O amor calcula as horas por meses, e os dias por anos; e cada pequena ausência é uma eternidade.
John Dryden
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Shouto não chora ao vê-lo partir.
Ao menos, não no princípio e onde Midoriya pode vê-lo.
Ele apenas permanece ali, corpos próximos, dedos entrelaçados, olhos fixos nos de Izuku, decorando cada parte do seu rosto, sarda por sarda, curva por curva, o trejeito do lábio inferior que treme de leve ao segurar as lágrimas que sabe estarem ansiosas para saltar. Shouto sabe que Izuku nunca foi bom em contê-las, mas faz isso agora por ele. É difícil dizer adeus, ainda que este não passe de um até logo, é como abrir mão de seu maior tesouro e assisti-lo caminhar para longe, impotente. Porém, ele sabe que aquela é a coisa certa a se fazer. O futuro, os sonhos sussurrados no escuro, compartilhados em noites em claro na cama, todos levam para aquele momento, o instante em que o caminho se divide. Não será ele a impedi-lo. Não quando Midoriya foi responsável por clarear sua visão e lhe devolver seus próprios sonhos. Não importa o que for, ele estará lá para apoiá-lo. E, se para isso ele precisa deixá-lo ir, assim o fará. Ainda que seu coração se aperte no peito e a garganta engasgue com as palavras que tanto gostaria de dizer. “Fique”, ele quase pode senti-las ardendo no fundo da garganta, “não vá. Não me deixe para trás.” Ele não o impedirá, no entanto. Ficará ao seu lado, aconteça o que acontecer, como prometido.
Durante toda a curta caminhada do ponto onde o táxi os havia deixado até o aeroporto, suas mãos tinham se mantido pressionadas quase como se tentassem evitar a separação que se aproximava com uma certeza inevitável. Ao redor dos dois, cerejeiras se preparavam para o florescimento enquanto o inverno deixava seus últimos vestígios para trás e a primavera se anunciava no horizonte com um frescor revigorante. A Shouto aquilo trazia um pesar: aquele seria o primeiro ano desde sua entrada na U.A que não veriam o desabrochar das flores juntos.
— Quando eu voltar, o que acha de irmos ao Hanami juntos mais uma vez? — Izuku havia perguntado, quase como se pudesse ler os pensamentos de Shouto. De algum modo, ele nunca duvidara que o outro possuísse tal habilidade oculta entre suas muitas individualidades.
Ainda assim, Shouto havia inclinado a cabeça, sabendo que a pergunta não era mais nada além de uma maneira de deixá-lo mais confortável com a situação toda e dar aos dois a esperança de que tanto precisavam.
— Eu estarei esperando ansioso por isso.
É a isso que ele se agarra agora, essa pequena promessa dos dois enquanto o ambiente turbulento quase os engole em sua pressa caótica de muitas pessoas partindo e outras se reunindo. Doses iguais de saudade e reencontro que o deixam tonto e sobrecarregado. Não pense nisso, ele repete a si mesmo, mas pensa.
A chamada para o voo soa nos alto-falantes e Izuku se sobressalta, os ombros estremecendo com o medo e a ansiedade. Aquele instante roubado havia por fim chegado ao limite. Ele o encara com seus olhos verdes e sinceros, e Shouto lê neles a despedida que nenhum deles é capaz de dizer em voz alta. Dizer só faria tudo ainda mais real e ele gostaria de permanecer na beirada daquele mundo paralelo por mais algum tempo. Com um suspiro dolorido, Shouto se inclina até que suas testas se toquem, a mão subindo-lhe até a bochecha dele, acariciando-a e sentindo a onda de calor que pinica seus dedos todas as vezes que ele cora.
Shouto não quer vê-lo ir, mas chegou a hora. Ele precisa ser forte. Por Midoriya. Por ele mesmo. Pelo dois.
Depositando um beijo leve em seus lábios, Midoriya lhe dá as costas e parte.
Ele não olha para trás, mas de onde está, Shouto pode ver o tremor se espalhando por seus dedos tortos da mão cicatrizada quebrada em uma batalha em meio a um estádio lotado, partida pelo seu próprio bem por alguém que se importa demais com os outros para deixá-los sofrerem sozinhos. Aquela foi a primeira vez que Midoriya o salvou. Shouto em breve retribuiria o favor. E então eles continuariam se salvando ao longo dos anos, doando pedaços de si mesmos um pelo outro sem nunca pedir nada em troca. Por isso agora, ele não hesita em fazê-lo novamente.
Shouto não chora, mas a dor que sente é real e sabe que metade do seu coração parte com ele naquele momento.
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Mr. Green Sky
[Mr. Green Sky enviou uma foto]
Hot N’ Cold
Você parece estar se divertindo
Mr. Green Sky
É incrível!
Nunca tinha viajado de avião sozinho antes!
Hot N’ Cold
Quero ir também
Certeza de que não quer me levar na mala?
Mr. Green Sky
Você não caberia hahaha
Hot N’ Cold
Eu podia ser uma mala bem grande
Mr. Green Sky
E como eu explicaria isso quando chegasse na alfândega dos EUA?
“Então, onde eu preciso ir para declarar um namorado clandestino?”
Hot N’ Cold
Sempre existe a opção de se fingir de desentendido
Se isso falhar, basta olhar para eles com aqueles seus olhinhos de cachorrinho que caiu da mudança como olha para mim e garanto que eles farão tudo o que você quiser.
Mr. Green Sky
Shouto!
Hot N’ Cold
O quê?
Eu menti?
Não menti
Todos aqueles actions figures no cartão de crédito do Endeavor estão aqui para provar
Mr. Green Sky
O cartão do... o quê??
Hot N’ Cold
...
Nada
Mr. Green Sky
Espera, não me diga que todos aqueles presentes…
Hot N’ Cold
Eu não disse, você está dizendo
Mr. Green Sky
Oh, deuses
Hot N’ Cold
Apenas finja que nunca soube disso
É necessário para manter o mundo em equilíbrio
Mr. Green Sky
Você é inigualável
Hot N’ Cold
E ainda assim, você não quer me levar
[Shouto enviou um gif]
Mr. Green Sky
Há!
Quem está usando olhos de cachorrinho agora?
Hot N’ Cold
Justo
Mr. Green Sky
Sabe que eu te levaria comigo se pudesse
Mas o All Might só conseguiu essa vaga para um :(
Hot N’ Cold
Eu sei, já tivemos essa conversa um milhão de vezes
Você é o pupilo dele, precisa ir
Além disso, vai ser uma ótima experiência
Mr. Green Sky
Sabe que eu amo você por ser tão compreensivo
Já sinto sua falta
E o avião nem saiu do solo japonês ainda
Hot N’ Cold
Eu também sinto
Posso comprar a companhia aérea e parar o voo agora, só basta uma palavra sua
Mr. Green Sky
Quanto de crédito tem nesse cartão??
Hot N’ Cold
Não faço ideia
Ainda não atingi o limite
Mas posso descobrir
Mr. Green Sky
Convencido hahaha
Hot N’ Cold
Tudo por você
Mr. Green Sky
[Mr. Green Sky enviou uma foto]
Hot N’ Cold
Jogo sujo, sabe que não resisto as suas sardas
Como vou viver sem beijá-las todas as noites?
Mr. Green Sky
Hahaha você está me fazendo ficar vermelho
As pessoas estão reparando
Hot N’ Cold
É a minha especialidade
Não que seja muito difícil
Mas amo o quão adorável você fica
Mr. Green Sky
Shouto!
Oh, deuses, isso foi muito fofo
Você não costuma falar essas coisas, tem certeza que está tudo bem?
Hot N’ Cold
Não sei
Vou sentir saudades
Já sinto
Quero te ver logo
Mr. Green Sky
Eu também, amor
Prometo que esses dois anos vão passar rápido
Hot N’ Cold
É o que espero
Estarei contando os dias até o seu retorno
Mr. Green Sky
Por falar em retorno
A aeromoça está dizendo que preciso desligar o celular, parece que já vamos decolar
Hot N’ Cold
Oh, bem
Boa viagem então
Mr. Green Sky
Eu te amo
Posso estar viajando para longe, mas meus pensamentos estarão aqui com você todos os dias
Hot N’ Cold
Assim como os meus estarão com você
Envie notícias quando chegar, estarei esperando
Amo você não importa a que distância esteja
E isso nunca vai mudar
(sua mensagem não foi lida)
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Shouto guarda o celular no bolso do casaco e assiste ao avião decolar para os céus, levando parte das cores de seu mundo com ele.
Se ele derrama algumas lágrimas, ninguém está lá para presenciar.
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Mr. Green Sky
[Mr. Green Sky iniciou uma chamada de voz]
“Shouto, tudo aqui é incrível!”
“Você continua dizendo isso, é a vigésima vez que usa a palavra incrível, posso imaginar seus olhos arregalados mesmo a dez mil quilômetros.”
“Mas é incrível! Shouto, você está rindo? Você não deveria rir de mim, que tipo de namorado é você?”
“Tudo bem, desculpe. É só que gostaria de poder ver o seu rosto agora, tenho certeza de que está animado por ter conhecido a antiga agência onde All Might trabalhou quando era jovem.”
"Sim! São tantas coisas novas! E as pessoas, Shouto! Existem tantos heróis com estilos diferentes e suas individualidades são tão interessantes, eu tenho tantas perguntas…"
"Cuidado, amor, tente deixar pelo menos alguns deles vivos quando terminar."
"Shouto!"
"Estou brincando, sabe que amo seu entusiasmo com as suas análises. Ninguém é mais brilhante do que você quando faz isso."
"Nem mesmo o diretor Nedzu?"
"O velho rato nem saberia o que o atingiu se você se esforçasse para batê-lo. Tenho certeza que esse era um dos pesadelos frequentes de Aizawa-sensei. Já falamos sobre isso, o mundo só não foi conquistado ainda porque seu coração é muito bom para algo desse calibre."
"Ah, Shouto, isso foi doce."
"Quando precisar. Agora me conte como foi o seu dia e o que você viu durante o tour pela agência."
(Midoriya mergulha na história sem precisar de um segundo incentivo e Shouto fecha os olhos, apertando o telefone com mais força contra a orelha. Se ele se esforçar, quase pode imaginar que Izuku está ali com ele. Os dois ignoram a pontada dolorosa de saudade no peito que sentem por saberem que este não é um momento que podem compartilhar.)
(Mas são só dois anos, quão demorado pode ser?)
(A resposta eles logo vão descobrir.)
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Ele chega em casa naquela primeira semana e se depara com o silêncio. Completo e total, pesado e sufocante, enrolando-se como cordas em volta de sua garganta e tornozelos, paralisando-o e tomando sua voz. Há algo de tão errado na quietude que um dia Shouto apreciou, mas que agora não pode explicar que ele simplesmente dá as costas ao apartamento e tranca novamente a porta, saindo para a rua como se estivesse fugindo de um prédio em chamas.
Ele caminha pela rua e ignora sistematicamente o fato de que é um adulto e um herói profissional com seus 20 anos e sua atitude é simplesmente ridícula, porque quem teria medo da própria casa, não é mesmo? Mas, ainda assim, a ideia de retornar faz o suor frio escorrer por suas costas e um pavor inominável encher seu estômago.
Então ele foge, fingindo que não é isso que está fazendo, e opta por aparecer de surpresa na casa de Natsuo que apenas lhe lança um olhar confuso e preocupado, mas lhe recebe do mesmo jeito. A noiva do seu irmão faz o possível para que ele se sinta acolhido e bem vindo, preparando soba para o jantar e cutucando Natsuo de um jeito nada discreto toda vez que ele abre a boca para iniciar o que vai ser uma pergunta que ele certamente quer evitar. Isso faz Shouto gostar ainda mais dela.
Mais tarde, no meio da noite, ele o escuta ter uma longa conversa com Fuyumi pelo telefone, os dois conversando sobre sua pessoa como se ele não estivesse bem ali do outro lado da sala e pudesse ouvir tudo. (“Ele apenas apareceu na minha porta sem nenhuma explicação e não diz uma palavra, o que você espera que eu faça? Precisamos fazer alguma coisa, Fuyumi, somos irmãos dele!”) Shouto não quer realmente saber o que eles acham de sua atitude egoísta, ele tem uma suspeita sobre o que eles poderiam considerar ser sua motivação, então volta para os lençóis emprestados espalhados no sofá-cama da sala e tenta abafar a sensação oca em seu peito e o espaço vazio em seus braços outrora preenchido pelo corpo ensolarado de alguém que ele não pode mais ter.
Quando acorda no dia seguinte, Fuyumi já está lá preparando o café da manhã e a cena é tão familiar que toca um ponto nostálgico em suas memórias que ele pensou estar esquecido. Há preocupação nos olhos turquesas e no franzir de testa, a imagem espelhada de cinco anos atrás quando ele não passava de um adolescente frequentando uma escola de heróis sob um teto que odiava estar. Culpa se instala, pesada e incômoda, em seu estômago por trazer aquela expressão ao rosto dela e por isso ele come tudo o que ela coloca a sua frente sem uma reclamação sequer.
Com o prato de ovos e a tigela de arroz limpa, Shouto se apressa para sorver a sopa de misô no momento em que Natsuo entra na cozinha e, de repente, ele têm os dois irmãos olhando pra ele com semblantes idênticos, carregados de interrogação confusa e bocas apertadas em uma firmeza irredutível que certamente o lembra de sua mãe. Ele apenas agradece por ela não estar ali naquele momento, aquilo já ia ser ruim o suficiente.
— Então — Natsuo começa, claramente, o mais impaciente dos três. —, quer finalmente nos contar o que está acontecendo com você?
Shouto dá de ombros, terminando o café da manhã e pousando os palitinhos com um estalo que ecoa no ambiente silencioso. Fuyumi suspira.
— Shouto, estamos aqui para o que você precisar. Somos sua família e não vamos te abandonar não importa o problema que esteja enfrentando. — Os olhos dela transmitem a veracidade de suas afirmações. — Você raramente aparece e sempre liga para avisar antes de alguma visita, então surgir assim ontem, sem aviso, assustou Nastuo até os ossos. Ele pensou que você pudesse estar encrencado ou fugindo de algo.
Shouto certamente se sente um fugitivo, mas não do jeito que eles estão imaginando.
— Ele não me assustou — retruca Natuso, ofendido pela insinuação. — Mais para me fez perguntar quantos cadáveres teríamos que enterrar. O quê? — pergunta diante os olhares reprovadores da irmã mais velha e de apreciação do irmão mais novo. — Pode acontecer algum dia e quero que ele saiba que pode contar comigo para o que precisar.
— E como exatamente você vai explicar isso no seu emprego? Um médico que enterra cadáveres ao invés de tentar salvá-los enquanto estavam vivos?
Natsuo sorri largo e pisca para Shouto, preguiçoso e imperturbável com as possibilidades.
— Se não aconteceu ainda, não há por que se preocupar, há, Shouto?
— De forma alguma — confirma. — Nenhum cadáver envolvido.
— Viu só? Nenhum problema, a não ser o fato de que você ainda não nos disse por que está aqui.
O silêncio se prolonga, uma nuvem espessa e densa, sufocante para Shouto onde um dia foi tranquilizadora. Mas como ele pode explicar para os irmãos que provavelmente só está sendo estúpido e infantil, que a saudade, a falta absurda que sente agora, mal aplacada pelas mensagens em seu telefone em um fuso de 14 horas, não são suficientes, que ele talvez só precise de tempo para encarar o apartamento vazio e aceitar a percepção de que vai permanecer assim por mais um tempo, que ele, Shouto, vai sentir esse vazio por mais um tempo. O fato é: Shouto nunca foi bom em comunicar seus sentimentos. E mesmo os anos passados com Midoriya o tendo amolecido para isso, ele ainda mantém algumas travas no lugar, de modo que tudo que diz é:
— Eu só preciso de algum tempo e espaço para pensar em algumas coisas. Posso ficar aqui enquanto isso, Natsuo?
— Claro, sabe que não precisa nem perguntar. — O irmão nem mesmo hesita e isso o enche com um calor agradecido pelo que sua relação com sua família se tornou nos dias atuais.
E então o calor desaparece quando Fuyumi encontra seus olhos para perguntar:
— Isso é por causa da viagem de Midoriya-kun?
Uma agulha caindo poderia ser ouvida no silêncio que se forma. E então Shouto se levanta, coloca a louça suja na pia e vira-se para a saída, dizendo apressadamente para os dois:
— Eu sei que é cedo, mas tenho uma patrulha começando em alguns minutos, então se me dão licença…
Ele não se vira para conferir suas expressões gêmeas de pena e consternação, apenas vai embora da casa com as mesmas roupas do dia anterior e a mesma sensação de impotente covardia com que chegou.
Naquele momento, Shouto não se sente nem um pouco como um herói.
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Mr. Green Sky
[Mr. Green Sky enviou uma foto]
Primeiro dia de patrulha e salvei uma garotinha que caiu da torre de uma biblioteca. Ela implorou muito por uma foto e não consegui dizer não! Pode ver que ela gostou de imitar as orelhas da minha fantasia haha
Como você está, amor?
Comeu e dormiu direito?
Recebi algumas mensagens dos seus irmãos e eles pareciam preocupados.
Sei que há algo em sua mente, mas vou estar aqui quando quiser conversar.
Te amo a cada pensamento
(sua mensagem não foi lida)
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Shouto retorna ao apartamento naquela noite e em todas as outras da semana que se segue e tudo ainda está exatamente onde ele deixou. Nenhum sinal de tênis vermelhos abandonados de forma descuidada na entrada, ou um casaco pendurado no cabideiro — meio torto e caído, porque Izuku tem essa briga com o objeto desde que eles o comparam, insistindo que seus casacos nunca encaixavam no suporte como deviam —, nem qualquer de barulhos de uma frigideira batendo no fogão ou um “bem-vindo ao lar” o recebendo como acontecia na maioria das vezes. Nada. Vazio. Apenas o mesmo ar parado e o eterno silêncio que parece se perpetuar a cada batida de seu coração.
Shouto não pode suportar permanecer ali por mais tempo. Ele sabe que está agindo como um covarde, fugindo da realidade, de aceitar que ele se foi. (Ele se foi mesmo, não é?) Aceitar que essa era a sua vida agora, aquele apartamento vazio, o silêncio das conversas por preencher, a ausência de um complemento que o entende com um olhar, o calor de um sorriso aos primeiros raios de sol e a compassividade de um toque nos últimos raios de luar.
Ele sabe que está fugindo, mas fechar os olhos e fingir que as coisas não mudaram, que o mundo não foi desfeito sob seus pés parece mais tentador. Então é o que ele faz. Ele trabalha, engole a comida que empurram para si e rola no sofá estreito noite após noite, certo de que se continuar forçando, em algum momento tudo o mais vai parecer normal outra vez. Por outro lado, seus irmãos não parecem ter desistido de tentar fazê-lo falar sobre o que está acontecendo, mesmo com toda a insistência de Shouto de desviar o assunto. Fuyumi apenas revira os olhos e retira o jantar, ajudando a noiva de Natsuo que lança pequenos comentários a todos eles sobre deixar Shouto ter o seu tempo. No fim, Fuyumi é obrigada a aceitar que não vai conseguir uma palavra sequer dele e diz como uma pergunta para si mesma:
— Por que somos assim mesmo?
Para a sua surpresa, Natsuo que estava bebericando seu chá de matcha, responde com uma expressão muito séria:
— Deve ser todo aquele trauma acumulado e as experiências de quase morte.
Os três se encaram e então uma gargalhada surpresa sai dos lábios dele, sem conseguir mais manter a pose. Shouto ri, acompanhando os outros, mas sente uma parcela de culpa por preocupá-los daquela forma.
Ele diz a si mesmo que tudo o que precisa é de mais tempo.
Mas em seu interior, ele sabe que isso é uma mentira.
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His Face Off Manly
Hey, bro! Estou saindo em missão hoje, mas Kats fez um ótimo mapo tofu para o jantar
Muito para uma pessoa só, como sempre
Por que não passa lá e pega um pouco?
Hot N’ Cold
Em uma escala de 1 a 10 qual a chance dele ficar irritado se eu aparecer lá sem avisar?
His Face Off Manly
100, com toda certeza!
Mas você o conhece, ele vai adorar a surpresa
Hot N’ Cold
Tenho sérias dúvidas.
His Face Off Manly
Confie em mim e apareça
A gente se vê numa próxima, Todobro!
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Contra todas as possibilidades, Shouto aceita.
Ele não sabe porque faz aquilo, mas, quando dá por si, sua mão já está erguida e seus dedos já estão batendo a porta de madeira lisa três vezes de maneira bem espaçada. Os olhos vermelhos de Bakugou o cumprimentam com a familiar irritação que Shouto aprendeu a apreciar e a careta que molda sua face é quase bem vinda a essa altura depois de tantas expressões preocupadas dos colegas de trabalhos e de seus irmãos. Shouto não precisa de pena, não quer que eles ajam como se ele fosse um vidro frágil prestes a quebrar apenas porque Izuku se foi. Então a rabugice de Katsuki é uma lufada de ar fresco após os comportamentos cuidadosos de todos.
— O que — ele pausa enfatizando bem as palavras seguintes. — você está fazendo aqui?
— Kirishima me disse que você fez mapo tofu e não tinha com quem dividir.
— Maldito seja aquele cabelo de merda bastardo, não é porque ele foi chamado para uma missão de vigilância de repente que precisava me mandar o primeiro cachorrinho abandonado que encontrasse na rua.
Shouto ergue uma sobrancelha, nada impressionando.
— Eu pensei que fossemos amigos. Uraraka diz que não é assim que se trata os amigos.
— Não me importo com o que a cara redonda diz. Se eu não quero você aqui aqui, eu não quero você aqui e ponto final.
Shouto apenas o observa, divertido. A tensão se esvaiu quase por completo do seu corpo e ele pode sentir sua respiração se normalizando. É bom estar de volta a um ritmo familiar, uma dinâmica que ele conhece bem as nuances e sabe que não vai se alterar por mais que tudo o mais ao seu redor se modifique.
— Então isso quer dizer que você não vai me convidar para entrar?
Bakugou o estuda por um longo momento, os olhos vermelhos se estreitando ao analisar sua aparência, as olheiras mal escondidas das noites anteriores, as roupas apressadas que ele pegou no esforço de não se demorar no quarto deles, o modo como o canto de sua boca treme sem motivo aparente. Ele absorve todos esses pequenos detalhes, murmura uma série de xingamentos para si mesmo, rápido demais para Shouto identificar algo além de "Maldito Deku, me dando trabalho até quando não está aqui”, e dá um passo para o lado de modo que a passagem fique livre para Shouto entrar se assim desejar.
— Apenas não babe no meu sofá. E se eu pegar você encostando nos meus utensílios de cozinha pode se considerar um homem morto, entendeu, meio-a-meio?
Shouto suprime um sorriso para si mesmo e passa pela soleira, parando apenas para tirar as botas no pequeno e confortável hall de entrada.
— Você está amolecendo com o tempo ou isso é tudo influência de Kirishima na sua vida?
Ele pode sentir o olhar assassino perfurar os espaço entre suas omoplatas.
— Pensando bem, talvez eu mate você agora mesmo.
— Natsuo pode te ajudar a esconder o corpo — Shouto oferece, solícito.
Bakugou resmunga um palavrão, arrependendo-se de sua decisão de tê-lo deixado entrar, e retorna para a cozinha com Shouto em seus calcanhares. O cheiro que sai de lá é o bastante para fazer a sua barriga soltar um som desesperado e arrancar mais um olhar assassino do loiro, embora esse contivesse um quê de indignação. Era um fato conhecido entre a turma A que, embora Bakugou xingasse com uma dedicação louvável, ele também era incapaz de fazer qualquer um deles passar fome até a morte apesar das ameaças contundentes.
— Tente não fazer nada que me obrigue a matar você na minha cozinha e talvez eu tenha algo para você em quinze minutos — ele bufa, por fim.
Shouto se escora obedientemente no balcão e observa os movimentos precisos e bem coreografados de Bakugou enquanto ele se move pelo espaço amplo e bem decorado, carregando as panelas até a mesa da sala e cortando os legumes para uma salada. Shouto quase pode vê-lo em seu velho avental com as letras garrafais "Beije o chef" impressas na frente, presente de toda a turma em seu aniversário no segundo ano. Ele se pergunta se o loiro ainda o possui e se a marca de explosão de quando o recebeu ainda mancha o tecido, e só percebe que entrou muito fundo em sua cabeça quando Bakugou o chama para comer com uma expressão que lhe diz muito sobre o nível de sua paciência.
O mapo tofu é delicioso como esperado de tudo que o loiro faz e a receita da irmã conseguida no primeiro ano deles na U.A. desperta uma pontada de culpa em sua consciência. Ele promete a si mesmo que após jantar vai enviar uma mensagem para ela agradecendo pelos cuidados, avisando que está bem e para não se preocupar.
A refeição é em parte silenciosa porque Shouto nunca foi o tipo de pessoa de puxar conversas aleatórias e preencher silêncios, ele tinha Izuku para isso; e Bakugou não é o tipo de pessoa que se debruça sobre os detalhes da vida das outras pessoas, por mais que esteja estampado na cara delas. Então eles comem em silêncio e falam ocasionalmente sobre o trabalho e a missão que Kirishima assumiu (o assunto Midoriya pairando como um terceiro não dito, um acordo não expresso) e, no fim da noite, Shouto se oferece para lavar os pratos, recebendo um rosnado em resposta por tentar se aproximar demais dos instrumentos de cozinha. Ele quase sorri diante disso e tudo é tão normal que ele se sente mais firme em sua própria pele.
— Está ficando tarde, talvez seja melhor eu ir.
O loiro o observa por um longo instante depois que tudo está limpo e arrumado e não há mais desculpas para Shouto se demorar ali e então revira os olhos.
— Não seja estúpido, cabelo de merda nunca ia me perdoar se eu jogasse você para fora assim.
Shouto para, confuso por um instante.
— O que isso quer dizer?
Bakugou joga os lençóis nele com uma carranca profunda de quem prefere caçar todos os vilões do Japão a estar ali naquele momento, mas diz mesmo assim:
— Não deixe algo assim te abater ou eu juro que vou chutar a sua bunda miserável.
Quando Shouto se deita naquela noite no sofá grande, estupidamente macio e confortável de Bakugou, ele finalmente sente como se estivesse de volta a si mesmo. Do seu modo direto de ver o mundo, o loiro explosivo havia ajudado a dispersar a nuvem confusa que assolava sua mente e coração, ajudando-o a ver e compreender que, embora Izuku estivesse longe, eles ainda estavam fazendo aquilo juntos; e que, ainda que as coisas fossem difíceis hoje, a vida estava sempre em constante movimento, girando suas engrenagens, tecendo seus caminhos, e não faria bem algum a Shouto se apegar ao que passou ou ao que poderia ter sido. Ele escolheu apoiar Izuku, porque o amava e era isso que eles faziam um pelo outro acima de tudo, então daqui para frente confiaria na palavra dele de que retornaria e aprenderia a conviver com o que tinha no momento. Era o melhor que ele podia fazer.
Com o coração mais tranquilo, Shouto adormece.
E Natsuo não precisa ajudar a esconder nenhum corpo.
Ele considera o dia uma vitória.
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Hot N’ Cold
Estou bem, não se preocupe.
Mesmo que eu saiba que dizer isso apenas fará você se preocupar mais, está tudo realmente bem. De verdade.
Eu apenas tinha muita coisa na cabeça e precisava de um tempo para pensar com cuidado. E a resposta a que cheguei é que sinto sua falta, mas isso não vai me impedir, não vai nos impedir. Vamos passar por isso e tudo vai ficar bem porque juntos podemos fazer qualquer coisa.
Então é isso.
[Hot N’ Cold enviou uma foto]
Ah, sim, Bakugou fez mapo tofu. Estava ótimo. Como aquele que comemos em nosso primeiro ano, lembra disso?
Você me chamou de incrível e gentil, mesmo que eu não pensasse merecer essas palavras. Mas, depois desse dia, lutarei até o fim para ser digno delas.
Acho que o que estou tentando dizer é, eu te amo, Izuku
Por favor, quando tudo isso acabar, volte para mim
Estarei te esperando de braços abertos
Mr. Green Sky
[Mr. Green Sky iniciou uma chamada de vídeo]
“Hey, baby”, ele diz e Shouto estremece com o chamado carinhoso, a voz como mel e estrelas embargada pelas lágrimas não derramadas. “Eu só queria dizer: eu te amo.”
Seu coração se aquece e, de algum modo, ele sabe que essa é uma afirmação, acima de todas as dificuldades, na qual ele pode confiar.
Eles conversam e o mundo entra nos eixos novamente.
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Shouto pensava ter algum conhecimento a respeito do tempo. O modo como ele se torcia com seus fios, mutável e infinito, movendo-se indiferente às necessidades e anseios das pessoas, um terceiro onipresente até o fim dos dias. Ele mesmo fora alvo de seus caprichos, todas aquelas horas passadas na sala de treinamento desejando apenas que os ponteiros do relógio andassem mais rápido para que ele pudesse se libertar logo. Pedidos feitos em vão, uma lição aprendida a duras penas, gravadas em linhas de dor e marcada em ódio e raiva em sua alma.
Há muito tempo Shouto pensou ter se livrado da raiva.
O pensamento de estar preso naquele ciclo interminável e pré-determinado se foi junto com sua raiva cega no dia em que Izuku se partiu por ele. Onde tudo começou, com gritos em uma arena em meio a uma arquibancada lotada e uma explosão de chamas que lhe devolveu a vida a qual sentia ter perdido. Midoriya desistiu da vitória para o salvar de si mesmo, porque ele o vira, solitário, desesperado, angustiado e consumido pelos sentimentos errados para se importar com as coisas que realmente eram importantes. Midoriya que estendeu a mão, ossos quebrados e cicatrizes marcadas na pele como troféus de vitória e o resgatou sem pedir nada em troca, sempre com um sorriso gentil como se conhecesse a dor do lado sombrio e não pudesse suportar a ideia de abandoná-lo lá.
Naquele dia, Shouto foi sobrepujado.
Ele caiu, provando que até mesmo os melhores caem.
E continua em queda mesmo agora, anos depois desse evento, afundando em seu amor por Izuku e pensando sobre o tempo e suas cordas traiçoeiras. Porque apenas três meses haviam se passado e a saudade em seu peito parecia um bolo espesso e confuso, arrastando-se com ele a cada passo que dava, soando como meses a fio e não um par de semanas durante as quais eles haviam se falado frequentemente.
Mas Shouto sentia falta de ter Izuku por perto. E o tempo era uma figura cruel e injusta que ele podia culpar por sua ausência e demora em retornar.
Felizmente, para ajudar a amainar essa sensação, ele tinha amigos.
— Todobro! — grita a voz entusiasmada, acompanhada da destruição de uma parede que lança um dos bandidos do assalto ao banco o qual ele estava tentando impedir no outro lado do aposento.
— Red Riot — Shouto reconhece, sem desviar a atenção de seus próprios movimentos. Ele cria uma onda de gelo que lança contra o segundo agressor, enquanto as chamas avançam pela parte de cima, prendendo-o em uma muralha sem saída. Pelo canto do olho, Shouto pode ver Kirishima saltando sobre o terceiro e último cúmplice, a pele endurecida espalhando pedacinhos de concreto por todo o lado. Toda a ação não dura mais do que dez minutos e acaba tão rápido quanto começou. Logo os vilões são algemados e levados pela polícia e o ruivo se aproxima de Shouto com um largo sorriso que ele reconhece de seus tempos de escola como o indício de quem aprontou alguma. Se Midoriya era a “criança problema”, então Aizawa chamaria Kirishima de “catalisador de problemas” e Shouto já havia caído em suas nuances mais de uma vez. — Obrigada pelo apoio, mas eu não lembrava de ter pedido reforços.
— Não foi nada, eu apenas estava por perto e pensei que seria divertido aparecer para dar uma mãozinha.
— Entendo. — Shouto diz, nada impressionado. — E o real motivo?
Ele apoia a mão no coração por um longo minuto, aparentando estar além do ultraje e, então, sorri como um gato pego no pulo.
— Kaminari descobriu esse novo bar e parece que eles vendem uns drinques realmente ótimos, mas Kats está sendo um velho, então eu pensei em chamar você para nos acompanhar.
— E por que eu seria a melhor escolha?
— Ora, vamos lá, você é divertido. Não preciso de outro motivo.
Shouto ergue uma sobrancelha, cético.
— Divertido? Você me acha divertido?
Um braço quente e musculoso passa por cima de seus ombros e o puxa em direção a um peito igualmente quente e musculoso. Se a ação é como dar de cara com uma parede, Kirishima não parece estar preocupado com o fato.
— Vamos lá, Todobro, que mal pode fazer? — seus olhos piscam, grandes e inocentes demais para alguém com o seu porte e constituição.
Quanto a Shouto, ele não tem como contra-argumentar.
É assim que ele se vê em um bar, cercado pelo grupo caótico da turma A.
— Fazer amigos foi um erro — ele decide mais tarde naquela noite, observando Kirishima levantar dois desconhecidos, um em cada braço, como se não pesassem nada, Sero se pendurar de suas fitas presas no teto como um dançarino de circo e Mina reaparecer com tinta neon nas bochechas moldada em formas que lembravam borboletas e arco-irís. Kaminari não estava à vista, mas desde que eles não precisassem o resgatar no final da noite de ser utilizado novamente de gerador elétrico para a rave, seu sumiço não seria uma novidade. — Ouviu essa, Midoriya? A amizade foi um terrível engano.
Ele encara o copo na sua frente e pensa no que Izuku lhe diria se estivesse ali, “Não acredito em você, Shouto, veja, eles não parecem estar se divertindo? Você precisa admitir que também está, olhe só, você está sorrindo!” e a saudade acrescenta um novo peso no espaço já cheio entre as suas costelas. Shouto uma vez pensou que sabia o significado de ansiar, que passou todo aquele tempo em que estava na escola ansiando por Izuku como o adolescente desajeitado e despreparado para lidar com sentimentos e todas as coisas que era, apenas para no fim descobrir que Izuku o queria tanto quanto ele o desejava. O momento presente não é nada comparado aos seus tempos de escola. O sentimento agora é quase constante, pressionando as paredes de seus pulmões e implorando por ar como se ele estivesse constantemente sufocando.
Ele anseia pela presença de Izuku em seus dias, pelo mero reflexo de seus cachos despenteados ou mesmo o mínimo vislumbre de seus olhos esverdeados apertados em um daqueles sorrisos satisfeitos e suaves de felicidade que Shouto conhece tão bem. Ele anseia pela voz de Izuku e o seu riso leve e solto, espesso como mel, suave como as ondas, espalhando-se pelo ambiente como notas de uma sinfonia há muito conhecida. Ele anseia pelo toque, pelo conforto e a sensação plena de ter alguém no mundo que o entenda e o aceite completamente sem julgamentos, alguém que o veja. Ele simplesmente anseia e anseia e anseia. Mas não há nada lá para concretizar seus desejos. Nada além do copo de álcool o encarando de volta, parecendo pequeno demais em sua tentativa de abarcar todo um universo de péssimas escolhas.
— Vamos lá, Todoroki! — grita Kaminari, reaparecendo após ser carregado por uma onda de mãos depois de ter se jogado no público, glitter fosforescente brilhando na bochecha e um par de óculos em formato de estrela laranja berrante apoiados nos cabelos loiros que ele não sabe de onde vieram. — A noite é uma criança e só se vive uma vez.
Com uma sensação de quem vai se arrepender profundamente disso, ele vira o copo e embarca na festa.
Horas depois, ele perde a contagem de quantas doses já tomou e de algum modo percebe que está dançando, imitando os movimentos de Mina com muito menos graça e uma quantidade maior de embaraço que a faz sorrir e jogar a cabeça para trás com uma risada alta e espontânea, livre, leve e solta, uma força da natureza própria como sempre foi. Incapaz de acabar com a felicidade do momento, Shouto a segue pelos passos coreografados que ela o guia, ignorando a câmera que Kirishima aponta para si ("Isso vale ouro, bro, pode apostar!") tanto quanto finge não notar o nó em suas entranhas se dissolver a cada shot de tequila virado pelo grupo. Coragem líquida, eles disseram. Não é exatamente coragem que ele sente queimar por suas veias, mas uma falta de inibição crescente que o faz querer pegar o telefone e ligar para Izuku sem se importar com o fuso horário, apenas para suprir a vontade exigente em seu peito de ouvir sua voz.
Toda vez que ele manifesta essa vontade em voz alta, os amigos apenas dão tapinhas solidárias em seu ombro e o empurram outro copo, afirmando que outra dose iria tornar tudo melhor. Shouto discorda. Ele vira a dose e tudo continua igual, a única mudança sendo a sensação turva que se apodera cada vez mais de seu cérebro e a capacidade de tomar boas decisões que ele não pode perceber que está perdendo.
— … e então os olhos dele têm um tom inigualável de verde, tão profundos como florestas, mas tão brilhantes quanto esmeraldas. E quando ele sorri, parece que todo o mundo toma fôlego novamente e fica um pouco mais quente, um pouco mais reluzente, como se a esperança aquecesse você por dentro. E tem essa coisa que ele faz, esse olhar, entende? Como aço sendo forjado, afiado e mortal, impossível de desviar os olhos, e faz você querer pegar fogo. Literalmente. — Em algum momento da noite, Shouto se lembra de contar todas as suas coisas favoritas em Midoriya para essa completa estranha que ele nunca viu na vida, mas que, naquele momento, parece perfeitamente aceitável. Talvez estivesse relacionado ao fato de que ela era uma ouvinte muito boa. Ou talvez, seja apenas o álcool falando no seu lugar. Fosse o que fosse, após escutar toda a sua divagação, a única reação dela é:
— Parece que você gosta dele de verdade. Já sabe se ele já não está comprometido? Se não, você precisa dizer a ele tudo o que acabou de me dizer o mais rápido possível ou então, se ele é mesmo tão especial quanto diz, alguém pode conquistá-lo primeiro e roubá-lo de você.
Os olhos de Shouto se arregalam como se ele houvesse acabado de aprender os segredos mais ocultos do universo.
— Isso pode mesmo acontecer?
A estranha mulher ouvinte atenciosa bate as mãos no balcão com força o bastante para estalar e então balança a cabeça com veemência o suficiente para parecer conhecedora de todas as verdades.
— Acredite em mim, é mais frequente do que imagina. Se eu fosse você me apressaria logo, não vai querer ficar para trás.
Shouto nega e então sai em busca de Kirishima para avisar que vai precisar deixá-los antes do previsto, encontrando-o em uma das mesas cercado de pessoas como um farol luminoso, preso em meio a uma recriação de uma de suas batalhas. Ele o puxa de lado e diz com uma expressão muito séria:
— Kirishima, eu tenho que ir, surgiu uma emergência.
O amigo demora um pouco para se situar, ainda preso a animação da história, porém ao ouvir a palavra emergência, todo o seu corpo enrijece e uma expressão alerta molda suas feições.
— O que aconteceu? Algo está errado?
— Sim, eu preciso ligar para Midoriya ou ele vai ser roubado.
— O quê? — ele pisca.
— Não há tempo para explicar, eu já estou ficando para trás. Agradeço novamente o convite, mas agora preciso ir, adeus.
Kirishima pisca novamente, como se seu cérebro estivesse lentamente reiniciando para processar a imagem de Todoroki se afastando já com o celular na mão, um pouco (muito) alterado alcoolicamente, prestes a ligar para Midoriya no que com toda certeza deve ser fruto de algum mal entendido. Suas sinapses neurais finalmente fazem as conexões necessárias e ele corre atrás do amigo, gritando:
— Não, Todobro, não faça isso! Espere!
Kirishima tenta o impedir, mas já é tarde demais. Shouto já pressionou o botão de ligar e nos Estados Unidos, um telefone toca.
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Hot N’ Cold
[Hot N’ Cold iniciou uma chamada de voz]
“Shouto? Está tudo bem?”, a voz de Izuku sai pelos autofalantes, nadando de preocupação. Afinal, Shouto nunca liga enquanto ele está de patrulha no meio da tarde nos Estados Unidos e muito menos quando deveria estar dormindo no Japão.
“Midoriya, você foi roubado?”
“O quê? Shouto, do que você está falando? E por que está sendo tão formal agora? Aconteceu alguma coisa, você nunca liga quando eu estou na patrulha…"
“Não, eu preciso saber, você já foi roubado?”, ele insiste.
“Eu não estou entendendo. Você quer saber se eu impedi algum roubo hoje?”
“Não.” Shouto se contorce, a mão passando pelos cabelos de forma aflita. É uma pergunta importante, o que acontece se ele não conseguir uma resposta? Suas chances acabam? Ele tenta de novo de outra maneira. “Você já está comprometido?”
Midoriya engasga do outro lado da linha.
“Shouto, isso é algum tipo de teste? É claro que estou, você sabe disso.”
(No Japão, o mundo de Shouto desaba temporariamente com essa resposta.)
“Oh, então alguém chegou mesmo primeiro.” Ele diz de forma triste. “Eu demorei demais.”
“Shouto, o que está acontecendo? Você foi atacado? Onde você está? Tem mais alguém aí com você?”
“Eu estou em um bar e Kirishima está aqui comigo, mas agora está fazendo vários sinais esquisitos. Acho que ele quer que eu pare de falar e desligue, o que é estranho porque ele parece estar filmando tudo.”
“Eu vejo.” Midoriya suspira e não sabe se sente vontade de rir de toda a situação ou de chorar. “Vamos esquecer o Kirishima-kun por hora. Primeiro, o que você queria me dizer quando ligou, Shouto? Eu prometo que, seja o que for, eu estou aqui para ouvir.”
“Eu só queria dizer o quanto você é uma pessoa incrível e surpreendente e como eu gosto de passar horas a fio catalogando cada pequeno detalhe da sua aparência ou personalidade, desde as suas sardas a sua força de não desistir, e como eu seria a pessoa mais feliz do mundo se pudesse ficar ao seu lado em cada um dos dias das nossas vidas, mas se você já está comprometido então por favor esqueça tudo que eu… Midoriya, você está chorando?”
“Ah, Shouto, você é tão doce. Eu te amo tanto. Você já me faz a pessoa mais feliz do mundo. E é claro que eu já estou comprometido, mas a única pessoa com a qual eu me comprometeria é você, seu bobo bêbado.”
“Oh.” O choque da revelação o deixa paralisado por um longo instante e então as consequências do seu significado caem sobre ele. “Então estamos namorando?”
“Sim, estamos namorando. Há alguns anos na verdade.” Midoriya ri e o som de sua risada o deixa mole e aquecido. Ele não pode evitar de sorrir também, aquele simples conhecimento o deixa bobo e alegre.
— Eu tenho um namorado — ele diz para Kishima que tem a mão na barriga e está dobrado de tanto rir. — E ele é maravilhoso.
Do outro lado da linha, Midoriya esconde o rosto entre as mãos.
“Shouto, deixe-me falar com Kirishima-kun agora.”
“Tudo bem, mas antes eu só queria dizer: eu te amo.” E então passa o aparelho sem esperar resposta.
Midoriya precisa engolir outra cascata de lágrimas, antes de notar a mudança de respiração na linha que indicava que não era mais Shouto o interlocutor.
“Kirishima-kun?”
“Fala, Midobro!” Ele devolve, o tom manso de quem quer escapar da confusão aprontada. Uma pena que esse tom nunca funcionou com Aizawa ou aqueles que aprenderam sob sua tutela mais próxima, Midoriya sendo um exemplo disso.
“Eu preciso realmente falar algo? De quem foi a ideia dessa vez?”
“Um homem de verdade nunca entrega seus companheiros!”
“E o real culpado?”
“Kaminari empurrou a primeira bebida, mas para ser justo, eu só tirei meus olhos dele por cinco minutos!”
“Ele é mesmo especial, não é?” E havia uma grande dose de amor mesclada à saudade em seu tom.
“Não se preocupe, nós vamos cuidar dele agora.”
“É tudo o que eu peço. Ah, e Kirishima-kun?”
“Sim, Midobro?”
"Mais uma coisa, por favor. Não deixe de me mandar esse vídeo.”
(O sorriso de Eijirou em resposta é predatório.)
“Você é quem manda, parceiro.”
(No futuro, Shouto ainda não sabe o quanto vai se arrepender de suas escolhas naquele dia.)
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Shouto não esperava que a percepção caísse sobre si de uma forma tão súbita em uma noite aparentemente tranquila.
A essa altura, seu chá já estava frio e a conversa ao seu redor, alta. Ele não sabia do que se tratava o assunto, sua atenção dispersa, mas seus olhos acompanhavam cada movimento, absorto em suas variações. Midoriya gesticulava animadamente, braços estendidos, dedos abertos, rosto iluminado, ardendo com a energia de uma supernova que queimava e contagiava os demais ao seu redor como uma sequência de fogos de artifício estourando em uma noite escura. Era inevitável se inclinar em sua direção, como Uraraka e Iida faziam no momento, atraídos demais pelo fervor e pela pintura cativa de suas palavras para sequer perceberem suas próprias ações. Shouto não era uma exceção. Em algum momento, ele pode ter sido um obstáculo relutante, mas Midoriya não derrubava obstáculos; ele os conquistava.
Isso o levava de volta a sua própria observação não tão clandestina e ao fato de Shouto se pegar estudando o arco do pescoço de Midoriya enquanto ele falava e como a visão de suas clavículas e da forma bem definida dos seus bíceps expostos pela camiseta que dizia simplesmente “regata” e seus cachos soprados pelo vento fazia o calor vazar por suas veias e inundar o seu corpo como uma torrente de lava expelida de um vulcão em erupção. Ele apoiou a mão esquerda na caneca e direcionou o calor para algo mais proveitoso, como aquecer o seu chá. Midoriya flagrou o comportamento e seu sorriso ficou mais brilhante como sempre fazia quando envolvia o uso de sua individualidade, mas também por notar essas pequenas particularidades como o fato de Shouto gostar do seu chá com suas colheres de mel ao invés de açúcar.
Ele ainda não se acostumara com isso, com o que significava estar próximo de Midoriya. Midoriya que gostava de aprender pequenos fatos aparentemente insignificantes como esse, que o levava em passeios por lugares comuns por querer mostrar a Shouto todas as experiências que ele perdera enquanto crescia, que o arrastava para o seu quarto nos finais de semana para que os dois pudessem assistir aos vários filmes de animação que ele chama de “vitais para a formação humana” e onde no escuro suas mãos se encontravam, quentes, tímidas, e com um encaixe natural como duas peças de quebra cabeça que enfim encontraram o seu lugar.
Shouto encarou aquele garoto com seus dedos tortos, cicatrizes aparentes e alma de relâmpago, e se perguntou o que fizera para merecer Midoriya em sua vida. Ele pensou em bondade e gentileza oferecida sem pedir nada em troca, em compreensão sussurrada na forma de palavras ocultas pela meia noite estrelada em um telhado distante e toques quentes de calor que não queimava, e ponderou como tudo isso parecia vir de uma outra realidade, um mundo espelhado que refletia desejos ocultos que ele nem mesmo sabia que existia.
“Eu tenho isso agora”, Shouto pensou, e não conseguiu deixar de se achar a pessoa mais sortuda do planeta.
Do outro lado da mesa, os olhos de Midoriya encontraram os seus, segredos responsáveis pelo torcer de seu estômago brilhando no verde de suas íris, a força de quem perdeu e venceu batalhas e, apesar de tudo, nunca deixou de lutar, estrelas espalhadas pela face como salpicos de poeira celeste sombreada por cílios da cor de obsidiana polida. Midoriya tinha uma beleza especial, não do tipo afiada e cortante como uma lâmina que atingia e tirava o fôlego de uma vez, mas sim uma beleza do tipo que cativava, que se mostrava nas curvas arredondadas da bochechas e no comprimir suave dos lábios. E é claro, os olhos. Shouto não podia esquecer dos olhos e seus tipos de olhares, desde a gentileza sem limites até o aço imprevisível visto nas batalhas.
Naquele momento, os olhos de Midoriya se enrugaram nos cantos enquanto o fitavam, contentamento puro e simples pela sua presença e aparente atenção. Antes, Shouto não sabia como os dias podiam ser dias a serem aproveitados e a vida tomada com a leveza que ele decidisse atribuir a ela. Até Midoriya, ele não sabia como respirar sem uma tempestade constante ecoando no peito. Então era isso que ele fazia agora, ele respirava. Absorvia o ar, a presença de Midoriya, acolhedora e pacífica, como um bom chá, e simplesmente se permitia ser.
— O que você acha, Todoroki-kun? — Midoriya perguntou, os rostos de todos se voltando para ele com expectativa. Shouto se sentiu cheio e tolo com o coração batendo muito rápido, o estômago pesando com as borboletas inquietas e aprisionadas, ansiosas por alçar voo em busca de novas aventuras, e os dedos coçando para alcançar os dele e juntá-los em uma única coisa que parecia certa, que parecia lar.
“Eu acho que amo você”, ele pensou.
— Eu acho que você é uma pessoa incrível — foi o que acabou dizendo ao invés disso. — e que deve fazer o que acredita ser o certo, Midoriya.
Algo em seu olhar devia trair a intensidade do que sentia, pois Izuku corou e seu corpo se ergueu vários centímetros de cadeira na qual estava sentado, sua individualidade se ativando involuntariamente. Ele cobriu o rosto vermelho, tingindo suas bochechas de forma adorável, misturando-se às suas sardas como um lindo sol poente.
— Eu estava apenas perguntando se você gostaria de ir conosco ao festival, Todoroki-kun — ele murmurou por entre os dedos. Uraraka o puxou de volta para baixo, tanto ela quanto Iida rindo abertamente da cena.
— Oh — foi sua grande contribuição. — Eu gostaria muito de acompanhar você.
Midoriya abaixou as mãos, o rosto ainda manchado de rosa, e sorriu, claro como um raio de luz, enredando Shouto ainda mais em seus contornos tão facilmente quanto uma vinha. Shouto não resistiu, pelo contrário, ele sabia que não queria mais resistir. Então ele apenas se deixou levar.
— Eu também gostaria muito da sua companhia, Shouto.
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É o início do inverno, quando o frio se infiltra na brisa e anuncia suas intenções em nuvens cinzentas e pesadas no horizonte. Shouto caminha lentamente, suas botas raspando no cascalho irregular da subida para o templo enquanto as luzes se acendem sobre sua cabeça, anunciando o começo do festival. O ritmo lento não o incomoda, mantido assim devido ao fato de seus dois braços se encontrarem bem enlaçados, seguindo o ritmo das mulheres que o acompanham naquela noite e que, no momento, têm seus olhos voltados para o espetáculo multicolorido, observando a vida encher os arredores e gerar um ambiente aconchegante de luz e riso. Do seu lado direito, em um casaco azul profundo que realça sua expressão, Todoroki Rei alisa a manga de seu casaco com uma estampa boba que ele pegou das coisas de Izuku e sorri suavemente para o filho como se soubesse o que se passa em seu coração. Do seu lado esquerdo, Midoriya Inko se aconchega mais, buscando refúgio inconsciente no calor que ele emana para mantê-las confortavelmente aquecidas do vento gélido que mancha de vermelho suas bochechas redondas.
Apesar da estação, e por conta de sua individualidade, Shouto não sente frio. Pelo contrário, uma sensação cálida e satisfeita se espalha por seu peito, aquecendo-o como uma fonte de calor própria. Talvez seja sua percepção do tempo que tenha mudado ou fato de já terem se passado 6 meses desde que Izuku partiu, mas há uma sensação de paz permeando todo o ambiente como um cobertor silencioso e complacente.
— Izuku sempre adorou festivais — Inko murmura, presa entre um suspiro e uma lembrança saudosa.
— Eu sei — Shouto assente, o pensamento presente na beira de sua mente ao longo de toda a noite. Ele vê a tristeza da distância refletida nos olhos dela e o peso da preocupação em seus ombros e, intimamente, sabe que não é o único que sente o vazio entre as costelas que antes estava preenchido por sorrisos de sol e dedos gentis que seguravam e mantinham peças inteiras por pura força de vontade. Ele percebe naquele momento que aquela mulher pequena e amorosa o entende melhor do que qualquer outra pessoa e que eles estão unidos pelo buraco que a ausência que a partida de Izuku deixou para trás. — Voltaremos aqui no ano que vem. E no próximo. E no seguinte. E quando isso acontecer, estaremos com ele — Shouto se vê prometendo.
Os olhos dela se enchem de lágrimas, lágrimas de Midoriya que vêm sem aviso e refletem a alma, e as mãos trêmulas agarram as suas como se para mantê-lo por perto e se assegurar de que ele ainda estava ali. Shouto devolve o aperto.
— Obrigada, Shouto-kun. Meu filho teve sorte de encontrar você. Ele não poderia ter escolhido ninguém melhor.
Em seu braço direito, Rei sorri e seus olhos se enrugam no canto. Ela pensa que pode ter perdido muitas partes de si mesma de dos outros ao seu redor no período em que ficou afastada, isolada do mundo, mas também percebe que existem novas coisas que ela ganhou: a confiança em si novamente, uma nova família, a liberdade de rir e observar aquele preciosos para si sorrirem e desfrutarem da felicidade, ainda que não inteira no momento, mas que estava bem ali, ao alcance de um voo. Apesar de ainda ser cedo demais para graças ainda não alcançadas, Rei sente que já tem muito pelo que agradecer.
— Venham, vamos fazer as preces primeiro e então podemos pegar um pouco de takoyaki, sei que Shouto gostaria disso — ela diz.
— É uma ideia adorável. — Inko sorri, limpando os olhos. — Fico tão feliz por terem me convidado esta noite. As coisas têm andado meio quietas.
— É claro que faríamos, Inko, querida. Adoramos sua companhia. Eu adoro. Sinto que não passamos tempo o suficiente juntas e precisamos mudar isso em breve. Tenho a impressão de que será necessário no futuro.
— Me parece um plano excelente. — A mãe de Izuku ri, doce e calorosa, estendendo a mão livre para agarrar a de Rei.
As duas mulheres trocam um longo olhar conhecedor que Shouto finge não reparar pelo bem da própria sanidade e eles seguem os demais visitantes até o palanque de orações, aproximando-se para tocar o sino e bater palmas, fazendo uma reverência profunda enquanto têm os olhos bem fechados em concentração.
Traga-o de volta em segurança, ele pensa, a lembrança vívida de Izuku lhe dizendo que em breve retornaria passando diante de suas pálpebras cerradas. Sinto sua falta, a voz de seu inconsciente traiçoeira se infiltra em meio a oração. Ele a empurra para baixo.
Quando todos os pedidos foram feitos, eles retornam para a avenida na qual estava ocorrendo o festival, parando em algumas barracas para comprar takoyaki e okonomiyaki. Shouto compra até mesmo uma enorme raspadinha que deixou todos boquiabertos e duvidosos por culpa do clima se ele conseguiria ou não comê-la por completo. Ele consegue e o sabor é doce por conta da vitória. Em outro momento, aquilo teria causado uma diversão exasperada em Izuku e então suscitaria uma série de teorias que Shouto escutaria noite adentro, embalado pela voz suave de mel e estrelas da qual ele nunca se cansava. Em outro momento, talvez, eles teriam aproveitado a noite e rido do seu jeito atrapalhado de tentar negar toda a comida que a mãe preocupada dele tenta lhe empurrar. A imagem deixa uma punhalada de saudade em seu peito, mas Shouto não cede. Ele sabe que eles ainda vão retornar ali e fazer todas essas coisas em seus devaneios e, quando isso acontecer, será um dia ainda melhor do que ele imaginou. É a isso que ele se agarra.
Eles estão pegando chá quente quando o primeiro floco atinge seu nariz. A maior parte das pessoas para de caminhar e olha para cima, para o céu e há encantamento em seus rostos.
— A primeira neve — sua mãe diz, o aperto firme em seu braço. — Você está indo tão bem, Shouto. Pegou o seu passado e o transformou em um futuro brilhante com sua própria força e coragem. Eu quero que saiba o quanto estou orgulhosa.
Outro floco faz sua descida lenta até o chão. E outro. E mais outro. Shouto os sente da mesma forma que sente o pulsar de seus próprios batimentos. Estou orgulhosa, ela diz. Ele se pergunta o que há para se orgulhar quando ele é apenas Shouto, tentando o máximo que pode dia após dia. Mas isso, ele percebe, talvez seja tudo o que importa no final. Tentar. Persistir. Resistir. Se for, ele pode continuar tentando mais um pouco, certo?
— Obrigada, mãe — ele finalmente responde, de volta ao controle da própria voz, do próprio corpo. — Vou fazer o meu melhor.
Ao seu redor, a neve cai e o mundo continua em frente. Shouto se move com ele.
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