E foi virando a esquina do ponto de ônibus que pode avistar a tão conhecida casa das flores espremida entre as residências de três andares, tão simples como sempre fora. Sua cor era a mais bonita entre todas as outras porque era de simplicidade e aconchego, a cor das lajotas amostra nos buracos do reboco com trepadeiras e flores lhe dando delicadeza.
“Uma família que não possuía nada além de roseiras e mato, uma mãe solteiro com um filho mariquinhas lunático” era o que diziam as velhas da vizinhança; A casa recebia um apelido doce com intenções amargas.
Abriu o portão de madeira velha e se agachou entre as plantas as cheirando, quantas vezes não fizera isso na infância? Lembrava das tardes que passara cavando a terra, a época em que conversava com as florzinhas e se imaginava tão pequeno quanto Alice, para que pudesse se aventurar na floresta que era seu jardim perante os olhos infantes.
A pequena sala-cozinha ainda era habitada por poucos móveis, no canto ao lado da TV de 14 polegadas, estava o sofá ganhado de segunda mão e com um grande retalho do dia em que inventou de pular no estofado, o medo de apanhar fora tanto que chorou em antecipação.
Ao olhar para o pequeno corredor com apenas 4 portas um arrepio lhe subiu a espinha, passou direto para a do seu antigo quarto que agora mais parecia ter o tamanho de um banheiro - talvez por isso fosse ao lado de um? -, é tão estranho pensar que passou tantas noites ali, deitado no colchão torto pelo tempo enquanto observava o céu escuro. Não tinha muito o que ver e a única porta de frente para a sua era a que mais temia abrir, foi então para a do fim do corredor que transmitia tanta luz pelas frestas.
Era o seu tão amado quintal, com mais plantas por todas as laterais e fios do varal cortavam o céu, no cantinho perto do muro estava seu balanço no galho do pé de manga, permitiu então se sentar, observando a casa por um novo ângulo.
Se recordou do banhos de mangueira no verão, de subir na árvore e no fim ganhar seu primeiro gesso no braço...Ah, mas nada supera as memórias de dançar por todo o quintal, era como se a dança o envolvesse o corpo e a gravidade não funcionava mais o fazendo flutuar entre os rodopios com todo o êxtase do Ballet.
Taehyung queria chorar, o peso da culpa e dor lhe inclinaram os ombros, pôs-se de pé deixando que a orquestra de sua peça ressoasse em sua mente já abalada, logo dançava suas lembranças que lhe atingiam a boca de modo agridoce, em meio ao silêncio podia ouvir os risos de sua mãe ao encontrar o menino bailando entre as roupas molhadas e quase caindo ao se embrenhar em um lençol. O toque que um dia fora tão carinhoso agora parecia uma navalha invisível.
Sentia como se o relógio regredia a hora, os anos...Não era mais um estudante de dança prestes a se formar, novamente era o garotinho que se apresentava para sua única família e no final do grande espetáculo no quintal recebia como prêmio um pedaço de bolo de chocolate, mas o gosto se tornou tão amargo quanto as velhas da vizinhança.
Sua mente ia e vinha numa confusão irreal, seu corpo não mais flutuava entre os movimentos habilidosos enquanto via os olhos preocupados de sua mãe quando resolvera estudar fora, e a garganta parecia fechar com o bolo ao recordar das ligações que frequentemente fazia se tornarem escassas e as visitas inexistentes.
Quando foi que passou a errar tanto? Em que momento o carinho da mãe foi esquecido no meio da agitação da cidade? A ficha então caiu.
E como o turbilhão de memórias, sua dança chegou ao clímax onde perdera tudo, seu porto seguro, sua confidente, sua mãe tão querida se esvaiu aos poucos como a fumaça do seu café e ele distraído não percebeu a água ferver, quando viu já não tinha líquido, apenas lhe restou o pó amargo sobre o coador velho.
A dança não podia mais ser executada, a gravidade parecia ter voltado a funcionar e os movimentos se tornam pesados demais, seus joelho doíam sendo amassados entres as pedrinhas na terra, de seu rosto pingava lágrimas e sentia quase se sufocar entre os soluços, porém não havia dor maior que a culpa e saudade.
Como em um drama ruim não eram mais uma família de dois, agora estava sozinho e perdeu o colo de sua mãe que era seu verdadeiro lar, restando apenas os arrependimentos em seu coração.
Com a dança mostrou histórias que não queria contar e interpretou a peça que nunca quis participar.
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