Quando era de colo, já ouvia “essa aí vai dar trabalho quando crescer”, achava que era arte. Afinal, dos inúmeros elogios, arteira, era o mais comum. Não entendia a malícia da coisa. Por fim, o fundamental, de uniforme. Não entendia os alertas “tu não deve falar com estranhos”, “não toca nisso, não toca naquilo”, era perigo na esquina.
Conforme crescia, notava os diferentes tratamentos. O primeiro beijinho. A confiança do não ser mais “bv”. Os carros que paravam no sinal verde para me ver passar. O dia que “virei mocinha” e que se espalhou como um acontecimento levantando fogos de artifícios. “Já é tão madura pra essa idade” das pessoas ao redor.
Da irritação de ter meu nome escrito na porta do banheiro masculino, porque não quis ficar com o fulano de tal. Dos boatos sujos que corriam na escola e eu não podia fazer nada, só reclamar e ouvir de outras mulheres “Vai ver ele gosta de ti... Fez isso porque te ama e tu negou ele, daí eles ficam brabos mesmo”. De escolher os que queria ficar e do sentimento bom que era poder escolher.
Então isso passou. Ficou pra trás junto com os erros. Aí virei mulher e precisava trabalhar. “Mas com esse rostinho? Parece menininha.” Tola. Imatura. Irresponsável. Precisa de experiência. E nessa época já estava confusa. Antes era madura demais para a minha idade, agora pareço menininha e soa como se não soubesse o que eu quero. Então, sou surpreendida na cozinha do escritório escutando outros dois colegas homens “Essa fase é boa, porque já é legalizado, mas o corpo ainda é de mocinha”. A vontade de vomitar. Sabia que eles falavam das alunas.
Cresci. E me pergunto, às vezes, se “dei trabalho”. Na época, parecia o fim do mundo um namorado expulsado da casa dos meus pais. Hoje, eu até entendo. Não prestava no fim das contas. Ouvia promessas furadas e acreditava em qualquer coisa. As amigas mulheres? Ouço as mesmas histórias. Muda endereço, nome, cidade, escritório.
Então vem as dúvidas. A carreira é boa? Devo mudar? E a arte? Aprontar, ser “arteira” de novo. E a gente vai lá e tenta. Porque ouve o coração. E escuta os primeiros “nãos”. Desanima. Começa de novo. E no fim, escuto que estou velha demais para recomeçar nessa área.
E já não entendo mais nada. Nunca estou na idade certa. Me resta a temporalidade da escrita. Do desabafo. Da música que sobrevive, do teatro que renasce e da vida que é efêmera.
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