emvicente E. M. Vicente

No ano de 2009, misteriosa onda de sequestros volta a assombrar a cidade de Gólgota, levando ao desaparecimento corriqueiro de homens, mulheres, crianças e de animais. Com fervor de achar pistas sobre a sua família, vítima dos sumiços, a Jovem impetuosa Ludmila Franco irá enveredar em uma busca, talvez sem volta, por assuntos sombrios e segredos envolvendo casos nebulosos do passado de sua cidade. Entre investigações e tramas envolvendo autoridades, ela poderá descobrir algo muito além do que a mente humana é capaz de suportar.


Short Story For over 18 only.

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O buraco no campo



Quando acordei naquela manhã de domingo de outono, há um mês, jamais imaginaria que nos dias seguintes, minha mente mergulharia numa espiral de tormenta quase infindável. Já tinha em mente qual seria a programação que faria mais tardar e estava de certo modo bem animada. Tinha algumas coisas novas para publicar nesse meu blog de fotografias e cotidiano, e iria testar o ‘’zoom incrível’’ da propaganda de minha nova câmera em paisagens e pássaros daqui... Mesmo receosa em sair. Porém, antes, preciso contextualizar. Talvez alguns de vocês bezerros não conheçam bem essa história ou toda ela. Minha família e eu costumávamos passear juntos e fazer visitas a uma colega de meus pais um pouco longe de nossa casa. Isso desde a minha infância. Pelo que lembro, gostava bastante. Minha família sempre foi muito ativa. Sempre saíamos para algum lugar mais tranquilo para relaxar. Meu pai tinha um radinho de pilha em mãos que sempre levava para escutar suas fitas com músicas da época de minha bisavó, e minha mãe gostava de levar um baralho velho para caso fizéssemos alguma parada. Tenho vagas lembranças. E, às vezes, íamos a casa dessa colega da família. Dona Lúcia.


Quando à noite, era o máximo para mim. A estrada de chão, o cheiro da terra, os vagalumes cintilando nas trevas, como se deixassem a existência por segundos e logo voltassem ao nosso plano. Certa vez, com sete anos, acho, eu saltitava pelo caminho a alguns passos à frente de meus pais, o facho da lanterna bailava em minhas mãos. Olhava distraída para os vagalumes acima de mim, sem parar de saltitar, quando ouvi minha mãe me chamar: ‘’Lu. LU!’’. Mal me virei e senti a mão dela em meu braço. Ela me puxou para o outro lado da estrada de chão. Foi quando eu me toquei que estava muito perto do terreno à esquerda. Uma região de pasto, com mato um pouco grande, algumas árvores; capim verde e seco, na altura da ‘’batata da perna’’, e a cerca de madeira azul e desbotada. Era ali! Sim, era ali!


Não sabia ao certo quantas pessoas na cidade conheciam essa história, mas já tinha ouvido umas tantas vezes por meus pais e outros parentes... Por minha querida e finada avó. Porém me encontrava tão distraída com os vagalumes que mal me atentara na época, e tudo correu bem. Era só passar longe... e não olhar por muito tempo. Havia um vago ar ameaçador sobre aquele lugar depois da cerca com estacas e arames farpados que demarcava o lugar, que não tinha propriedade e casa alguma, no entanto se fazia possível escutar relinchos ao longe, na escuridão da noite ou mesmo ao sol, caso passasse por ali de dia. Mas jamais avistamos animal algum por ali, apenas ouvíamos. Era nada mais que uma área de pastagem. E tinham sempre estes relatos claramente falsos de gente dizendo que se você passasse por ali à noite, bem à noite mesmo, se tivesse a pé, ouviria o apito do Saci ou mesmo os cascos da Mula-sem-cabeça atrás de você, em algum lugar. Lobisomens, discos voadores e todas essas idiotices... E até mesmo a lenda local do sujeito morto-vivo, munido de navalha, que lhe cercava no caminho, tinha a metade de seu corpo para baixo esfolado e a outra metade, apenas o esqueleto.


E lhe dava o ultimato: ‘’Se ficar, eu te corto. Se tentar passar, te mato’’. Por mais que tudo isso tivesse me arrepiado por um tempo, eram apenas lendas e nada mais. Nada disso impediu os meus pais de visitarem a rezadeira que morava naquela região meio remota, a uns cinquenta minutos de caminhada de casa. Bem afastado do centro. Nunca tivemos carro algum, e meu pai era do lema: ‘’caminhar prolonga a vida’’. Mas era na verdade pela nossa falta de condição, mesmo sendo só eu, pelo menos até meus oito anos. Então nossas barrigas eram a prioridade. Com meus pais, nunca tive muito medo de passar por ali. Mas nenhuma estória tola da imaginação humana haveria de me fazer tremer mais, quebrantar meus nervos e vibrar a minha alma no mais cabal pavor. De fato, isso não era uma lenda. Acontecera há treze bons anos, antes de minha tenra existência. Hoje, já tem mais tempo, talvez a trinta e dois anos. Dizem de um sujeito sem nome, louco. Naquela época, houve uma onda de desaparecimentos de pessoas da cidade – homens, mulheres e crianças, idades variadas. E até de animais. Por cinco anos nada fora descoberto... Até ser.


Com, finalmente, boas testemunhas e pistas, a polícia chegou ao louco. A população estava em chamas por justiça. O sujeito levava as pessoas já abatidas na mala de um carro. Agia sempre à noite e lhes pegavam sozinhos e desprevenidos. Seguindo os rastros um dia, oito policiais de viaturas invadiram o local abandonado em uma noite. Pelo que fiquei sabendo, o encontraram depois de alguns metros mais adentro, nesse campo até então desconhecido. O louco não tentou correr e ao menos se moveu, ficando onde estava à luz das lanternas dos policiais. O esquelético e barbado homem, ali ajoelhado, segundo os relatos dos sobreviventes, alumiava com uma lanterna, com obstinação, ao que parecia ser um poste de oito metros de altura, por alguns palmos de largura. Tinha distintos relevos em destaque, em alguma ordem aleatória, e sulcos profundos em toda sua área.


Possuía muitas ramificações que excediam as laterais, formando o que parecia ser espinhos ou talos randômicos, representados em madeira polida. A face do louco, pálida, rasgava um riso sutil, combinando com os olhos dum lunático. Tinha um facão com sangue em uma das mãos. Dizem que em um momento, começou a sussurrar algo: ‘’Eu vi, eu vi, eu vi, eu vi’’. Não parava: ‘’Eu vi, eu vi, eu vi, eu vi... ’’Os oficiais deram a ordem para se render, mas o sujeito apenas se levantou sob as miras, virou as costas ossudas para os policiais e vagou escuro adentro. Três dos oficiais o seguiram. O homem havia parado perante a um buraco, como um sumidouro, talvez de vinte metros de raio. Aos seus pés, ao menos dois corpos pálidos e com sangue seco em suas gargantas. Olhou por cima do ombro. ‘’Venha ver’’, disse. A polícia deu ordem para soltar o facão e erguer as mãos. ‘’Venha ver’’, ele apenas repetiu. Fez menção em se abaixar para pegar o corpo de uma das mulheres, e um dos oficiais atirou. O sujeito tombou para trás e caiu na imensidão negra, ao que berrou: ‘’Venha ver!’’. Dois dos três homens se achegaram, na intenção de ver os únicos corpos achados e findaram por olhar dentro do buraco com as lanternas.


Os cinco que haviam ficado mais atrás escutaram os gritos dos colegas e adentraram mais o ventre do local. O terceiro que tinha permanecido atrás regressou correndo para os outros. Não disse nada. De olhos arregalados, entrou na viatura, ofegante. Quiseram saber, porém, o amigo apenas esbravejou para partirem logo. Gritava aos prantos para irem, como uma criança e, sem muita discussão, partiram. Tudo o que se sabe fora revelado em uma entrevista vazada dois anos depois, trechos apenas. Dias após o incidente, os outros policiais regressaram para o local e investigaram. Não acharam mais os corpos remanescentes, tão somente poças de sangue seco, fundidas ao solo terroso. O buraco negro era a boca pavorosa dum demônio e baforava pavor contra seus observadores, segundo eles. Era como se tivesse vivo. Havia uma energia muito obscura ali, além do ídolo de madeira. Algo acontecia naquele lugar, relataram.


Uma ronda fora feita por dias, escavações, mas nenhum outro corpo fora achado. O totem do demônio fincado ao solo esmagava a coragem de qualquer homem para jazer por muito lhe encarando. Uma forma sem sentido, não humana, com o que remetia a dezenas de olhos no que lembrava algo no padrão de balões ovais, fixados nas extremidades dos talos. A figura por si era como um balão ovalado, porém, mais afinado na base superior e com uma rachadura vertical, central, por centímetros aberta; uma fenda com o que lembrava dentes serrilhados e danosos ao menor toque. Com certeza a entrevista não deveria ter sido vazada. O relatório oficial para o público era de que o sujeito louco estava armado e matara alguns dos oficiais e jogara os corpos no sumidouro, lançando-se em seguida.


As vítimas todas foram jogadas também. Nunca foi possível obter mais detalhes sobre a vida do assassino e mesmo o seu rosto não fora divulgado por retrato falado para que as pessoas soubessem do autor. Havia contradições, porém, aparentemente, os policiais foram obrigados a se calarem e mesmo a desmentirem tudo sobre os detalhes estranhos, e as pessoas nunca insistiram em nada, aceitando a resposta. Antes de aparecerem na mídia para se retratarem, os oficiais estavam desaparecidos por alguns dias, ressurgindo no dia para se retratarem um pouco debilitados, e quando questionados, disseram terem sido vítimas de um sequestro por traficantes, e que não viria ao caso no momento. Isso seria discutido outra hora. E quase um mês depois, esses mesmos policiais foram abatidos em uma troca de tiros com outros oficiais por serem flagrados em ação de sequestro de duas pessoas. Até hoje, a suspeita é de mais.


Mas um dos oficiais daquela noite, o que chorou como criança, fora afastado rápido. Morreu no hospital. Repetia fracamente: ‘’Venha ver’’, até o último suspiro. A esposa fora achada morta na mala do carro. Vizinhos, à noite, suspeitaram e chamaram a polícia. Eles abordaram o homem antes de este sair no veículo, mas o sujeito atingiu sua própria garganta com uma faca antes de ser preso. Teve tempo de ser levado para o hospital e não resistiu. A irmã da esposa relatara que Leonardo começara a agir estranho algum tempo depois que regressara, após dois dias desaparecido. Voltara meio ferido e dissera a esposa ter sido vítima de um bandido, mas que se safara. Não falara muito sobre isso, a não ser que precisava visitar o buraco. E um dia depois de ter voltado da visita desse tal buraco, ele passara a falar muito de uma missão que precisava cumprir. Não dizia qual, e que a verdade havia lhe sido revelada.


Depois do caso de Leonardo, que a mídia explorou com força em programas sensacionalistas, apesar das notícias sérias sobre o caso – possessão demoníaca, extraterrestres domadores de mente e não sei mais o que era só algumas das coisas. Das notícias sérias, o que fora dito era que o trauma da perda de seus parceiros e da pouca experiência em lidar com indivíduos tão loucos como o que tivera de lidar, o afetara muito, deixando um estresse muito grande e que pôde ter gerado agressividade e paranoia. Isso era o que psicólogos cogitavam em análises para as emissoras naqueles 1986. No mais, as pessoas que já não visitavam aquele campo, ficaram ainda mais com medo de passar por lá, até houve a proibição por parte da polícia de alguém entrar sem autorização no local. E as raras pessoas que residiam por ali, como a rezadeira e colega dos meus pais, eram tranquilos sobre isso. Nunca presenciaram nada muito estranho.


Isso acabou, de certo modo, virando uma lenda local. Passaram-se alguns anos e as pessoas pararam de falar. Agora, em 2009, mesmo depois de crescida, isso me interessa mais do que nunca. Achava que a internet poderia ajudar agora, mas todas as pesquisas que fiz, caíram em sites e blogs de terror, sem credibilidade, fora alguns outros que abordam apenas a parte em que todos conhecem. A ‘’verdade’’. Mas eu sei que há algo a mais nisso. E meus pais e meu irmão mais novo precisam disso, dessa justiça, e não vou desistir. Há mais ou menos um mês e meio, uma nova onda de sumiços teve início, como já devem saber. Mais homens, mulheres e crianças, além de animais, sumiram, desta vez em plena luz do dia mesmo; geralmente são pegas quando vulneráveis, fora de vista e de uma forma muito rápida por um ou mais de um indivíduo. É o que a polícia acha agora. Não têm muitas pistas... Ou fingem que não têm (cof, cof!).


A mídia ressuscitou o caso do ‘’sujeito louco’’ e está dando pânico. Logicamente são ou é outra pessoa. A internet agora ajuda a ‘’bombar’’ o caso, né? E muitos têm medo de sair na rua. As autoridades tentam acalmar as pessoas, que pedem logo para que a polícia encontre o criminoso ou os criminosos e que, desta vez, prendam ou matem, e que ajam a tempo para achar as vítimas com vida. Por alguma razão que desconfio desta vez, a polícia nem chegou perto de vasculhar o local abandonado do primeiro caso. Uma repórter mesmo chegou a questionar isso. Mas o delegado afirmou que ‘’não era necessário’’, que ‘’esse novo criminoso não repetiria o mesmo erro’’. Soube que ele era o novo comandante e pouco se sabia sobre sua vida profissional muito afundo, bem como todos os anteriores, e mesmo os prefeitos. E quando perguntaram por que não usavam a ajuda de helicópteros ou satélite, ou das câmeras para tentar mapear a possível localização ou quem sabe uma pista, o tal delegado Robson negou: ‘’Não será necessário’’. Era o que dizia: ‘’Pode chamar uma atenção desnecessária’’.


Qualquer filmagem aérea amadora por parte de terceiros e partes não competentes foi dada como proibida, como devem saber, com a desculpa de intromissão em assuntos oficiais, de um lugar que era agora cena de crimes. De todo modo, pela vegetação e algumas árvores pelos arredores dali, torna difícil ver algo sem uma aproximação. Para mim, isso é besteira! Há algo ocorrendo, e eu vou descobrir e peço para que façam pressão também. Debaixo desse angu não tem caroço, tem azeitona mesmo... E das grandes.


Bem. Agora, voltando algumas linhas: por mais que eu insistisse que seria má ideia, a minha mãe teimou em levar o meu irmão mais novo naquele domingo. O meu pai a acompanhou. Isso é algo que eles levam muito a sério, e como o meu irmão estava doente, pareceu-lhes mais ainda necessário, porque o remédio para a dor não ajudava. Poderia ser ‘’olho gordo’’, então precisava rezar. Fiquei com a desculpa de fazer algumas atividades importantes na internet. Outra hora, eu iria. Saíram no começo da tarde e quando não voltaram até à noite, senti um mal-estar na barriga. Já morava sozinha, e dormi preocupada. No dia seguinte, ainda sem notícias, procurei a polícia, mostrei as fotos deles e disseram que estavam com muitos pedidos parecidos e que estavam trabalhando para resolver tudo de uma vez. Não era o que parecia. Também fui à prefeitura e ‘’bati boca’’ com o prefeito Dias, exigindo que pedisse mais agilidade das autoridades, ligasse para o governador ou sei lá o que! Queria que eles fizessem algo. Ele parecia muito calmo para o meu gosto.


No dia seguinte, após meu trabalho, que mal conseguia me focar, peguei minha bicicleta ao invés de meu carro e fiz algo que não devia. Nove pessoas já haviam desaparecido no intervalo de quinze dias e a minha família estava entre elas. Passei observando o terreno e segui direto por mais uns bons metros até o barraco de dona Lúcia. Não tinha ninguém. Nem ela, nem seus filhos. A porta estava aberta, a porteira de seu quintal também. Algo estava errado. Alguma hora, isso iria acontecer. Parecia claro para mim. Regressei com um nó na garganta e aperto no peito. Parei em frente à cerca azul. Respirei fundo. O mato estava à altura das coxas de alguém. Corri os olhos por tudo. Devia ter entrado e olhado, mas não consegui. Minha mão tremia, então voltei para casa, mas não antes de ter sacado meu celular e tirado algumas fotos. Seria só o começo. Na internet, fiz pesquisas em sites entusiastas do assunto; fóruns ativos dedicados ao caso de 1981 a 86 e saber se haviam atualizações dos casos recentes. As pessoas falavam do que já se sabia, inventavam histórias de fantasmas sobre o lugar e teorias bobas.


Havia comentários fazendo análises psicológicas do ‘’Louco do campo’’, o categorizando como serial-killer e o pondo em categorias em escalas de maldade, coisas assim. Outros partiam logo para possessão demoníaca. E havia debates ferrenhos nesse ponto. Mas eu sabia, ou melhor: eu sei que o que está por trás disso pode ser algo mais sinistro e humano, mas ninguém nunca cogitou isto. Por fim, achei um comentário interessante de um sujeito que tentou encontrar a reportagem vazada em sites obscuros que disponibilizavam esse tipo de conteúdo. Revirou a internet e não achou nada. Havia desaparecido completamente. Chegou a contatar a emissora que rolou a reportagem na época, porém, disseram nunca terem ouvido falar nisso. Parecia algo como ‘’efeito Mandela’’. O que se discutia no fórum sobre isso era que o conteúdo devia ser muito confidencial e cometeram o erro de liberarem ao público na época, ou alguém que não tinha autorização o fez. Falaram um pouco de como era estranho tudo o que os policiais disseram para a entrevista e como logo depois, foram afastados, além do resto.


Essa era a parte mais estranha que todos achavam, mas a discussão não foi muito além depois que alguém comentou que ‘’casos de serial-killers ou de possessão deixariam qualquer um maluco’’, e toda a conversa que veio depois foi baseada nisso. Então comecei a comentar minhas teorias e a falar de minhas suspeitas de acobertamento dos fatos reais do caso antigo, do caso Leonardo Braga e que tudo isso estava conectado com algo maior. E que os casos recentes também tinham uma conexão, e essa conexão com certeza tinha o dedo de gente poderosa. Era para se ter prudência e não confiar muito em tudo o que dizem por aí. Nem todos concordaram, mas fiz alguns ‘’amigos de pensamento’’. Um tal de VicmarinhoD ficou insistindo para eu parar com isso. Não acabaria bem para mim. Entendia o ponto dele, porém, não iria desistir, por minha família. Deixei o endereço de meu blog e disse que, muito breve, traria coisas muito quentes sobre investigações que faria.


Dois dias depois, entrei no fórum, mas o site havia caído sem razão aparente. Pesquisei por semelhantes e não conseguia mais comentar, como se tivesse sido bloqueada ou algo assim. Como sabia que uma emissora de televisão viria à cidade fazer uma matéria sobre o caso e iria entrevistar algumas pessoas, achei nisso uma oportunidade e, quando tive a chance, assim fiz como vocês viram. Desabafei sobre a minha frustração com a polícia lenta, e que estava buscando resposta por mim mesma, e falei de pontos estranhos que achei nas investigações, de como as respostas foram vagas nos casos passados e que poderia haver alguma coisa sendo ocultada. Que tinha ligação com esse novo caso e as autoridades não estavam mostrando ser de confiança. ‘’Autoridades nada competentes e obscuras’’. Vocês me ouviram dizer no dia; espero (rsrs). Rodei a baiana mesmo!


Dormindo e comendo mal, dias depois, resolvi enfrentar o meu medo. Respirei fundo e voltei desta vez mais à noite até aquele campo. Levei o que precisava. Desconfiava desse horário. Larguei a minha bicicleta mais afastada em um canto, metros atrás, andei para perto da cerca. Notei que estava escancarada. Mantive a lanterna abaixada; os vagalumes sobre a minha cabeça. Vinha luz do âmago do campo, bem ao fundo. Era um carro. Ouvi o barulho de motor acelerando e corri para trás, escondendo-me atrás de um arbusto do outro lado da estrada. A caminhonete saiu devagar. Havia ao menos cinco silhuetas dentro. A luz interna estava acesa, mas o vidro era meio escuro. O carro parou e o motorista desceu para fechar a porteira. Era o prefeito. Com as mãos trêmulas, desliguei a lanterna, puxei minha câmera do bolso, removi o flash e por entre as folhagens, tentando não fazer barulho, enfiei a câmera, dei zoom e disparei uma sequência de fotos de modo rápido da função.


Depois que se foram, peguei minha bicicleta e parti. Em casa, coloquei no computador e vi as fotos, aumentando o brilho ao máximo. Sabia que um era o prefeito, e duas eram mulheres, pela silhueta. A luz interior do veículo ajudou na nitidez, mesmo que ainda um pouco escuro. Não reconheci os outros dois homens. Deviam estar investigando finalmente. Minha ‘’dura’’ havia dado certo. Mas e as duas mulheres? Talvez suas esposas. Ainda era estranho. Dormi pensando naquilo, e no dia seguinte, pretendia ir à polícia e questionar sobre o andamento das investigações. Voltar ao campo... E assim fiz a primeira coisa, e sempre o mesmo ‘’blá blá blá’’. Foda-se. Ao cair da tardinha, preparei minhas coisas e parti para o campo. Pedalei com força até lá, com frio na barriga, mas com os pensamentos em meus pais e irmão, em nossas boas lembranças. Deixei a bicicleta no canto da estrada e pensei que da última vez, quem sabe, eles tivessem-na visto ali. Não tem como saber. Desta vez, deixei-a mais para o canto da rua, atrás de outro arbusto.


Segui sorrateira até a porteira azul e espreitei. Ninguém desta vez. Com a câmera em uma mão e a lanterna na outra, segui, até aproximar-me por dez metros do totem, entre as árvores. Parei e filmei a coisa horrível. Como aquilo fora parar ali, quem a colocou? Não era fácil de ver, mesmo de dia para quem passasse. Pior ainda à noite. O buracão devia ficar mais à frente. Fiz menção em ir, porém, ouvi um estalo de galho metros atrás de mim. Gelei. Não havia sinal de corpos algum por ali. Senti vontade de voltar e assim fiz. Aos passos largos, regressei até a bicicleta e voltei para casa. Alguns de meus poucos amigos ficavam perguntando por que eu não saía com eles, para tentar espairecer a cabeça por tudo que vinha ocorrendo. Mas sempre recusei. Não tenho cabeça para mais nada além de isso. Faz dias que estou focada em escrever isso e investigar. Por isso, não tinha atualizado nada ainda no blog todo esse tempo. É um tipo de coisa muito nova para vocês daqui, mas é necessário falar. Amanhã, eu tenho novos planos de sondar aquele local, por outro lado, passando pelas cercas de arame farpado. Vou descobrir mais coisas dessa vez e, quando o que eu descobrir vier à tona, me ajudem a divulgar essas informações. Requer coragem, claro.


Existe sim alguma conspiração estranha por trás disso tudo, envolvendo a polícia e prefeitura de Gólgota. Eles são todos sujos, falsos. E não é teoria. Estou chegando a algum lugar. Quando isso vazar para o mundo, todo esse esquema virá abaixo. É algo sombrio, acreditem. Por agora, vou reunir mais provas. Todos saberão disso. Aqui é LuDiária para vocês! Até eu ter notícias de minha família, não vou descansar. Fiquem com esta parte do conteúdo por enquanto, até eu trazer atualizações quentes, inclusive, postarei algumas imagens que tenho. Aguardem.


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*


Ludmila, por fim, respirou fundo e publicou. Mas ainda havia o que fazer. No dia seguinte, a mulher, após seu trabalho, regressou já pensando em seus próximos passos. Abriu o blog e viu que tinha novas visitas e até mesmo alguns comentários. As pessoas desejavam força a ela, e outros pediam para ela ter cuidado ao se envolver com essas coisas, inclusive, novamente, um usuário novo que reconheceu: VicmarinhoD, sem foto. Ela agradeceu o apoio, mas não podia mais voltar atrás agora. Pensar na família não a deixava dormir e não se importava. Nem com seus outros parentes e amigos estava tendo muito contato naqueles dias. Quando à tardinha veio, ela terminava o seu café ante ao computador quando ouviu uma batida na porta. Era o delegado. Aquele homem parrudo, pardo, mas de semblante simpático, perguntou-a se ela poderia acompanhá-lo até a delegacia para algumas perguntas. Ela quis saber se poderia responder ali mesmo. Ele disse não. Ela findou por aceitar. Na viatura, em direção do que deveria ser a delegacia, a mulher percebeu quando passaram dela e continuaram, e suas entranhas gelaram. Tinha um sujeito loiro no banco detrás com ela; ele sacou a pistola do bolso do casaco e apontou para ela.


Ficaram todos calados o resto do caminho. O coração dela embalado. O delegado fez uma ligação breve enquanto dirigia. Gargalhou ao telefone e desligou depois da conversa. Já havia caído à noite quando chegaram num barracão que ficava no fim de uma estradinha de chão. Parecia um terreno baldio, com essa única casa localizada. Já dentro do local, ela se deparou com um rosto familiar: o prefeito Dias estava lá, sentado no sofá e mexendo em um celular. O sujeito sem nome trancou a porta e deu um soco no estômago de Ludmila que caiu já sem ar. O prefeito então bloqueou a boca dela com a mão nodosa. O homem sem nome puxou o rolo de Silver tape do bolso de seu casaco e cobriu a boca da mulher com duas voltas. O delegado deu risadas e depois se assentou no sofá, e o prefeito pisou na cabeça de Ludmila que sentiu que ela iria explodir pela pressão. Ela gritava. O sem nome tirou uma algema do bolso de sua calça e prendeu as mãos dela para trás. Ficou de face para o piso e suas lágrimas saltaram de seu rosto sardento para este. O sem nome a colocou sentada no outro sofá e esmurrou a face dela por severas vezes. A mulher ouviu seu nariz quebrar. Tombou banhada em sangue no assento, e o prefeito aproximou-se dela, ajustando os óculos de grau fino sobre o nariz:

— Eu sei o que você quer, menina, e não devia continuar procurando. Nem todos suportam. Alguns são meros peões. Isso é muito maior que tudo, de antes mesmo do ser humano habitar na terra. Só digo isto porque sei que estava querendo saber... E porque logo vai fazer parte disso também. Todos contribuirão de algum modo. Então, não importa.

A mulher tremia tensa.

— Sei que é você aquela que quer achar a sua família — começou o delegado. — Sei que está querendo atenção para a gente resolver isso. Mas... — ele deu de ombros franzindo a boca em desdenho. — Sabe quando dizem que a ignorância é uma benção? É porque a verdade pode te enlouquecer se não tiver a mente boa. Só que se você quer cavoucar isso mesmo, então tem que se preparar para o que vai encontrar.


Ele disse isso, olhou para o sem nome e fez que sim. Como se já tivessem combinado tudo, o sujeito agiu e começou a espremer o pescoço dela e depois a lançou ao chão e apoiou o joelho sobre sua espinha. Gritou. Ele aliviou apenas um bocado a pressão, e em meio ao escândalo da mulher, o delegado Robson prosseguiu:

— Você vai apagar tudo o que escreveu... E as fotos que você tirou — despojado no sofá, ele batia a palma da mão de leve no braço do móvel. — Não quer criar um pânico ainda maior e desnecessário, quer? De todo modo, nenhuma autoridade que deseja alcançar vai te dar o menor crédito; e esses idiotas da teoria da conspiração vão continuar sendo idiotas da teoria da conspiração. Mas não é necessário que nada disso venha a público.

O delegado olhou para o sem nome.

— Né mesmo, Victor? — falou e riu.

— Isso aí — respondeu o sujeito. — Desse jeito mesmo — ele gargalhou.

Ludmila apenas pensava na dor. Robson inclinou-se na poltrona. A face dela contra o piso frio. O homem falou:

— Você nunca viu nada. É uma doente paranoica que sofre de depressão desde os doze anos, e já foi diagnosticada com traços de psicopatia. Toma remédios fortes. Você mesma matou sua família, Ludmila. Os matou envenenados, sumindo com os corpos. Foi você.

Ela arregalou os olhos. O delegado prosseguiu:

— E depois de matá-los, você inventou que eles foram sequestrados também. Mas nunca foi assim. Você criou tudo isso e está querendo passar sua loucura adiante ao publicar farsas. O melhor que pode fazer é apagar tudo isso. Estamos vendo tudo, cada passo seu, desde que começou com isso. Não pode fugir. Estamos em todos os lugares.

Ela apenas balançava a cabeça como que não e lacrimejava forte, apertando os olhos, e ele não parava:

— Você é uma mulher fragilizada e perturbada. É só aceitar. Você é louca. Se quiser escrever isso, seria até melhor ao invés de mentiras. Retrate-se pelo que disse na televisão e liberte-se disso para sempre. Aproveite também para fazer uma visita ao buraco. Será bom para você.


A mulher não podia acreditar naquilo, e apenas negava com a cabeça. Robson respirou fundo e olhou para Victor. Ludmila começou a receber chutes nas costelas e na coluna, pisadas, mais socos na face. Mais chutes, mais socos, mais chutes, mais socos, mais chutes. Quando Victor parou, ajoelhou-se em sua coluna de novo. O corpo dela aos pedaços e quase dormente. O prefeito removeu a fita da boca da afligida e sangue foi cuspido aos engasgos.

— Admita: você é louca e inventou tudo — disse o delegado. — É só admitir. Admita.

Ela demorou a falar. Quando Victor aliviou um pouco o joelho, Ludmila disse ofegante:

— Não. Nada disso é verdade — ela gaguejava, as palavras pela metade. — Meus amigos e parentes podem provar que não sou assim. Eu não sou assim.

— Você não tem amigos. Todos te abandonaram — continuou Robson. — Seus parentes todos te abandonaram também. Mas você vai admitir, porque essa é a verdade.


Começou a apanhar mais. O prefeito cobriu a boca dela novamente, foi até um canto e pegou uma barra de ferro. Victor atingiu-a com ela nos cotovelos e joelhos. Ele atingiu seus braços e costelas e as suas costas. Depois a enforcou até quase desmaiar. O prefeito retirou uma arma de choque de um bolso do paletó. Passaram-se longos minutos apenas nisso. A mulher apagou em um momento, porém, logo a acordaram com tapas e água fria. Eles haviam trazido da cozinha um balde cheio de água e gelo. Mergulharam a face dela. Milhões de agulhas lhe furaram ao mesmo tempo. Essa era a sensação. E repetiram de novo, de novo e de novo. Victor a largou no chão e libertou sua boca. O delegado começou:

— Você é louca! Você tem problemas! Inventou tudo! Sobre a entrevista, o que falou. Sobre o que está escrevendo. É uma assassina perigosa! Tudo que precisa é admitir. Admita! Você...

— Eu admito, eu admito! — não esperou ele terminar. Só queria que aquilo parasse. — Eu sou louca. Tenho problemas. Eu sou tudo isso. Por favor...

— É só isso? — Robson cruzou os braços. — E sobre a tevê?

— Eu inventei tudo. Não desconfio de nada. Não tem problema nenhum com nada, com as investigações. Tudo o que escrevi é mentira para chamar atenção. Essa é a verdade — ela disse aos prantos.

— Certo — o delegado disse com tranquilidade. — Mas sabe... Seria muito fácil manipular a mídia, ter distorcido o que você falou, porém, é melhor quando a própria pessoa desmente a si mesma. Os outros acreditam na hora. Nós até poderíamos ter derrubado o seu site na hora em que publicou suas mentiras. Mas você mesma vai desmentir tudo antes, tirar isso da cabeça daqueles tolos. Já disse que admite tudo, isso é bom. Só que há uma diferença entre admitir e acreditar. Você precisa acreditar. E não acho que você acredita ainda.

A cabeça da mulher girava em tormenta.

— Por que faz isso comigo? — ela gaguejava. — Você pegou minha família?

— Você não tem família... Porque não se importa com eles, por isso os matou. Está vendo por que você não acredita? Toda admissão de culpa é em vão quando não se acredita... Mas você vai.

— Não podem fazer isso — a mulher prosseguiu, tremendo a voz. — Vão descobrir uma hora. Vão ser presos.

O homem baixou a cabeça e riu fazendo que não.

— Quem vai descobrir? — Robson falou. — Você? Uma louca? Algum outro que, com certeza, também será louco? E quem vai nos punir? A polícia? O governador? O presidente? O júri? O Papa? Deixe-me te dizer: Em uma colmeia, nenhuma abelha pensa ou age sozinha. A rainha manda em tudo, mas existe um mecanismo, e cada abelha é uma peça desse mecanismo. Elas são uma só e prosperam por isso.

— Eu... sei. Alguém vai... saber um... dia.

— Não existe ninguém para saber, Ludmila. Tudo o que você acredita é falso. Tudo o que te foi ensinado em casa é falso. Tudo o que te foi ensinado na escola é falso. Sua vida toda é falsa, o que você sonha à noite é falso. Suas crenças são falsas. O que mostra a mídia é falso. O que a história ensina é falso. Toda sua realidade é falsa. Tudo o que existe são peões e abelhas. Você mesma é falsa. Não sabe quem é.

— Eu sei quem sou — ela falou num inspiro.

— Não sabe. Nada disso é real. Você não é real, eu não sou real. Nenhum de nós aqui é. Você está confusa. Você sempre foi confusa e está ficando mais confusa. Fique ainda mais confusa e aceite isso. Vamos te ajudar a entender. A sua dor ainda é real. E eu posso ser real e irreal ao mesmo tempo. Meus amigos podem, todas as abelhas de nossa colmeia podem. Mas você tá fora da colmeia. Vamos te ajudar a encontrar o seu lugar.

De olhos apertados e dentes trincados, Ludmila chacoalhava sua cabeça em confusão. Victor cobriu a boca dela de novo. O delegado prosseguiu:

— Você é insana. Completamente insana. Seus problemas são graves. É violenta ao extremo. Todos se afastaram de você. Descobriu que nunca foi amada por seus pais. Eles a odiavam. Você ficou confusa e transtornada. Está confusa agora e não sabe de nada. É doente mental.


Mais choques foram dados, por minutos. Mais espancamento com a barra. Então foi posta de bruços e Victor arrancou sua calça. Foram duas horas infernais, e mesmo o prefeito revezou com o outro. Nunca parava. Seu corpo ficava mais dormente e sentia como se pudesse flutuar, mas toda a asquerosidade ainda causava efeitos. Até que tudo parou... Só para recomeçar madrugada adentro. De novo e de novo. Antes da manhã, sua face foi contra o balde de gelo reabastecido. Desmaiou mais vezes, e eles a trouxeram de volta. Mais pancadas e violação. O prefeito e o delegado deixaram o local, restando somente Victor. Ela não mais foi tocada por horas; mas nestas horas passadas, enquanto os outros não voltavam, Ludmila ouvia: ‘’acredite, acredite’’ de Victor por incontáveis vezes quase sem parar. ‘’Acredite, acredite, acredite’’. Mas quando os outros voltaram tudo recomeçou. A face no gelo, violação, barra de ferro. Choques, socos, chutes, violação, barra de ferro... Por fim, ela foi posta sentada no sofá, e o delegado colocou uma cadeira à frente dela. Sua boca foi libertada da fita.

— Quem eu sou? — ele perguntou com olhos que nem piscavam, como o de todos ali. Nunca havia reparado antes, ou talvez tivessem a capacidade de controlar isso em público. — Me responda.

Ludmila, encolhida, respirou fundo.

— O dele... gado.

— Não, Ludmila. Não — ele bufou. — De novo. Vamos... Quem eu sou?

A mulher respirou fundo de novo.

— Você é... Não sei — respirava forte. — Dele... Você é sim o... Você é.


Robson olhou para baixo fazendo que não. Suspirou. A boca da mulher voltou a ser tapada e ela foi jogada novamente sobre o chão imundo, e tudo recomeçou por ao menos mais vinte minutos. Toda a sequência repetida de novo, de novo e de novo. Barra, choque, violação, socos... Repetição. Sangue no chão. Havia um sistema de roldanas no teto da casa, ao menos duas, presas às vigas espessas do teto de Eternit, e separadas de um modo espaçado, mais para o meio. Um dos sofás foi afastado para o canto, liberando espaço no centro, e Victor saiu para um segundo cômodo ali e voltou com uma escada de abrir e uma corda grossa. Ludmila não queria imaginar para que aquilo serviria. Victor subiu na escada e atravessou a corda a uma das roldanas enferrujadas. Ao findar, fechou a escada e a deixou em um canto ali. A mulher se remexeu e lutou em vão enquanto o brutamontes amarrava seus pulsos para trás das costas, depois de ter tirado as algemas; o delegado ajudou a segurá-la aos olhos pacientes do prefeito.


Ludmila, já de pé e contida, sentiu seus braços finos alçarem a poucos centímetros do meio de sua lombar, e depois mais um pouco. Ela gritou abafado. O delegado a soltou, ao passo em que Victor segurava a outra ponta da corda. A luz da lâmpada incandescente incidia mais forte sobre sua testa. O cabelo cor de cobre desgrenhado sobre seus olhos. Com ordens de Dias, o carrasco puxou mais a corda, elevando os braços dela e fazendo-a gritar mais. Seu corpo inclinava-se para frente, quase a deixando na ponta dos pés. O delegado começou:

— Se você acha que está sentindo dor, espere até os seus ombros serem deslocados, o que não deve demorar no seu caso, por ser magra.


Ludmila berrava. Era a pior dor que havia sentido em toda a sua vida; pior do que toda a tortura já passada. Desejou a morte por um instante. Que seu coração apenas parasse, que tudo parasse logo. Com a ordem do prefeito, Victor puxou mais um pouco. A mulher escutou um leve estalo, e a dor veio tão mais intensa desta vez que sentiu uma onda de calor e frio ao mesmo tempo por todo o seu corpo retesado naquele momento. Ela gritava. E urina escorria entre suas pernas.

— Ninguém pode resistir a isso, Ludmila — disse o delegado. — Já vi homens que pareciam pedras em duas pernas chorarem como garotinhas enquanto defecavam nas calças devido a esta dor. Este é o limite que o corpo humano pode aguentar sem precisar ser quebrado totalmente. Você quer ser quebrada totalmente?

A mulher sacodiu sua cabeça de imediato. Dias deu mais uma ordem, e Victor puxou por mais dois centímetros. Ela berrou. Com outra ordem, ele aliviou totalmente os braços dela. Respirava forte. O prefeito removeu a fita da boca dela.

— Me solta, por favor. Ou me mata, pode me matar. ME MATA! Mas não puxa essa corda de novo, por favor.

— Você só vai morrer quando quisermos — continuou Robson com as enormes mãos na cintura. — Esse é o momento que vamos te destruir para te reconstruir. Você aceita ser destruída... ou quer a dor até a última potência?

— NÃO! Por favor.

— Então...

— Eu aceito, eu aceito.

— Aceita o quê? — o prefeito, atrás de Robson, perguntou.

— Faça o que tem que fazer, faça o que tem que fazer logo! Mas pare isso.


Robson sorriu e cobriu a boca dela novamente. Dias deu a ordem, e Victor puxou a corda para o meio das costas da mulher, que berrou. A dor iria parar em algum momento, no entanto, segundo o delegado: ‘’a dor, até certo limite, era necessária para se quebrar, porém, não precisaria ser até a última potência, apenas o suficiente’’. Deixaram-na ali por horas. A corda havia sido presa em um suporte à parede, de um jeito que se mantivesse estendida e mantendo-a na posição. Ela gritou até perder suas forças, lacrimejava e soava baldes. A garganta seca, uma fome terrível. Por ao menos mais um dia inteiro, ficou ali. Foi alimentada com pão mofado e pouquíssima água em intervalos de seis horas. Robson e Dias saíam às vezes e o brutamontes Victor na maioria das vezes permanecia, e ficava sempre repetindo por infinitas vezes: ‘’aceite, aceite, aceite...’’ A mente de Ludmila não se focava em mais nada, como se sumisse, e tudo o que conseguia pensar era nas palavras do homem. Sentia todo o seu corpo devastado.


Não parecia mais viva. Quando o restante dos homens voltava, repetia-se todos juntos: ‘’acredite, acredite, acredite’’, por todo o tempo da tortura. Removeram-na da corda e a puseram sobre o sofá novamente. Tiraram a fita de sua boca. Não conseguia mais alçar a cabeça. O delegado a segurou pelo queixo e forçou-a a fitá-lo. Um único olho seu apenas abria.

— Quebrar o Homem é pateticamente fácil — Robson falou. — Quebraríamos até os deuses falsos que vocês acreditam. É a mesma mente e personalidade, são os mesmos sentimentos e emoções fracas. Mas um verme, por exemplo, seria impossível quebrar assim. O que será que isto quer dizer afinal?

Ludmila mantinha-se quase imóvel.

— Você não sabe quem eu sou... Você não sabe quem nós somos. Você não sabe quem eu sou; você não sabe quem nós somos. Você não sabe quem eu sou; você não sabe quem nós somos. Você não sabe quem eu sou; você não sabe quem nós somos...

O delegado não parava de repetir, e os outros começaram a repetir a mesma coisa por cinco minutos sem parar, até que pararam.

— Você não é mais confusa agora. Você nunca esteve bem. Viemos te ajudar e te ajudamos a entender. Agora você sabe de seus problemas mentais. A sua compulsão por mentiras, os seus crimes. Você sabe que é fraca. Agora você não está mais confusa. É preciso quebrar o corpo e a mente para a verdade se tornar mais recíproca — o delegado concluiu. — E você ainda vai ver isso, além de tudo o que lhe disse aqui.

Nesse ponto, a mulher sentia sua mente sumindo, como em um desmaio onde as sensações de perda de sentido ocorrem muito lentamente.

— Quem eu sou, Ludmila?

Ela sentiu forte sonolência, mas falou:

— Você é o... O que voc... é?

O delegado sorriu.

— Agora, sim — ele disse.

O prefeito começou:

— Todos vão servir de algum jeito, Ludmila. No mundo todo e de tempos em tempos, para saciar a fome maligna dos deuses e de seus filhos infernais. Todas as religiões são falsas. São apenas cortinas de fumaça. Enquanto todos adoram os falsos, alimentamos os verdadeiros e assim somos agraciados com sua misericórdia e uma migalha de atenção que nos basta. Você agora sabe... Mas não é uma de nós e nunca será. Talvez um peão, e só. Ficará aqui mais uns dias, até um médico tratar de todas as suas feridas. Quando voltar para casa, tente não resistir ao propósito que te demos hoje em não a sacrificar. Deixaremos você agir livre por algum tempo, depois, vamos intervir para evitar questões. Então, seja produtiva e cautelosa. Ah, e claro. Saiba disso: você foi raptada por loucos que queriam o seu dinheiro do banco. Mas eles também eram pervertidos sexuais e homens violentos. Foi isso que aconteceu. E não se preocupe; você vai ficar bem, até cumprir com o que precisa.


***


Ela havia acordado no chão de sua sala, e era como se apenas tivesse tido uma grande noite de sono e não se importava com as razões. Suas feridas estavam bem melhores, tratadas, e não sentia mais muita dor. Os criminosos loucos por dinheiro que a pegaram quase lhe mataram, mas estava feliz por estar viva e pronta para cumprir o propósito que sentia que precisava. Foi até o computador e apagou tudo após se retratar para seus leitores. Mais à noite, ela seguiu para o campo, para visitar o buraco. Ela entendeu. Ela finalmente entendeu. No dia seguinte, arrumou sacos pretos e afiou uma faca.

April 29, 2023, 1:24 p.m. 0 Report Embed Follow story
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The End

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E. M. Vicente Bastante interessado no gênero do horror, suspense e afins, independente da mídia. Se essa também é sua praia, fique à vontade.

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