Arranhando e forçando o grafite contra o papel, habilidosamente e um pouco desengonçado, até conseguir criar as linhas desejadas. Um tanto quanto rápido demais e estupefato demais para o desconcentrar daquele papel. Esse era o jeito de Kirishima Eijirou ao demonstrar o pouco talento que tinha — senão o único —, na beleza exuberante que havia se encontrado em sua frente há minutos atrás.
Forçou o objeto escuro em mãos no papel formando a imagem do cabelo enrolado, revolto e verde em sua mais pura forma, este que tinha ficado grudado na nuca e nas têmporas do garoto devido ao suor; seguido do rosto tingido por um corar que quase cobriam as sardas, mas não cobriam aqueles pontos estrelados magníficos, devido ao calor dos exercícios.
Eijirou exalou o ar quente que havia ficado preso em seus pulmões, para logo prendê-los como fez com o lábio inferior nos dentes, mordendo e soltando enquanto chegava na melhor parte de toda a sua obra prima, os olhos, estes que ele tanto amava. Isso ao menos era de entendimento comum ao definir ser a parte mais difícil de todo o desenho, afinal se olhos em si já eram janelas da alma e por isso tinham sido tão difíceis de exemplificar, quem dirá os olhos de Midoriya Izuku.
Podia ouvir o som da calça de moletom batendo contra a palma da mão no movimento exagerado da dança, do ritmo intenso que o outro fazia assim que repudiava da memória a imagem. Chegava a escutar o arrastar do tênis no piso amadeirado do salão de danças destinado as artes corporais da universidade, destinado as apresentações.
Eijirou tinha certeza que memórias recentes como aquelas eram sempre as melhores, perdera as contas de quantas vezes assistiu a apresentação de dança apenas para desfrutar desse momento conseguinte a ela enquanto as pessoas se mantinham ocupadas demais indo embora, logo para expressar toda a sua arte nos papéis que sempre levava consigo. Seria estupidez também ignorar o desejo tão único e vívido de desenhar tamanha beldade, de recusar o breve e passageiro motivo de suas mais lindas inspirações.
Kirishima nunca fora o melhor da turma em desenho, nem em traços, formas geométricas, retratos, paisagens e etc. Ele não era bom o suficiente em nada do único talento que tinha, sempre sendo parte daqueles que não eram notados por sempre ter outro melhor, mas naquele momento após o "show", ele sempre se sentia um verdadeiro pintor, um Leonardo da Vinci da sua geração, um gênio contemporâneo apenas por ter captado os pequenos detalhes que, convenhamos, somente alguém tão apaixonado como ele poderia reparar.
Tracejou a boca, dando forma a expressão anestesiada que Izuku insistia em fazer de todas as vezes que dançava, que mexia seu corpo como se fosse a última coisa que estivesse fazendo na vida. Entregando-se completamente ao ritmo e ao seus eu interior, deixando com que ele ritmasse sua vida, como se pudesse controlar não somente tudo, como também o mundo.
Sentiu os dedos latejarem devido a pressão que fazia sobre o papel, estava exagerando nos seus surtos de inspirações, porém como poderia deixar de fazer aquilo, mesmo que fosse a décima quinta vez que fazia um desenho dele na semana? Sabia que a forma como estava lidando com isso era quase como uma obsessão, ainda mais se contasse que todos os desenhos que fizera havia entregado ao seu modelo inspirador. Oh, não pessoalmente é claro. Apenas como presentes dobrados deixados entre as folhas dos cadernos, na mochila e no armário do vestiário usado por este.
Garotos normais da sua idade gastariam energia com garotas, focariam em sexo, quem sabe drogas e um pouco de hip hop. No entanto Eijirou jogava todo o seu tempo em completo suicídio, exterminando cada dia mais a mobilidade de suas mãos ao pressionar com tanta força aqueles papéis, exatamente como um animal furioso enjaulado assim que se encontrava livre, aproveitando cada último segundo como se fosse mesmo o último. Era assim que ele se sentia, escondendo dos outros a sua volta os seus desejos e sentimentos por puro medo de não ser aceito, e desenhar o garoto esverdeado era como a libertação de sua identidade original. Sabia também que se continuasse com isso acabaria por levar seus dedos, ou num todo a sua mão, ao completo desespero e podridão, mas não podia se segurar, havia algo de a mais naquele garoto que dividiu o colegial e agora os corredores da universidade de belas artes consigo. Continha algo naquele jeito descontraído de rebolar, de soltar os braços e de movimentar o pescoço de um lado para o outro, algo que sempre esteve ali preso no coração do ruivo.
Se enganaria porém quem dissesse que essa obsessão já vinha desde quando era só um garoto, pois Kirishima estava ocupado demais escondendo todo o seu lado artístico e arranjando briga dentro e fora da escola, afim de mostrar seu lado "viril e másculo".
Tão estúpido quanto poderia admitir, ainda mais se contasse que continuava sendo exatamente esse tipo de pessoa.
E agora destruía sua própria mão numa tentativa de compensar o tempo perdido e enferrujado dos seus dons, outra atitude idiota, algo que deveria ser habitual seu.
Finalizou o brilho e a sombra, mostrando seu traçar o mais realístico possível do original. Ficou tão orgulhoso com o resultado, sentia que a cada vez que se forçava ao extremo, conseguia chegar mais perto do desejado. Mas qual era mesmo o desejado?
— Você é mesmo um stalker Eijirou-kun — a voz ruidosa e brincalhona percorreu seus ouvidos como um relâmpago seguido de um trovão. Izuku estava ali atrás de si, vendo o desenhá-lo, descobrindo que tivera sido ele esse tempo todo. Como poderia ter sido tão descuidado?
— Ah? Midoriya? — virou a folha e soltou o grafite, desesperado para esconder aquilo que se envergonhou a vida inteira, mesmo que no curso atual e no ambiente em que estavam, não era possível se esconder nesse aspecto.
— Não precisa esconder, eu sei que você estava desenhando — o esverdeado se sentou ao seu lado, pegando o papel de sua mão para si e analisando cada detalhe. Ficando um pouco tímido ao ver que se tratava dele e do quão detalhista Kirishima conseguia ser.
— É só um hobby — tentou se safar, mesmo que não entendesse porquê estava evitando uma conversa direta e sobre esse assunto.
— Eu sei, amo esse seu lado artístico desde o colegial — riu, despertando um rubor nas maçãs do ruivo que se encolheu, estranhamente tímido para sua personalidade sempre tão arrojada. — pelos seus desenhos…gosta de me ver dançar?
— Sim — respondeu em automático, girando o olhar para o salão e para a arquibancada em que estavam sentados. Tinha sido estúpido novamente ao não reparar que todos que estavam assistindo tinham ido embora e que Izuku o perceberia desenhando, tão descuidado.
— Gostei muito de todos os desenhos que recebi, Eijirou — por que Izuku estava o chamando de maneira tão íntima? Mal se falavam, não depois de Bakugou. — Sabe, eu estava pensando que mesmo quando éramos da mesma sala, nós nunca fomos muito próximos. Claro que depois de todas aquelas coisas com o Kacchan, nós acabamos nos afastando cada vez mais e mais. — ele empurrou um dos cachos ainda úmidos de suor para trás da orelha direta, temeroso de uma forma que Kirishima não entendeu. — Mas eu nunca deixei de olhar o que você fazia, o que deixava de fazer e como agia.
— Onde quer chegar com isso? — oras, estava tão inseguro com o teor negativo que aquela conversa havia ganhado, mal tinha forças pra continuar ali de corpo presente.
— Sempre escondendo seus talentos, seus dons, seus desenhos — pegou a folha e passou os dedos no grafite, soltando um mínimo sorriso. — Você sempre acaba fugindo de alguma forma. Então do que você tem medo, Eijirou?
— Medo?
— Sim, qual é o seu medo no momento? Qual é o medo que te faz esconder esse seu lado tranquilo para dar lugar ao viril e masculino? Eu gosto desse também, mas sinto que não está sendo verdadeiro consigo mesmo.
Se havia uma coisa que Eijirou poderia concordar com o universo, era o quanto aquele verdinho entrava em sua mente. Desde a primeira vez que o viu e sentiu suas pernas amolecerem, desde a primeira vez que sentiu o chão sob o seus pés tremerem de raiva ao vê-lo aos beijos com Katsuki; desde que se afundou no eterno vício de olhá-lo e se arriscar sempre e cada vez mais desse calor abrasador que tinha se instalado em seu peito. Calor? Obviamente era sobre isso que tudo em sua vida se tratava, seus vinte anos haviam chegado e ele ainda não conseguia lidar com essa coisa crescente dentro do seu peito. Um desejo tão proibido para alguém com uma família tão religiosa quanto ele.
Mas afinal, ele sempre esteve fugindo desse sentimento?
— De ser rejeitado — respondeu, sabendo que essa não era toda a verdade.
— De ser rejeitado? Por que eu faria isso? — ele riu e olhou-o nos olhos. Aquele Midoriya tímido e com medo de tudo de sua infância não estava presente, apenas aquele determinado em ajudar, provando que seus orbes verdes transmitiam o mais profundo endurecimento e fortalecimento que a ocasião necessitava, direto como um felino seria.
Mas que bela comparação, não? Midoriya era seu gatinho esverdeado, suave em movimentos, silencioso, ficava a espreita das suas presas e conseguia fazê-las engolir seco apenas de olhá-lo.
— Não está sendo completamente sincero comigo, eu não o rejeitaria! — afirmou com indolência, trazendo aquela sensação de moleza voltar as pernas do ruivo, tornando o ambiente em completo silêncio por alguns minutos. — Não está sendo sincero, mesmo eu dizendo isso você continua intacto e sem esboçar qualquer reação. Então qual o seu medo, o real medo?
— Não ser o que as pessoas esperam de mim — por que estava respondendo? Ele não devia dizer nada, ainda assim havia algo naquela voz do indivíduo a sua frente que o fazia acatar todas as suas ordens, como um bom cãozinho domesticado.
— Acho que entendi. Você ainda quer orgulhar a todos, mostrar principalmente a sua família de que é alguém de respeito — Izuku esfregou a mão no rosto e permaneceu olhando-o. — Se servir de algo, eu prometo estar ao seu lado em todos os momentos e não deixá-lo passar por nada sozinho, estar com você para enfrentar o mundo. Eu já passei tempo demais evitando tudo isso e esperando você tomar alguma atitude, eu vou estar com você independente de qualquer decisão.
Midoriya não só mexia com seus sentidos como dançava com sua capacidade de entendimento. Se ele estava o apoiando em suas próprias escolhas, ninguém seria capaz de ditar o contrário. Envergonhado por sua única e própria falta de resposta, Kirishima segurou a mão de Midoriya contra a sua quando este ameaçou se levantar, um pouco atrasado pelo silêncio após uma declaração.
Talvez já estivesse mesmo na hora de Eijirou se aceitar como pessoa, como indivíduo de gosto único, e assim parar de tentar agradar aqueles a sua volta. Apegado a esse nova ideologia construída em detalhes em sua mente já tão arrasada pela confusão de anos, Kirishima ponderou seus primeiros passos em um tocar de lábios, tomando a dianteira e assumindo a posição que sempre queria. Beijando Midoriya.
Experimentou do gosto levemente salgado dos lábios por conta do exercício recente da dança, não se importando com nada além de que Izuku o aceitava por completo, por inteiro e como ele era verdadeiramente. Também não se importou com calor que a pele deste exalava assim que escorreu a mão que segurava a de Izuku a sua, subindo-a até a nuca e deslizando pelas costas. Sentindo o desenho que tanto amava transpassar no papel para a vida real, contornando todas linhas e memorizando cada uma delas.
Se separou daquela boca que admitia tanto amar em formato, gosto e textura. Midoriya não parecia confuso em nada, afinal ele o aceitava em todos os âmbitos possíveis. Todavia seus olhos não poderiam deixar de demonstrar certa curiosidade assim que perceberam um brilho fraco nos rubros de Eijirou, ele tinha algo em mente.
— O que foi?
— Eu quero te desenhar.
— De novo? — riu lhe dando um selinho — Não acha que já me desenhou vezes demais?
— Não importa o quanto eu tente, nenhuma sai como eu quero, você é mesmo uma obra única.
— Que depressivo — lhe deu um tapinha —, o que posso fazer por você, então? — os dedos de Eijirou passaram pelas sardas de Izuku na mesma hora, esboçando o belo sorriso afiado.
— Dança pra mim?
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