bloody_marie Bloody Marie

Otabek, de 16 anos, é um primeiranista num internato de alto padrão na capital da Rússia. Havia mudado de escola para recomeçar do 0 e, dessa vez, tentar manter uma reputação boa em sua vida escolar, almejando ter paz e tranquilidade. Mas qual não seria sua surpresa ao, logo no primeiro dia de aula, ser alertado de que havia uma assombração justamente no quarto onde viveria pelos próximos 3 anos? Não que ele estivesse com medo ou acreditasse na história, longe disso, não sairia daquele quarto por nada! Mas talvez, só talvez, suas noites tranquilas acabassem indo por água abaixo, quando descobrisse mais da famosa lenda que rondava a escola.


Fanfiction Anime/Manga For over 21 (adults) only.

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A primeira noite no quarto 305

De todas as coisas que poderiam acontecer em seu primeiro dia de aula na escola nova, aquilo era algo que Otabek realmente não esperava. Quer dizer, quem esperaria ser alertado de que havia uma assombração presa justamente no quarto onde estaria alojado? E, ainda que tivesse um fascínio pelo sobrenatural e aquela história realmente parecesse interessante, tendo como protagonista um garoto russo da turma terceiranista de 87, o moreno duvidava muito de sua credibilidade.

Seu rosto não tinha expressão alguma enquanto escutava a suposta lenda mais famosa da escola. O armário 305 – o mesmo número de seu quarto – estava escancarado, já que ia pegar seus materiais pra primeira aula, quando fora interrompido por dois veteranos que diziam precisar avisá-lo de um grande perigo, uma ameaça que poderia colocar sua vida em risco. Tamanha foi sua surpresa quando começaram a contar a história, que parecia dramática demais pra ter de fato ocorrido.

— O rapaz foi morto por um bully no ano de 1987. Bella viu o reflexo dele no espelho do banheiro na primeira semana dela aqui no internato. – contava Jean Jacques Leroy, um canadense intercambista que estava há 5 anos na Rússia. Seus olhos azuis tinham um brilho sério e até mesmo amedrontado, mas aquilo não era apelo o suficiente pra fazer Otabek acreditar.

— É verdade, foi horrível! Ele tinha aqueles cabelos loiros emaranhados, como um ninho de ratos, olheiras profundas e sangue saindo da boca! – a namorada de JJ e também terceiranista, Isabella Yang, descreveu a assombração, confirmando o que o atual namorado havia dito. – É melhor tomar cuidado, Otabek. Deveria pedir pra trocar de quarto, ou o fantasma pode se zangar e tentar machuca-lo de noite!

Ponto: ali é que morava a farsa. Tendo alguém dizendo para si que deveria mudar de quarto só por uma mera "assombração" o fazia acreditar que havia algo a mais por detrás daquilo. Talvez o quarto onde estava alojado antes fosse o ponto de encontro do casal de veteranos – já que, por alguma razão, ou por simples boatos, estava sempre desocupado – e por isso queriam assusta-lo, para fazê-lo sair de lá e continuarem com seus encontros secretos.

— Não, obrigado. Eu estou bem com aquele quarto. – E com uma expressão indecifrável, o primeiranista pegou seus cadernos no armário e deixou o casal sozinho, indo rumo à sala de aula. Não eram pessoas como aquelas que iriam atrapalhar seus planos.

Havia tido uma conversa prévia com o diretor da escola, Viktor Nikiforov, sobre precisar do quarto mais afastado e isolado possível. É claro que havia sido questionado sobre o motivo de tal pedido e teve de revelar algo vergonhoso que guardava sempre para si: sofria de sonambulismo. Ah, Otabek já estava cansado de se levantar pela noite, abrir a porta do quarto sem grandes problemas e fazer coisas estranhas, que sempre eram observadas por todos quando descobriam o problema do cazaque. Ele não queria que isso acontecesse de novo, não ali onde ainda tinha uma reputação pela qual zelar, onde ainda poderia fazer amigos, ao invés de ser tratado como uma espécie de atração de circo dos horrores.

— Bom, nós temos o quarto 305. – disse o diretor, abrindo uma gaveta e procurando pela chave do alojamento – No entanto, todos que se mudam pra lá pedem pra sair no dia seguinte, por algum motivo desconhecido. Ainda assim, creio que seria a melhor opção para o seu caso, sr. Altin. O corredor do 305 é vazio, calmo e isolado; só existem mais dois alunos residindo nessa parte do dormitório, mas seus quartos ficam afastados desse. É realmente isso o que você deseja?

O russo estendeu a chave do 305 para Otabek, assim que o jovem assentiu, agarrando em seguida aquela que era sua oportunidade de parecer alguém normal e ter paz e tranquilidade em sua vida escolar.

Ou ao menos foi o que pensou.

O dia passou mais rápido do que imaginava. Havia escutado sobre como o colégio era de alto padrão e diferenciado– a ponto de receber frequentemente jovens das famílias mais abastadas e influentes do mundo –, mas não esperava que fosse tão diferente dos outros nos quais havia estudado previamente.

Como sendo referência mundial em ensino e tendo mais de 50% de seus alunos vindos de países estrangeiros, o internato dividia as classes regulares por faixa etária, nacionalidade e nível de conhecimento, desde o ensino primário ao médio, cada ciclo tendo suas salas ocupando um dos três grandes prédios principais, onde as aulas ocorriam na língua nativa dos alunos e em russo, para que aprendessem a língua do país, ao mesmo tempo em que se garantia que entendessem completamente o conteúdo passado. Para estudantes auto-didatas o sistema mudava: havia as classes especiais, extensivas, onde indivíduos de todo o ciclo em questão partilhavam uma mesma sala, independente de idade ou série curricular que deveriam cursar – desta forma, alunos do primeiro ao terceiro ano, capazes de aprender por conta própria, se reuniam apenas para tirar dúvidas e fazer provas e exercícios, podendo desenvolver-se e alcançar seu potencial máximo, ajudando uns aos outros, por exemplo.

Em questão estrutural, as salas de aula tinham um número reduzido de alunos – no máximo vinte por classe – para facilitar o aprendizado, e cada aluno possuía uma mesa grande com seu nome e um notebook de primeira linha, além da cadeira acolchoada e confortável, em um design perfeito para evitar o cansaço e estresse durante as aulas. O ambiente também era panorâmico, o que permitia que todos vissem a enorme lousa digital na frente da sala, quase como um cinema, e era o professor quem trocava de sala, para que os alunos não precisassem se locomover tanto durante o período de aulas, focando no estudo.

Havia ainda, como uma extensão de cada sala de aula, uma pequena lanchonete, disponibilizando café e lanches naturais durante os pequenos intervalos entre uma aula e outra. Entretanto, as grandes refeições eram feitas obrigatoriamente no restaurante do internato, este com um menu elaborado por chefs renomados, variando as opções todos os dias e servindo as três refeições principais: café da manhã, almoço e janta.

Como sendo um novato e pouco acostumado com aquele tipo de ambiente – apesar de seus pais pertencerem à elite do Cazaquistão – Otabek esteve isolado durante todo o dia. Não que realmente ligasse para isso, já que sempre estava acompanhado de um bom livro, o mantendo distraído de qualquer outra coisa que poderia capturar sua atenção naquele lugar exuberante que era o internato. Por isso havia feito suas refeições sozinho e ninguém se atreveu a incomoda-lo também.

Após o jantar, servido às sete e meia, houve finalmente o toque de recolher, o que Otabek achou surpreendentemente cedo. Todos deveriam ir para os dormitórios naquele momento – onde os quartos eram suítes individuais, mais um privilégio daquele lugar – e só poderiam sair na manhã seguinte, à partir das seis, quando o café da manhã era servido, o que não significava, entretanto, que todos iriam dormir. Na ala central de cada dormitório estava situada uma sala de estar comunal com todos os confortos que o dinheiro pode pagar, onde as famigeradas “conexões” eram feitas. Obviamente que, juntando a futura elite mundial em um instituto renomado como aquele, muitos estavam interessados em fazer amizades para além da vida escolar e se favorecer socialmente.

Sem pressa e prestando atenção nos corredores, para decorar o caminho, Otabek ignorou completamente a ideia de passar um tempo na sala comunal e tratou de encaminhar-se para a ala dos quartos, junto de outros tantos alunos, que, ao longo dos metros percorridos, entravam em suas suítes, sobrando cada vez menos àmedida que se aproximava mais e mais do famoso corredor assombrado.

Foi quando adentrou o saguão do fatídico quarto 305 – sozinho, já que os outros dois alunos que o acompanhavam entraram em quartos vizinhos logo no corredor anterior – que notou um outro aluno parado na porta ao fim da passagem, uma chave em mãos. Ao longe e com a iluminação fraca daquela ala – que precisava de algumas reformas e diferia do resto do internato, como se estivesse presa no passado em algum momento dos anos 70-80 –, tudo o que conseguiu ver foram madeixas louras compridas, que pareciam cair pelas costas do estudante. Uma garota? Mas estava vestindo uma calça ao invés da saia preta obrigatória do uniforme, ou ao menos parecia.

Intrigado com aquilo, pois até onde sabia era o único alojado no 305, Otabek se aproximou do quarto a passos apressados, depois de ver aquela garota – ou garoto – desaparecer dentro do dormitório e fechar a porta. Mas quando tornou a abrir o alojamento, não encontrou nada em seu interior, a não ser os móveis. Verificou embaixo da cama, atrás das cortinas e até no banheiro da suíte, mas não havia rastros daquele ser que havia visto. E não havia como alguém desaparecer daquele jeito, certo?

— É o cansaço. – concluiu por fim, acreditando ter visto uma ilusão criada por sua mente, esfregando os olhos e se encaminhando para o banheiro.

E ali tomou seu banho sem medo algum, demorando-se o quanto precisava pra relaxar o corpo cansado do primeiro dia naquele lugar que lhe era tão peculiar. Enquanto a água quente caia por seus cabelos e pelo peito definido, os olhos do aluno fechados, o moreno mal sabia que estava sendo observado. E que vista maravilhosa era aquela? Ainda que fosse só um garoto de seus 16 anos, Otabek tinha um grande potencial e os músculos já eram definidos, resultado dos seus treinos intensos no último colégio que frequentara, uma academia militar.

E o observador – aquele mesmo estudante loiro que o moreno havia visto entrar em seu quarto – se divertia com a vista privilegiada que tinha. Não era necessário se preocupar em ser visto pelo primeiranista, já que se fazia invisível no ambiente. Sabia que o outro havia lhe visto entrar, mas aquilo não seria um problema para si.

Aliás, nada seria um problema para Yuri Plisetsky, de eternos 17 anos, já que estava morto desde 1987. Sim, a lenda da escola era real e passada de geração a geração por alunos que eram vítimas do fantasma que habitava o quarto 305. Havia passado o dia todo observando o novo estudante e tinha ficado furioso ao saber que o audacioso diretor Nikiforov havia cedido seu quarto para um novato pela vigésima vez nos três anos de sua atuação dentro do Internato. Pelos deuses, aquele homem nunca aprendia não? Será que não sabia que aquele quarto pertencia a ele por direito? Nunca haviam lhe contado sobre o famoso Yuri Plisetsky? – aquelas perguntas sempre preenchiam os pensamentos da assombração, que constantemente tinha surtos de raiva, graças à sua condição e personalidade temperamental.

Claro que planejava assustar Otabek e expulsa-lo dali, porque ninguém poderia habitar aquele espaço que pertencia a si e somente a si, ainda que estivesse morto. Mas antes poderia se divertir um pouco, não? Sua vida era tão parada, estando preso naquela escola... Vez ou outra assustava as garotas no banheiro ou fazia aparições para as camareiras, que só faltavam enfartar de susto, mas já estava cansado e entediado de tudo aquilo. Digamos que depois de 30 anos preso na escola fazendo as mesmas coisas a rotina acaba ficando meio chata. Então seria pecado demais espionar um aluno bonito num momento íntimo como aquele?

Não teve tempo para concluir seu monólogo interior, quando o barulho do chuveiro sendo fechado lhe tomou a atenção e pôde ver o menino sair com apenas uma toalha minúscula enrolada deliciosamente na cintura. Pôde ver ainda Otabek enxugar os cabelos molhados e escolher uma cueca preta – daquelas de última geração, que a sociedade atual chamava de modelo box (uma invenção maravilhosa para Yuri, que costumava sempre espiar os garotos no vestiário) – na mala recém aberta e finalmente se deitar na cama, embaixo dos lençóis macios de algodão, apagando as luminárias postas acima das mesas de cabeceira.

O sangue de Yuri ferveu ao ver aquilo. Como aquele garoto insolente se achava no direito de deitar emsuacama?! Aquele quarto eraseu, tinha dono! Não ia ficar assim! Yuri faria questão de não permitir que Otabek tivesse uma boa noite de sono e que amanhã mesmo pedisse transferência pra bem longe dali!

E enquanto o fantasma tinha um de seus chiliques diários, o moreno relaxava naquela espaçosa e confortável cama de casal, totalmente alheio a qualquer coisa. Havia prestado atenção no ambiente, antes de apagar as luzes, e mais uma vez fora surpreendido pelo alto padrão do internato. Quer dizer, aquilo era quase surreal, quem contaria que uma escola tivesse quartos como os de um hotel cinco estrelas? A mobília e as cores poderiam estar um pouco ultrapassadas, parecendo saídas dos anos 80 – não que estivesse reclamando, na verdade até mesmo gostava do estilo vintage e do tanto de personalidade que havia em seu quarto–, mas o conforto era inegável. Tinha ainda uma janela grande com vista para os jardins, onde na frente se localizava um sofá de três lugares cinza claro, perfeito para Otabek passar o tempo lendo seus livros sob a luz natural, aos fins de semana.

Ah sim, e agora que o dia havia enfim acabado, definitivamente poderia descansar e ter uma boa noite de sono. Ou pelo menos Otabek acreditava que descansaria, mas, em realidade, não conseguia pregar os olhos. Estava tudo perfeito no fim das contas: o quarto era afastado, como havia pedido, o corredor era tranquilo e tudo estava em bom estado, mas aquela imagem daquele estudante na porta do alojamento não saia de sua mente. Aquilo havia o intrigado de uma forma que não conseguia dormir, por mais que seu lado racional insistisse em levar tudo apenas como pareidolia.

Não podia negar que havia pensado o dia todo na história que seus veteranos lhe contaram, prestando atenção nos arredores, procurando pelo mínimo sinal de que algo assim teria acontecido na escola. Entretanto, não havia escutado ninguém mais comentar o ocorrido, tampouco havia perguntado sobre. Estava na cara que era uma história inventada, ainda que fosse estranho o fato do diretor ter dito sobre outros alunos pedirem para trocar de quarto após uma noite no local.

Com um arquejo pesaroso, Otabek se repreendeu mentalmente por se fixar muito naquela história, tornando a acender as luzes por fim. Apesar de cansado, sabia que não conseguiria dormir daquela forma, então se levantou e pegou o notebook, indo se sentar numa escrivaninha existente num canto do quarto, junto de seus headphones.

Curioso com o comportamento do novato, o fantasma se aproximou, tomando um lugar ao lado do moreno e lendo a tela do computador, que agora mostrava uma playlist de músicas eletrônicas e páginas abertas sobre tutoriais e dicas para DJs principiantes. Estava irritado, visto que aparentemente o outro demoraria para dormir e queria acorda-lo no meio da noite para assusta-lo, mas naquele momento seu interesse pela vida de Otabek crescia um pouco.

Com um suspiro um tanto impaciente, encostou-se na escrivaninha o estudante morto, os olhos verdes azulados, num tom água marinha – como o da joia –, centrados no rosto do jovem diante de si. Otabek parecia estar se divertindo com o que fazia, um sorriso sutil quase imperceptível adornando seu rosto. Se Yuri ainda fosse vivo e tivesse seus 17 anos, como agora tinha, ele com certeza teria notado aquele garoto. E não só o teria notado como também se aproximaria dele.

Não diga isso, ele roubou seu quarto! – se repreendeu pelo simples fato de pensar no moreno como alguém que teria em seu círculo de amizades. Não, aquilo não estava certo, ele era seu inimigo, não seu amigo!

Ele nem sabe que você existe. – disse a voz na mente de Yuri. E em pensamento, como resposta àquela provocação, o loiro pensou um "Mas logo ele saberá".

E de fato ele logo saberia, assim que se permitisse cair no sono, o que não demorou muito tempo para ocorrer, contrariando as expectativas do loiro. Enquanto Yuri brigava consigo mesmo, mal havia percebido que o cansaço havia dominado o jovem estudante logo após este último ter fechado os olhos para aproveitar uma de suas músicas favoritas. Nem toda a agitação e pensamentos do primeiro dia de aula haviam sido o suficiente para mantê-lo acordado, o que para o fantasma era perfeito, já que agora poderia executar seu plano.

Aliás, o plano era perfeito, não tinha nada pra dar errado! Previamente havia pensado em assustar Otabek no banheiro, mas já havia se enjoado daquele método, visto que tinha usado com vários dos últimos "donos" do 305. Não, aquele menino, tão jovem e ainda tão atraente, merecia mais de si, muito mais. Ele merecia levar um susto do qual nunca mais se esquecesse em toda a sua vida. Com sorte, se casaria com uma mulher bonita e contaria de Yuri para os seus filhos, sobre como havia sido aterrorizado por um fantasma na sua primeira noite no internato, a ponto de precisar mudar de quarto.

Aquele pensamento fez o loiro se sentir determinado, apesar de certa melancolia presente no fundo de seus olhos. Todos aqueles humanos, inclusive aquele garoto, envelheceriam e fariam suas vidas, menos ele, que tivera sua existência interrompida por um bando de idiotas que se achavam melhores que ele. Seria cômico, se não fosse trágico, o fato de que ele estava fadado a viver naquela escola para sempre, assustando um por um aqueles que tivessem a audácia de se mudar para seu quarto.

Ele balançou a cabeça para afastar aqueles pensamentos, precisava de foco! Olhou ao redor do quarto, estava tudo perfeito para o que planejava, agora era só esperar até o famigerado horário dos espíritos: as 3 da manhã.

Estando acostumado a passar longos períodos sem fazer nada, aquela espera não seria algo difícil para Yuri. Já estava pronto para se deitar na cama de casal que o garoto havia deixado desarrumada e esperar pacientemente, quando o barulho de um espirro o fez se voltar para a escrivaninha.

— Idiota, assim vai pegar um resfriado! – resmungou em um tom um pouco alto, arrependendo-se assim que notou uma pequena movimentação do adormecido. Precisava ser cuidadoso, não podia botar tudo a perder!

Preocupado com o mais novo – sem saber exatamente o porquê daquilo – abriu o guarda-roupa, vasculhando-o até encontrar, em um compartimento secreto que somente ele, o real dono do 305, conhecia, uma manta verde clara felpuda, pegando-a e levando até Otabek, cobrindo-o com ela.

A cena poderia parecer um tanto estranha e improvável, visto que, para a maioria das pessoas, os fantasmas são seres sem matéria, que atravessam paredes. Mas na verdade, Yuri era mais real e físico do que qualquer conceito de espírito, isso porque estava preso entre dois planos dimensionais: o dos vivos e o dos mortos. Ainda que falecido e sem seu corpo físico real, conseguia tocar nos objetos, movê-los e segura-los. E poderia atravessa-los também, como o esperado de um fantasma, mas só se o quisesse fazer, coisa que não apreciava muito. Se tinha a opção de fazer algo da forma humana, ele o faria assim.

Uma vez que havia agasalhado o estudante, enfim se deitou em sua antiga cama e permitiu-se fechar os olhos. Não conseguiria dormir, porque fantasmas nunca dormiam, mas gostava de fingir que ainda conseguia fazer aquilo, como quando era vivo. Gostava de perder tempo tentando fazer coisas que não estavam mais ao seu alcance, entre elas, dormir ou sair daquela escola. Mas era impossível.

Toda vez que se aproximava dos portões havia algo como uma barreira impedindo-o de deixar o internato. Não importava quantas vezes tentasse, ele nunca conseguiria ir embora, não até resolver seus "assuntos pendentes" – o que nunca resolveria, já que se tratava de incriminar seus assassinos e colocá-los na cadeia.

Estava perdido em seus pensamentos quando sentiu uma diferença no ambiente. As vantagens de se pertencer a dois planos dimensionais eram aquelas: poder sentir as variações de energia em ambos. Não precisava nem olhar em um relógio para dizer que eram três da manhã, só do ar ter ficado mais pesado já tinha certeza. Isso porque a movimentação de espíritos naquela hora era relativamente maior do que em outros horários do dia, fazendo com que a temperatura baixasse um pouco e o ar parecesse mais denso do que o normal.

Sem conter a animação e a expectativa pela reação que o novato teria ao levar seu susto, o garoto morto levantou-se do leito, encaminhando-se até o banheiro. Sem grandes cerimônias, fez com que seu corpo ficasse mais "físico" e seu reflexo aparecesse no espelho, fazendo uma careta de reprovação para o que via. Naquele momento, Yuri Plisetsky tinha o rosto impecável, sem um único arranhão, os cabelos penteados e com boa aparência, além das roupas – o uniforme da escola – devidamente passado. Daquela forma não causaria o impacto que queria, não podia aparecer assim!

Precisava voltar à sua forma pós-morte, como na noite em que fora morto e tivera seu rosto desfigurado. Felizmente, aquela era uma tarefa relativamente fácil, visto que tudo o que precisava era se lembrar daquele momento no qual havia "deixado o mundo". Não gostava de fazê-lo, sentia raiva, tristeza e sede de vingança, mas precisava daquilo naquele momento. Precisava parecer assustador.

A medida em que revivia todos os momentos ruins que tinha passado, a sua aparência ia piorando, ficando cada vez mais medonha. Permitiu-se sorrir ao final, estava perfeito e pronto para o show, sentia-se praticamente um figurante zumbi do clipe de Thriller. Não, estava ainda melhor do que aqueles figurantes, o próprio Michael Jackson o contrataria se o visse naquele estado!

Riu consigo mesmo por pensar naquilo em um momento sério como aquele, indo por fim tomar seu lugar atrás de Otabek. Mas antes de dar início ao seu plano, tirou a manta que havia usado para cobrir o rapaz, tornando a guarda-la. Precisava que ele sentisse o frio do ambiente naquele momento.

E então, tendo tudo pronto, o jovem, agora descabelado e horrendo, se concentrou na própria força, movendo os objetos do quarto com o poder da mente. Em um piscar de olhos tudo voava pelos ares, algumas coisas caindo pelo chão e fazendo barulhos dos mais variados tipos, na melhor aparição poltergeist que Plisetsky já havia feito. Em instantes, uma corrente de ar frio preencheu o ambiente, soprando sobre o cazaque e o fazendo estremecer, os olhos se apertando, prestes a acordar.

Era agora.

Era agora.

Ele acordaria e Yuri o assustaria de uma forma que entrasse em choque e tivesse até mesmo um trauma.

Mas então, o que estava sob controle da assombração de repente saiu do esperado. Sim, Otabek abriu os olhos e virou-se para encarar Yuri. Sim, ele viu o rapaz desfigurado e todos os seus pertences voando pelos arredores, como num tornado. Mas então o inesperado aconteceu:

— Vá se foder. – resmungou o cazaque, mostrando o dedo do meio para tudo aquilo o que acontecia e se levantando da cadeira, andando até a cama, se deitando e tornando a fechar os olhos, encostando a cabeça no travesseiro do lado direito – o lado favorito de Yuri –, chegando até mesmo a roncar.

Pronto. Aquilo fora o suficiente pra fazer o mais velho se irritar. Como aquele humano ousava mandar ele, o dono do quarto, se foder?! E mais, como havia ignorado todo o seu show, que havia preparado pensando somente em assusta-lo como nunca havia assustado mais ninguém?! Era muita audácia para um filho da puta só! Sentia que poderia explodir a qualquer momento!

Já Otabek não fazia ideia do que acontecia. Em realidade, ele nem sequer havia acordado, aquela era só mais uma manifestação de seu sonambulismo, motivo pelo qual havia sido ridicularizado por tantas pessoas em outras escolas. Talvez nem mesmo se lembrasse do que havia visto no dia seguinte, mas claro que Yuri não sabia de nada disso. E agora que havia se sentido ignorado pela primeira vez, tinha um desafio em mãos: assustar aquele estudante.

Ele não deixaria barato, não entregaria seu quarto de bandeja a um ser desprezível como aquele! Voltaria na noite seguinte e o assustaria, tinha certeza. E foi essa determinação crescente que dissipou o surto de raiva que havia tido ao ser ignorado. Precisava ser racional agora, pensar em outro plano para assusta-lo, mas antes precisaria arrumar a cena do crime.

Por isso interrompeu tudo o que ocorria, fazendo os objetos voltarem ao seu lugar de origem, como se nada houvesse acontecido. Sua aparência também voltou aos conformes assim que se acalmou, encaminhando-se para o sofá cinzento ao lado da janela, onde se deitou e passou o resto daquela noite, maquinando seu plano para a noite seguinte.

Já o cazaque tivera enfim sua tranquila noite de sono, alheio a tudo que havia acontecido em seu quarto naquela madrugada. Seu corpo descansou e não tivera mais nenhum surto de sonambulismo, felizmente, afinal, não seria algo muito agradável sair no meio da noite para ir caminhar pelos corredores enquanto dormia.

No dia seguinte seu despertador tocou às seis em ponto, fazendo-o acordar e se espreguiçar, antes de notar as luzes ainda acesas da noite anterior. Foi então que se lembrou que não estava conseguindo dormir e por isso acabou por passar um bom tempo lendo sobre como ser dj, coisa que aspirava ser num futuro próximo, já que realmente amava música e estar em festas, com grandes multidões.

Sem demoras, sabendo que o café da manhã já estava sendo servido para aqueles que apreciavam acordar de madrugada, o cazaque tomou um banho matinal rápido e praticamente pulou dentro do uniforme. Se lembrava vagamente de um sonho estranho que havia tido, onde tudo em seu quarto voava, como num daqueles filmes de terror, mas não deu tanta importância para isso.

Uma vez que estava pronto, deixou o apartamento e trancou a porta, levando a chave consigo. Saiu a tempo de encontrar a maioria dos estudantes indo rumo ao restaurante, dentre eles, JJ, que residia no quarto 153 – beeeem longe do 305, já que já havia tido experiências com Yuri quando tinha entrado na escola e não gostaria nem de ter que passar na frente do corredor do famigerado quarto assombrado.

— Bom dia. – o cazaque cumprimentou o canadense, ainda que faltasse uma boa dose de ânimo em suas palavras.

— Bom dia Otabek! Como foi a sua primeira noite no quarto novo? Vai pedir pra trocar? – JJ, por sua vez, tinha ânimo até de sobra e uma grande curiosidade em suas palavras dirigidas ao mais novo. Por mais que já soubesse a resposta para as perguntas que havia feito, não as deixaria de fazer.

— Foi tranquila, vou ficar com o quarto, ele é ótimo! – comentou o moreno, contrariando todas as expectativas do veterano, que ficou boquiaberto.

— Como assim? Não aconteceu nada? Tipo, nada mesmo? Nenhum barulho ou movimento suspeito? – o outro se fazia surpreso. Parando para pensar, Otabek era o primeiro estudante que havia dormido no quarto 305 e não tinha se queixado de nada, o que lhe parecia ainda mais bizarro que o fato de existir um fantasma habitando a escola.

E em reação às várias perguntas que lhe foram feitas em questão de segundos, o moreno mais novo franziu o cenho, parando de andar por um momento e encarando sério o veterano.

— Na verdade, parando pra pensar agora, eu tive um sonho estranho. – revelou por fim.

Mal sabia Otabek que aquele seria só o primeiro de muitos "sonhos estranhos" que o aguardavam nas próximas noites em sua estadia no quarto 305.

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Feb. 26, 2018, 2:40 p.m. 0 Report Embed Follow story
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