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think I like you best when you're just with me

Atsushi só percebeu o quanto gostava de Akutagawa quando ele foi embora. É que ele nunca entendeu muito de romance, aí demorou um pouco pra cair a ficha.

Os dois andavam se vendo bastante ultimamente; não era raro que se encontrassem por acaso, porque mesmo que Yokohama fosse grande, os problemas da ADA e da Máfia sempre acabavam os juntando de alguma forma. Primeiro brigavam, depois se ameaçavam, se xingavam e então conversavam. Não fazia muito tempo desde que começaram a dedicar mais disposição à última atividade.

Só que Atsushi não percebeu – não percebeu que suas conversas com Akutagawa já não eram indiferentes, e que quando se olhavam, não havia mais desprezo e ódio. Não percebeu que, sempre que o via por acaso, seu coração batia tão forte que chegava a doer. Não percebeu que queria tocá-lo, só um pouco, porque Akutagawa era do tipo que ficava com a pele marcada facilmente, então sempre que um hematoma novo aparecia nele, Atsushi queria tocar como se, se o acariciasse um pouco, a dor acabasse desistindo de o atormentar e fosse embora...

Ele não percebeu.

Percebeu apenas quando se beijaram.

Foi quando já estava mais para noite do que para tarde, num domingo. A previsão do tempo marcava o apocalipse, ou uma chuva torrencial, se preferirem, e quando Atsushi estava se preparando para dormir, ouviu uns barulhos estranhos. Já tinha começado a chover, então podia muito bem ser água, granizos ou meteoros caindo; mas não parecia ser o caso. Abriu a porta de curioso e lá estava Akutagawa, descendo pelas escadas de ferro no meio da chuva com toda pressa do mundo.

Se perguntassem a Atsushi, de certo ele não saberia responder o porquê de fazer o que fez – por que pulou um andar até o chão e segurou Akutagawa pelo braço? O motivo não importava muito; só agiu por instinto. Ele perguntaria o que havia acontecido, mas Akutagawa não queria o olhar: estava com a cabeça baixa, e os cabelos escuros que despencavam sobre o rosto dele não davam brecha.

― Me solta. ― Atsushi não soltou, porque sentiu que se soltasse, talvez, só talvez, Akutagawa desaparecesse. Era um sentimento estranho e ele não gostava. Não gostava também do silêncio. Do jeito que a chuva chiava quando batia nas telhas e na grama, parecia até que havia uma interferência entre os dois, e Atsushi não precisou pensar muito para interrompe-la:

― Vamos entrar. ― A voz dele foi quase abafada pela chuva, e ao fechar a boca só sobrou o gosto de vento. Não foi preciso argumentar que a tempestade estava começando a ficar forte e que seria loucura voltar a pé até a Máfia para que Akutagawa assentisse. Foi até meio surpreendente como duas palavras bastaram para o convencer, mas quando ele levantou a cabeça e os dois puderam se olhar, Atsushi entendeu. Mais preciso dizer que ele sentiu, porque não dava pra pensar direito, muito menos entender algo, quando Akutagawa o olhava. Ele só conseguia sentir.

Os cabelos dele estavam encharcados, mas isso não mudava muito a aparência do mafioso – no máximo, tranquilizava alguns fiozinhos escuros que às vezes se espevitavam e que até o atribuíam um charme. Atsushi sentiu um pouco de falta deles; mas no momento tinha preocupações maiores. Se fosse há alguns meses, Atsushi de certo concluiria que Akutagawa estava fazendo a cara feia de sempre, sabe, aquela de quando ele está aborrecido, e por estar sempre aborrecido, está sempre fazendo; mas não era o caso. Akutagawa tinha muitas variáveis de cara feia, apenas demorou para que o outro rapaz aprendesse a diferenciá-las; e agora, com ele o olhando tão de pertinho, era impossível que as confundisse.

A culpa do que quer que tivesse acontecido era de Dazai. Atsushi sabia que Akutagawa só fazia aquela cara (os lábios apertados um no outro, as sobrancelhas juntinhas, quase se tocando) por causa do suicida. Tinha algo nos olhos dele também, tipo um brilho; algo que só surgia por causa de Dazai.

E Akutagawa estava chorando. Quer dizer, provavelmente. Não dava pra ver direito, porque a chuva escorria junto com qualquer possível lágrima, mas mesmo que ele mantivesse a postura firme de sempre, Atsushi tinha a impressão de que ele estava chorando. Ele não disse nada, até porque não tinha nada para ser dito, e soltou o braço de Akutagawa, só para segura-lo pela mão. Estava gelada, e Atsushi gostou da sensação, da pele com pele. Os dois subiram as escadas juntos até o quarto dele de mãos dadas sem pronunciarem uma palavra.

Talvez Akutagawa estivesse cansado de se sentir sozinho, sabe, para segui-lo sem protestar. Ou ainda, talvez Dazai tivesse lhe dito algo tão assombroso, que no fim se fosse para máfia, para o quarto de seu rival ou para o inferno, não faria diferença... não se sabe. Se sabe que Atsushi se importava, por isso deixou ele ficar até que a chuva acalmasse os ânimos e lhe deu uma toalha, junto de uma muda de roupas secas. Ofereceria um banho também, mas ele sabia como Akutagawa sentia-se vulnerável sem poder usar Rashoumon, então se contentou em oferecer-lhe chá.

Aí os dois se mantiveram em silêncio, sentados um do lado do outro; Akutagawa com o olhar vago, fixo na chuva que batia na janela, enquanto segurava o copo de chá com as duas mãos sobre seu colo. Assim esquentava melhor. Atsushi também olhava para a janela, mas só se fingia absorto mesmo, porque sua atenção estava em outro lugar. Toda vez que beliscava seu chá, olhava para Akutagawa sobre o copo; assim não ficava tão na cara que ele estava olhando, ou pelo menos era o que acreditava. Sua camisa ficava um pouco grande nele, e Atsushi achou que branco lhe caía bem, apesar de preferir vê-lo de preto.

― Akutagawa... ― Ele não pensou muito no que diria, aí bastou que sentisse os olhos do mafioso sobre si para que as palavras fugissem, e mais uma vez restasse apenas o som da chuva batendo na janela.

― Melhor não falar nada. ― Atsushi entendeu o recado, mas não recuou – não poderia, porque desde que o viu chorando na chuva, desde que segurou a mão dele, aquela vontade de o tocar que vinha aparecendo recentemente só aumentara.

Então eles se beijaram. Atsushi beijou Akutagawa, para ser mais preciso, e foi nesse momento que ele percebeu. Certo, mas o que diabos ele percebeu? Não sei. Atsushi também não sabe, mas era claro que algo estava diferente. Quando seus lábios se encostaram mudou alguma coisa, e foi recíproco.

Bem, de início Akutagawa tentou o empurrar. Mesmo que fosse só um selinho, não se entusiasmava com os rumos que aquilo poderia tomar; só que, em algum momento isso mudou também. Talvez fosse porque os lábios de Atsushi ainda estivessem quentinhos por causa do chá que Akutagawa sentiu seu peito esquentar um pouco. Era bom; não estava acostumado com um beijo tão macio, e quando se separaram, só sobrou o gosto meio amargo do chá na sua boca.

Então se beijaram de novo, não antes de se olharem um pouco, claro. Atsushi parecia um tomatinho, mas logo se acalmou quando Akutagawa, ao invés de cortar seu pescoço com Rashoumon, o tocou. Atsushi mais uma vez gostou da sensação. Agora a mão dele estava quente, então chegou à conclusão de que a temperatura não importava tanto, afinal – o que importava era que fosse Akutagawa.

Aí veio o beijo – veio língua, veio saliva e saiu vergonha. Veio instinto, porque para Atsushi era apenas natural querer beijar e tocar; era o que seu corpo queria, então quis; deixou para pensar depois, porque tudo que precisava naquele momento era a boca de Akutagawa na sua e corpo dele sobre o seu. Parecia até que ele queria imitar a chuva do jeito que se derramava sobre Atsushi. Era a gravidade, poderia argumentar, ou uma força tão poderosa quanto, sei lá; acontece que acabaram um por cima do outro no tatami meio desfiado do quarto antes que se dessem conta, mas não deram muita bola, porque o mais importante era que não se separassem.

E naquela noite não se separaram. Dormiram à luz de velas no futon minúsculo de Atsushi e nem passou pela cabeça dos dois reclamar do tamanho. A intenção não era que fosse romântico ou algo do tipo, a energia só caiu, mas as velas até que contribuíam bem para o clima. Foi uma boa escolha as ascender, porque ao menos assim, Atsushi pode lembrar-se perfeitamente do rosto de Akutagawa – de como a luz alaranjada parecia dançar sobre a pele dele cada vez que a chama se movimentava um pouco, de certo porque havia algum cantinho misterioso por onde o vento entrava e fazia com que o fogo e os dois se arrepiassem. Ele nunca vai esquecer, porque naquele momento teve certeza de que Akutagawa também gostava dele. Estava na cara – estava nos dedos despreocupados dele, que afastaram o cabelo de Atsushi para trás da orelha; estava no jeito como ele encostou o rosto sobre o peito do garoto tigre, e segurou o choro até dormir. Dava pra ouvir só o coração de Atsushi perto de seu ouvido e estava bom assim, porque as batidas dele abafavam o som dos trovões.

Foi só isso mesmo.

De manhã ele foi embora. Atsushi disse para ele não ir, mas ele foi igual. Só sobraram uns restinhos de cera, das velas que queimaram a noite toda, e as roupas que Akutagawa vestiu enquanto estava com ele.

Depois, Akutagawa não pareceu mais sozinho, sabe, daquele jeito de quanto estava parado sob a chuva, segurando a mão de Atsushi. Nas vezes que o homem tigre o viu indo para o quarto de Dazai, ele parecia estar até radiando. Ficou contente por vê-lo assim, mas achava que Akutagawa ficava muito melhor consigo; que, de certo, ele ficava mais bonito quando estava nos seus braços até de manhã.

Atsushi queria que ele voltasse, só que ele não voltou.

Atsushi o esperou. Toda noite, ele deixava uma vela acesa como se uma vela bastasse para que, feito uma mariposa, Akutagawa fosse aparecer de novo. Talvez não aparecesse nunca mais, mas Atsushi não podia fazer muito além de esperar.

Se ao menos tivesse percebido como se sentia antes que Akutagawa fosse embora, talvez ele tivesse ficado.

March 1, 2018, 2:15 p.m. 1 Report Embed Follow story
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The End

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96hime uma fujoshi sem salvação que propaga sofrimento através de personagens 2D

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Sarinha Alves Sarinha Alves
eu to chingando o atsushi por nao ter percebido..
September 09, 2019, 00:39
~