Quando tudo começa, você passa a marcar os dias com um X no calendário para saber quanto tempo vai levar até o pesadelo acabar, mas não houve um dia certo para o término, o calendário já se foi, e os dias dentro do pesadelo continuaram, mesmo depois do fim. A pandemia já acabou, tecnicamente, mas você nunca saiu de lá, aqueles dois anos continuam te assombrando. Às vezes, quando a vida está parecendo normal, você volta pra lá e não entende como todos já superaram e seguiram em frente como se nada tivesse acontecido. Você olha para as conquistas das pessoas e sente que ficou pra trás. Você se pergunta: por que eles também não deram uma pausa? Como continuaram vivendo? Não parece justo que os outros já estão três anos na sua frente, porque você teve medo de fazer planos por um tempo. Você lembra da empolgação que sentiu com um novo ano chegando e como foi doloroso o tapa na cara que a realidade lhe deu.
Você revive os dias de terror sentindo medo pela sua vida e pela vida daqueles que ama. Seus pensamentos lhe dizem para parar de fazer drama, afinal, tiveram todos aqueles que nunca terão a chance da sair de lá, e você nem perdeu ninguém próximo. Você volta a fazer planos apenas agora, mas com receio de que uma catástrofe aconteça de novo, lembrando de tudo que aconteceu nos primeiros meses e se perguntado: como eu sobrevivi? Na mesma semana, o mundo muda, a lâmpada do quarto queima, o celular estraga e o cachorro, que ainda é um filhote e não tem culpa de nada, destrói tudo que toca.
Quando a vida parece entrar nos eixos de novo, lá está você, dentro daqueles dois anos, ainda esperando acabar para as coisas voltarem ao normal de verdade. O problema é que nada nunca volta ao normal, a vida é uma montanha russa, e por vezes parece que está em uma eterna subida angustiante. Pequenas pausas de alegria acontecem em meio a uma eternidade de acontecimentos horríveis. Você espera a montanha começar a descer, para poder jogar os braços para o alto e respirar, mas mesmo depois do fim do que você chamou de apocalipse, as coisas ruins não param. É uma continuidade dos dois anos que não te tiraram ninguém com o vírus, mas agora que tudo está aparentemente bem, você começa a perder pessoas por outros motivos. O que iria acontecer de qualquer jeito, mas com aqueles dois anos de tempo perdido tudo fica pior. Quem não se vai, fica doente: familiares; amigos; seu cachorro idoso. E você não para de se preocupar com a vida daqueles que ama, não da tempo de relaxar.
Só então você percebe que a vida é assim mesmo, e se lamentar não vai mudar o passado. O melhor que podemos fazer é seguir em frente e aproveitar o tempo que temos com quem é importante para nós, ficar ao lado deles e saber que não estamos sozinhos. Mas falar é fácil, porque mais cedo ou mais tarde, você vai estar lá de novo, marcando o X em um calendário interminável de uma época que vai deixar cicatrizes se perguntando quanto tempo dois anos podem durar, e esperando que uma dia a resposta não seja: uma vida inteira.
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