alicealamo Alice Alamo

A guerra havia terminado. As escolhas feitas doíam. As famílias construídas se desfaziam. E a redenção que Sasuke tanto buscava parecia que não viria fácil...


Fanfiction Anime/Manga Not for children under 13. © Todos os direitos reservados.

#sasunaru #yaoi #naruto-sasuke #naruto #sasuke
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Capítulo I


Não foi somente Sarada que correu para a entrada da vila quando soube que Sasuke estava de volta. Naruto sentiu o chackra no meio da reunião, e Shikamaru suspirou pesadamente quando o viu se levantar e sair do prédio do Hokage sem nem ao menos se dar ao trabalho de deixar um clone em seu lugar.

A discussão que Sasuke e Naruto haviam tido antes de Sasuke sair em missão havia sido comentada por todos no prédio, especialmente porque Naruto tinha se separado de Hinata logo em seguida. Foi inevitável que não se especulasse que Sasuke o tinha levado a tal decisão... O que Shikamaru sabia não ser verdade. Hinata não estava feliz, Naruto muito menos, os filhos deles... por kami! Boruto vivia se metendo em confusão para conseguir atenção! Aquele casamento já não ia bem há anos! Contudo, ele não sabia se, agora, com Naruto tão determinado a ficar com Sasuke, as coisas iriam melhorar ou não.

E era isso que Naruto se questionava em cima do telhado, observando Sasuke sorrir sincero, com tanto carinho que Naruto quase sentiu ciúmes se não fosse Sarada a receber aquela atenção. Viu Sasuke se abaixar e receber nos braços a filha, abraçando-a demoradamente antes de bater dois dedos sobre a bandana na testa dela. É claro que também viu quando os olhos dele se ergueram com discrição até onde estava, e, para Naruto, naquele momento, era suficiente.

Acompanhou à distância o caminho que Sasuke fazia, ciente de que ele se dirigia ao antigo distrito Uchiha. Graças às mudanças, o antigo distrito Uchiha agora não era mais "Uchiha". Sasuke havia vendido a maior parte das casas a quem interessasse, civis ou ninjas, e agora era como um bairro qualquer, movimentado, com pequenas lojas espalhadas e vida, principalmente vida. Sob o nome Uchiha, apenas cinco residências permaneciam: a antiga casa de Sasuke, uma casa próxima e grande que já estava no nome de Sarada para quando ela atingisse a maioridade, uma outra que Sasuke ofereceu a Sakura para que pudessem, mesmo separados, conviver próximos pelo bem de Sarada e duas outras que ele mantinha como parte de sua herança.

Sasuke deixou a filha com Sakura, cumprimentando a ex parceira de time e prometendo a Sarada que voltaria para jantar, mas que antes precisava de um banho, organizar seus equipamentos e entregar o relatório da missão ao Hokage. Sakura bagunçou suavemente o cabelo da filha quando ela entrou em casa e, depois, encarou Sasuke com visível preocupação.

— Estou bem — ele afirmou antes de qualquer coisa, e Sakura franziu o cenho.

— Não está não. — Ela sacudiu a cabeça e se aproximou. — Nenhum dos dois está...

— Sakura...

— Ele se separou dela.

— Eu sei. Aliás, foi difícil não saber — ironizou. — Não sabiam falar de outra coisa, mesmo nas outras vilas. E não pense que não percebi como me olharam quando passei pelos portões. — Riu, sem humor. — Toda vez que volto para essa vila, parece que carrego um título diferente: o último Uchiha, traidor, protegido do Hogake e agora o quê? Amante? Diga-me, do que estão me chamando dessa vez, Sakura?

Ela bufou e cruzou os braços.

— E desde quando você se importa com títulos, Sasuke?

— Não me importava, mas agora há Sarada, e eu não quero que ela sofra pelas minhas escolhas. Já errei o suficiente no passado, não quero que ela arque com meus novos erros — ele esbravejou, irritado consigo mesmo.

Sakura riu, leve, e se aproximou para acariciar o rosto dele com carinho.

— Sasuke, entenda uma coisa, é ótimo que você esteja tentando se redimir com ela pelo tempo que passou fora. Eu realmente vejo o quanto você está se esforçando nesses anos, e ela sabe o quanto você a ama e o quanto sente pelo que fez. Por Kami, só um cego não veria como você se transforma num pai coruja extremamente ciumento e idiota perto dela. Mas isso não quer dizer que a sua vida tenha que ser cem por cento voltada à Sarada e ao que ela vai pensar! E não me olhe assim — ela reclamou quando percebeu a expressão carrancuda e indignada dele. — Você sabe que tenho razão. Aliás, se quer tanto saber do que estão te chamando, pode perguntar a ela...

— Ela...

— Ela já desconfiava de você e de Naruto, sabe? Afinal, é do pai e do padrinho dela que estamos falando e ela é Uchiha, você devia saber como ela é observadora. Se eu dissesse que ela reagiu bem, não seria totalmente verdade, mas...

— Preciso falar com ela — Sasuke a interrompeu com os olhos arregalados.

— E falará, no jantar, lembra? Falou que viria jantar. — Sakura o segurou, falando pausadamente. — Se quer falar com ela, primeiro precisa saber o que dirá, Sasuke, precisa se decidir, ter cada resposta para cada pergunta que ela quiser fazer, e eu sei que você não conseguiria passar da primeira se fosse conversar com ela neste momento.

— Eu já me decidi, Sakura, não é como se eu tivesse escolhas.

Sakura revirou os olhos e massageou a nuca antes de socar o peito de Sasuke sem força, mas ele percebeu, pelo olhar raivoso dela, que ela desejava mandá-lo até à entrada da vila com aquele golpe se isso não fosse assustar a filha deles.

Escute aqui, eu posso gostar muito de você, Sasuke, mas Naruto é meu melhor amigo, e ele já sofreu o bastante por você. Então, se realmente vai dispensá-lo, como se não correspondesse a ele, então arranje outra desculpa que não seja a sua filha.

Sasuke desviou o olhar e sentiu a mão de Sakura tremer contra seu peito. Segurou-a, e Sakura o encarou, tomou fôlego e se endireitou. Olhou para trás para checar se Sarada estava próxima e, ao perceber que estavam mesmo sozinhos, continuou:

— Sarada é sua filha, ela te conhece e te entende, ela te perdoou por você ter escolhido passar anos longe, ela te aceitou mesmo quando explicamos que você não moraria conosco e que não seríamos a família dos sonhos que ela vê todo maldito dia quando vai à escola, ela não sentiu raiva nem te questionou quando aceitou treinar Boruto, ainda que você não tivesse muito tempo para isso! Não a subestime.

Sasuke respirou fundo e andou de um lado para o outro sem saber o que falar.

— Ela te defendeu, quando Boruto descobriu e veio aqui achando que te encontraria. Ela quebrou o braço dele. — Sakura riu.

— Isso não é engraçado — ele respondeu embora a imagem de sua filha o defendendo do filho de Naruto fosse realmente algo que lhe agradava. — Isso a está afetando!

— Deixe que ela decida isso. E chega! — Ela ergueu o braço. — Está cedo. Tome um banho e converse com Naruto. — Sasuke arqueou a sobrancelha. — Ele passou aqui um pouco antes de você, deve estar na sua casa agora — explicou e o viu xingar baixo antes de lhe dar as costas. — Sasuke!

— O quê? — ele perguntou sem se virar.

— Sua redenção já acabou. Sabe disso, não sabe? Acabou, Sasuke.

Sasuke cerrou o punho e não respondeu. Ergueu a cabeça e caminhou até sua casa sem olhar para trás. Não queria falar com Naruto, não ainda, mas sabia que não teria como fugir, não de novo. Entrou em casa sem força para sequer olhar para frente e conferir se Naruto estava mesmo ali. Queria falar com Hinata, queria pedir perdão a ela mesmo que isso não fizesse o seu feitio. Tinha inúmeras coisas que queria fazer antes de ver Naruto porque sabia que aquela seria a conversa mais difícil e, talvez, a última.

Antes de sair de missão, Naruto o havia beijado e falado tudo aquilo que eles silenciosamente tinham acordado não revelar. Que Naruto sofria naquele casamento com Hinata, Sasuke sabia, mas o que ele esperava que ele fizesse? Que interferisse? Que dissesse que correspondia aos sentimentos do amigo sem levar em conta que ele ainda tinha uma esposa e dois filhos? Além disso, Naruto era o Hokage! Não dava para simplesmente esperar que um divórcio e um relacionamento com um ex traidor fosse bem aceito pela vila ou pelas outras vilas! Não era simples, não era só a aprovação dos filhos e das pessoas de Konoha, eram relações internacionais, era a confiança dos outros kages, era tudo!

E Naruto não entendia aquilo. Como entenderia? Ele era o salvador do mundo afinal, não estava acostumado a não ter o que desejava.

A casa estava limpa, tudo graças à nova empregada que tinha contratado para quando voltasse das missões. Retirou os sapatos na entrada e deixou a bolsa com os pergaminhos e as armas perto do sofá. Contra sua vontade, sorriu para a capa e o chapéu de Hokage jogados displicentemente na mesa de centro e fechou os olhos quando ouviu o barulho vindo da cozinha.

Ignorou-o. Passou pela porta da cozinha sem cumprimentar Naruto que mexia em uma panela. O amigo também não falou nada nem deu sinal de que havia percebido sua presença, embora fosse mais do que óbvio que sabia que Sasuke estava ali.

O banho demorou. Sasuke queria culpar os músculos doloridos, os machucados, o suor e a sujeira, contudo, tinha sido o medo que o mantivera debaixo do chuveiro. Apertou com força o braço reconstruído com as células de Hashirama, mais um dos assuntos que o havia feito discutir com Naruto. Como amigo, Naruto não tinha o mínimo direito de obrigá-lo a aceitar o tratamento, afinal, aquilo era escolha dele, somente Sasuke poderia definir quando estaria pronto para receber o implante, quando pôr um ponto final em sua redenção. Entretanto, Naruto e Sakura não viam daquela forma e, sendo um o Hogake e a outra a chefe do hospital de Konoha, simplesmente decidiram decretar que, para que ele pudesse continuar fazendo missões, deveria estar em perfeitas condições, e isso incluía ser obrigado a fazer o implante das células de Hashirama. Os amigos haviam jogado sujo... e até mesmo Sarada tinha ido apelar para que ele cedesse, afinal, segundo ela, assim ele teria mais chances de sempre voltar para casa.

Suspirou e socou o azulejo frio. A vida era mais fácil quando só tinha que se preocupar em vingar o clã.

Desligou o chuveiro e nem o frio o fez se apressar. Vestiu-se com um moletom folgado e se olhou no espelho como se seu reflexo pudesse lhe dar coragem para prosseguir. Desceu as escadas lentamente, a mão deslizou pelo corrimão e a mente tentava se fixar a cada pequeno e mísero detalhe para evitar racionar como devia. Engoliu em seco ao chegar ao fim da escada e encarou Naruto.

— Eu fiz lamen. — Naruto indicou a cozinha com a cabeça, e Sasuke sorriu minimamente, Naruto nunca mudaria...

Sentaram-se à mesa em silêncio, e Sasuke aproveitou o tempo da refeição para analisar Naruto mais atentamente. Sakura tinha razão, ele não estava bem. Naqueles dois meses, Naruto havia emagrecido, a camiseta laranja parecia mais de dois números acima do tamanho ideal, e o rosto estava visivelmente mais magro do que se lembrava. O cabelo loiro continuava um caos, um pouco maior do que quando o deixara, mas ainda não parecia com o que Naruto usava na adolescência. Havia olheiras, fundas, e o sorriso... a falta do sorriso de Naruto lhe doía, intensamente, era como se assistisse à morte dele, como se estivesse diante de um paciente terminal segurando a cura em uma das mãos sem poder de fato usá-la.

E isso o consumia, cada vez mais.

— Como foi a missão? — Naruto perguntou, mexendo os hashis no lamens sem comê-lo.

— Quer o relatório agora? Não posso escrever hoje à noite e levar ao escritório amanhã? — perguntou com um suspiro cansado.

— Ah... — Naruto piscou, sem graça, e balançou a cabeça antes de limpar a garganta. — Claro, desculpe, eu... desculpe, você deve estar cansado.

Sasuke largou os hashis e recostou-se na cadeira.

— Pare.

— O quê? — Naruto o olhou sem entender.

— Só... pare, sei o que está fazendo e porque veio, Naruto, mas não vou mudar de opinião.

— Eu me separei de Hinata...

— Eu sei.

— Himawari te adora, mesmo sem eu entender por que. — Riu sem humor. — E Boruto... bem, ele pareceu entender um pouco melhor depois que Sarada quebrou o braço dele.

— Naruto...

— Eu falei com Sakura, e ela não me odeia por isso. Nem Hinata! Ela...

— Naruto! — elevou a voz, sério.

— Não! — Naruto gritou, exaltado, a voz trêmula ao socar a mesa. — Eu consertei tudo para quando você voltasse você não pudesse começar a enumerar todos os problemas novamente!

Sasuke apoiou os cotovelos na mesa e deixou a cabeça cair nas mãos. Fechou os olhos enquanto tinha certeza de que Naruto continuava a falar.

— Sasuke...

— Não se trata só de Hinata, seus filhos ou a minha filha, Naruto. Você sabe disso... — sussurrou, como se repetisse aquilo pela décima vez.

— Eu sei e falei com Gaara a respeito.

Sasuke riu, sarcástico, e ergueu o rosto para encará-lo.

— Falou com Gaara? — debochou. — Logo com ele? E me diga, Naruto, o que o seu tão precioso amigo disse?

Naruto fingiu não perceber o tom ácido nas palavras, levantou-se da mesa, mas não conseguiu se aproximar de Sasuke.

— Gaara disse que me apoiaria, Sasuke, apesar de não gostar ou confiar em você.

— Ah, é claro que ele disse isso... — Riu com descaso.

— Você não faz sentido, Sasuke — Naruto lamentou, os passos vacilantes o levaram a recuar até encontrar apoio no batente da porta que separava a cozinha da sala. — Me rejeita, de novo, e se acha no direito de sentir ciúmes de um amigo por quem não nutro nada além de amizade. Aliás, ele é hétero, caso não tenha notado.

— A questão aqui não é Gaara — Sasuke rebateu.

— Nem o seu ciúme, não é? — Naruto provocou.

— Chega. O que você quer?

Naruto suspirou, o corpo escorregou até o chão, e Sasuke desviou o olhar para não encarar aquela cena.

— Conversar...

— Já tentamos isso. E não deu certo.

— Não, Sasuke, eu tentei e você apenas repetiu a mesma lista de problemas que nos separavam. Eu os resolvi, um a um, então agora eu quero que você me diga a verdade! Quero que me explique o porquê está me afastando! Você falou de Hinata, eu resolvi, das crianças, resolvi, dos Kages, só kami sabe o quanto foi difícil, mas eu resolvi! Então, o que mais nos impede? O que mais não te deixa simplesmente aceitar que podemos ficar juntos? Me dig-

— Eu tentei te matar! — Sasuke gritou, alto, o suficiente para Naruto se calar.

Sasuke engoliu em seco e xingou baixo pelo olhar surpreso de Naruto. Por segundos, conseguiu o que queria: silêncio. Naruto o encarava em choque, a expressão assustada, mas, tão logo se recuperou, riu, amargo. Sasuke franziu o cenho ao vê-lo rir e seriamente se perguntou se socá-lo poderia trazer um pouco de bom senso a ele.

— É isso? — Naruto questionou, incrédulo. — Você não quer ficar comigo, porque, no passado, tentou me matar?

— Eu acho esse motivo muito bom, você não? — Sasuke arqueou a sobrancelha, e Naruto se levantou do chão.

— Não, para mim não é! Isso foi antes, Sasuke, antes de você saber a verdade sobre Itachi, sobre seu clã, sobre tudo!

— E isso justifica o que fiz a você? Eu não sou a pessoa mais altruísta desse mundo, estou longe de ser, mas eu realmente amo você o suficiente para entender que só destruo a sua vida!

— Isso não é verdade.

— Não? Não? — Sasuke se levantou, frustrado. — O que houve com seu casamento? Acabou. Sua família? Acabou. Você podia ter ficado em Konoha quando eu fugi com Orochimaru, mas não, você saiu com Jiraya para treinar para me buscar. E toda vez que algo me acontecia, uma parte da Kyubi se revelava e você perdia o controle. Isso podia ter te matado! Kurama não era seu aliado naquela época! Você foi atrás de mim toda maldita vez e eu tentei te matar!

— Mas eu não morri! — Naruto gritou e se aproximou dele.

— A questão não é essa, Naruto! Eu não te faço bem, será que você não percebe isso? — Sasuke o empurrou, nervoso.

— Sasuke...

— Não, Naruto! Não! Isso é um erro, eu sou um erro! — gritou, as mãos passando desenfreadamente pelos cabelos, tirando a franja da frente do olho.

— Para!

— Com quê? De falar a verdade? — Ele andou de um lado para o outro. — Eu tentei te matar! Não uma, mas várias vezes! Tentei te matar, Naruto! Você não pode me amar, isso é errado! É doentio, não é saudável! Não se deita com alguém que tentou dar fim à sua vida! Não se confia em uma pessoa assim! Como você pode confiar em mim? Isso é errado, droga!

— Então eu escolho errar! — Naruto esbravejou e se aproximou de Sasuke rapidamente, segurando-lhe o rosto com as duas mãos enquanto o via tentar se afastar. — Eu escolho errar porque eu tentei, Sasuke, eu tentei reconstruir minha vida sem você e não deu certo... eu nunca pensei que seria tão infeliz tendo tudo o que queria só porque você não está comigo. Não dá, Sasuke, não dá para te ter longe, eu tentei, eu juro que tentei, mas prefiro errar mil vezes ficando com você do que te deixar se afastar de novo.

Sasuke balançou a cabeça ao ouvir aquilo e fechou os olhos. Sentia as mãos de Naruto tremendo em seu rosto e o modo como elas deslizavam para sua nuca. O rosto molhado de Naruto tocou o seu, as lágrimas dele desciam por sua bochecha, e os ombros sacudiam de leve enquanto o pranto se iniciava. Mordeu o lábio com força, forçando-se a não corresponder o abraço por mais que seu coração quisesse acalentar o do outro.

— Sas... não me deixa... não de novo, eu não vou suportar isso mais uma vez. Eu confio a minha vida a você porque eu nunca, em nenhum momento, achei que fosse morrer pela sua mão. Patético, eu sei, mas nunca, nunca mesmo, achei que você fosse me matar de verdade.

— Naruto, eu tentei sim te matar de verdade, não negue isso.

— E quando teve a chance não o fez. Mais de uma vez. Você sempre acabava me abandonando, dando às costas a mim e me deixando desacordado em algum lugar ou falando que não era a hora da nossa luta.

— Você está procurando desculpas para justificar o que fiz a você — sussurrou, dolorido. — Na última luta, eu quase nos matei, nós morreríamos se Sakura não tivesse chegado, e não tínhamos a certeza de que ela chegaria!

— Eu não me importaria de morrer com você...

Sasuke prendeu a respiração com um gosto amargo na boca. A frase o irritou, fazendo-o se soltar de Naruto com certa violência e recuar para longe com os olhos dando os primeiros sinais das lágrimas.

— É disso que estou falando — Sasuke cuspiu, revoltado, e apontou o dedo na direção de Naruto. — Eu não quero essa responsabilidade! Não quero você aceitando tudo o que eu faço quando a maioria dos meus atos só te fez mal!

— Você está me fazendo mal agora! — Naruto o interrompeu, os olhos azuis se tornando alaranjadas devido à raiva e à mágoa. Kurama estava começando a se irritar com aquela discussão.

— Como sempre fiz! E aqui está você — Sasuke ironizou. — Você disse uma vez que só você era capaz de me entender, lembra? — indagou, um pouco mais calmo após respirar fundo e encarar a janela atrás de Naruto.

— Sim.

— Mas não é verdade.

— Já discutimos isso, Sasuke.

— E você nunca compreendeu o porquê discordo de você... Você não me entende porque acha que o problema dessa relação se baseia em você me perdoar ou não, em conseguir me fazer acreditar que está tubo bem porque você já superou o que houve no passado. — Sasuke fez uma pausa, e Naruto sentiu o coração falhar, as mãos ficarem geladas e um mau pressentimento se apossar de si quando lágrimas silenciosas escorreram pela face pálida do outro. — Mas não é isso, não isso... Não se trata de você me perdoar apenas, eu não consigo me perdoar.

— Você passou anos em redenção, Sasuke...

— E você acha que isso curou tudo? Acha que anos vagando sozinho me ajudou a achar uma solução? Desde quando solidão serve para algo a não ser para alimentar nossos próprios demônios? Eu não voltei porque consegui todas as respostas, voltei porque Sarada precisava de mim, porque achei que conseguiria ficar do seu lado de novo como quando éramos crianças, mas... não somos mais crianças, não é? Não brigamos mais por provocações idiotas ou apelidos toscos... Você sabe o que é acordar sabendo que o sangue de quem ama está nas suas mãos? — A voz fraca saiu trêmula. — Sabe como é olhar para a minha filha e tentar explicar como eu quase matei, diversas vezes, a mãe dela ou o padrinho dela? Ela ficou com medo de mim por um mês inteiro, Naruto, ela... me odiou por um mês inteiro, e eu fui egoísta demais para aceitar o perdão dela porque não conseguiria ficar nessa vila sabendo que a tinha perdido também.

Naruto não soube o que responder. O coração sangrava de tal forma que não raciocinava, a voz de Kurama em sua mente havia se calado e, pela primeira vez, teve medo de que o bijuu estivesse ao lado de Sasuke naquela discussão.

— Você entende agora? — Sasuke sussurrou, aproximando-se sutilmente de Naruto e limpando as lágrimas dele com cuidado. — Eu te amo, mas... — Baixou os olhos. — Olhe para mim... eu sou instável, ficar comigo pode dar certo por um tempo, mas todos sabem que uma hora alguém vai se ferrar, e, pelas nossas experiências, esse alguém é sempre você.

Naruto segurou o moletom de Sasuke com as duas mãos, na altura da cintura, e o puxou para si lentamente. A cabeça achou fácil a curva do pescoço dele, e o soluço angustiado explodiu do peito assim que sentir os braços de Sasuke se moverem até suas costas, apertando-o tão forte quanto podia. O subir e descer inconstante do peito de Sasuke lhe indicava que ele também chorava, e isso não amenizou a situação em nada.

Naruto sentia-se fraco, como há muito tempo não sabia como era ser. Os comprimidos contra a depressão que Sakura havia lhe prescrito estavam ao lado da cama, intocados, assim como o almoço ou qualquer outra refeição que se recusava a comer por inteira. Kurama não sabia outra forma de animá-lo ou confortá-lo, a bijuu já estava perdendo as esperanças e se calava, contemplando em silêncio o definhar de um amigo.

Sasuke tinha razão em vários pontos, o relacionamento deles não era saudável, nunca foi, mas, por mais irônico e desesperador que fosse, Naruto não conseguia se separar dele. Era preferível mergulhar de vez no caos que era Sasuke do que assistir os dias perderem o brilho lenta e dolorosamente.

— Você é egoísta, não é? — Naruto sussurrou com a boca contra a pele de Sasuke. — E eu sou o oposto, o altruísta. — Riu, baixo, desesperado. — Você se afastar de mim agora, como quer, é mais um dos seus desejos egoístas... para se proteger.

— Volte para casa, Naruto. — Sasuke tentou se afastar, mas Naruto não cedeu e o manteve próximo.

— Deixe-me ser o egoísta dessa vez, Sasuke? — murmurou. — Só dessa vez, podemos inverter?

— O que quer dizer?

— Eu me importei com você por toda a minha vida, é justo que agora eu queira algo em troca. Fique comigo. Me deixe ser egoísta para pedir que fique comigo mesmo que você não esteja pronto para se perdoar... Fique comigo ou eu não vou aguentar, Sasuke, e sim, eu estou jogando baixo, estou te chantageando, estou sendo tão tóxico quanto você porque juro que não aguento mais! Não quero saber dos remédios de Sakura! Dos conselhos de Shikamaru! De Kakashi me falando para ver um psicólogo ou para desabafar com alguém! Seja altruísta dessa vez e se sacrifique por mim como eu fiz por você diversas vezes... tenha isso como uma punição pelo que me fez, afinal, você tentou me matar, não é? Me salve agora... se redima... por favor...

Sasuke enrijeceu. A mente e o coração travavam uma batalha em que somente o coração estava pronto para aceitar a proposta infame, uma vez que há tempos já ansiava por poder ter Naruto para si sem o sentimento de culpa o esmagando. Fechou os olhos, ferido, hesitante enquanto sentia o calor do corpo de Naruto próximo ao seu. O toque dos lábios quentes em sua pele era como morfina, doses e doses injetadas gradativamente à medida que se aproximavam dos seus.

Não o empurrou nem o rejeitou. Mesmo assim, o beijo foi de dor, suave e tão leve como nunca antes.

Naruto abriu minimamente os olhos azuis, buscando, ansioso, por uma resposta na expressão magoada de Sasuke. Em sua cabeça, Kurama rosnava e lhe aconselhava:

Deixe-o pensar... Vá para casa e espere. Ele te rejeitará de novo se não recuar agora.

— Amanhã... — falou para chamar a atenção de Sasuke. — Amanhã, me responda amanhã quando for entregar seu relatório...

— Naruto, sabe que está me pedindo o impossível — ele respondeu enquanto o via se afastar e vestir a capa e o chapéu de Hokage.

Naruto caminhou até a porta e parou, virando o corpo de lado para encarar Sasuke por sobre o ombro.

— Eu fiz o impossível por você...

* * *

Uma das coisas que Sasuke mais amava em sua filha era que ela era inteligente, sabia identificar o problema e esperar até que fosse a melhor hora para tocar no assunto. Com quinze anos, Sarada estava parecida com Itachi. Genética era mesmo algo incrível... Os cabelos compridos lhe lembravam aos que Sakura usava na adolescência, mas tinha que ser sincero em admitir que a filha com certeza era mais bonita. Os olhos negros eram perspicazes, eles o seguiram e o analisaram assim que se sentou à mesa e, depois da rápida inspeção, desviaram-se com um leve repuxar dos lábios que entregou que a filha havia notado que ele não estava bem.

— Soube que está treinando com Kakashi no tempo livre — comentou, interessado... e enciumado.

— Pedi que ele me treinasse enquanto o senhor estivesse fora — ela respondeu ao que o cenho franzido do pai disse que ele de fato queria saber.

— Não pretendo sair em missão tão cedo — ele anunciou, e Sakura conteve a risada ao perceber o diálogo que o orgulho dos outros dois regia.

Sarada sorriu e continuou a responder animadamente a tudo o que Sasuke perguntava durante o jantar, resmungando quando Sakura insistia em contar coisas desnecessárias como, por exemplo, os pretendentes que ela recebia, o recente namoro com Boruto que fez Sasuke engasgar, e até mesmo a menstruação. Por Kami, Sakura havia falado sobre menstruação no jantar! E Sarada nem ao menos soube quem tinha ficado mais constrangido, ela própria ou Sasuke que não sabia se tinha que dizer alguma coisa.

Depois disso, quando o jantar acabou, Sarada respirou tão aliviada quanto Sasuke pelo fim da conversa constrangedora. Sasuke se levantou, ajudando Sakura a recolher a louça suja da mesa. Pelos anos de experiência, conseguia sentir o olhar disfarçado e discreto de Sarada em sua direção. Sakura também e pisou e, não tão discretamente, encarou-o, decidida.

Ele respirou fundo e massageou a nuca enquanto saía da cozinha, ouvindo os passos leves da filha logo atrás de si. Caminhou para o jardim da casa, na parte de trás da residência, e ouviu Sarada fechar a porta. Parou, olhando para o céu, e era incrível como uma sensação de alívio e felicidade o invadia quando Sarada o abraçava em silêncio, permitindo que ele a abraçasse de volta pelo tempo que o coração exigisse.

— O que houve? — ela indagou depois de um tempo, sem soltá-lo.

— Quebrou o braço do seu namorado? — Sasuke perguntou com certo humor.

Sarada corou e escondeu o rosto no moletom dele enquanto resmungava alguma coisa sobre “aquele moleque idiota”.

— Não mude de assunto, otou-san.

— Não estou... por incrível que pareça, não estou — ele respondeu, e o tom sereno fez Sarada olhá-lo.

Sasuke se afastou para se sentar no tablado de madeira, e Sarada permaneceu à sua frente, séria e compenetrada, mas com o mesmo olhar doce que ela guardava para ele.

— Está arrependida de tê-lo machucado?

— O quê? — Sarada piscou, confusa. — Não, ele mereceu.

— Não?

— Ele falou bobagens — ela respondeu com tom de irritação. — Muitas — frisou. — Eu não admito que ele, ou qualquer outro, fale mal da minha família sem saber pelo que passaram ou estão passando. Boruto não tinha o direito.

— Não, ele não tinha — Sasuke concordou. — Mas, se gosta dele, não o machuque. Você não sabe até quando não vai se sentir culpada.

Sarada franziu o cenho e se sentou ao lado do pai para então deitar-se sobre o tablado com a cabeça nas coxas dele, como já havia virado hábito.

— Se sente culpado, otou-san?

Sasuke deslizou os dedos pelo rosto da filha e passou a brincar com as mechas do cabelo dela.

— Como me perdoou quando soube o que fiz a Sakura e a Naruto?

Sarada não desviou o olhar, mas enrijeceu as feições. Os olhos de Sasuke pareciam indiferentes, mas ela não se enganava. O assunto levantado nunca tinha sido dito em voz alta antes e, para que aquela pergunta fosse feita naquele momento, ela sabia que a resposta que desse seria levada a ferra e fogo. Assim, calou-se, refletindo bem antes de decidir falar. E, como sempre, Sasuke aguardou, pacientemente.

— Não foi fácil. Na época, foi muita informação ao mesmo tempo, a história do clã, do tio Itachi, Danzou, sua infância, Orochimaru, a maldição e todo o resto. Fiquei assustada — ela admitiu, ciente de que não poderia mentir. — Quando me contou sobre Nanadaime e okaa-san, eu... senti ódio, ódio porque senti medo, percebi que as pessoas mais próximas a mim quase se mataram, se feriram. Admito que parte de mim queria te odiar por aquilo, mas parte de mim estava desesperada para te ter na minha vida, afinal, você é o meu pai.

— Isso não é motivo o suficiente, Sarada. — Sasuke engoliu em seco com o medo correndo pelas veias.

— Não, não é. E eu fiquei triste ao perceber que querer você por perto não era motivo para te perdoar pelo que fez — ela confessou enquanto os olhos se umedeciam. — Mas... foi suficiente para que eu pudesse buscar um motivo justo. Somos ninjas, e ninjas fazem atrocidades em tempos de guerra, pelo que acreditam, pelo que os fazem acreditar. Nessa luta entre você, okaa-san e Nanadaime, você estava do lado errado da guerra, não por escolha, otou-san, mas pelo que te contaram. Se você soubesse, desde o começo, que tio Itachi era um herói, sairia da vila em busca de poder? Se soubesse, antes de... — Ela desviou o olhar. — antes de lutar com ele pela última vez, que ele tinha te protegido, que Danzou era um filho da p-... um traidor — corrigiu-se rapidamente diante do olhar severo do pai. —, você, ainda assim, lutaria contra ele? Te fizeram acreditar fielmente em um vilão, fizeram uma criança crescer com ódio para destruir seu único parente vivo, seu próprio irmão... E, quando ela conclui seu objetivo, quando ela finaliza a meta que buscou por toda a vida, o objetivo que a fez abrir mão de amigos, de um lar, daqueles que a amavam, ela descobre que tudo foi uma mentira. Anos jogados fora, uma morte injusta nas costas, um treinamento tortuoso de solidão... Como esperar que você escolhesse o lado certo?

Sasuke a viu chorar, virando-se de lado e abraçando o tronco dele. A angústia se acomodou no peito, as lembranças de Itachi voltando à mente enquanto o ar se enchia de melancolia.

— Você fez as escolhas erradas, sei disso — Ela limpou o rosto sem delicadeza. — Mas como esperar que fosse diferente? Sua vida foi um inferno!

Ele riu, amargo, retirando o cabelo da frente do rosto dela e limpando as lágrimas que caíam.

— Não ria! — ela o repreendeu, nervosa.

— Não posso culpar os outros pelos meus erros, Sarada.

— Acredita que eu seria quem sou se crescesse como você? — ela rebateu. — Sabe que não. Os outros nos moldam assim como nós os moldamos. Eles todos têm tanta culpa quanto você em tudo o que ocorreu. Quando a okaa-san e Nanadaime, eles são vítimas disso tudo, assim como você, otou-san. Estavam em lados opostos de uma guerra, e nenhum de vocês sabia da verdade ou porque estavam envolvidos nela. Você quase os matou, eu sei disso, mas não duvido que eles também tentassem te matar caso a situação ficasse crítica. Kakashi-sensei me disse uma vez que ele chegou perto disso uma vez para defender okaa-san... e que muitos outros quiseram fazer o mesmo para que Nanadaime seguisse em frente sem se preocupar em te trazer de volta porque acreditavam que você era perigoso.

— Não acho que estejam errados...

— Não, não “estejam”, otou-san, você não é mais o mesmo de antes, não fale assim...

— Eu quase o matei. No final, quase o matei de verdade. — Sasuke fechou os olhos e quis que Sarada não o visse daquela forma, tão perdido. Estava arrependido de ter iniciado aquela conversa.

— Otou-san, vocês quase se mataram, você também quase morreu naquela luta.

— Mas eu que insisti em lutar.

— E ele lutou até o final, otou-san, ele sabia do risco.

— E é esse o problema! — Sasuke rebateu, indignado. — Ele aceitou quase morrer para me trazer de volta para esse lugar!

— As pessoas têm o direito de escolher por quem querem se sacrificar. Tio Itachi escolheu morrer para te proteger, okaa-san escolheu te amar e te deixar livre para escolher seu caminho, eu escolhi te perdoar, Nanadaime escolheu lutar até o final por você... em todos os sentidos ao que parece.

Sasuke a viu revirar os olhos na última parte e arqueou a sobrancelha.

— Sarada?

— Não — ela o cortou. — Nada contra. Quer dizer, nada contra se isso não diminuir o seu tempo comigo — ela enfatizou, irredutível.

— Nada me tiraria de você — ele explicou, como se fosse óbvio, com a sombra de um sorriso no rosto. — Mas a questão é que não consigo aceitar que se sacrifiquem mais por mim... não é saudável, não vê? O que ganham com isso? Itachi morreu, Sakura sofreu, você sofreu, Naruto quase morreu!

— Se acha em débito conosco? — Sarada arregalou os olhos, e Sasuke não respondeu. — Então, retribua. Tio Itachi queria que vivesse e fosse feliz, faça isso; okaa-san queria que você fosse livre para escolher seu caminho, escolha; eu queria que ficasse comigo, que me amasse, que fôssemos uma família, do nosso jeito mesmo, não precisamos seguis padrões, então faça isso por mim; Nanadaime... bem, eu não sei o que ele quer, mas você sabe, então...

— Ele quer que eu me sacrifique por ele.

— E isso seria tão ruim assim? — Sarada franziu o cenho.

Sasuke encarou o céu, dividido e aliviado de certa forma. Bateu dois dedos contra a testa da filhe e, de forma resignada, concluiu:

— Não, não seria... definitivamente, não seria.

* * *

Hinata se preocupou quando Boruto correu para o apartamento do pai quando soube que ele tinha deixado uma reunião importante para ver Sasuke. Himawari apenas lhe sorriu, como se nada estivesse acontecendo ou como se tivesse certeza de que o irmão não faria nada demais. Optou por acreditar na segunda hipótese. Enquanto isso, Boruto chutava os recipientes vazios de lamen instantâneo no minúsculo apartamento do pai. Olhando para o braço já quase cem por cento recuperado, xingou-se mentalmente. Conhecia muito bem o gênio de Sarada e ofender o pai dela na frente da namorada com certeza havia sido a ideia mais estúpida que havia tido.

Mas o que queriam que ele fizesse? Aceitasse? Compreendesse quando ninguém nem se importava em lhe explicar a situação? Ele era filho de Naruto, tinha o direito de entender o motivo pelo qual os pais estavam se separando! Não que fosse interferir, julgar, atrapalhar, não, nada disso, ele só queria uma explicação, uma justificativa para poder aguentar os comentários e os olhares que recebia das pessoas da vila! Contudo, seu pai, como sempre, não parecia dar a mínima para o que ele achava e, como sempre, não lhe dera justificativa alguma para seus atos.

Fora sua mãe quem tivera que explicar. Ela contara tudo, desde o começo, com uma calma e uma serenidade que não era compatível com o coração partido que carregava no peito. Abraçou-a, por mais que ela dissesse que estava bem e que compreendia seu pai. Quando saiu de casa querendo enfrentar o pai. Achou que ele estaria com Sasuke e foi direto à residência Uchiha. Afinal, Hinata era sua mãe e, naquele momento, apenas a indignação por vê-la sofrer lhe guiava.

Irracional. Mas qual é! Ele tinha quinze anos, ele podia sim se dar ao luxo de ser irracional contra um pai ausente! Seja lá quais fossem os motivos de Naruto, havia sido escolha dele se casar e ter filhos, então que ele arcasse com as malditas consequências e não que fugisse como um covarde! Se queria se divorciar, que, pelo menos, olhasse nos olhos dos filhos, que se abrisse, que conversasse com eles para que pudessem o compreender!

Contudo, não achou Sasuke ou seu pai naquele dia, encontrou Sarada, a última pessoa que desejava ver naquela hora. A semelhança dela com o pai o tirou do sério e, quando se deu conta, estava descontando toda sua raiva nela, no pai dela, em todos! E o resultado foi o braço quebrado, um olhar ferido da namorada e uma ameaça:

— Não queira disputar com meu pai espaço na minha vida, Boruto, eu sempre vou escolher ele.

É... aquilo era tipicamente uma frase Uchiha, então, nem se surpreendeu. Aliás, não era como se já não soubesse que Sarada faria de tudo pela família.

Esperou horas pelo pai naquele apartamento bagunçado. Quando sentiu o chackra dele, levantou-se de prontidão, os punhos cerrados e os sentimentos confusos. Não era mais raiva, não era ódio, era confusão, como sempre... um dualismo, uma mistura de amor e indignação pelas atitudes do pai. Por mais que Naruto o magoasse, não conseguia não o desculpar toda vez que ele se redimia consigo, e isso era horrível, uma montanha russa de que queria desembarcar...

— Boruto... — Naruto comentou, surpreso, ao abrir a porta.

No centro da sala, Boruto permanecia parado, o olhar fixo em si. As mãos dele estavam ao lado do corpo, fechadas firmemente, mas os pés vacilavam entre ficar no mesmo lugar ou recuar. Além disso, a boca se abria para logo voltar a se fechar, as palavras não saíam, os olhos azuis refletiam o caos interior pelo qual o filho passava, e Naruto soltou todo o ar dos pulmões, culpado.

Fechou a porta e se aproximou, hesitante, do adolescente que mais parecia uma criança desamparada. Estendeu os braços e sorriu quando não foi rejeitado (não aguentaria mais uma rejeição). Abraçou Boruto com força e demorou apenas três segundos para sentir o filho o corresponder enquanto os soluços cortavam a noite silenciosa.

— Eu te odeio, seu velho! Eu te odeio! — Boruto gritava, sem o soltar.

Naruto assentiu e sorriu melancólico, era culpa dele Boruto não saber como agir consigo. As palavras não eram verdadeiras, Boruto tinha pego a mania de dizer aquilo em situações difíceis para demonstrar sua frustração. Assim, apenas o abraçou mais forte.

— Me desculpe por isso — respondeu, e Boruto chorou mais forte. — Vai ficar tudo bem... não se preocupe, vou te explicar tudo mais tarde, tudo bem?

— Quando?

— Amanhã... tudo vai se resolver amanhã...

Boruto se afastou bruscamente e limpou o rosto no braço machucado a despeito da dor.

— Eu vou cobrar isso, velho — ditou, estendendo a mão direita fechada para o pai.

Naruto concordou e bateu a própria mão fechada contra a do filho, no típico gesto de cumplicidade que dividiam.

— Vai ficar aqui hoje, Boruto?

— Ele vai aparecer aqui? — ele perguntou, incomodado.

— Não. Certamente, não — Naruto negou ao olhar para a janela.

— Ok. Mas eu to com fome e não quero lamen!

* * *

Sasuke acordou, dolorido, e, ao abrir os olhos, percebeu Sakura próximo a si com as mãos na cintura e um olhar conformado.

— De novo, Sasuke?

Ele bocejou e, com cuidado, olhou para o lado. O criado mudo indicava que era oito da manhã, ele estava atrasado.

— Estávamos conversando, perdi a noção da hora ­— justificou-se.

Tinha passado a noite ouvindo Sarada contar das missões que havia feito e como tinha começado a namorar com Boruto e, sem que se dessem conta, haviam adormecido: ele, sentado na cama dela, com as costas contra a cabeceira e as pernas esticadas; ela, entre suas pernas, com a cabeça apoiada em seu peito e a coberta até os ombros.

Beijou-lhe a testa, vendo o leve franzir de cenho quando a moveu lentamente para deitá-la na cama e se levantar.

— Vocês dois não têm jeito. — Sakura sorriu, já arrumada para sair para o hospital infantil que dirigia. — Tem comida na geladeira. Faça seu café da manhã e deixe o dela pronto antes de sair.

— Tudo bem — ele respondeu, e Sakura acenou antes de sair do quarto.

Assim como pedido, ele deixou o café da manhã de Sarada pronto sobre a mesa antes de sair, e ela saberia que havia sido ele a preparar pela quantidade de tomates na refeição. Caminhou para sua casa sem se preocupar com os olhares desconfiados por estar saindo da casa de Sakura pela manhã.

Tomou um banho e vestiu-se. Segurou o relatório que havia feito sob o olhar atento e impaciente da filha e conferiu as informações: tudo certo.

Os passos que dava em direção à torre do Hokage eram mais lentos que o normal e se odiou por isso ao cruzar com Hinata no centro da vila. Ela o avistou primeiro, e ele só a percebeu quando ouviu seu nome sendo chamado por Himawari, que lhe acenava animadamente.

Ele ergueu, confuso, a mão e retribuiu o aceno, mas a filha de Naruto deveria ter algum problema, tal qual o pai na infância, porque ela simplesmente correu em sua direção e o abraçou.

Ele não conseguiu retribuir de prontidão. Olhou para Hinata, sem saber o que fazer, e odiou quando os curiosos de plantão pararam seus afazeres para acompanhar a cena. Colocou a mão sobre o ombro de Himawari e retribuiu, de forma estranha e desajeitada, o cumprimento.

— Como foi a missão, tio Sasuke?

“Tio”, Sasuke odiava quando a filha de Naruto se referia a ela tão intimamente, era estranho, não parecia certo. Ou parecia... e justamente por isso se sentia mal ao encarar Hinata.

— Bem, não foi difícil.

Ela sorriu, com os braços atrás do corpo. Hinata se aproximou, e Sasuke sentiu o corpo enrijecer. Não queria escândalos, apesar de achar que Hinata não fosse o tipo de pessoa que faria um.

— Olá, Sasuke-kun.

— Hinata.

— Está indo vê-lo? — ela perguntou, e Sasuke buscou algum sinal de ressentimento na postura dela.

— Relatório da missão. — Mostrou o pergaminho.

— Você e otou-san já se ajeitaram? — Himawari indagou, ansiosa.

— Himawari! — Hinata a censurou. — Desculpe por isso, Sasuke, ela puxou a indiscrição de Naruto. — Ela riu, inconformada com a atitude da filha.

Sasuke assentiu, surpreso, e limpou a garganta antes de voltar a falar:

— Sobre o que Sarada fez a Boruto...

— Não — Hinata o cortou. — Deixe que eles resolvam seus problemas, Sasuke-kun, não se desculpe pelo que não fez.

— Eu não ia. — Ele tombou a cabeça para o lado e colocou a mão no bolso da calça. — Eu só iria dizer que ela está magoada com ele e, se eles forem tão... complicados como eu ou Naruto, não vão se desculpar um com o outro tão cedo...

— Tem razão, falarei com ele. — Ela sorriu, compreensiva. — Ele realmente gosta dela, Sasuke-kun.

— Ele fica todo bobo com ela. — Himawari riu.

— Himawari! — Hinata a censurou de novo, levando a mão aos olhos.

— Que é? É verdade, okaa-san.

Sasuke balançou a cabeça em descrença.

— Bem, eu preciso ir agora.

— Sasuke-kun, eu não te odeio. Sabe disso, não sabe? — Hinata perguntou, e Sasuke reconheceu o típico gesto da Hyuga quando ela entrelaçou as mãos à frente do corpo e o olhou preocupada.

— É isso o que deixa tudo mais difícil, Hinata.

Ela suspirou e se aproximou dele, abraçando-o embora a vergonha a tenha feito corar pelo gesto inusitado.

— Eu não te odeio, Sasuke-kun, mas vou se não o fizer feliz ou se o afastar dos meus filhos.

— Nunca o afastaria deles — Sasuke sussurrou para que Himawari não o ouvisse.

Hinata se afastou para olhá-lo diretamente.

— E o fará feliz?

— Preciso entregar o relatório. — Ele se afastou e acenou para Himawari antes de partir.

Quando longe, diante do prédio do Hokage, estalou a língua no céu da boca. Como sempre, todos estavam ao lado de Naruto... Era tão errado assim querer ficar longe para proteger o outro?

March 3, 2018, 2:59 p.m. 0 Report Embed Follow story
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