hikarinohimewriter HikariNoHime Writer

“Caro aluno, Você é um dos estudantes que mais se destacaram em seu país de origem e esta carta é um convite para participar de um projeto financiado por governos de todo o mundo: o Colégio Golden Star. A partir deste momento, todos os custos dos seus estudos serão pagos pelo governo e tens a chance de receber o melhor ensino e educação do mundo. As aulas se iniciarão em fevereiro e toda a nossa equipe aguardam ansiosamente para recebê-los em nossa escola. Lembre-se: 'Se podemos sonhar, também podemos tornar nossos sonhos realidade.' Minhas sinceras parabenizações, Alexander Christopher Bennet”


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#Kuroshitsuji #Sebastian/Ciel #Claude/Alois #Universo Alternativo #Escolar #Interativa #Personagens originais
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Por que as melhores pessoas...

O que fazer quando você não tem vontades? Quando todos veem que está no seu limite, e mesmo assim fingem não verem nada?

Se fazem de cegas perante o olhar suplicante. Se fazem de surdas ao ouvirem os pedidos de socorro. Se fazem de mudas quando se espera algum consolo. Como viver sob tais circunstâncias?

Ele sabia como, mesmo não querendo admitir tal fato. Tudo o que ele quer é ter seus próprios sonhos, suas próprias vontades, seus próprios sentimentos, seus esforços sendo reconhecidos por aqueles que, mesmo que quisesse, não conseguia odiar...


New Life — Por que as melhores pessoas...


Uma respiração ofegante, o som do relógio e o retumbar das batidas do meu coração. Essas são as primeiras coisas que minha mente confusa foi capaz de processar no momento em que meus olhos se abriram. O suor descia frio pelas minhas costas e têmporas e meus dedos começavam a ficar dormentes pela força com a qual eu segurava o lençol. Quase como uma tábua de salvação, a única coisa que me mantinha são. Fechei os olhos e respirei fundo numa tentativa frustrada de me acalmar. A cada vez que piscava revivia as cenas recentes do meu pesadelo, tão vívidas e reais como se eu ainda estivesse preso nele.

Passei meus dedos pelos meus cabelos bagunçados, um murmúrio de dor escapando por meus lábios quando eles encontraram uma série de nós pelo caminho. Um suspiro escapou pelos meus lábios ao perceber que não conseguiria dormir tão cedo, não sem um banho. Estava suado, assustado e vazio demais para isso. Não tenho certeza de onde consegui força de vontade para sair da cama e entrar no banheiro da suíte, nem de quando tempo se passou até a banheira se encher. Uma a uma, as peças de roupas que usava deixaram meu corpo se juntaram em um amontoado no chão.

Não me importei com elas, poderia colocá-las no cesto pela manhã. No momento tudo o que eu conseguia sentir era o alívio que a água quente proporcionou aos meus músculos tensos.

Talvez seja melhor não demorar tanto no banho, pensei ao me lembrar que amanhã seria a última prova de ciências da natureza. Era estranho pensar assim, pois estamos em novembro e normalmente o ano letivo estaria no início e não no final. Algumas escolas particulares ajustam seus anos letivos de acordo com o desempenho e disponibilidade dos alunos que julgam “valer a pena”. Em outras palavras, aqueles que demonstram uma facilidade maior para aprender e consequentemente pulam algumas séries. São raras e caras, mas nada que uma boa conta no banco não resolva.

E, bem, dinheiro é o que não falta para essa família.

Deslizei meus dedos pela borda da banheira, parando-os às vezes e deixando que dedilhassem pela superfície lisa como se fossem as teclas de um piano. O sono já perdido dera lugar para as nuances de uma nova melodia. Sol, fá, si, ré, dó. Quase podia ouvir o som das notas ecoando por um quarto branco. Se fechasse os olhos poderia ver um sorriso refletido em olhos castanhos brilhantes.

Um pequeno sorriso também se formou em meus lábios, espantando de vez toda e qualquer imagem do pesadelo que tive.

Por fim saí da banheira, pegando uma das toalhas felpudas que estavam dobradas no pequeno armário. Parei ao ver meu reflexo — com meus cabelos encharcados e desordenados, olhos de um azul-escuro que se igualava aos azulejos das paredes e corpo pequeno e exposto — no espelho sobre a pia do banheiro. Não havia outra palavra boa suficiente para descrever aquela imagem que não fosse frágil.

E esta era a imagem de Ciel Phantomhive, a minha imagem.

Deixei que a banheira se esvaziasse sozinha e joguei o pijama que antes usava no cesto. Não me dei ao trabalho de procurar outro pijama, colocando apenas uma blusa de The GazettE. Ela era uma das minhas aquisições favoritas como fã, apesar de ser grande demais para mim por ser vendida em tamanho único.

Não voltei para a cama e não sai do quarto quando um carro estacionou na garagem do outro lado da mansão. Mesmo com todos os gritos e som de coisas se quebrando eu apenas continuei sentado em minha escrivaninha. O som do grafite contra o papel era agradável e me distraia das palavras cruéis que por vezes atravessavam as paredes. Ainda assim, continuei ali, sentado em silêncio, anotando uma série de cifras que mais tarde criariam uma canção nova.

Eu sabia o porquê de toda aquela confusão. Bardroy e Finnian pareciam bem empenhados em se tornar o centro das atenções ultimamente — ainda mais do que já eram, na verdade. Os filhos mais velhos, herdeiros de uma das maiores empresas da Europa, homens feitos com um futuro brilhante. Perto deles e do seu brilho eu me tornava invisível. Eu sequer consigo me lembrar da última vez que Rachel me desejou um feliz aniversário. Bem, será que ela sequer já fez isso algum dia?

Realmente não consigo me lembrar.

— Jovem mestre? — A voz suave fez-se presente, tirando-me de meus devaneios. Voltei meus olhos para a garota ao lado da cama, só então percebendo a xícara que pousava nas mãos femininas. O cheiro adocicado parecia alastrar-se por todo o quarto como um calmante aos sentidos.

Estava tão distraído que não percebi quando ela chegou. O carrinho com doces e a chaleira estava logo atrás da garota com roupas de empregada. Seu olhar variava entre a preocupação e ternura, o tipo de olhar que já vi várias vezes na saída da escola quando outras mães buscavam seus filhos.

Fechei o caderno em que antes escrevia, andando apenas o suficiente para deixar meu corpo cair na beira da cama. Era bom sentir o colchão macio afundar com meu peso. Me pergunto como seria essa mesma sensação se eu estivesse em um lugar em que realmente pudesse ser feliz, ao lado das pessoas que amo e que também me amem de volta.

Decerto seria até mil vezes melhor.

— Já disse para me chamar pelo nome — comentei, aceitando o chá que me era oferecido. As cortinas foram afastadas, permitindo que o sol da manhã se infiltrasse no quarto.

— Como queira, Ciel — respondeu com animação evidente. Ela tinha um sorriso no rosto, tão belo e brilhante que poderia deixar até mesmo o próprio sol com inveja. Sorri também.

— Pensei que não gostasse de gyokuro¹ — comentei, voltando os olhos para a bebida em minhas mãos. O líquido esverdeado refletia meu rosto, como um espelho instável. Pude ouvi-la estalar a língua, desgostosa.

— E não gosto, é difícil de fazer. — Ela aproximou-se mais uma vez, deixando uma bandeja com panquecas cobertas de chocolate. Certamente estão recheadas com abacaxi e coco, do jeito que ela sabia que eu amava. — Mas você gosta, e isso já é mais que o suficiente para mim — completou, os dedos finos e calejados pelos serviços domésticos acariciando o topo da minha cabeça do jeito que uma mãe faria.

— Obrigado — disse comendo o primeiro pedaço da panqueca. Pude sentir o abacaxi desfazendo-se em acidez e a doçura do chocolate, somado ao sabor forte do chá tomando meus sentidos. Deliciosamente perfeito. — Está ainda melhor que o anterior, Eliane.

— Sabe que não gosto de quando me chama assim, Ciel — murmurou birrenta.

— Como queira, Lili. — Ela sorriu outra vez, os olhos castanhos banhados em ternura. Ela afastou uma mecha dos cabelos chocolates do rosto, colocando-a comportadamente atrás da orelha.

Lili era uma mulher muito bonita e gentil. Ainda me lembro de quando ela veio trabalhar aqui há cinco anos, e ela me arrastou ao jardim para vez o nascer do sol com ela simplesmente porque não queria assistir sozinha. Desde então ela tem sido a pessoa mais próxima de mim, a que eu mais amo e a única que me vê do jeito que eu sou.

Très bien! — comemorou, ainda que sua pronúncia em francês fosse um desastre. Não que eu pudesse esperar outra coisa, afinal era uma americana servindo uma família inglesa que vivia na França. Não que isso faça muito sentido, mas é a minha realidade atual. — Já fez os seus deveres, certo? — indagou, vendo-me assentir em concordância. — Isso é bom. Hoje a senhorita Elizabeth virá vê-lo — havia desgosto em sua voz, ao passo que um arrepio percorreu minha espinha —, acompanhada de sua tia, a senhora Francis, logo após as aulas.

— Não tem como desmarcar? — perguntei já prevendo uma resposta negativa. Em minha mente uma série de lembranças ruins passavam como um filme, todas diretamente ligadas à Elizabeth.

Lembrei-me de quando, em um dia outono, ela me obrigou a usar um vestido e sair com ela pela cidade. As risadas de meus irmãos, assim como de todos que passavam pela avenida, os assobios e os comentários debochados jamais sairiam de minha memória.

Lembrei-me do meu 10º aniversário, quando Elizabeth apareceu em minha casa com roupas de montaria e me obrigou a ser o seu cavalinho. O peso dela sobre minhas costas, o chão áspero de concreto que cortava minhas palmas e joelhos enquanto me arrastava, o som estalado do chicote contra os meus quadris, os dedos finos que puxavam meus cabelos com violência e as risadas incontidas ainda me perseguiam em sonhos, trazendo todas aquelas dores de volta.

Lembrei-me de quando ela me jogou na piscina. Na época eu ainda não sabia nadar e a água invadia meus pulmões como se fosse fogo e tudo o que consegui fazer foi me debater incessantemente até começar a perder o sentido. Lembro-me de ter visto a figura de Elizabeth distorcida além das águas e de ter sentido mãos gentis tocando meu corpo e puxando-me para fora daquele pesadelo azul.

As mesmas mãos que agora envolviam a minha, passando-me uma segurança que eu sabia que não existia. Não nessa casa.

— Sinto muito, Ciel. — Vi um sorriso apologético surgir no rosto de Lili, como se ela estivesse tão preocupada com o que poderia acontecer no fim do dia quanto eu. Meus dedos apertaram sua mão de volta, em busca de um pouco mais de conforto.

Os utensílios café da manhã, já finalizado, foram tirados da cama e Eliane sentou-se ao meu lado, envolvendo-me em um abraço caloroso. Apoiei minha cabeça no ombro frágil, deixando as lágrimas finalmente saírem copiosamente. Ela começou a fazer um cafuné em meus cabelos, apertando-me um pouco mais contra ela.

— Suas provas acabarão hoje e em breve você já deve receber convites de outros colégios — sussurrava com calma —, colégios bem longe daqui, dessas pessoas que tanto te fazem mal.

Fechei meus olhos, inspirando o perfume de Lili lentamente. Ela tinha cheiro de rosas, canela e sabão.

— Esse pesadelo logo vai acabar, meu querido Ciel — segredou-me. — Eu prometo.

— Obrigado, mamãe.



Há vários motivos para eu odiar o meu sobrenome. Eles variam desde a péssima família na qual cresci até o afastamento.

Quando você é filho do dono da Phantom Company as pessoas passam a olhar através de você. Elas não enxergam o Ciel, mas sim Vincent Phantomhive. E isso as faz pensar que o melhor a se fazer para não encontrar problemas é manter distância. Eu não as culpo por isso já que provavelmente faria o mesmo se os papéis se invertessem.

Ao observar as pessoas por tempo suficiente você consegue distingui-las em dois grupos. Esse é o primeiro grupo. Eu fazia parte do segundo grupo, a minoria em todas as escolas. Aqueles que fazem parte de famílias poderosas demais e são isolados por esse motivo. Às vezes, também, essa distância é colocada pela presença de seguranças para proteger seus herdeiros. Talvez nem todos odeiem o próprio nome como eu, mas é fato que todos se incomodam com essa barreira que é imposta entre “nós” e os “outros”.

Era estranho estar em uma sala sozinho com o professor e outros cinco alunos. Dois conhecidos de outros anos, três do grupo dos “outros”. O som dos lápis, dos papéis e do ar-condicionado era tudo o que preenchia o cômodo. Fórmulas e possíveis soluções formavam-se em minha mente enquanto resolvia uma série de exercícios sobre as leis de Newton e teorias de relatividade. Por esse lado eu preferia mil vezes decompor os elementos da tabela periódica, mesmo que ambos fossem igualmente chatos.

Outra coisa que nunca deixaria de me surpreender é como as horas voam quando nos concentramos em algo. Agora, após entregar a prova para o professor e caminhando pelos corredores para fora do colégio, me pergunto se realmente não há algo que eu possa fazer para evitar o encontro com Elizabeth. Talvez pudesse passar na casa de Pietro, o único sócio do meu pai que realmente merece respeito e uma das duas únicas pessoas que atravessam a “barreira”.

Um dos porteiros do colégio sorriu para mim e eu acenei de volta. Do outro lado do portão estava Eliane, uma sacola de compras em suas mãos e os cabelos soltos sobre os ombros. Sorri e corri até ela, jogando-me em um abraço apertado.

— Como foi a prova? — ela perguntou, sua mão repousando no meu ombro quando começamos a andar lado a lado.

Era algo tão parecido com o que uma mãe de verdade faria que não conseguia impedir-me de desejar que esse momento se estendesse o máximo possível. O sorriso doce, a brisa fraca de inverno e a atenção que ela me dava só tornava tudo mais perfeito ainda.

— Eu fui bem mesmo não sendo a minha área — respondi, tocando a mão delicada sobre meu ombro. — Acho que não teria conseguido responder todas as questões se você não tivesse me ajudado a estudar. Obrigado, mãe.

O sorriso dela aumentou ainda mais com aquelas palavras. Lili puxou-me contra ela, apertando-me em seus braços e deixando uma série de beijos na minha bochecha.

— Você é que é um menino incrível, mon ange. Que orgulho do meu menino! — repetia entre os beijos. Eu só conseguia rir e tentar ignorar alguns olhares e sorrisos de estranhos em nossa direção. De repente ela se afastou, um sorriso arteiro brincando em seus lábios. — E como a ótima mãe que eu sou, consegui duas entradas para uma exposição de um museu aqui perto onde, por coincidência do destino, o senhor Pietro também está e faz questão de sua presença. — E abaixou-se até ficar na minha altura, o dedo indicador em riste sobre os lábios. — Parece que vamos ter que frustrar os planos da senhorita Elizabeth.

Meu sorriso aumentou ainda mais quando a abracei outra vez. Era como se as palavras dela tivessem tirado um peso dos meus ombros. Medo. Eu sempre sentia medo do que Elizabeth poderia fazer comigo e do que já poderia ter acontecido se Lili não tivesse interferido por mim.

— Você é a melhor do mundo — sussurrei, o cheiro de Eliane nublando meus sentidos em um conforto que só uma mãe poderia passar para seu filho.

E era a mais pura verdade.



— Ora, ora, se não é o nosso querido Ciel! — A voz de Pietro logo chegou aos meus ouvidos, alta e animada.

Ele sorria, os cabelos ruivos mais compridos do que me lembrava quase tocando o couro do casaco que usava. Era um contraste tão bonito que me fazia sentir falta do meu caderno de desenhos e da lapiseira que Lili me deu como recompensa por comer todas as verduras por um mês inteiro. Ah, sim, Pietro era belo, mas definitivamente não era o tipo de homem que alguém desejaria para passar a vida inteira junto.

Ele era uma pessoa, como posso dizer, do mundo.

— É bom revê-la também, Eliane — cumprimentou-a com um sorriso um pouco menor. Era cômico como ele sempre ficava mais retraído na presença dela, quase como se estivesse na frente de um ídolo que o intimidasse.

— Igualmente — ela respondeu, as mãos juntas atrás das costas. Os olhos castanhos observavam ao redor com uma curiosidade quase infantil e bela.

— Bem, soube que você vai para o secundário ano que vem — comentou, caminhando entre algumas das esculturas exposta. Segui-o, minha mão sempre entrelaçada a de Lili.

— Era para eu ter entrado há dois anos, mas preferi me dedicar aos cursos extras da escola para não ter uma diferença tão grande de idade quando eu for para outro colégio. — Sim, é verdade. Principalmente se eu acabasse indo para outra escola particular. Algumas pessoas não lidam muito bem com pessoas muito mais novas ou mais velhas que elas. Eu mesmo já estou farto de ver garotos prodígios apanhando e sofrendo bullying de outros mais velhos. Eu nunca fiz nada para tentar ajudar, afinal eles ainda pertenciam ao grupo dos “outros”.

Nenhum deles aceitaria a ajuda de alguém como eu.

— Ainda sim, meus parabéns. Soube que suas notas no último ano foram as melhores da escola — parabenizou-me. — Já sabe o que vai fazer daqui alguns anos?

— Acredite, eu já fiz essa pergunta centenas de vezes — Eliane comentou, inflando as bochechas em um ato adorável. — Acho que até um cachorro perdido é mais decidido que ele.

Pietro riu, divertido.

— Eu também era assim. Ah, bons tempos — comentou, nostálgico.

Je savais que tu étais un vieux² — murmurei e Lili encarou-me, confusa. Por outro lado, os olhos de Pietro pareciam me fatiar com a clara mensagem de “não traduza ou vai se arrepender”.

Era divertido estar com esses dois. E era incrível como a conversa vai desde bons colégios até “quantas colheres de açúcar são necessárias para ir à lua?”. Não que eu saiba de quantas precisam, acho que nem Pietro sabia a resposta.

Um tempo agradável admirando réplicas das obras de Lorenzo Berdini. Lembro-me de um dos meus professores de física uma vez ter dito que se Berdini conseguiu esculpir a pressão dos dedos sobre a pele e Giovani Strazza conseguiu criar o efeito da transparência do véu, ambos em mármore, nós conseguiríamos tirar 10 na prova. De fato, aquela era uma das frases mais motivacionais que alguém poderia dizer.

Infelizmente, como todo bom momento que temos, este também foi ao fim. Pietro foi gentil ao chamar um táxi para nós.

— É perigoso uma dama tão bela andar sem segurança em uma cidade movimentada como Versalhes — ele comentou com um meio sorriso. Foi uma surpresa ver as bochechas de Lili tingirem-se de vermelho.

Me pergunto se terei que chamar Pietro de “pai” se eles acabarem ficando juntos algum dia. O pensamento quase me fez rir.

— Até qualquer dia — despedi-me, entrando no táxi ao lado de Eliane.

Apoiei minha cabeça no ombro dela quando o carro começou a se movimentar por entre as ruas movimentadas. O leve carinho que ela fez em meus cabelos me fez relaxar. É estranho como só percebemos o quanto estamos cansados quando vemos que podemos ficar tranquilos, que estamos seguros.

— Acha que ela ainda está lá? — perguntei em um murmúrio.

— Mesmo se estiver, não vou deixar que ela fique um segundo perto de você — ela respondeu, resoluta. Sorri, aconchegando-me mais em seu abraço e conforto. O som das sacolas se misturava com a música do rádio.

Yesterday, The Beatles, era uma das minhas músicas preferidas. Era um apelo por um ontem que não voltaria. Eu não poderia perceber a ironia de tudo aquilo, de ser justamente aquela música a ser tocada naquele momento. Talvez amanhã eu parasse para pensar nisso e choraria pela ironia cruel do destino.

Entretanto, naquele momento eu só tentava entender o que aconteceu para quebrar mais aquele bom momento que tinha com ela. As luzes fortes demais, os gritos e o som de vidro se quebrando não faziam o menor sentido para mim. A ardência provocada por arranhões nos meus braços e pernas e o líquido quente que escorria pelo meu rosto parecia uma alucinação. Mais tarde eu olharia para o chão de concreto e perceberia que se tratava do meu sangue em quantidades muito maiores do que jamais tivesse visto.

Mais tarde. Naquela hora nada disso importava. Nada que pudesse ter acontecido comigo importava. Eu só queria saber o que tinha acontecido com Lili. Ela estava bem, certo? Ela não pode estar ferida, não pode! Se fosse assim, quem iria cuidar de mim? Quem iria se dar ao trabalho de mimar um garoto solitário como eu?

Eu sabia que minhas preces silenciosas seriam ignoradas. O destino é como uma criança sádica que gosta de arquitetar jogos cruéis. Os cabelos castanhos de Lili pendiam do carro destroçado, o rosto pálido sujo com sangue. O rádio do táxi continuava a tocar, sua música muito mais intensa e fúnebre do que jamais havia sido.


“Porque ela teve de ir, eu não sei

Ela não teria me dito

Eu disse algo errado e agora sinto falta

Do dia de ontem”


— Não, por favor não me deixe, mãe!


Notas:

(1) — Gyokuro conhecido como orvalho precioso ou jóia do chá verde, é o chá da mais alta qualidade e produz um néctar amarelo vivo, muito aromático, pouco amargo e com traços adocicados.
(2) — “Eu sabia que você era um velho.”

March 22, 2018, 2:09 p.m. 0 Report Embed Follow story
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