O Abraço que se Esqueceu como se Abraça Follow story

A casa estava demasiado sossegada. Não fosse o calendário marcar o grande dia e o cheiro a bolo que saltava do forno, talvez este tivesse passado despercebido. Não havia o habitual corrupio de tachos, nem as acrobacias da mãe pendurada no topo do armário para alcançar a loiça mais bonita, aquela que de tão especial que é, só se usa quando há visitas nos dias de festa e, óbvio, jamais poderá ser lavada na máquina.

Seria, pois, um aniversário diferente. Por isso mesmo, também especial.

A Serena esperou ansiosa ouvir a campainha tocar, era sempre este o sinal que a fazia disparar rumo à porta, numa corrida com o irmão. Ela gostava de ser a primeira a ver o rosto sorridente do avô Neo e da avó Luísa a entrarem pela cozinha adentro cheios de sacos. Livrarem-se deles à pressa, para a abraçar. Mas… nada. Ninguém.

Também esperou ouvir o telemóvel da mãe tocar, a antever o atraso da madrinha Filipa e das primas Sara e Rita, que chegavam sempre todas estafadas atarefadas por mil tarefas, mas, o que realmente importava é que chegavam sempre a tempo de valentes abraços. Mas… nada. Ninguém.

Como poderia a Serena sobreviver à falta de abraços, logo no dia em que celebrava - pela primeira, pela última e pela única vez - uma década? Esqueceram-se?

Só mesmo o seu amigo Abraço poderia ter uma explicação para o que de tão estranho se estava a passar. E teria de ser uma explicação muito bem explicadinha, porque a Serena estava disposta a descobrir tudo, tim-tim por tim-tim. O que andaria ele a fazer de tão importante para se ter esquecido do grande dia? Sim, porque os amigos nunca nos falham no nosso grande dia. Muito menos quando o grande dia parece transformar-se num pequeno dia, cinzento, como aqueles que o inverno encolhe. Algo muito esquisito estava a acontecer…