PRÓLOGO
Reino Enésior
Outono, 1 de Setembro
Palácio Principal
Nos aposentos da rainha, uma bagunça acontecia. Haviam bacias de prata contendo água morna em cima das cômodas amadeiradas, toalhas molhadas, tesoura, lençóis e muito, muito sangue.
As damas da corte corriam de um lado para o outro, saindo e entrando do local a fim de buscar algo, seguindo o comando da anciã medicinal. As contrações do parto estavam extremamente fortes, não durando nem mesmo dois segundos intercalados. Gritos de dor e o cheiro doce que a ômega emanava eram agonizantes para muitas das outras ali presentes.
A rainha estava visivelmente cansada, era um passo complicado, afinal, além de ser o primeiro filhote. Uma beta estava ao seu lado e enxugava o suor do rosto rubro constantemente com um lenço de seda.
Sobre a base superior da cama, havia duas espécies de cordas feitas de lençóis, e a ponta dos tecidos fora amarrada na parte um pouco mais acima do próprio, formando uma espécie de círculo em cada ponta, onde a esposa do rei colocou as mãos e puxava para baixo, o que ajudava-a a fazer força. O pedaço de tecido branco que estava entre seus dentes, já umedecido pela saliva, caiu sobre seu colo quando o oxigênio se tornou absurdamente escasso e foi preciso puxá-lo pela boca — o que durou apenas um segundo, pois logo em seguida, a anciã disse-lhe para fazer força novamente; o bebê estava coroando.
Por trás das grandes portas de madeira firme que davam passagem para o aposento real, estava o governante majoritário de Enésior: o rei.
Sentia um misto de sensações que lhe deixaram atordoado; nervoso, felicidade, medo, impaciência e amor. Isso sem contar daquelas que provinham de sua parceira. Amava sua rainha, sua ômega; e isso era perceptível até mesmo pelas mudas paredes que cercavam todo o palácio luxuoso em que viviam. Amava seu filhote, mesmo que ainda sequer houvesse visto sua face ou ouvido sua voz; era um sentimento estranho ainda, para si. Como podia amar alguém que sequer conhecia?
Mas não importava; nada disso lhe importava. Queria apenas que tudo desse certo e pudesse ter seus amados em seus braços; seu lobo uivava por isso.
O eunuco chefe sorria discretamente ao observar sua majestade; era algo muito bonito de se ver. Havia praticamente criado-o desde que este nascera, mas era incrível notar como — mesmo depois de rei, esposo e, agora, pai — ele parecia o mesmo adolescente que enganava os guardas reais para escapar do palácio.
Claro que havia amadurecido; se tornado mais forte, mais poderoso. Era um rei, afinal. O sol na terra. Mas, era perceptível que possuía o mesmo coração de menino, ainda que houvesse passado por muito.
Para Park Cheol, o atual rei e pai do garotinho que estava prestes a nascer, subir ao trono fora um trabalho árduo, ainda que fosse o primogênito do falecido governante do reuno. Era filho da concubina de nível um de seu pai, além de que não possuía notam.
Pessoas non-notam eram comuns; extremamente comuns, na verdade. Eram poucos os que pertenciam aos clãs de manipulação — Prae Dolore, Imperius, Videre e Sentire — pois a varredura já havia ocorrido sobre a Terra há quase mil anos atrás, retirando dos desmerecedores o poder de pertencer à algum clã, e como tal, atualmente, se passava de maneira hereditária, restava apenas uma minoria que dominava os poderes.
Todavia, Cheol era o primeiro em quatro gerações de reis que não possuía a marca de manipulação, nem a sentire — pertencente aos seus antepassados — nem nenhuma outra, pois o gene de sua mãe non-notam era sobressalente.
Tal fato causou uma bagunça no conselho. Oras, como iriam entregar o reino para um mero alfa sem poderes governá-lo? questionavam os ministros, e as petições para depostá-lo pioraram drasticamente após a rainha dar a luz ao segundo filho do rei; um sentirinum puro.
Contudo, seu pai, o falecido rei de Enésior foi firme e forte, pois queria o primogênito no comando, o filho da mulher que amava. Portanto, Cheol foi treinado rigorosamente desde jovem, ganhando um erudito particular aos sete anos de idade. Mas nunca ligou para isso, odiava a idéia de governar um país e preferia mil vezes deixar a coroa para o seu irmão, Haneul.
Os dois se davam bem, na concepção do mais velho, e este estava disposto a renunciar e dar-lhe o selo real. Entretanto, após o assassinato brutal de sua progenitora — cujo qual sabia ter vindo por ordem da rainha — decidiu que faria a vontade de seu pai, subiria ao trono e obteria poder para proteger os que amava.
Não foi fácil conseguir isso, precisou convencer o ministro-chefe da esquerda de que não seria um empecilho em seus planos de tomar o poder dos Park's. Fez-lo acreditar que era um covarde fraco e que obedeceria-o sem contestar caso chegasse a se tornar rei.
Para o ancião ambicioso, fazê-lo assumir o poder majoritário — apenas pelo título — era a forma mais rápida de governar o reino e, portanto, tornou-se à favor da ascensão do príncipe herdeiro à rei.
Com o apoio dos norons, os sorons — os partidos políticos da época — que eram a minoria, não tiveram muito a fazer sobre. E a população foi convencida após a ascenção de Cheol ao trono, anos atrás.
Com a coroa em sua cabeça e o selo real em mãos, não haviam mais motivos para esconder a sua determinação. E aqueles que tentavam se opor a sua forma justa de governo, acabaram tendo suas cabeças rolando em praça pública, após o próprio desvendar provas de suas falcatruas. Cheol não permitiria que alguém de má fé o impedisse quando, por exemplo, diminuiu o salário enorme dos ministros e distribuiu mantimentos para a população. Ou quando decidiu vistoriar as ações de seus militares para com o povo; diminuindo assim, os maus tratos absurdos que os cidadãos sofriam. Estava próximo de criar uma sociedade melhor, e o caminho para isso havia sido formado.
Contudo, a próxima era foi a mais difícil, Apaixonou-se por uma camponesa ômega, dolorium — o clã rejeitado e condenado pela sociedade — e o caminho para torná-la sua rainha fora ácido, mas ainda assim, manteve-se persistente. E tudo havia valido a pena, pois, naquele exato momento, sua amada esposa estava dando a luz ao seu primeiro filhote.
A atenção de todos foi voltada para as duas grandes portas quando um choro estridente de bebê fora ouvido, logo, a parteira anciã atravessou-a, curvando-se em respeito ao seu rei.
— Como ela está? Onde está o meu filho? — Perguntou-a, impaciente.
— O príncipe veio ao mundo saudável. Neste momento está sendo cuidado por uma de minhas ajudantes. Entretanto, assim como a tradição ordena, vossa majestade somente poderá vê-lo quando estiver limpo e bem trajado.
— E a minha rainha? Como encontra-se?
— A imperatriz real está desacordada no momento. Fora um parto extremamente complicado e houve muita perda de sangue. Devido a exaustão, temo que permaneça inconsciente durante algumas horas, mas logo estará ativa novamente.
Ouvindo as palavras da mais velha, o soberano prontificou-se para ultrapassá-la e adentrar ao aposento, visitar sua esposa e certificar-se de que ela estava bem. Seu lobo implorava para sentir o cheiro de sua companheira, e assim, poder se acalmar. Contudo, fora impedido quando a parteira colocou-se à sua frente.
Encarou-a com indagação, irritado.
— A rainha está vulnerável e necessita de descanso para poder recuperar-se, vossa majestade. — ela disse, ainda sem olhá-lo nos olhos, e curvou-se ainda mais — Perdoe a minha blasfêmia, mas suplico-lhe que a deixe só por algum tempo.
O rei sentiu seu lobo rosnar e estava prestes a repreendê-la por tentar impedi-lo de ver sua mulher, contudo, recebeu um olhar significativo e caloroso se seu eunuco, acabando por decidir que controlaria sua vontade de vê-la por algum momento e a deixaria ter seu descanso merecido.
Pigarreou, levando suas mãos para as costas e virou-se, após olhar uma última vez para a porta.
— Vamos. — Ordenou para seus servos, que logo o seguiram de volta aos aposentos do rei.
Sim, controlaria a impaciência por hora, e logo poderia ter seus dois amados ao seu lado.
Ou, era o que pensava.
• • •
Na varanda de sua casa, ele acendeu o charuto que tinha em mãos e passou a tragá-lo lentamente, liberando a fumaça acinzentada por entre seus lábios e vendo-a tornar-se nada no ar.
Arqueou a sobrancelha, atento, ao ouvir passos vindo por trás de si. Não deu-se ao trabalho de mover-se, apenas esperou que a pessoa se aproximasse. Notou quando o recém chegado curvou-se para si e logo após, fitou-o de baixo.
— Desculpe a demora, senhor. Meus homens avisaram-me à poucos minutos do recém acontecimento no palácio real. — Ele explicou-lhe.
O homem deu mais uma tragada em sua nicotina e deixou que os resquícios dela caíssem sobre o cinzeiro de prata que descansava sobre uma pequena mesa do local, antes de acenar com a cabeça, indicando que seu subordinado deveria continuar a falar.
— A rainha deu à luz nesta madrugada. — O rapaz continuou, apertando os lábios um no outro — É um menino, alfa.
O mais velho cerrou o maxilar, apertando suas mãos na barra de suporte de sua varanda. Fechou os olhos, respirando fundo, pouco antes de voltar a abri-los e dizer, sem sequer fitá-lo:
— Já sabe o que fazer.
E não precisou de mais nada para que o garoto se reverenciasse uma vez mais e se retirasse do lugar, deixando-o para trás com um olhar firme e decidido no palácio — cujo qual podia ser visto de onde estava.
Independente do que houvesse, não mudaria sua ordem para determinar o fim daquele novo empecilho que havia surgido em seus planos, todavia, o mundo não é nem um pouco justo e, futuramente, seria o pequeno ômega inocente que dormia no quarto ao lado, quem pagaria graves consequências pelos seus atos.
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