em outro planeta e, antes que Alice pudesse continuar, de súbito saiu de dentro da árvore, disparando em seguida para longe dali, sem hesitar ou olhar para trás. Imóvel, ela observou o seu vulto desaparecer em meio à chuva, enquanto sentia o coração se estilhaçar em em mil pedaços. Marco realmente a tinha abandonado? Ela não podia acreditar. Ela não queria acreditar. Assim, por um bom tempo Alice esperou que ele voltasse com alguma explicação lógica para tê-la largado sozinha naquele lugar.

Horas foram necessárias para que a menina perdesse por completo o último fio de esperança que lhe restava. Já havia se acostumado com o fato de que Marco realmente não voltaria mais e passou a se sentir mais só do que estava antes de conhecê-lo. Pensou em voltar para a trilha de pedrinhas brilhantes, mas percebeu que não se lembrava do caminho, pois o garoto sempre estava na dianteira, a guiando para todas as direções daquela imensa floresta. Assim, amedrontada com o estrondo assustador dos relâmpagos no céu, se encolheu o máximo que pôde, fechando os olhos com força e tapando os ouvindo com as próprias mãos na tentativa de se desligar de tudo ao seu redor.

Justamente por isso, só foi notar que não estava mais sozinha quando sentiu algo lhe tocar no ombro. Ela abriu os olhos surpresa e sentiu seu coração acelerar, tal como da primeira vez que o viu. Marco estava lá, com o mesmo semblante alegre de sempre e com o sorriso cúmplice que Alice tanto sentira falta. Sem mágoas ou rancor, ela o abraçou com força assim que o garoto se acomodou ao seu lado, sujo de terra e respingando água de tão encharcado pela chuva.

— Desculpa pela demora, Alice.

— Onde você estava? – ela perguntou soluçando num misto de alegria e confusão.

— Eu precisava buscar uma coisa e acabei me perdendo no caminho. Não era pra ter levado tanto tempo...

— Por que não me levou junto? – ela questionou ressentida.

— É que era pra ser uma surpresa – ele respondeu retirando do bolso da bermuda um ramo de flores amarelas, um tanto maltratadas pelo temporal, porém intactas na medida do possível – Você disse que gostava das flores amarelas que nasciam no jardim da sua mãe, não é? Bom, eu sei que não é a mesma coisa, mas...

— Uau! – com os olhos brilhando de excitação, ela o interrompeu tomando as flores de sua mão – São iguaizinhas as da mamãe, Marco! Onde conseguiu?

— Por aí! Eu sabia que tinha visto elas em algum lugar, só não me lembrava exatamente onde.

Ele observou a menina analisar cada detalhe daquelas flores com delicadeza, enquanto a chuva diminuía gradativamente do lado de fora.

— Alice... – ele inspirou fundo tomando coragem para continuar –...eu sei que prometi te ajudar a encontrar seus pais, mas a verdade é que não posso.

O quê? Por que não? – ela pressionou o ramo de flores sobre o peito, chateada.

— Lembra do que aquele velho disse sobre o mundo que conhecemos não existir mais? – a garota assentiu em resposta – Ele estava certo. Não podemos encontrar nossos pais, porque eles não estão aqui.

— Quer dizer que nunca mais verei eles?!

— Não! Não é isso! Você verá, mas... – por alguns instantes ele tentou descobrir qual era a melhor maneira de concluir aquele pensamento. Porém, incapaz de falar abertamente sobre o que havia acontecido aos dois, terminou sendo o mais simplório possível –...mas vai demorar, entende?

— Não muito... – ela respondeu cabisbaixa.

— Sabe Alice, aquele homem me mandou te largar aqui sozinha e salvar a minha própria alma – a garota arregalou os olhos assustada pela forma direta e repentina com que Marco abordou o assunto – Mas eu não o fiz, sabe por quê?

— Por quê?

— Porque gosto de você. Não quero salvar a mim mesmo, quero salvar nós dois.

Admirada, ela não soube o que responder e agarrou-se com força nas flores amarelas que o garoto havia lhe trazido. Era certo que sua ingenuidade não lhe permitia compreender com clareza tudo o que estava acontecendo, mas aos poucos ela começava a entender os significados por trás da atitude de Marco.

— Eu também queria muito estar com os meus pais, Alice, mas não me importaria em esperar se, até lá, eu tivesse a sua companhia.

Ela emudeceu com a cabeça baixa, escondendo o rosto com timidez. Certo de que aquilo seria um indicativo da profunda tristeza que a menina sentia, Marco suspirou exausto e recostou-se na parte funda do tronco ao fechar os olhos, chateado por não ter sido capaz de deixá-la suficientemente feliz para salvar sua alma. Ainda assim, ao menos sentia-se satisfeito por ter tentado. Naquele instante, ele estava convicto de que, por mais terríveis que fossem as consequências, preferia permanecer ao lado de Alice do que deixá-la para trás, sofrendo sozinha.

Não iria a lugar algum sem sua amiga.

Cansado depois de tanto percorrer a floresta em busca do ramo de flores, adormeceu por alguns instantes, acordando somente ao perceber que o barulho da chuva havia desaparecido por completo. Logo notou que Alice não estava mais ao seu lado e, desesperado, saiu de dentro da árvore a fim de encontrá-la. A garotinha estava parada de costas para ele, abraçada ao presente que havia ganhado, enquanto observava as nuvens que escondiam o céu se dispersarem aos poucos. Ao notar a movimentação atrás de si, alegre ela se virou para o garoto com um enorme e sincero sorriso no rosto.

— Finalmente acordou, Marco! O que está esperando? Vamos esperar os nossos pais juntos! – ela estendeu a mão livre em sua direção, o convidando para voltar para a trilha de pedrinhas brilhantes. Sem acreditar no que estava vendo, ele sorriu de maneira abobalhada dando alguns leves tapas em seu próprio rosto a fim de confirmar que não estava sonhando.

Assim, tomou a mão da garota e juntos retornaram para o local em que se conheceram, guiados pelos raios de luz que surgiam tímidos no céu. Nenhum dos dois sabia quanto tempo levariam até seu destino final, mas sabiam exatamente aonde queriam chegar.

Do outro lado da chuva. O lado onde sai o sol.

March 28, 2018, 4:51 p.m. 0 Report Embed Follow story
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The End

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Ocarina Uma bióloga que curte assistir uns animes, ler e escrever umas fanfics e por aí vai... (escrevo também no Nyah! Fanfiction, AO3 e Fanfiction.net)

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