tessaolivier20 Tessa Olivier

Na última parte da história, Jirô diz ter uma alternativa para Akane. Mas, ela está decidida a ficar com Mahiro, mesmo que doa. Sem arrependimentos.


Short Story Not for children under 13.

#dark-fantasy #fantasia-romantica #fantasia-mitologica #mitologia-japonesa #youkais #lgbt
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Parte III

Pela fina parede de bambu, era possível ver a silhueta de Jirô bruxelar no lado de fora, bem como seu maxilar contraído.

— Ah… eu deveria imaginar que a senhorita estaria acompanhada — disse o velho tenente com amargura.

Mahiro continuava rosnando para a silhueta de Jirô, tanto que Akane se ergueu de seu colo para lhe segurar pelos ombros.

— O que faz aqui, Jirô? Dei ordens para não ser incomodada por ninguém.

— Mas, vejo que tem sua exceção.

— Me deixe acabar com ele, Akane. — rosnou Mahiro.

— Não vale a pena, Mahiro.

— Esse verme não vale a sua piedade.

— Esse “verme” é o responsável pela senhorita Akane ter a oportunidade de limpar sua honra de maneira digna. — disse Jirô, amargurado — Fiz pelo respeito ao seu pai, Akane. Acredito que ele irá perdoá-la no ame, após seu sacrifício honroso, mesmo que tenha sujado no nome dos Natsune de maneira tão… hedionda.

— Já que estamos com sutilezas aqui — disse Mahiro — o ato hedionda de Akane salvou o clã. Salvou essa vila e também salvou sua pele carcomida, velhote maldito.

Jirô deu um soco tão forte no chão que foi o suficiente para fazer as portas de bambu tremerem.

— Se aliar um maldito youkai… — rosnou — Fazer um pacto com um demônio sanguinário em troca de poder… Akane, como descer tão baixo??

— Eu não me arrependo, Jirô. Mahiro me emprestou sua força — Akane apertou com carinho os ombros da amante — para que eu salvasse Natsugakure de ser aniquilada pelas tropas de Khotûn Khan. Foi preciso.

— Você se aliou ao demônio, Akane! Vendeu literalmente a sua alma! A que preço??

— O preço de ter salvo o meu lar e o legado do meu clã.

— Como ousa dizer legado?? Você manchou o seu nome!

— Eu salvei a vila, impedi uma carnificina de nosso povo. Tenho certeza que meu pai iria preferir ver nossa gente a salvo do que o lar que ele deu a vida para proteger ser reduzido a cinzas.

“Faça o que for preciso para proteger nosso lar, filha.” Akane se lembrava bem das últimas palavras de pai para ela, antes dele ir na direção da morte certa no campo de batalha.

— Seu pai morreria de vergonha em ver a única filha se aliar ao youkai que sempre assombrou Natsugakure! Ah! — Jirô cuspiu, enojado — Que os Deuses me perdoem, mas nesse momento, agradeço Saito-dono estar morto, para não ver a vergonha de sua filha!

Akane engoliu em seco, a garganta queimando para conter as lágrimas que insistiam em vir. Não queria que suas última horas fosse pensando em como seu pai se sentiria em relação ao que ela fez para proteger o lar de sua família.

— O que Akane deveria ter feito, velhote? — perguntou Mahiro — Ter lutado e caído, como o pai dela?

— O que é esperado de uma honorável Onna-Bugeisha! Lutar até o fim de suas forças, como reza o Caminho do Guerreiro!

— Rá! Quanta besteira! Um código escrito por homens tolos, que sempre instigam homens jovens e estúpidos que morrer como um animal na guerra é honra! Morte é morte, humano tolo, não tem nada de honra, nada de belo. E os homens ainda saem no lucro, apodrecendo na lama enquanto homens sanguinários como Khotûn Khan e seus asseclas torturam e abusam das mulheres e crianças que ficam para trás, antes de matá-los de maneira mais dolorosa e humilhante possível. Isso os que tem sorte. Pois o resto, vira escravo.

— Todo o povo de Natsugakure estava preparado para resistir bravamente até o fim, antes de serem escravizados por Khan.

— Fale por você e por sua penca de idiotas de armadura e espadas, velho tolo. Hoje toda família dessa maldita vila respira aliviada por não serem uma pilha de cadáveres carbonizados. Mas, como a natureza humana, são covardes demais em admitir que uma única mulher, a Akane aqui, é que teve a coragem de fazer o que foi preciso para salvá-los.

— O povo de Natsugakure estará aliviado amanhã, quando a senhorita irá limpar sua honra com o sangue! O sangue que ela deveria ter derramado em vez de entregá-lo a você, demônio!

— Quanta besteira, velhote! — Mahiro se levantou e foi até a porta — Diga a verdade, verme: veio aqui na verdade para oferecer outra alternativa a Akane, não é mesmo? Uma pena não tão extrema quanto cortar a própria barriga com uma tantô, mas tão asquerosa quanto: ser sua esposa. Estou certa?

Akane soltou o ar devagar, em um esforço em conter a própria raiva. É claro que Jirô faria uma última tentativa.

— Senhorita… sabe bem, que Saito-dono me pediu para cuidar de você. Eu ainda nutro um carinho muito grande pela senhorita e sei que seu ato depravado foi por desespero… eu… Akane, todo mundo entenderia. Se dizer que foi enganada, que esse monstro se aproveitou de sua boa fé, ninguém quer que a senhora parta dessa maneira, então, entenderiam. E iriam abençoar nossa união.

— Velho asqueroso! — exclamou Mahiro, enojada — Só que Akane para si, seu porco!

— Cale-se, youkai! Akane, diga que sim e eu chamarei um ótimo sacerdote para exorcizar esse demônio de uma vez por todas!

— Rá, eu o terei feito em pedaços antes disso, velhote !

— Basta! — disse Akane.

A Onna-Bugeisha caminhou com gracilidade e abriu a porta, onde encontrou Jirô ainda ajoelhado, com o rosto enrugado tomado pela raiva e pela surpresa.

— Jirô, eu sei que nutre afetos por mim. Queria eu que fossem paternos, afinal, você era amigo de meu pai e me viu crescer. O afeto que sente por mim eu não posso retribuir.

— Nem todas as esposas amam seus maridos, pelo menos, não no início, Akane. Moças como você precisam de um homem que esteja disposto a protegê-las e acredite em mim, senhorita: sou o único homem que a ama o bastante para esquecer o que fez e tomá-la como esposa.

— Você só ama o fato de possuir uma beldade como Akane, bode velho. E assumir o nome do clã dos Natsune. — desdenhou Mahiro.

— Salvar o legado dos Natsune! Salvar a linhagem de Saito-dono! Akane, não precisa acabar desse jeito.

— Não, Jirô. Eu não seria esposa, nem se fosse para salvar a minha vida. Quando ao meu legado… eu salvei a vila que minha família jurou proteger. E o fiz ao descobrir o amor verdadeiro — Akane olhou com carinho para Mahiro — Não guardo arrependimentos, Jirô. E como meu último ato como uma filha de samurais, irei limpar a minha honra com o meu sangue, com a última dignidade e coragem que me resta.

Jirô trincou os dentes e se levantou. Lançou um último olhar de desprezo para Akane e Mahiro e girou sobre os calcanhares para ir embora. Mas antes, disse sobre o ombro:

— Serei seu comensal amanhã, Akane. Trate de passar o tantô bem fundo, pois não serei misericordioso, não como reza a tradição. Se não faz questão de respeitar os costumes, também não farei questão de terminar tão rápido com sua agonia. Passe bem sua última noite, garota suja!

Mahito acompanhou o homem ir embora, enquanto rosnava baixinho.

— Deveria ter me deixado retalhar a carne enrugada dele, Akane.

— Apesar dos pesares, Jirô é um membro do clã e está entre as pessoas protegidas pelo nosso pacto, Mahiro.

— Mas as palavras dele a atingiram.

— Bobagem. Eu só…

Mas Akane não conseguiu mais conter seu pranto. Seus joelhos enfraqueceram e ela caiu sobre o chão se seu quarto, chorando copiosamente. Mahiro a amparou e abraçou com força, acariciava suas costas trêmulas e sussurrava palavras de amor em seu ouvido.

— Eu sei, meu bem. Tem medo da dor.

— Não dá dor. De sofrer. E no sofrimento, ter medo.

— Você não terá, meu amor. Estarei por perto o tempo todo. E depois, para sempre com você.

— Como assim?

— Shhh… você, foi a promessa, certo? Eu tomarei você para mim, Mahiro. Toda. Irá doer, meu bem, por alguns minutos. E será agoniante de ver. Mas, depois, estaremos juntas para sempre. Confie em mim.

— Eu… eu confio. Ah. Acho que sei o que escrever…

Akane foi até sua mesa e rabiscou o pergaminho. Satisfeita, o mostrou para Mahiro.

— O que acha?

— Bom, não é o haicai mais belo que vi. Mas, é perfeito.

— Acho que fiz um bom trabalho.

Amei-a tanto

Que lhe dei a vida:

Meu legado

Akane repousou o haicai sobre a mesa. Quando ela fosse embora para sempre daquele quarto, o haicai seria levado para o acervo dos Natsune, onde seria guardado a outros haicais de seus antepassados. Bom, estava feito. Akane então se voltou para a Mahiro e lhe estendeu a mão.

— Fique comigo até o amanhecer, meu amor.

— Sempre, querida.

***

Uma dor excruciante.

E Akane acordou ofegante. Na mesma hora, verificou o abdômen e o pescoço: dois cortes fundos. Ainda tinha um pouco de sangue. Ia gritar horrorizada quando sentiu alguém lhe tocar os ombros.

— Calma, meu amor. Já acabou.

— Mahiro! Onde estamos? Aqui não parece ser o Rio Sanzu…

— Oh, tratei de ser bem rápida para pegá-la antes que pisasse em suas águas, não se preocupe.

— Então…

— Sim, querida. Estamos juntas. Nesse plano e para sempre. Lhe disse que cobraria sua vida, não é mesmo? Agora, sua alma está unida a minha, meu amor,

March 24, 2022, 6:30 p.m. 1 Report Embed Follow story
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The End

Meet the author

Tessa Olivier Quando criança, eu brincava de escrever: com folhas de sulfite dobradas ao meio, grampeadas e um punhado de canetinhas coloridas para criar meus primeiros livrinhos. Quando mais velha, resolvi estudar jornalismo, pois o jornalista não apenas documenta os fatos cotidianos: participa da história também. Mas, como a realidade é um lugar assustador, resolvi dar vida a histórias da minha própria cabeça. Sempre a Resistência me faz beijar a lona, mas vez ou outra venço uns rounds e vou publicar aqui.

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Flávia Mendes Flávia Mendes
Como disse, vc escreve diálogo muito bem...e que final surpreendente...adorei...Parabéns!
April 05, 2022, 23:16
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