librioon Daiisy Santos

[...]. Eu passei a ter inveja e a desejar ser um por cento como elas, mas tinha noção que também era apenas mais uma cópia, claro, uma cópia do outro lado do mundo, aquele, do lado escuro que ninguém ligava ou se preocupava em pensar, aquele lado que todos sabiam que existia e que todos já haviam visitado, mas haviam escolhido esquecer...


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#Tristeza #sad
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São Paulo, 21 de janeiro de 2018.


Morte,


Eu não sabia o que estava acontecendo comigo. Não queria comer, ler, assistir ou escrever. Ver pessoas me trazia um nervosismo e eu só queria me esconder com medo delas. Eu não suportava suas palavras hipócritas que eram tão parecidas com as minhas, não suportava seus rostos ou a forma como me olhavam.

Eu passei a me sentir inferiorizada. Olhava todas as pessoas que me cercavam e elas eram tão brilhantes, tinham personalidade, inteligência, experiência, sorrisos doces, eram simpáticas, sociáveis, tão únicas e ao mesmo tempo apenas cópias da nossa sociedade. Eu passei a ter inveja e a desejar ser um por cento como elas, mas tinha noção que também era apenas mais uma cópia, claro, uma cópia do outro lado do mundo, aquele, do lado escuro que ninguém ligava ou se preocupava em pensar, aquele lado que todos sabiam que existia e que todos já haviam visitado, mas haviam escolhido esquecer...

“Por que ninguém me olha da forma como olham para os meus amigos?” Me questionei um dia e percebi que, talvez, eu não devesse estar ali, então eu fiquei confusa, porque um dia – EU ME LEMBRO! – eu disse que onde eles estivessem seria meu lar e eles me abraçavam enquanto sorriam e concordavam comigo. Então... eu não tinha um lar? Porque eu já não me sentia parte daquele mundo ou sentia que algum laço existia entre mim e as pessoas que diziam me amar, eu não acreditava mais naquele amor que elas insistiam em pregar mesmo já estando tão feridas por causa dele. 

Não aguentava ficar em casa, os demônios não paravam de me atormentar. Eles gritavam o discurso que eu havia escrito no ano anterior e eu não queria dormir com angústia mais uma noite, ela me acariciava e até chegou a me aliciar, porém não gostava muito, ela não deixava eu me expressar tão bem quanto o suicídio e a tristeza. Esses dois sim, eles faziam eu chegar no ponto onde eu queria, eu gemia e gritava, no final da noite eu havia gozado e elas tinham ido embora com uma promessa muda de que voltaria e que da próxima vez atingiríamos o nosso objetivo. Quando amanhecia, esperança me visitava e fingia não notar a bagunça em minha cama ou em meu quarto, então eu apenas sorria e a beijava. Logo ela me ajudava a arrumar a bagunça de meu apê. Alguns meses se passaram e eu me enjoava mais dela, ela não era tão proveitosa, então precisava de mais uma dose de luxúria, e como se soubessem, toda noite, suicídio e tristeza me visitavam e me faziam chegar ao meu limite, – pareciam tão sádicas quanto os boatos que corriam por aí com o nome de uma tal de morte –, mas eu era masoquista e adorava tudo aquilo.

Um dia resolvi me levantar da cama e sair pelas ruas, comprei um salgadinho e sentei no meio fio, até que uma presença me fez companhia.

— Prazer, depressão.

— Prazer, humana maldita. — Sorri lhe estendendo a mão, que logo foi recebida com um beijo.

— Gostaria de lhe fazer uma visita, já venho lhe observando há um bom tempo e queria saber se... — A interrompi e beijei seus lábios.

— É claro. — Seguimos de mãos dadas até meu apartamento. Depois disso ela passou a me visitar todas as noites, dizia que não gostava muito da luz, mas poderia abrir algumas exceções para mim, só para mim. Mas teve um dia que ela não apareceu e eu vi o sol brilhar forte pela janela. Suicídio e Tristeza não me visitavam há mais de uma semana e eu estava estranhando, pois eu achava que não viveria um dia sem elas, mas estava segurando bem as pontas.

Me sentei no sofá e olhei a vista pela enorme janela da sala. O dia está bonito, pensei.

A campainha tocou e eu fui atender, talvez fosse depressão, suspeitei.

— Humana maldita! — Saldaram-me Felicidade e Esperança, a última um pouco mais acanhada, mas não menos brilhante.

— Felicidade, Esperança! Que saudades! — Eu não via felicidade desde meus doze anos, quando mamãe e meu irmão haviam partido.

— Como você está? Estou com tantas saudades. — Se sentaram no sofá e me agraciaram com suas presenças a tarde toda, até que começou a escurecer e elas tiveram que ir, Felicidade tinha um compromisso e não poderia faltar, pediu que eu não deixasse de ligar para ela e partiu junto com Esperança com uma promessa muda de que voltaria logo. Logo após a saída delas, Autoestima tocou minha campainha e me levou a frente de meu espelho que ficava em meu quarto e eu me lembrei como havia ido parar ali.

— Aqueles seus amigos ainda falam com você? — Perguntou e eu encolhi os ombros.

— Eu me afastei, aquele não era meu lugar. - Murmurei.

— É claro que não era seu lugar, sua imunda. Onde já se viu uma perdedora como você andar com eles? — Gargalhou e respirou com dificuldade. — Eles são tão inteligentes, se eu me recordo seu QI é 88, não? — Acenei com a cabeça. — Aquele seu amigo tinha um de 138.

— É tão legal, eu queria ser que nem ele.

— Deveria querer mesmo. 

— Lembra daquela minha amiga que todos olhavam para ela? — Perguntei. Ela conhecia todos que já haviam passado por minha vida, era uma companheira fiel.

— Mas é claro! Aquela que você tinha que se arrumar o dobro toda vez que andava com ela, não tem como esquecer. Lembra daquele garoto que você gostava que veio lhe pedir conselhos para ficar com ela?

— Me lembro sim! — Disse empolgada. — Foi tão engraçado.

— E daquele seu amigo que era engraçado e que adorava soltar piadinhas por causa das suas pernas e peso?

— Ah, eu me lembro! Não tinha como discordar né. — Ri.

— Você é tudo isso, meu amor, e muito mais, sabe disso. Lembra daqueles comentários na segunda série? Aqueles você nunca pode esquecer. Crianças não mentem.

— Não mesmo! E aquela professora da quarta série que me batia na frente da sala, porque eu não conseguia terminar aquela operação de matemática?

— Essa foi uma das minhas favoritas. — Ria.

— Mas teve aquele outro garoto que eu gostava, mas ele tinha o costume de passar terra na minha boca ou me empurrar.

— Você tem aquela marca que ele deixou? — Perguntou se remexendo nos lençóis.

— Claro. — Levantei a camisa e mostrei o corte em minhas costas.

— Ótimo.

— Lembra dos seus coleguinhas da oitava série?

— Aquele foi um dos seus melhores anos, “saco de merda”.

— Foi mesmo. — Concordei me sentando na cama. — Você soa igualzinha como eles! — Falei. Autoestima era a melhor fazendo imitações.

— Mas o ensino médio também foi bom, não um dos melhores, mas está lá.

— Sim. Os meninos do fundo que me chamavam de nojenta. Se me lembro bem, eles até fizeram um ranking das garotas mais feias da escola, fiquei em terceiro lugar.

— Era para ter ficado em primeiro. — Lamentou.

— Concordo.

— Bons tempos. — Rimos e ficamos deitadas olhando para o teto, até eu lembrar de mais coisas e voltar a falar.

— Lembra daquele menino que veio dar em cima de mim? Ele até me tocou, falou que seria um privilégio e foi!

— Você vai se sentir um saco de merda para sempre né, humana maldita? — Concordei com um aceno de cabeça.

— Teve aquele professor, aquele de português que leu seu texto e te humilhou na frente da sala toda.

— Desse eu nunca vou me esquecer. Não consigo escrever nada sem me lembrar das suas palavras, mas eu nem sou doida em discordar dele. Ele, um professor, e eu, uma aluna! Ele estava certo quando disse que eu continuaria sendo um fracasso em qualquer coisa que eu fizesse.

— Ele não chegou a falar isso. — Resmungou.

— Meia palavra basta.

— Verdade. — Riu. Me levantei. — Quer comer alguma coisa?

— Eu quero, você não. Está gorda, aquela roupa não vai entrar em você, sem contar que você já tem o rosto grande. Não quer que mais pessoas continuem te olhando, né? Até porque já tem muita gente olhando, saco de merda. Não vai querer mais atenção, hum?

— Vou me esforçar. — Falei com um sorriso no rosto.

Passamos a relembrar todo o meu passado, eu mergulhei no baú e fui me deixando levar. Quando era por volta das três da manhã, Autoestima foi embora e falou que uma surpresa me aguardava na cama. Fechei a porta com pressa e corri de volta ao meu quarto.

— Desespero? — Perguntei me certificando. Nós não nos víamos a algum tempo, mas eu ainda conhecia sua silhueta, e que silhueta. Ele estava pelado e parecia excitado.

— Humana Maldita, venha. Sinto saudades suas. — E eu voltei e me deitar com ele. Foi meu melhor orgasmo em meses.

Felicidade e Esperança nunca mais apareceram, em compensação, você apareceu e bateu em minha porta.

— Olá, posso ajudar? — Perguntei segurando a porta. Você me era familiar, mas ainda desconhecida, então tive medo e continuei atrás da porta.

— Eu vim lhe ajudar. Morte, muito prazer.

March 1, 2018, 12:38 a.m. 0 Report Embed Follow story
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The End

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Daiisy Santos Eu não tento mudar o mundo com qualquer coisa que eu diga ou escreva, eu apenas quero poder coloca-las pra fora e saber que alguém se sente feliz e lê-las ou ouvi-las.

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