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Prelude

“...Chuuya, nós fazemos só uma escolha em toda a nossa vida: a de nos suicidarmos ou não.”

Essa frase nunca mais saiu da minha cabeça. Não consigo me lembrar sobre o que conversávamos, mas me lembro bem da voz baixa da Kouyou – de como a franja cobria o rosto dela quando eu levantei a cabeça para a olhar, como os dedos dela eram frios e macios...

Se essa é a única escolha que temos, então qual a diferença? Os meios não importam se vamos acabar mortos de uma maneira ou outra – foi a conclusão que eu cheguei. Alguém poderia dizer que essa é uma mentira contada pelos mafiosos mais sensíveis em uma tentativa de justificar todas as atrocidades que os acometem, mas isso seria um equívoco, até porque não existem mafiosos sensíveis.

Nós apenas corremos sem propósito, rosnamos quando provocados e lambemos nossas feridas sozinhos quando descartados como os bons vira-latas que somos.

Usar e ser usado é inevitável para quem escolhe viver. As pessoas sempre foram assim e sempre serão, mesmo que não percebam. Entendi bem isso quando conheci ele: um expurgo da cidade exatamente como eu.

“Se vamos todos morrer mesmo, pelo menos eu gostaria de ser lembrado.”

Quando eu disse isso naquele dia, a Kouyou apenas olhou para mim e sorriu.

“Eu não vou me esquecer de você. Nunca.”

Provavelmente as pessoas devem sorrir em situações como essa, mas eu apenas tive vontade de chorar.

Foi assim, andando de cabeça baixa enquanto segurava a mão da Kouyou, que eu o vi pela primeira vez: ele, Yumeno e Mori passaram por nós acompanhados da brisa do porto.

Alguns narram esse tipo de ocasião como algo inevitável, dizem que é o destino; mas o nosso tão ansiado encontro não passou do ordinário. Nossos olhos se cruzaram apenas por uma fração de segundo: os dele, perdidos e castanhos, cobertos por curativos; os meus, procurando o que não podia ser visto.

Nós continuamos andando em direções opostas e, mesmo após nos tornarmos parceiros, sempre foi assim – ele para um lado e eu para o outro. Duas pessoas desse jeito não têm como darem certo juntas, né? Isso era óbvio, mas eu não podia me afastar dele.

Ele sempre foi o único que me entendeu.

“Vamos ficar juntos de hoje em diante, Chuuya.”

“Vamos.”

Quando ele segurou a minha mão pela primeira vez e sorriu, alguns dias depois do nosso encontro mentirosamente fatídico, senti que poderia ir a qualquer lugar, desde que estivesse com ele.

Assim eu não precisaria ficar sozinho? Assim alguém lembraria de mim? Mesmo quando criança, o meu amor sempre foi apenas para mim, mas tudo bem – se não usássemos um ao outro, ambos desapareceríamos.

Desaparecer sem que ninguém perceba é o fim único para quem vive sozinho.

Talvez porque nós somos iguais: ambos perdidos, presos, esperando os dias passarem sem poder nos rebelarmos, é que demos tão certo e tão errado. Enquanto pudemos fomos um do outro, mas eu estaria mentindo se dissesse que isso foi o suficiente.

Feb. 26, 2018, 5:07 a.m. 0 Report Embed Follow story
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