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― E você não vai parar de fumar, Odasaku? ― Dazai perguntou até como se soubesse que o pau para toda obra da máfia, além de não matar ninguém, para escrever sobre gente ainda teria de se manter ao menos razoavelmente vivo. Ele não sabia, mas isso não o impediu que pegasse o cigarro entre os dedos de Oda e tragasse como se fosse seu. Estava bêbado, só não tanto o quanto gostaria.

― Vou, quando eu sair da Máfia. ― Sakunosuke respondeu, observando sem muito interesse a fumaça que saía dos lábios e narinas de Dazai se dissipar pela noite; até que parecida com as nuvens que, pairando sobre o céu, tinham o mesmo tom acinzentado sujo. Pena que a fumaça morria antes de chegar tão alto.

Estavam ambos sentados lado a lado na calçada, logo à frente do mar. Se não fosse pela lua minguante, mar, céu e gente seriam a mesma coisa escura: forma alguma se diferenciaria e, como bem e mal, de repente tudo acabaria sem muito significado. Provavelmente tudo já não tinha muito significado.

― Boa sorte com isso. ― Dazai murmurou, balançando a latinha ainda com um pouco de cerveja que segurava – de certo sua bebida alcóolica menos preferida, mas com o Lupin fechado, não restavam muitas opções ou sequer interesse de buscar algo além de bebida quente e barata. Não é como se o gosto importasse tanto, de qualquer forma.

― Está ficando frio. Devíamos voltar. ― Oda disse, e Dazai, deixando que as cinzas do cigarro caíssem e se misturassem com o resto de cerveja que não queria beber, o fitou por alguns segundos, não muito expressivo – os cabelos à mercê da brisa do mar.

― Só está frio porque você não está bêbado o suficiente, Odasaku. ― Devia ser verdade. Dazai se aproximou até que seus corpos pudessem se tocar – perna com perna, mão com mão – e apoiou o rosto sobre o ombro de Sakunosuke. Aí já dava pra sentir o cheiro dele, algo esfumaçado por causa do cigarro. Era bom, e mesmo que estivesse bêbado demais para sentir frio, ainda pôde sentir-se mais quentinho.

― Dia dos namorados ruim? ― Oda perguntou, a boca próxima aos cabelos de Dazai. Que de certo ele tinha brigado com Chuuya, ou algo assim, foi o que pensou antes de ver algumas ataduras novas sobre o rosto dele. Não dava pra saber o quão longe Dazai tinha ido desta vez com suas tentativas de suicídio, mas dessas coisas não era preciso que soubesse, até porque as explicações do agente executivo mais jovem da história da Máfia não se encaixavam bem em palavras.

― Até agora foi o melhor que eu já tive. ― E Dazai sorriu. De repente pareceu que ele ia chorar, mas Oda fingiu não perceber – acariciou-o e deixou que seus dedos deslizassem pelos cabelos dele e por lá se perdessem. Quando Oda o abraçou, pela primeira vez a confiança de Dazai nas próprias mentiras pareceu se desfalecer: bem como o cigarro que ele ainda tinha entre os dedos, estava tornando-se cinzas.

― Só lembrei que não comprei chocolate pra você. ― Era uma justificativa quase convincente; Dazai escondeu o rosto no pescoço de Oda e ali considerou passar o resto da noite – o sangue dele pulsando próximo aos seus lábios o tranquilizava, apesar das lágrimas que começavam a transbordar fazerem parecer o contrário.

― É uma pena. Você pode me dar no ano que vem. ― E Oda o abraçou mais forte, sentindo o rosto gelado de Dazai, não se sabe se por conta das lágrimas ou por causa do ar de fim de inverno, próximo à sua pele, e ao menos um pouco, ambos sorriram.

Daí não falaram mais nada, fosse de suicídios, chocolate ou clima. Quando seus olhos se encontraram novamente, se beijaram como se fosse o mais natural a se fazer. A boca de Dazai tinha gosto de cerveja e cigarro, ainda com uma pitada de lágrimas; Oda achou que era uma boa combinação – tão boa quanto os dedos frios que tateavam pela sua nuca, acariciavam seu rosto... os dois até que se entendiam bem assim.

E essa foi a única vez que eles se beijaram.

Depois, fingiram que estavam bêbados demais para se lembrarem, mas a verdade é que Dazai nunca esqueceu a sensação da barba malfeita de Oda contra os seus lábios, ou como foi sentir-se seguro pela primeira vez na vida, abraçado com ele enquanto tudo que ouviam era algum carro passando longe e o mar, perdido em noite.

Essa foi a única vez que alguém o viu chorar também, mas Odasaku foi gentil até em desviar o olhar das lágrimas que cobriram seu rosto, então Dazai nem considerava como se, de fato, já tivessem o visto chorar, afinal era como se aquilo nem tivesse acontecido.

Apesar de ser fevereiro, para Dazai essa era uma memória de verão – daquelas que esquenta só de lembrar, mas que não se tem certeza se aconteceu de verdade, porque já faz tanto tempo que parece até coisa de outra vida.

Queria ter perguntado a Oda o que ele tinha achado do beijo. Sabe, Dazai achava que ele diria algo como “Beijo? Não me recordo de algo assim...” só para que se beijassem de novo. Aí sentiria a boca de Oda na sua mais uma vez e ele o olharia e responderia: “Ah, agora lembrei. Acho que é bom.”. Era a cara dele fazer essas coisas e o tratar feito criança, mas Dazai não tinha do que reclamar – até se pegava rindo de fantasias como essa antes de dormir, divagando sobre “E se...” que não acabava mais.

E se Oda gostasse mais de cachorros do que de gatos, como se entenderiam?

E se Oda comesse um curry tão picante que, quando o beijasse, Dazai fizesse uma careta e acabasse com o clima?

E se Oda quisesse adotar Akutagawa?

...

E se Oda estivesse vivo?

Ele nunca saberia.


No dia dos namorados do ano que seguiu, Dazai deixou os chocolates que não pôde dar quando estava nos braços de Oda sobre o túmulo dele e chorou. Mais uma vez, ninguém o viu.

Feb. 26, 2018, 6:14 a.m. 0 Report Embed Follow story
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