lara-one Lara One

Assassinatos em série com rituais cabalísticos estão acontecendo numa comunidade judaica. Um caso complicado que envolverá Mulder e Scully. E dessa vez, ambos têm algumas companhias nada convencionais na investigação...


Fanfiction Series/Doramas/Soap Operas For over 18 only.

#suspense #mulder #scully #arquivo-x #x-files
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S07#10 - AHAVA


"Formou pois o Senhor Deus ao homem do limo da terra, e assoprou sobre o seu rosto um assopro de vida; e recebeu o homem alma e vida."

Gênesis 2:7


📷



INTRODUÇÃO AO EPISÓDIO:

[Som:Psalms 104 - Yamma Ensemble]

Sinagoga Alt Neue - Gueto de Josefov - Cidade de Praga - Século XVI

Sótão da sinagoga.

O Rabino Judah olha pela janela o amanhecer do dia e o tumulto da multidão na rua.

Do lado de fora da sinagoga, nas calçadas, os cidadãos judeus observam com receio os cidadãos tchecos, que revoltados, carregam o corpo decapitado de um homem tcheco sobre a carroça cheia de palha. Há sangue e barro seco nas roupas do falecido. A viúva e os filhos seguem atrás do cortejo, aos prantos.

Os tchecos, aos gritos de protestos e ameaças, empunham foices e forcados. O representante dos revoltosos para em frente à sinagoga e pede silêncio para a multidão ensandecida, que o obedece. Então olha para a janela do sótão da sinagoga.

HOMEM TCHECO: - (GRITA) Maharal de Praga, Rabi Judah Loew!!! Deixaremos o seu povo em paz! Não ergueremos mais nossas mãos contra judeu algum, contudo deixai nosso povo viver! Basta de sangue sobre esta cidade!!!

O Rabino Judah dá as costas para a janela. Há um homem no sótão com ele, que está cabisbaixo, com um chapéu e roupas surradas. As mãos cobertas de lama e sangue.

RABINO JUDAH: - O medo dos tchecos agora faz cessar a barbárie contra o povo judeu... O homem não é Deus, Yossef. Não existe controle quando se permite a vida. Não há no homem tamanha perfeição para criar a criatura. Pois até na perfeição divina, um dia a criatura rebelou-se contra o Criador.

O homem balbucia um som como se fosse mudo. O Rabino aproxima-se do homem. Ele recua, com medo. O Rabino leva o dedo polegar à língua, umedecendo-o com saliva.

RABINO JUDAH: - Viestes da lama. Do pó ao pó, Yossef. Tanto a criatura quanto o seu criador humano.

O homem ergue o rosto. Vemos agora o rosto humano disforme do homem, que é feito de barro. Em sua testa a palavra "אמת". O Rabino leva o dedo umedecido até a testa dele e apaga com a saliva a letra "א". Soltando grunhidos primitivos, a criatura olha para sua mão que vai secando e rachando. Olha para o criador com a inocência de uma criança. Aos poucos o barro seco vai se quebrando e se desintegrando, deixando apenas as roupas e o chapéu ao chão, virando totalmente pó.

VINHETA DE ABERTURA: A VERDADE ESTA LÁ FORA



BLOCO 1:

X-Files Investigations – 11:28 AM

Mulder entra na agência. Baba na recepção lendo uma revista.

MULDER: - Não devia estar na Flórida, nas suas "nem tão" merecidas férias?

BABA: - Meu avião só sai às duas. Vai me aturar por mais algumas horas. Depois estarei curtindo o sol, o mar, gente bonita e uns saradões interessantes... E principalmente, estarei bem longe de você!

MULDER: - Eu prometo que ligarei para o seu celular todos os dias, de preferência nas horas mais inconvenientes... Algum recado pra mim?

BABA: - Tem um tal de Jacob Stein... Stein alguma coisa. Está atrás de você. Está devendo para os amigos, Mulder?

MULDER: - Eu nem conheço esse cara! Ele está cobrando alguma coisa?

BABA: - Não disse nada, mas você conhece os seus. Judeu só procura quando cobra dívida.

MULDER: - Por falar nisso, você me deve 20 dólares. Vou cobrar juros por causa das piadinhas antissemitas.

BABA: - Não pode cobrar juros por isso, eu escuto todos os dias piadas sobre negros e nem por isso cobro juros, caro Pinóquio. Mas eu adoro trabalhar nesse lugar! Tenho a sua cara aqui todos os dias! Ganho pra me divertir!

MULDER: - (DEBOCHADO) Já está procurando outro emprego? Quando o chefe dá férias repentinas pode significar aviso de demissão.

Baba sorri debochada. Entrega um papel pra Mulder.

BABA: - Scully falou com o tal Stein "sei-lá-o-quê". Esses nomes judeus são terríveis de se pronunciar! O sujeito foi categórico e disse que queria falar com o homem da agência. Mas como o "homem" da agência... (DÁ UMA RISADA ALTA E DEBOCHADA)...

Mulder olha com deboche.

BABA: -Bom, como o "homem" da agência não estava, depois de uma vasta entrevista sobre quem você era, o que fez, seu passado e suas qualificações, o sujeito fechou um contrato sem pensar duas vezes.

MULDER: - E qual é o caso?

BABA: - Sua mulher sabe, eu desconheço! Ah! E a Dona Ratoncita Krycek ligou dizendo que o cara da editora, bem... Tá preparado?

MULDER: - (APREENSIVO) Fala, mulher!

BABA: - Ele marcou uma reunião com vocês pra falar sobre o seu livro. Espero que dê certo, aí você vira escritor, vaza daqui e me deixa assumir integralmente essa agência, "sócio"...

Mulder abre um sorriso. Dá um beijo estalado na bochecha de Baba.

BABA: - Pelo amor de Deus! Isso é muito nojento, sai de mim, vai baixar em outro terreiro!!!


Residência dos Mulder – 1:34 PM

Scully na sala, ao celular, olhando pra cozinha, angustiada.

SCULLY: -(AO CELULAR) Mas Ellen... Claro que eu sou sua amiga, que estou do seu lado... Eu sei que você está se sentindo sozinha, são duas semanas sem o Skinner, mas...

Mulder sai da cozinha segurando Bryan, que está só de fraldas, lambendo uma colher suja de mingau, com nariz e rosto lambuzados.

SCULLY: - Mulder!!!!! Tire a colher das mãos dele, ele vai se machucar!

Mulder puxa a colher.Scully volta sua atenção para o celular.

BRYAN: - (BRAVO) Rah!!! Dá babai!!!!!

Mulder o ajeita no colo. Bryan faz um beiço pra Mulder e leva as mãos sujas nos cabelos louros e arrepiados. Mulder faz cara de pânico.

SCULLY: - (AO CELULAR) Ellen, Skinner só está viajando. (OLHA PRA BRYAN/ DESANIMADA) Mulder, o que você fez? Tem mingau até nos cabelos dessa criança! Eu tinha acabado de dar banho nele! (VOLTA A ATENÇÃO PARA O CELULAR) Não, Ellen... Eu sei que você está sozinha e chateada, mas o que são algumas semanas longe do Skinner?

Mulder olha debochado pra Scully. Scully olha pra ele.

MULDER: - (DEBOCHADO) É... "Grande" Girafão! Presença marcante!

Scully pega uma caneta e ameaça atirar em Mulder. Ele volta pra cozinha, rindo.

SCULLY: - (AO CELULAR) Ellen, não é que eu não queira você aqui em casa. É que Mulder e eu vamos viajar pra resolver um caso... Se bem que não temos com quem deixar as crianças, a Baba tá sozinha na agência e a Barbara tá com o Dimi doentinho... Não, essas mudanças de clima deixam as crianças resfriadas... Quem sabe você vem pra cá e fica com os meus filhos, assim não estaria sozinha... Ellen, não estou me aproveitando da situação!

Scully olha para o celular, indignada.

SCULLY: - Ela desligou? Mas que atrevimento!

MULDER: - (GRITA DA COZINHA) O que Ellen quer afinal?

SCULLY: -(GRITA) Quer ficar aqui comigo porque está sozinha e entediada em casa!

MULDER: - (GRITA DA COZINHA) Mas você não tem uma lanterna grande!

SCULLY: -(GRITA) Mulder!!!!!

Scully suspira e põe as mãos na cintura. Olha para as malas na porta da sala. Olha para o relógio. Olha pra Victoria sentada no sofá lendo a Bíblia e comendo biscoitos.

SCULLY: - Quem sabe eu chamo a mamãe pra ficar com eles?

MULDER: - (GRITA DA COZINHA) Nem pensar! Pra depois seu irmão ficar dizendo pelos cantos que vai nos processar por exploração de idosos? Nós fizemos o duplo estrago, nós daremos um jeito. Campeão, como você enfiou mingau até dentro da orelha?

SCULLY: - (REVIRA OS OLHOS) É filho de quem? Ahn? Consegue até o improvável! Mulder, vá dar banho nessa criança, por favor!!!

VICTORIA: - Eu posso tomar conta do Bryan, mamãe.

SCULLY: - Ainda não perdi a minha sanidade mental pra deixar duas crianças sozinhas dentro de casa... Bryan não é uma boneca. Me dê esses biscoitos, eu não quero você comendo doce depois do almoço.

Scully pega o pacote de biscoitos. Mulder entra na sala com Bryan debaixo do braço, apoiado no seu quadril. Bryan esperneia.

BRYAN: - (AOS GRITOS) Nhum qué! Nhum qué!!!!!!

MULDER: - Que não quer o quê! Scully, eu desisto! Esse moleque não quer nem aviãozinho. Já quer segurar a colher e comer sozinho.

SCULLY: - Bryan comendo sozinho significa que além dele, o mingau vai pra roupa, pro chão, pro cachorro...

VICTORIA: - E pras formigas!

SCULLY: - (DESANIMADA)Formigas de novo? Mulder, por favor! Dê um jeito nisso, as formigas voltaram!

MULDER: - Agora sou exterminador de formigas... Pai, marido, amante, detetive, pedreiro, jardineiro, encanador...

Mulder tira a Bíblia das mãos de Victoria.

MULDER: - Vá ler coisas pra sua idade. Tem um monte de livros de historinha no seu quarto.

VICTORIA: - Já li todas. São bobas e chatas.

SCULLY: - Deixa a menina ler o que quiser, Mulder! Por favor, acabe com as formigas antes que o Bryan acabe com elas!

MULDER: - Deixe as formigas em paz, mulher! Elas precisam comer. Scully, você está tensa, relaxa!

SCULLY: - (IMPLORANDO) Mulder, por favor! O Bryan come as formigas!

MULDER: - (ENCARA BRYAN COM DEBOCHE) Seu tamanduá irlandês...

Mulder começa a mordiscar Bryan que começa a rir alto e aos gritos. Mulder solta Bryan no chão, que sai engatinhando para o sofá. Victoria pega a bola de plástico. Bryan se levanta tentando pegar a bola. Victoria começa a brincar com ele.

SCULLY: - Mulder, definitivamente não está dando mais pra conciliar as coisas. Dois filhos e viagens semanais não dão certo. Estou pensando seriamente na situação e acho que devíamos antecipar nossos planos. Podemos nos manter tranquilamente, as coisas mudaram.

Mulder se aproxima dela. Segura Scully pelos braços, beija sua testa e olha em seus olhos.

MULDER: - Scully... Relaxa. Esqueça isso, as coisas vão tomar outro rumo em breve. Isso já foi resolvido, hum? Eu escrevo e investigo, você leciona e estuda, e a gente se reveza com a casa e as crianças. A Baba fica com a agência pra ela e os rapazes se quiserem vão continuar explorando suas aventuras como detetives do paranormal. Não tem mais o que discutir é só questão de tempo até colocar tudo em ordem.

SCULLY: - (SUSPIRA) Tempo... Esse é o problema.

MULDER: - Agora esqueça as formigas, casa suja, filhos sujos... Hum? Pra tudo na vida há uma solução, não necessariamente o sedex.

SCULLY: - (SORRI) Mulder...

MULDER: - A solução de tudo é água. A gente dá banho nas formigas e afoga as crianças... Hum... Acho que não é bem isso, mas...

Scully começa a rir. Bryan atira a bola com força, acertando o rosto de Victoria, que perde o equilíbrio, cai do sofá e bate a cabeça no chão. Victoria começa a chorar, magoada. Scully corre até Victoria.

SCULLY: - Não foi nada, filhinha. Não foi nada... Mulder, traz uma faca. Aquela velha simpatia da Meg tem ciência.

VICTORIA: - (OLHOS ARREGALADOS) Pra quê uma faca?

MULDER: - (MAQUIAVÉLICO) Pra cortar a cabeça fora. (PASSA O DEDO NO PESCOÇO) Já era!

Victoria começa a berrar.

SCULLY: - Não filha! Não é pra isso, Docinho! É só pra pressionar onde você bateu...

VICTORIA: - (DESESPERADA) Nahhhhhhhhh!!!!!!!!!! Não quero cortar a minha cabeça!!!!!

SCULLY: - Filhinha, é que o metal frio da faca não vai deixar criar um galo.

MULDER: - Acredite, Pinguinho. Melhor cortar a cabeça fora, porque pior do que nascer um galo é nascer uma galinha. E se ela choca, ahn???

VICTORIA: - (COMEÇA A BERRAR MAIS AINDA)...

Scully dá um beliscão forte no braço de Mulder.

MULDER: - (DÁ UM PULO) Au!!!! Isso doeu!!!!!

SCULLY: - É pra doer mesmo! Você é pior do que as crianças, Mulder! Eles estão crescendo, mas você é caso perdido!

MULDER: - (PIDÃO) Me adota. Preciso de carinho. De colo. Quero mamar...

SCULLY: - Mulder... Por essa, é uma semana!

MULDER: - Uma semana? Do que está falando?

SCULLY: - Sem coisinhas. E se chiar, serão duas! Agora vá cuidar das formigas!

Mulder faz cara de pânico. Scully vai pra cozinha. Volta com a faca. Mulder se esquiva, num semblante debochado, levantando as mãos olhando pra faca.

SCULLY: - Assim, filha. A gente pressiona com a faca que aí não vai crescer um caroço. Tá bom?

Victoria afirma com a cabeça. Lágrimas escorrendo pelo rosto, olhando magoada pra Mulder.

SCULLY: - Eu não sei por que algumas vezes você parece sentir prazer em irritar seus filhos, Mulder. Aliás, você sempre sente prazer em irritar qualquer um a sua volta!

MULDER: - Não é prazer em irritar... É que eu gosto de brincar com eles.

SCULLY: - Sim, brincadeiras estúpidas! Depois quando uma almofada voa em sua direção "misteriosamente" e Victoria fica assoviando dissimulada, você não gosta, né? Filha, agora eu vou abrir a cabeça do seu pai pra ver se consigo desfazer o erro médico que o Dr. Frankenstein fez. Vou colocar os intestinos de volta na barriga e o cérebro de volta na cabeça.

Victoria dá uma gargalhada.

MULDER: - Nhé nhé nhé... Sem graça!

Bryan começa a rir e a pular batendo as mãos no sofá, se babando todo. As fraldas caindo pelas pernas.

MULDER: - Quem sabe levamos os dois?

SCULLY: - Não vamos colocar as crianças em risco. Allentown, lembra?

MULDER: - Não quero lembrar, aquele pesadelo me fez pensar muito no tipo de vida que levamos. Mas e se o caso for complicado e levar semanas? Você sabe que eles não ficam longe da gente por muito tempo. Da última vez Bryan teve uma virose e Victoria teve febre, e ambos se curaram misteriosamente quando chegamos em casa. Se eles ficarem, mais dia ou menos dia, um de nós dois vai ter que voltar correndo pra casa, antes que eles tenham um ataque de nervos. A vizinhança não vai dormir mais com tanta choradeira.

Os dois olham pra Bryan. As fraldas caíram e ele faz xixi perna a baixo. Olha rindo para os dois mostrando os dentinhos. Victoria solta uma risada alta.

SCULLY: - Não acredito! E ontem eu culpei o cachorro!

MULDER: - (DEBOCHADO) Acho que o nosso filho tá vazando, Scully.

SCULLY: - O seu filho está vazando, Mulder! O meu filho não faz isso. Essa criança suja de mingau e porquinha é o seu filho! O meu Bryan é limpinho e sequinho.

Mulder pega Bryan pela cintura o mantendo longe de seu corpo.

MULDER: - Vem aqui, porquinho do papai. Vamos dar um jeito nisso antes que sua mãe faça um chiqueiro no quintal e nos coloque lá dentro.

SCULLY: - Meu Deus, bem que a Baba disse que o segundo filho sempre é o terror da casa!


2:34 PM

Mulder soca as malas e sacolas no porta-malas do carro. Scully prende Victoria com o cinto de segurança. Victoria segurando sua boneca. Bryan sentado na cadeirinha abraçado no pinguim de pelúcia do filme Madagascar. Mulder observa o filho.

MULDER: - Enquanto os meninos preferem carros, o meu filho gosta de um pinguim mafioso. Devo me preocupar? O que me espera?

SCULLY: - É o Recruta, Mulder. Se fosse o Kowalski aí sim você deveria se preocupar.

MULDER: - Por quê? Você andou atravessando a rua? Ahn? Os cabelos louros dele são genética russa? Quebro a cara do Rato agora ou na volta?

SCULLY: -Mulder, não esqueceu da chupeta, não é? Ou o inferno está instalado!

MULDER: - Pra quê tanto badulaque? Não estamos saindo de férias!

SCULLY: - Quem sai com crianças deve se precaver.

MULDER: - (ERGUENDO UMA BOLA) Sei... E para que precisaremos de uma bola? Para atirar em algum alienígena?

Mulder joga a bola no porta-malas e fecha.

MULDER: - (DEBOCHADO) Podemos ir agora? Não esqueceu de levar a casa? E o cachorro?

SCULLY: - (INDIGNADA) Três semanas, Mulder. E aumentando...

VICTORIA: - Manhêeeee!!!!!!! O Bryan tá puxando o meu cabelo!!!!!!!

Scully coloca a mão calmamente pelo vidro e sem olhar, puxa a mão de Bryan.

MULDER: - Você não me assusta mais com isso, Scully. Você não aguenta uma semana. Depois de dois dias com os pés gelados vai me colocar na sua cama novamente.

SCULLY: - E pra que serve o Cookie?

VICTORIA: - Papaiêeeeeeee!!!!!! O Bryan tá comendo o seu celular!!!

Mulder coloca a mão calmamente pelo vidro e sem olhar, puxa o celular de Bryan.

MULDER: - Vamos pegar a Ellen. Espero que ela não leve a casa também ou vou ter que comprar um caminhão.

Os dois entram no carro. Mulder liga o carro e toma a rua.

VICTORIA: - Oba!!!!!! Vamos passear!

BRYAN: - Brrrrrrrrrruummmmmmm...

SCULLY: - Esses dois gostam de uma estrada...

MULDER: - Espero que seja um Arquivo X de lascar. Ou não valerá esse sacrifício todo.

Bryan atira a mamadeira em Victoria.

VICTORIA: - Manhê!!!!!!! O Bryan tá me sujando toda!

MULDER: - Estava demorando... Olha aqui, a primeira confusão aqui dentro e eu abro a porta e jogo os dois na rodovia.

SCULLY: - Mulder!!!!!!!

MULDER: - Por que não dormem? É ótimo cochilar num carro em movimento. Desliguem as pilhas por um tempinho.

VICTORIA: - Mas eu não tô incomodando. É o Bryan!

SCULLY: - (VIRA-SE PRA TRÁS) Me dá essa mamadeira aqui!

Scully pega a mamadeira.

SCULLY: - Pronto. Acabou a bagunça, seu desordeiro filho do Mulder. Parece que tem prazer em irritar a sua irmã!

Mulder olha debochado pra Scully.

MULDER: - Por que será? A quem puxou esse irlandês aí?

SCULLY: - Esse irlandês com judeu puxou a você. Bagunceiro e irritante.

MULDER: - Ah! Quando eles são santinhos e limpinhos são seus filhos. Quando se revelam uns monstrinhos aí são meus.

SCULLY: - (RINDO) Exato. Eu sou mãe de crianças educadas.

Mulder observa Bryan pelo retrovisor enfiando os dedos no nariz. Victoria mordendo a manga da camiseta. Mulder olha debochado pra Scully.

MULDER: - É, crianças educadíssimas... Ok, monstrinhos. Vamos fazer uma brincadeira. Eu sou o chefe. O chefe manda vocês segurarem o nariz até ficarem roxos e caírem desmaiados aí atrás.

SCULLY: - Mulder!!!!!!!!

Victoria começa a gargalhar.

MULDER: - Relaxa, Scully. Você acha que eles são tontos de fazer isso?

VICTORIA: - Manhê!!!!! O Bryan tá babando toda a roupa!

Scully olha pra trás. Bryan abre um sorriso, todo babado.

BRYAN: - Dá pepa!

SCULLY: - (DESANIMADA) E lá se vai outra muda de roupa...

MULDER: - Do jeito que você fala até parece que nunca teve um bebê antes. Bebês fazem sujeira.

SCULLY: - Mas Victoria fazia menos.

MULDER: - E daí? Os filhos são diferentes, têm suas personalidades próprias. Deixa o garoto babar a roupa! Deixa ele se lambuzar. Pare de criar regras, são crianças.

SCULLY: - Victoria lembre a mamãe do que o seu pai disse, quando ele começar a brigar com o tanto de migalhas de biscoitos que encontrou debaixo dos bancos do intocável carro dele.

BRYAN: - (COMEÇA A CHORAR) Pepa!!!!!!!!

VICTORIA: - O que ele quer agora? Aquela porquinha cor de rosa chata e idiota?

Mulder começa a rir.

MULDER: - Yhaaaaa, temos outra Dana Scully crítica e mal humorada nesse carro!

SCULLY: - (RINDO)Filhinho, fale direito. Chupeta.

BRYAN: - (CHORANDO) Pepa!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Mulder tira a chupeta do bolso e entrega pra Scully, que coloca a chupeta na boca do filho.

SCULLY: - Bom... "Pepa" significa "vou nanar"... Victoria nunca pegou vício de chupeta.

MULDER: - (DEBOCHADO) É que os homens dessa família têm uma séria carência oral, Scully. Precisam estar sempre com alguma coisa na boca. Deixa ele ter dentes e descobrir as minhas sementes de girassol.

VICTORIA: - Mamãe entenda. É que as mulheres dessa família estão há anos luz em evolução! Não exija deles o que não podem fazer. É como pedir pra mascarem chicletes e caminhar ao mesmo tempo.

Scully começa a rir. Mulder olha debochado pelo retrovisor. Victoria segura o riso.

MULDER: - Vem pedir moedinha pra sorvete, Pinguinho traidora.

SCULLY: - Isso aí, Docinho. E não brigue pelas moedinhas do seu pai, a mamãe dá notas pra você.

MULDER: -(DEBOCHADO) E a corrupção chega a níveis críticos nessa família...


2:56 PM

Mulder olha debochado pra Ellen e Scully que tentam colocar a mala no carro. Mulder retira sementes de girassol do bolso e começa a comer, despreocupado, olhando para o céu, com o pinguim de pelúcia debaixo do braço. Scully fecha o porta-malas.

MULDER: - Agora podemos ir? Levou o gato?

ELLEN: - Não. O gato fugiu faz anos, desde que fui morar com o Walter. Acho que estranhou a casa. Foi bom, porque Walter detesta gatos.

MULDER: - (DEBOCHADO) É. Imagino o que deve ter acontecido com o gato...


3:23 PM

Mulder dirige. Observa pelo retrovisor os filhos dormindo. Ellen sentada com as crianças também dorme.

MULDER: - Prefiro quando estão ligados na tomada. É mais divertido.

SCULLY: - Pode ser, mas é bom quando desligam um pouquinho, só pra aliviar a cabeça... Nunca pensei que dois filhos pudessem fazer tanto barulho! Coitada da minha mãe, hoje eu sei o quanto ela merece ser canonizada por ter criado quatro crianças!

MULDER: - (RINDO) Você está ficando velha e sem paciência.

SCULLY: - Velha e sem paciência... Como pra vocês homens é fácil falar. Você passa a maior parte do tempo nos seus afazeres. De resto é só "mãe pra cá e mãe pra lá". Tudo é a mãe. Sempre é a mãe. Eles nunca querem o pai. Na hora do aperto é a mãe. E você se desdobra em mil pra atender filhos, marido, casa e ainda ser detetive. Eu não quero mais ser detetive. Eu cansei!

MULDER: - Ok. Já resolvemos isso... Relaxou?

SCULLY: - (RESPIRA FUNDO/ SORRI) Agora sim.

MULDER: - Então vamos falar do caso. O que temos de interessante aí?

SCULLY: - Jacob Steinsaltz nos contratou representando uma comunidade. Um corpo foi encontrado nas margens de um riacho, no condado de David, na Geórgia. Seria apenas um assassinato em uma comunidade religiosa fechada, não fosse a natureza ritualística e hedionda do crime, pois houve dois crimes iguais antes desse. A população está com medo. O FBI e a polícia não resolveram nada e fomos escolhidos pelo cliente porque havia uma condição...

MULDER: - Que condição? Como assim comunidade religiosa fechada?

SCULLY: - O rabino Josifa Worek está no necrotério local sem olhos, sem genitais e com lama no estômago...

MULDER: -(PÂNICO) Rabino? Por que tenho a sensação de que agora entendi o motivo de nos chamarem...

SCULLY: - Entendeu a condição? Querem uma agência de judeu no caso. Claro, não me perguntaram se você era um judeu ortodoxo ou um judeu porra louca, então...

MULDER: - (INCRÉDULO) Como assim, porra louca? Você tem noção do que arrumou pra nós?

SCULLY: - Como assim pergunto eu!

MULDER: - Esses judeus de comunidades fechadas são todos ortodoxos! Eu não sou judeu "judeu"! Eles têm 356 preceitos proibidos! Não pode fazer tatuagem, não pode cortar a barba com navalha, não deve um homem se vestir com roupas ou adornos de mulher e vice-versa. Eu vou chegar lá desse jeito, com brinco na orelha e você com calças... Vão nos esfolar vivos! Você não conhece as tradições deles, nem eu as conheço bem!

SCULLY: - Mas eu pensei que...

MULDER: - Que um sobrenome daria garantia? Acho que vamos perder a viagem. Esse caso vai dar dor de cabeça, já tô sentindo.

Mulder solta o volante e tira o brinco da orelha.

MULDER: - Guarda pra mim. Não vai perder. Foi presente da Pinguinho. Ela quebrou o porquinho dela só pra me dar um brinco de argolinha porque ficava mais bonito no pai dela.

SCULLY: - (SUSPIRA) Deveria ter ficado em casa... A melhor coisa que já fiz foi pegar o dinheiro do seu cartão e pagar a publicação do seu livro. E você brigou comigo por míseros 2.500 dólares! A Barbara tinha razão, pelo menos agora viram que você vende e resolveram aceitar uma reunião.

MULDER: -Nosso livro, você me ajudou nisso. Admito, gostei da surpresa e sua coragem nos rendeu frutos... Não fique triste. (PISCA O OLHO PRA ELA) A gente dá umas paradinhas no caminho, faz uma sacanagem gostosa no banco traseiro, se reveza no volante e naquele...

SCULLY: - Ah! E colocamos as crianças onde? Hum? No porta-malas? E a Ellen junto?

MULDER: - ... Eles estão tão quietos que até esqueci deles...

SCULLY: - Pobrezinhos, Mulder! Estão dormindo sentados. Isso não é justo com eles. Está entendendo por que precisamos mudar de vida?

MULDER: - Eu também tô cansado de correr atrás de monstros todos os dias. Isso pode ser esporádico. Agora eu quero correr brincando com os meus filhos. (OLHA DEBOCHADO PRA ELA) E correr peladão atrás de você.

SCULLY: - Quanto mais idade você tem, menos juízo, Mulder. Não tô achando graça.

MULDER: - (DEBOCHADO) Você deveria rir mais. Previne rugas e evita o uso de cosméticos estranhos no rosto, como esperma de baleia.

SCULLY: - ... Espermacete de baleia e eu não uso mais isso, Mulder!!! Não é ecológico.

MULDER: -(DEBOCHADO) Já disse pra você, pare de gastar dinheiro, tem em casa de graça e de raposa funciona muito melhor e é muito mais ecológico...

Scully cerra os dentes e dá um tapinha em Mulder.

MULDER: - (DEBOCHADO) Scully, você sabe que as hienas fazem sexo seis vezes ao dia? Agora entende por que elas vivem rindo?

SCULLY: - Mulder, seis vezes ao dia e você acabaria morto! A doutora aqui não aconselha você a seguir essa dica. Agora sim eu vou rir!

Scully começa a rir.Mulder olha debochado pra ela.


4:02 PM

Mulder dirige o carro. Scully boceja. Ellen com cara de quem acordou há pouco. As crianças ainda dormem.

ELLEN: - Ainda não entendi o porquê de me convidaram pra fazer essa viagem. Não estavam ocupados? Ou ficaram com pena de mim? Ou por que querem que eu cuide das crianças enquanto vocês correm atrás de alienígenas?

MULDER: - (DEBOCHADO) Não entendeu? Sua amiga tá com medo de andar sozinha comigo... Eu já fiz dois estragos. Imagina um terceiro?

SCULLY: - Você não queria a minha companhia? Então? Foi o que deu pra arrumar de última hora. E você pode cuidar das crianças enquanto corremos atrás de alienígenas ou sei lá o que nos espera.

ELLEN: - Eu sabia, Dana! Você nunca dá ponto sem nó, sua interesseira... Bom, talvez eu até consiga vender alguma representação da cafeteria, mas se realmente é uma comunidade de judeus, estou ferrada! Dana, você tem um pé-de-cabra pra abrir mãos fechadas?

SCULLY: - Não funciona, Ellen. Já tentei por anos!

Mulder olha debochado pra Scully.

MULDER: - É, ela fala assim, mas a verdade é outra. Scully come uma boa grana minha só com apostas que no final eu saio perdendo sempre. Da última vez foram cem dólares por um strip-tease.

ELLEN: - Cem dólares? Oh Dana! Você tá cobrando muito pouco, garota!

MULDER: - (DEBOCHADO) Valeu, Ellen. Me lembrarei disso num próximo churrasco quando ver o vidro de pimenta na sua frente...

ELLEN: - (SACANA) Prefiro ficar com a bunda ardida por outra coisa.

MULDER: -(SACANA) E entra?

ELLEN: - (SACANA) Ah, com carinho e muito gelzinho vai.

SCULLY: -(RINDO) Vocês dois parem com isso, a parabólica aqui pode acordar e vão começar as perguntas!

ELLEN: - Mulder foi quem começou!

MULDER: - Scully cheque o mapa. Acho que devemos entrar naquela estrada.

ELLEN: - Dana, além de médica e detetive particular você ainda é copiloto? O sujeito aí não sabe se virar sozinho nem no volante?

Mulder bota a língua pra Ellen, pelo retrovisor.

SCULLY: - (RINDO) Pegue aquela estrada, Mulder. À direita.

MULDER: - É. Não tem erro. Tem uma placa em hebraico. Condado de David. Isso não vai dar certo... Vamos ser expulsos da cidade... Já tô vendo um monte de judeus ortodoxos nos fuzilando com os olhos...

ELLEN: - Vocês judeus tem umas manias esquisitas. Dana, ele te fazia ficar depois do pôr do sol de sexta-feira até o pôr do sol de sábado, encerrada em casa e rezando?

MULDER: - Não sou judeu praticante. Não faço o Shabat. (DEBOCHADO) Mas encerrava a Dana dentro de casa depois do pôr do sol de sexta e ficávamos fazendo sexo até sábado de noite.

ELLEN: - (RINDO) Ah sei. Isso se chama "camat"?

SCULLY: - Ellen!!! Era o que me faltava aturar vocês dois juntos! Só vou ouvir pornografia e besteira o caminho todo! Salvo que Barbara não tá aqui, porque aí a coisa viraria caso de polícia!

ELLEN: - Hum, desculpe a minha indiscrição, mas já que somos amigos... Mulder me responda uma coisa que eu tenho curiosidade. Por que os judeus fazem circuncisão nos meninos?

MULDER: - Por que não dá pra fazer nas meninas?

SCULLY: - (VIRA O ROSTO PRA RIR) ...

MULDER: - A cerimônia de circuncisão chama-se Brit Milah e é realizada aos oito dias do nascimento do menino. É o batismo do bebê, algo envolto numa série de ritos e após isto é que eles dão o nome ao filho, geralmente o nome do pai ou do avô. É uma tradição herdada dos ensinamentos da Lei de Moisés e Abraão. Diz que Moisés recebeu instrução de Deus para fazer isto.Alguns judeus estão questionando esta prática e simbolicamente, ao invés de cortarem o prepúcio da criança, cortam um pedaço da roupinha como simbologia...

ELLEN: - E qual a moral de cortar a pelezinha do piu-piu?

SCULLY: - Seja científica, Ellen. É o corte do prepúcio.

MULDER: - Já era prática egípcia antes de se tornar lei aos judeus. Eu acho que na época era uma espécie de instrução de higiene do tal 'deus', porque os povos antigos eram relaxados, não lavavam corretamente, contraíam doenças e acabavam algumas vezes estéreis, indo contra a vontade de Deus em aumentar o povo escolhido por ele... Particularmente acho um ato hediondo. É uma forma de castração. Estudos indicam que isto afeta a psique dos meninos como uma situação traumática registrada no inconsciente.

SCULLY: - Afetou a sua?

MULDER: - Posso dizer que foi bem frustrante descobrir que eu era diferente dos outros garotos até nisso. E foi completamente frustrante na fase de se trancar no banheiro e querer tirar e botar a ponta de volta na embalagem, afinal não tem pele pra isso. E por deixar mais sensível, acaba tirando a sensibilidade na hora do vamos rir. Cortaram a capa de proteção da mercadoria. (DEBOCHADO) Aí, "mercadoria" de novo, bem que meu pai disse antes de morrer: "Fox, você vai ouvir muito a palavra mercadoria"... Bill Mulder sabia das coisas.

As duas riem.

MULDER: - Sério, eu acho que deveria ser uma escolha do próprio homem depois de adulto, tanto pra judeu quanto pra não judeu, já que circuncisão virou moda por estética, como se isso deixasse o querido lá mais bonito. Não deixa de seruma mutilação genital. O complexo de castração é a raiz inconsciente mais profunda do antissemitismo, já dizia Freud.

SCULLY: - O que entende Freud de fimose, que é um problema real masculino e que acontece com frequência? Freud era judeu, suspeito de tocar no assunto. O prepúcio serve para proteção da glande, pois enquanto bebê, fica colado a ela, mas com o tempo essa pele se desprende até os dez anos de idade. Em alguns casos, não raros, a pele não se desprende, o que chamamos de fimose. Esse problema afeta o processo para urinar, realizar a higiene e até para manter relações sexuais. Por não permitir a higiene correta, a fimose é o principal fator de risco para o desenvolvimento de câncer no pênis... Isso tudo é besteira de psicólogos que se acham médicos porque estudam a mente. Fazem umas aulinhas rápidas de anatomia e já pensam que entendem do corpo humano!

MULDER: - Vou ignorar isto como psicólogo, doutora Scully.

SCULLY: - São tradições e todas são dogmáticas, assim como as religiões, Mulder.

MULDER: - Tudo bem que é uma tradição, que envolve festa, comemoração de um novo membro na comunidade, mas e o sofrimento e o desespero do bebê? Se você assistisse uma cerimônia tradicional dessas, certamente ficaria horrorizada. Imagina cortarem o prepúcio da criança aos oito dias de nascimento? Eu nem pude me defender! Isso é desumano! E existem tribos que fazem isso de maneira pior, com lascas de pedras ou lâminas gastas, podem imaginar? Não venha me dizer que isso não provoca complexo no homem, você não é homem pra saber.

ELLEN: - Que horror! Pobrezinha da criança! É traumático!

MULDER: - Diga isso a sua amiga que mutilou o meu filho sem meu consentimento. Nem me perguntou, porque já sabia que eu diria não.

SCULLY: - Eu não mutilei nosso filho, Mulder. Não foi por conotação religiosa e foi num hospital sem dor alguma.

MULDER: - Como pode saber? Você tem pênis?

SCULLY: - Foi por questões de prevenção, Mulder. Vai doer mais se ele tiver fimose e precisar de cirurgia depois, quando já for maiorzinho. Isso sim é uma situação dolorosa e traumática pra um menino!

MULDER: - E se ele não tiver? Existem maneiras de prevenir a fimose, mas ensinar isso ao Bryan desde cedo poderia soar nos seus ouvidos religiosos como um incentivo a prática do pecado da masturbação? Ah, Scully, me poupe! Um dia ele vai crescer e descobrir que mexer no pênis causa uma sensação boa. E não há nada que você possa fazer pra evitar, pois o prazer é natural ao ser humano. O único problema é que ele vai perceber que falta alguma coisa que aumenta o estímulo.

SCULLY: - Não vamos começar com isso de novo, Mulder! Você mesmo disse que Deus fez aquilo com as sobras dos cotovelos, lembra? Sobras podem ser retiradas. Bryan não vai precisar ser meticuloso na higiene e você sabe que criança não tem paciência e não se limpa direito, e ainda está livre de sofrer com fimose. Não queira ver uma criança chorando por sentir dor até pra urinar! Eu vi isso acontecer com meus irmãos e uma cirurgia de postectomia não é algo agradável, pois o pós-operatório também é horrível. Inchaço, dor, inflamação, compressas frias, cuidados rígidos e acho bem mais traumático uma criança passar por isso que um bebê, por ter apenas tirado um pedacinho de pele que cicatriza rápido. Fora os homens que sofrem com isso desde crianças e só buscam ajuda depois de adultos e alguns quando já é tarde demais e apresentam câncer no pênis. Bryan vai me agradecer. E em nada vai afetar a vida sexual do nosso filho. Imagina que eu faria algo pra prejudicar o meu filho?

MULDER: -Mas não deixa de ser uma violação dos direitos humanos. Posso estar sendo radical, mas se a circuncisão pode ser considerada natural, então a clitoridectomia das meninas nos países da África e países muçulmanos também é algo natural, afinal é só uma tradição religiosa, que serve para garantir a higiene e a pureza da mulher, e assegura submissão e fidelidade ao futuro marido. (IRRITADO) Pra que serve o clitóris mesmo? Ahn? Só pra mulher sentir prazer? Pra que ela precisa sentir prazer?

SCULLY: - Mulder, não generaliza! Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Não queira comparar mutilação com circuncisão. Circuncisão é prevenção e pele não faz falta pra sentir prazer, isso está mais no psicológico dos homens. Se cortassem o pênis, que é um órgão, isso sim seria mutilação! O clitóris também é um órgão, essencial à mulher e não causa nenhum problema pra ela depois de adulta.

MULDER: - (DEBOCHADO) Depende do ponto de vista...

Ellen começa a rir.

MULDER: - Médicos... É como o apêndice e as amídalas que não servem pra nada... Se não servissem não estavam lá! O dia em que Bryan vier me perguntar sobre isso vou mandar ele falar com você!

ELLEN: - Mas a falta de pele influencia alguma coisa na hora do 'faz-me rir'?

MULDER: -(DEBOCHADO) Pergunta pra doutora Scully... Ela tem pênis.

SCULLY: - Não tem diferença não, Ellen. A diferença só está na cabeça de cima dos machões, porque a de baixo continua funcionando igual. E eu acho até esteticamente mais bonito...

ELLEN: - Ah, então tá tudo certo. O que importa é a funcionalidade e a aparência da mercadoria.

MULDER: -(DEBOCHADO) Pensei que era o tamanho.

SCULLY: -(VINGATIVA) Tamanho importa também. Não em comprimento, mas em largura.

ELLEN: - Lógico! Quem quer sentir cócegas?

Mulder faz cara de pânico.

ELLEN: - Eu preciso sair mais com vocês, aprendi tanta coisa que nem imaginava! E olha que tive um filho, mas graças à Deus não passei por isso com ele.

Corte.


[Som: Mazel Tov - Budapest Klezmer Band]

Eles entram na cidade. As pessoas na rua param observando o carro. As mulheres em vestidos comportados e elegantes. Scully olha pra suas calças e suspira. Os homens com casacos pretos e longos, calças pretas, barba, suíças longas, alguns com chapéus pretos e outros com kippah na cabeça.

ELLEN: - Puxa vida! Entramos em algum túnel do tempo? Ou voamos pra Jerusalém?

Scully põe as mãos no rosto. Victoria se acorda e curiosa, ajoelha-se no banco olhando pras pessoas.

VICTORIA: - Nossa! Onde a gente tá? Na Disney?

MULDER: - (PÂNICO) Seremos linchados... Já tô vendo!

ELLEN: - Qualquer coisa, se duvidarem que você é judeu mesmo, e nossas vidas dependerem disso... Abaixe as calças, Mulder!


Residência dos Steinsaltz – 5:39 PM

Mulder estaciona o carro na frente da casa de dois andares. Mulder e Scully descem. As pessoas saem de suas casas observando-os com curiosidade. Scully olha ao seu redor e coloca as mãos no bolso do casaco, caminhando com Mulder em direção a casa.

SCULLY: - O circo chegou na cidade.

MULDER: - E os palhaços somos nós...

Mulder bate à porta. Vira-se para a rua. As pessoas entram em suas casas. Mulder sorri pra Scully. Passa o polegar no lábio dela.

MULDER: - Seu batom borrou.

SCULLY: - Muito?

MULDER: - Agora tá legal. Olha a minha orelha, veja se a sua base conseguiu esconder o furo.

SCULLY: - É, não dá pra notar de longe, só de pertinho...

A porta se abre. A Sra. Steinsaltz, uma mulher de seus 40 anos, sorri ao vê-los.

MULDER: - O senhor Steinsaltz se encontra?

SRA. STEINSALTZ: - ... Você é o detetive?

MULDER: - (MOSTRA A CREDENCIAL) Eu sou Mulder e esta é Scully. Nós dois somos detetives.

SRA. STEINSALTZ: - ... Os dois?

Ela abre a porta, sorrindo simpática. Observa a roupa de Scully.

SRA. STEINSALTZ: - Por favor, entrem. Fiquem à vontade. Vou chamar o meu marido. Ele está ao telefone... Gostariam de um chá?

SCULLY: - Não, obrigada.

SRA. STEINSALTZ: - Então... Me deem licença.

A mulher sai da sala. Scully e Mulder observam o lugar.

MULDER: - O que ela quis dizer com "os dois"? Esperava um?

SCULLY: - Quando o Senhor Steinsaltz ligou, queria falar com você. Você não estava. Talvez tenha pensado que eu fosse a sua secretária e que você trabalhava sozinho...

MULDER: - Acho que não pensou isso. Se eu engrossar, fique na sua.

SCULLY: - Como assim? O que ele pensou?

Mulder sinaliza pra Scully ficar quieta. Steinsaltz entra na sala ao lado da esposa. Ele é um judeu ortodoxo uns 20 anos mais velho do que ela. Vestido num terno preto, camisa branca, barbas brancas e cabelos grisalhos com as suíças longas.

RABI STEINSALTZ: - Fox Mulder?

Os dois trocam um aperto de mão.

RABI STEINSALTZ: - Bom que tenha vindo. Shalom!

MULDER: - Shalom! Sr. Steinsaltz, eu peço desculpas por não termos tratado pessoalmente o assunto e esclarecido algumas coisas...

RABI STEINSALTZ: - O que importa é que você veio. Já está contratado, como eu disse a sua assistente por telefone, senhor Mulder.

MULDER: - Me chame de Mulder. Esta é Scully. Ela é minha parceira, não minha assistente.

RABI STEINSALTZ: - (MUDA O HUMOR) ... Ela está no caso?

MULDER: - Sem ela não há investigação. Os conhecimentos dela são essenciais. Scully é legista e trabalhou comigo no FBI.

RABI STEINSALTZ: - ... Scully... Seu sobrenome é alemão?

SCULLY: - Irlandês...

RABI STEINSALTZ: - Então é cristã católica.

O casal se entreolha. Scully olha pra Mulder com receio.

RABI STEINSALTZ: - Podemos falar em particular sobre o caso, Mulder?

MULDER: - Ok... Scully, eu já volto.

Mulder segue o Rabi. Scully fica incrédula.

SRA. STEINSALTZ: - (SORRI) Sei que não compreende algumas tradições. Isso é assunto entre homens. Meu marido é muito rígido em seus costumes.

SCULLY: - E o seu marido acha que Mulder não vai me contar?

SRA. STEINSALTZ: - O que importa é que Jacob não quebre seus costumes. Entre você e seu colega, vocês seguem os costumes de vocês. Não quer mesmo um chá?

SCULLY: - Não, eu agradeço. Já paramos na estrada por causa das crianças.

SRA. STEINSALTZ: - Trouxe crianças?

SCULLY: - Sim, nosso filhos... Ah! Me desculpe, Mulder é meu marido.

SRA. STEINSALTZ: - Vocês são casados?

SCULLY: - Sim.

SRA. STEINSALTZ: - Ah!

Corte.


Na varanda, o Rabi entrega uma taça de vinho para Mulder. Senta-se com ele.

RABI STEINSALTZ: - Meu avô veio da Europa com seis anos de idade pra esta terra. Ele foi rabino e fundou este condado. Meu pai também foi rabino. Eu fui rabino por muitos anos até que um problema de saúde fez com que eu me afastasse. De certa forma nunca me afastei. As pessoas me tornaram um conselheiro. A cidade vem até mim para lhes aconselhar. Brigas em família, princípios judaicos, questões de finanças... Até mesmo o xerife me pergunta qualquer coisa antes de tomar uma decisão. Por isso fizemos uma assembleia na sinagoga para decidirmos o que faríamos a respeito desses crimes. Meu filho Israel sugeriu seu nome. Ele é seu fã. Nos disse o quanto já leu a seu respeito. Ele comprou o romance que você escreveu.

MULDER: - Girassol e Canela.

RABI STEINSALTZ: - Confesso que não li seu livro. Israel me falou sobre alguns detalhes e fiquei comovido com o que seus antepassados enfrentaram. Minha família foi uma das poucas famílias judias que não passaram pelos horrores de Hitler.

MULDER: - Fico feliz por isso. Mas o livro foi escrito com minha esposa.

RABI STEINSALTZ: - Além de tudo, o seu sobrenome judeu foi decisivo para contrata-lo.

MULDER: - Eu devo esclarecer que não sigo os costumes judaicos. Pode ver pela ausência da barba. Meu falecido pai não os seguia. Se ler meu livro vai saber que meu pai foi criado por alemães cristãos, então não havia como...

RABI STEINSALTZ: - Mas você os conhece, é o que mais importa. Tínhamos um rabino há mais de doze anos. Um bom homem. Ele foi encontrado morto na sinagoga. O assassino arrancou seus olhos e genitais e encheu sua boca com lama. Isso foi há um ano. Na época, a polícia prendeu um andarilho, mas não encontraram nenhuma prova que o condenasse e o libertaram. Um novo rabino veio para a cidade. Há três meses ele foi encontrado morto, nas mesmas circunstâncias, também na sinagoga. Há dois dias o novo rabino, Josifa, apareceu morto no riacho. Fizeram as mesmas coisas com ele.

MULDER: - Foram três assassinatos? O assassino só ataca rabinos?

RABI STEINSALTZ: - Exatamente. Por isso, temos dificuldades para conseguir outro rabino. Eu estou tendo que ser o rabino provisoriamente. Acho que deveria falar com o xerife. Ele tem informações mais detalhadas e explicações mais técnicas da profissão.

Mulder se levanta.

RABI STEINSALTZ: - Escolhi você porque acredito que sua origem judaica é imprescindível neste caso. Vá falar com o xerife, ele vai explicar o que estou querendo lhe dizer.

Mulder vai saindo.

RABI STEINSALTZ: - E Mulder... Não quero desafetos por aqui. Tentem respeitar nossos costumes, mesmo que não concordem. Eu tratarei somente com você. Não trato assuntos de homens com mulheres. Se puder aconselhar sua parceira a usar roupas femininas enquanto está na cidade... Eu ficaria grato.

Corte.


Mulder e Scully conversam alguma coisa na frente da casa. Mulder bota as mãos na cabeça. Scully fica cabisbaixa. Ellen e Victoria dentro do carro observam. Mulder e Scully entram no carro. Mulder liga o carro, irritado.

MULDER: - Realmente, mulheres não sabem segurar a língua dentro da boca.

SCULLY: - Mas eu não poderia imaginar que...

MULDER: - Não deveria ter dito nada à mulher do rabino sobre nós. Ela vai falar com ele sobre isso... Ah, também que se danem!

SCULLY: - Talvez eu não devesse ter vindo...

MULDER: - Como não? E desde quando eu trabalho sozinho?

SCULLY: - Mulder, é um caso muito importante, complexo e não quero que você o perca por minha causa. Acho que vai render um bom capítulo no próximo livro e... Eu ainda coloquei Ellen nessa.

ELLEN: - Mas o que está acontecendo?

MULDER: - Sua amiga foi dizer que somos casados. As tradições deles não admitem que um judeu se case com uma não judia, uniões não oficiais e nem sexo antes do casamento, pois diz a Torá que não haverá prostitutas entre as filhas de Israel. Se eles fazem questão de ter Fox Mulder nesse caso, terão que ter Dana Scully. Não sou um deles, não tenho obrigação de seguir costumes. E você é minha mulher e eu vou tratar você como a minha mulher e dane-se quem discorde disso! Agora vamos falar com o xerife e depois vamos pra um hotel, porque as crianças devem estar com fome e cansadas.


7:23 PM

O xerife Rosenzweig, um lindo moreno alto de olhos negros com barba, por volta de uns 30 anos, aproxima-se pelo corredor. Ellen ao vê-lo, cochicha com Scully.

ELLEN: - Sou solteira, viu?

Scully segura o riso. Rosenzweig se aproxima.

ROSENZWEIG: - Sou o xerife Rosenzweig.

MULDER: - Somos os detetives Mulder e Scully. Esta é Ellen, uma amiga.

ROSENZWEIG: - Vou colocá-los a par do caso. Devo dizer que preferia investigar sozinho, mas a comunidade decidiu que o Rabi deveria colocar detetives particulares nisto. O Rabi solicitou um detetive judeu porque alguém, com um mínimo de tradição judaica, poderia entender melhor a situação...

MULDER: - Sabemos das mortes e da forma como morreram. Acredita em algum tipo de retaliação religiosa?

ROSENZWEIG: - O FBI enviou seus agentes pensando em encontrar algum terrorista isolado, mas saíram com as mãos vazias. Somos uma comunidade fechada religiosamente. Temos nossos costumes. E quando começam a correr boatos no condado sobre retaliação religiosa e antissemitismo, a coisa fica complicada. As pessoas estão com medo. Não tenho muitos problemas por aqui, portanto estes crimes foram a pior coisa que já vimos.

SCULLY: - Acha que o assassino é algum membro religioso?

ROSENZWEIG: - Detetive Scully, eu não sei se tem noção da cultura judaica. Mas estes tipos de rituais envolvidos nos crimes não fazem parte de nenhum rito que praticamos.

MULDER: - Quantas pessoas de fora existem na comunidade?

ROSENZWEIG: - Todos aqui são judeus. Mas existem fornecedores e pessoas que vem até aqui para abastecer o comércio. Posso lhe dar nomes e telefones. Entretanto, eu... Nem sei como direi isso, parece loucura...

Rosenzweig abre uma gaveta. Retira um pequeno saco plástico contendo lama. Entrega pra Mulder.

ROSENZWEIG: - Achei isto dentro da boca do rabino Josifa. Mandamos analisar e o barro não é dessa região, mas é idêntico ao encontrado na boca das outras vítimas. Foi este o motivo de querermos um judeu no caso.

MULDER: - Lama? (ENTREGA PRA SCULLY)

ROSENZWEIG: - É judeu realmente, agente Mulder?

MULDER: - Descendente e não praticante. Porém conheço os costumes.

ROSENZWEIG: - Mas entende o nosso medo? A necessidade de sigilo?

MULDER: - Suspeita de um golem.

ELLEN: - Golem?

MULDER: - É uma criatura mítica judaica, assim como o Homúnculos da Alquimia. Um espírito invocado por alguém para habitar um corpo inanimado e servir a seus propósitos. Mary Shelley teve aí a inspiração para criar Frankenstein.

ROSENZWEIG: - Parece loucura... Mas não sei mais no que pensar.

MULDER: - Tem algum hotel na cidade?

ROSENZWEIG: - Temos o Idishe Mame. Boa comida e boa hospedagem. Vou lhe dar o endereço, podem se acomodar, Mame os espera. Depois gostaria de mostrar aonde encontrei o corpo do Rabi Josifa.



BLOCO 2:

8:22 PM

Mulder, Scully e Rosenzweig caminham pela margem do riacho com lanternas. Scully tenta caminhar pelas pedras. Mulder dá a mão pra ela, a ajudando, seguindo atrás do xerife.

MULDER: - O primeiro relato sobre essa figura mitológica aparece no Talmude, a compilação de leis orais da tradição judaica. E uma lenda conta que o rabino Judah Loew, Maharal de Praga, fez uma criatura com a forma humana a partir do barro do Rio Moldava, para proteger os judeus do gueto que eram perseguidos pelos tchecos. Deu o nome de Yossef ao golem. De dia o escondia no sótão da sinagoga e pela noite o golem era solto e saía para aterrorizar os tchecos. Mas a criatura ficou fora de controle. Os tchecos então prometeram que a violência contra os judeus pararia se o golem fosse destruído. Daí então as versões são várias. Uns dizem que o golem se apaixonou pela filha do Rabi.

SCULLY: - Uma criatura vinda do barro? Assim como Adão?

MULDER: - Exatamente. O golem foi criado a partir dos quatro elementos e através do conhecimento cabalístico do Maharal que obteve permissão Divina de recorrer a forças espirituais especiais para cria-lo. Ele era um ser sagrado, desprovido de alma e obedecia a todas as ordens do Maharal. Apesar de ser extremamente forte, não podia se expressar através da fala, pois este dom é privilégio exclusivo das almas divinas. Para dar vida à criatura é preciso inserir em sua boca um pergaminho com o nome divino escrito, embora também se fale em escrever a palavra Emet em sua testa.

SCULLY: - Emet?

MULDER: - Emet significa verdade em hebraico. E para matar o golem basta apagar a letra Aleph, restando então a palavra "Met" que significa morto. O nome golem deriva da palavra "gelem" que significa matéria-prima.

Rosenzweig para.

ROSENZWEIG: - O corpo do Rabi Josifa estava aqui, jogado sobre as pedras. Encontramos rastros de lama pela floresta, em meio às folhas do chão. Também haviam marcas de mãos enlameadas nas árvores, como se o agressor estivesse com dificuldade de se locomover e precisasse se apoiar nos troncos. Mas os rastros e as marcas sumiram alguns metros adiante. Não obtivemos digitais. Portanto, não era humano.

Mulder se agacha junto às pedras.

SCULLY: - Alguma propriedade no curso do riacho, naquela direção?

ROSENZWEIG: - Sim, tem a fazenda dos Baroukh. Mas são pessoas acima de qualquer suspeita.

MULDER: - Ninguém é acima de qualquer suspeita. Fizeram necropsia nos corpos?

ROSENZWEIG: - Nos primeiros o FBI fez. Mas não chamamos o FBI da última vez. O corpo do Rabi Josifa está ainda no necrotério, a família nos permitiu ficar com o corpo até que vocês chegassem.

SCULLY: - Dois crimes na sinagoga e um na água... Água é purificação... Talvez não tenha tido tempo para levar a vítima...

MULDER: - Até a sinagoga, que também significa purificação.

ROSENZWEIG: - O que acha, detetive?

MULDER: - Isso é pouco para provar que tenha alguma coisa paranormal por aqui, como a existência de um golem. As pessoas buscam sempre as explicações místicas para o que não conseguem explicar cientificamente.

Scully olha pra Mulder, incrédula.

SCULLY: - Não seria eu a dizer isso?

MULDER: - Nesse caso, não.

ROSENZWEIG: - E o que mais seria?

MULDER: - Na sua hipótese de ser um golem, então estamos procurando um rabino. Somente um rabino teria conhecimento dos segredos ocultistas judaicos para criar tal criatura.

ROSENZWEIG: - Faz sentido. Mas não temos rabinos vivos aqui, com exceção do Rabi Steinsaltz. E ele é um homem honesto e não creio que dispense seu tempo estudando ocultismo. Seu filho Israel tomou uma surra quando foi encontrado estudando a Cabala.

Scully ergue as sobrancelhas.

MULDER: - Eu prefiro a minha hipótese. Para o assassino, os rabinos não deveriam ser santos. Estamos com um fanático religioso nas mãos, provavelmente uma pessoa entre 20 e 35 anos, que não aceita viver numa comunidade religiosa cheia de padrões éticos e morais. Com certeza ele finge aceitar as regras judaicas, para ocultar sua natureza agressiva. Ele é judeu com certeza. Mas uma coisa é certa. Ele quer ser descoberto.

ROSENZWEIG: - Como sabe que ele quer ser descoberto?

MULDER: - Ele precisa de ajuda psicológica. Ele espera a punição. Deixa pistas concretas na forma como mata suas vítimas. Seu método ritualístico já revela quem ele é. E ele implora pra que o parem.

ROSENZWEIG: - Bom... Vou deixá-los trabalhar. Se precisarem de mim, sabem onde me encontrarem.

Rosenzweig se afasta. Mulder se levanta. Scully olha pra ele.

SCULLY: - Não acredita que há alguma coisa inanimada atacando gente por aqui?

MULDER: - Já vi um índio de madeira fazer isso. Mas não sei. (DEBOCHADO) A única coisa inanimada por aqui, mas que está agora completamente animada é algo dentro das minhas calças, Scully.

SCULLY: - Por mim você vai continuar na secura, pois está de castigo. Ou quer ficar molhadinho, hum? Posso jogar você agora mesmo no riacho.

MULDER: - Quanta maldade pra uma pessoinha desse tamanho!

SCULLY: - Farei a necropsia na madrugada pra liberar o corpo.

MULDER: - Melhor você fazer amanhã. A gente bota as crianças no quarto da Ellen e vamos fazer uma festinha privê?

SCULLY: - Talvez eu concorde quando as vacas voarem, Mulder.

MULDER: - Eu posso fazer as vacas voarem de tão doido que estou!

SCULLY: - Você está de castigo. Por três semanas. Esqueceu?

MULDER: - (DEBOCHADO) Sem problemas, Scully. Já ouviu falar em justiça com as próprias mãos?


Idishe Mame – Restaurante e Hotel – 9:38 PM

Mulder e Scully descem do carro. Ellen sai eufórica do restaurante, com Bryan nos braços.

ELLEN: - Vocês não vão acreditar! Fomos convidados pra uma festa de casamento! Que coisa mais divertida! Acho que vou trocar Walter por um judeu.

SCULLY: - Não sendo o meu judeu, você pode agarrar a cidade toda.

MULDER: - Cadê Victoria?

ELLEN: - Victoria está lá dentro dando um show para o povo! A festa tá ótima!

Mulder fica tenso. Vai para o restaurante, rapidamente. Scully pega Bryan no colo e vai atrás.

Corte.


[Som: Hava Nagila - Temple Sinai Klezmer Band]

Dentro do restaurante, a banda tocando. A festa animada. O noivo Neemias Svoray dança segurando a esposa Tamar nos braços. As pessoas dançando e bebendo vinho. Estão extasiadas com Victoria, que dança como eles, batendo palmas e acompanhando a música.

VICTORIA: - (CANTANDO) Hava nagila... Hava nagila... Hava nagila venismecha... Hava nagila... Hava nagila... Hava nagila venismecha...

Scully fica boquiaberta.

VICTORIA: - (CANTANDO) Hava neranena, hava neranena... Hava neranena venismecha... Hava neranena, hava neranena... Hava neranena venismecha...

Mulder e Scully se entreolham catatônicos.

SCULLY: - De onde Victoria conhece essa canção?

MULDER: - Como ela sabe cantar hebreu? E como pronuncia tão bem?

ELLEN: - Eu não sei, mas quando precisar de companhia pra sair, vou levar Victoria, porque ela é mais divertida que vocês dois juntos! E ainda é poliglota!

Ellen batendo palmas entra na roda e se abraça aos outros, dançando ao lado de Victoria.

VICTORIA: - (CANTANDO) Uru, uru, achim... Uru achim belev sameach... Uru achim belev sameach...

Mulder continua pasmo.

MULDER: -Eu não acredito que a minha Pinguinho se sinta em casa no meio de judeus... Isso é dom nato ou recordação de vida passada? Primeiro ela aprende russo, agora canta hebreu? O que perdemos que não vimos? Scully onde essa menina aprendeu isso?

SCULLY: - Mulder, eu não sei! O que sei é que Victoria vive lendo tudo o que encontra, mas nem temos livros hebraicos em casa! Será que como o lance da língua russa ela viu isso na casa da Barbara? Algum livro de idiomas...

MULDER: - Duvido que Barbara e Krycek queiram aprender hebreu, mesmo que o russo tenha um pezinho bem distante em Israel. Vamos ter que conversar com Victoria e dessa vez vai ser um papo bem sério.

SCULLY: - Mulder, crianças escutam e decoram pra repetir. Ela deve ter decorado e está repetindo, é uma música. Não significa que ela entenda o que cante. Pare de ver chifre em cabeça de cavalo.

Scully olha pra Bryan que bate palmas, dançando no colo dela.

SCULLY: -(DESANIMADA) E o meu Scully irlandês... Só se for gostar de cerveja e acreditar em gnomos, pois de resto já se enturmou com os seus, Mulder.

MULDER: -(DEBOCHADO) Culpa sua que circuncidou o meu garoto! Agora ele pensa que é judeu! Seu pai deve estar se revirando no túmulo, Dana Scully.

Victoria vem dançando e puxa Mulder pela mão. Scully começa a rir. Mulder empaca. Victoria insiste e Mulder cede ao pedido da filha. Scully se embala no ritmo com Bryan no colo. Bryan cerra o cenho pra Scully e aponta pra Mulder e Victoria. Scully ergue as sobrancelhas num suspiro e vai dançando com ele até as pessoas.


10:14 PM

[Som: Siman Tov, Mazel Tov / Heiveinu Shalom Aleichem - Jay Levy]

A festa segue animada dentro do restaurante. Scully sentada à mesa com Bryan no colo, que já está quase dormindo. Ellen ao lado, servindo vinho pra elas.

ELLEN: - Prova esse vinho, Dana. Nunca tomei um vinho tão bom na vida. Aposto que eles fazem aqui.

Scully leva a taça aos lábios. Ellen olha curiosa pra amiga.

SCULLY: - (IMPRESSIONADA) Nossa!

ELLEN: - Não disse? Mal sente o gosto alcóolico, parece uva pura. Vou descobrir e levar umas garrafas. Walter vai pirar!

SCULLY - (SORRI) Walter vai pirar quando descobrir que você está comigo e com o Mulder num Arquivo X.

ELLEN: - Pirado está o seu marido, o antissocial que vive negando as raízes, mas tá se divertindo no meio da judeuzada. Parece que está em casa!

SCULLY: - Mulder fala mal dos judeus, mas no fundo ele gosta das raízes. São um povo festeiro e divertido. Eu gosto disso. Temos que respeitar as crenças e os costumes dos outros, não é?

ELLEN: - Nunca estive num casamento judeu antes, mas já fui num casamento palestino. Menina, nunca me diverti tanto! Essa gente do oriente, eles sabem como dar uma festa animada. E casamento cigano? Eles não tem dia pra acabar a festa! Por falar nisso, a nossa amiga cubana não vai casar em Cuba? Aposto que a festa lá também vai ser boa. Vai juntar cubano com russo, imagina vodca e rum à vontade? Vou me acabar!

SCULLY: - Ellen, por falar em russo, eu sempre quero perguntar uma coisa pra você e sempre me esqueço. Por que o Skinner se chama Walter Sergei? Ele nunca fala sobre isso. Skinner é um sobrenome originário da Inglaterra. Ele tem parentes russos?

ELLEN: - Não conta que eu falei pra você, ele não gosta mesmo de falar. O padrinho dele era fã do poeta russoSergei Yesenin, um daqueles poetas doidões da geração do Maiakovski, que morreu por suicídio. Entendeu? Imagina o Walter sério daquele jeito dentro do FBI... O que as pessoas pensariam de associá-lo com loucura e poesia? Fariam piada. Por isso ele sempre abreviou o segundo nome. A única coisa russa que o meu marido tem além do nome de poeta é vodca no barzinho.

As duas riem. Scully olha para Victoria dançando com Mulder, no meio dos outros. Mulder segurando uma taça de vinho, os dois rindo e se divertindo. Um dos parentes da noiva passa dançando e coloca um chapéu na cabeça de Mulder. Victoria começa a rir.

SCULLY: - Adoro ver minha filha se divertindo com o pai dela. Victoria consegue tirar o melhor do Mulder.

ELLEN: - Ele é louco pela filha. Ninguém toca nessa menina ou ele enlouquece.

SCULLY: - Eles têm uma ligação enorme. Lembro do meu pai e eu... Tem dias que a saudade bate. Queria tanto que ele tivesse conhecido o Mulder e os nossos filhos...


10:35 PM

[Som: Hava Nagila - Mantovani]

The Gold Coin, disfarçado de judeu, entra no restaurante. Senta-se ao fundo, observando Victoria que anda pelo ambiente, olhando para os quadros na parede, com imagens de Israel. Coin serve uma taça com o vinho que está sobre a mesa.

Victoria para. Ergue a cabeça, aspirando o ar, como quem sente um cheiro diferente. Então olha na direção de Coin. Ele sorri com o canto da boca, piscando o olho pra ela. Victoria arregala os olhos e sai correndo até a mesa dos pais.

Ellen sentada ao lado de Scully. Scully segura Bryan, que dorme em seus braços com a chupeta na boca. Mulder de frente pra elas. Victoria senta-se ao lado de Mulder. Vira o rosto pra trás, olhando assustada pra Coin, que acena pra ela num sorriso debochado.

VICTORIA: - O que ele tá fazendo aqui?

MULDER: - Quem?

VICTORIA: - Ele!

Victoria se vira e aponta pra Coin. Mulder se vira e vê a mesa vazia.

MULDER: - Quem filha? Não vejo ninguém.

Coin sorri debochado, erguendo a taça de vinho. Victoria suspira, irritada.

VICTORIA: - Esquece.

Victoria brinca com o arranjo de flores. Mulder serve mais vinho.

MULDER: - Pinguinho, onde você aprendeu a cantar Hava Nagila? Na escola, na TV...

VICTORIA: - Nah! Ouvindo aqui.

MULDER: - Como ouvindo se apenas você cantava? A banda só tocou, não cantou.

VICTORIA: - Mas antes eles cantaram. Você não tava aqui.

Mulder olha pra Ellen que afirma com a cabeça. Scully segura o riso.

SCULLY: - Não falei? Papagaio aprende na repetição e não significa que entenda.

MULDER: - Pinguinho, você sabe o que diz a música?

VICTORIA: - Claro, né papai. Ela diz pra gente ficar alegre, cantar e ser feliz. Para os irmãos despertarem um coração contente.

Scully arregala os olhos. Ellen observa curiosa.

MULDER: - É isso mesmo. E quem disse o significado pra você?

VICTORIA: - Ninguém né? Precisa? Você não entende a língua deles?

MULDER: - Não. Eu sei a tradução da música, mas por ter lido e não por ter ouvido.

VICTORIA: - Como não entende? A mamãe disse que você tem raízes judias!

MULDER: - E como você entende?

VICTORIA: -Escutando eles falarem. Você não escuta?

MULDER: -Escuto um monte de palavras que não fazem sentido porque desconheço a língua deles. É como a coisa de falar russo?

VICTORIA: -Nah! O russo eu aprendi nos livros da tia Barbie. Eles eu entendo.

Scully questiona Mulder com os olhos.

MULDER: -Entende como você e eu agora conversando? Do mesmo jeito?

VICTORIA: -Sim. Só tem umas palavras que eles falam diferente, eu acho engraçado. Não sabem pronunciar direito.

SCULLY: - Como assim?

A noiva se aproxima da mesa.

TAMAR: - Vocês são convidados da festa, espero que apreciem o buffet.

SCULLY: - Agradecemos o convite. Parabéns pelo casamento.

MULDER: - Mazel Tov!

TAMAR: - (SORRI) Muito obrigada, é um prazer receber bons votos de pessoas que estão aqui para nos ajudarem. Espero que se divirtam.

Victoria se levanta.

VICTORIA: -'Eyfo hasherutim? (Onde fica o banheiro?)

TAMAR: -Yamina. (À direita)

VICTORIA: - Todá rabáh. (Muito obrigada.)

TAMAR: - (SORRI) 'Eyn be'ad ma. (De nada).

Scully arregala os olhos, inquirindo Victoria num olhar incrédulo. Victoria se afasta.

TAMAR: - Vocês nos causaram boa impressão por terem ensinado hebraico a sua filhinha, nós admiramos quem conserva suas raízes... Ela é uma garotinha adorável. Bom, divirtam-se!

Tamar se afasta. Scully leva a taça de vinho à boca, mão tremendo.

MULDER: - Língua mater, como eu chamo. Antes da coisa da Torre de Babel havia apenas uma língua no mundo. E acho que é essa que ela entende.

Scully se levanta, irritada, levando Bryan com ela. Mulder a acompanha com os olhos.

ELLEN: - O que deu nela?

MULDER: - Não é fácil admitir um Arquivo X. Menos ainda quando você pariu um que resume em si a existência de todos os outros.


11:12 PM

Bryan dorme nos braços de Scully. Eles ainda sentados no restaurante. Victoria comendo batatas fritas.

SCULLY: - Isso não está certo. Olha a hora que essa criança está jantando!

VICTORIA: - Eu tô adorando! É diferente!

MULDER: - É claro que você está adorando, você adora quando não existem regras a serem seguidas, horários definidos e liberdade total. Reacionária!

Mulder bota a língua pra Victoria. Victoria agarra o nariz dele, rindo. Mulder a agarra com força, ela tenta se soltar. Mulder a enche de beijos e a coloca em seu colo. Victoria se abraça no pescoço dele.

ELLEN: - O que significa Idishe Mame?

MULDER: - Literalmente, mamãe judia.

SCULLY: - (LENDO O CARDÁPIO) Só tem comida judia aqui?

ELLEN: - O que você queria? Comida árabe?

SCULLY: - Hum... Parece bom, Ellen... Bolo de Mel... Panquecas de ricota... Knishe de Batatas... Não sei o que é knishe, mas se vai batatas... Mulder, que diabos é Chala?

MULDER: - Um pão trançado. Que droga, onde se encontra hambúrguer por aqui? Não tem comida de gente nesse lugar?

SCULLY: - Hum, mas a comida parece uma delícia. Mel, maçãs, canela, batatas, ricota... Que dieta saudável! Não sabia que os judeus tinham hábito alimentar tão natural.

ELLEN: - Vou trocar umas receitas com a Mame. Não somos concorrentes.

MULDER: - Vocês são mais judias do que eu. Aposto que fariam a festa no dia de Rosh Hashaná, o ano novo judeu. Comida farta...

Vários judeus ortodoxos entram no restaurante. Sentam-se ao fundo.

ELLEN: - (IMPRESSIONADA) Jesus! Eles mordem?

MULDER: - (DEBOCHADO) É só você não falar "Jesus" que eles não mordem.

ELLEN: - Então por que estão todos olhando atravessados pra nós?

MULDER: - Porque não somos daqui e a cidade toda já deve saber que eu sou casado com uma católica irlandesa. E devem estar se perguntando por que estou na companhia de mais outra mulher não judia.

ELLEN: - Faz assim, se perguntarem, eu sou a amante e Scully é a esposa. Abraão não tinha duas mulheres?

MULDER: - Eu sei lá do Abraão! Mas aposto que com duas, o miserável não trabalhava o que chegava pra sustentar as folgadas. Tinha mesmo que morar numa barraca no meio do deserto! Falido por completo! Duas mulheres pra quê? Pra mais desperdício de dinheiro? Uma já dá prejuízo demais!

SCULLY: - Como você é abusado, Mulder. Deixa, Ellen. Eu sou burra. Vou começar a gritar a noite toda enquanto fazemos amor: Bota tudo, Mulder! Bota! Ai, Mulder, bota tudo no meu nome!

Mulder olha debochado pra Scully. Ellen começa a rir. Mame, a senhora gordinha e simpática de seus 70 anos, se aproxima usando um avental e segurando a caneta e o bloco de notas. Victoria se levanta e anda pelo restaurante, observando com curiosidade os judeus.

MAME: - Já se decidiram?

Mulder olha pra Mame implorando com os olhos.

MULDER: - Me consegue, pelo amor de Moisés e dos patriarcas, qualquer coisa que tenha bife, queijo e fritas?

Mame olha pra Mulder, segura um riso e acena negativamente com a cabeça.

MAME: - Só servimos comida kosher. São as tradições.

ELLEN: - O que é comida kosher?

MAME: - Comida inspecionada pelo rabino e preparada de acordo com os preceitos judaicos. Os animais são abatidos sem sofrimento, não tem carne de porco e só comemos peixes de escamas, de pele nem pensar. E não comemos queijo com carne. Nem carne com sangue.

MULDER: -(PIDÃO)Tem hambúrguer sem queijo então?

MAME: - Como está aqui pra nos ajudar... Eu faço um belo bife, mas tem que ser bem passado. E faço fritas. Mas nada de queijo no bife. Não abuse da minha paciência, mocinho.

MULDER: - Sim, "mame"... Pode me dizer quem são aqueles sujeitos?

MAME: - São rabinos que chegaram hoje de Israel para ver o Rabi Steinsaltz.

Mame se afasta.

MULDER: - Ellen, feche os ouvidos, por favor...

Ellen vira o rosto, atenta. Mulder levanta-se e inclina-se sobre a mesa, olhando descarado pra Scully.

MULDER: - Me aguarde. Hoje à noite eu juro que boto tudo. Tudinho, mas em outro lugar que não seja no seu nome. Pra você definitivamente parar de me chatear com essa piada antissemita.

SCULLY: - Propaganda enganosa dá cadeia, Mulder.

MULDER: - Hum, então pode me algemar também... Vai ser interessante.

ELLEN: - Não posso ouvir o que vocês estão falando, mas aposto que tem sacanagem no meio.

SCULLY: - Imagina! Estamos discutindo a linha de investigação... Cadê Victoria?

Eles procuram Victoria com os olhos. Victoria está sentada entre os rabinos, conversando e comendo bolo. Eles estão admirados com ela.

VICTORIA: - De onde vocês vêm? E por que usam os cabelos desse jeito? E essa roupa? Como chama esse chapéu aí?

Scully olha pra Mulder que fica tenso observando Victoria.

SCULLY: - Sangue é sangue. Não adianta, Mulder.

ELLEN: - Como essa menina é curiosa!

SCULLY: - Parece um vampiro sugador de conhecimentos. Tem dias que eu desisto, pois quanto mais você fala, mais ela quer assunto, e o porquê disso, como é aquilo, mas quem disse isso... Você cansa e ela ainda está no pique.

MULDER: - (TENSO) Vou buscar Victoria. Não quero que fique falando com estranhos.

ELLEN: - Mas são rabinos! Homens de Deus.

MULDER: - Por isso mesmo. Você não sabe os assuntos que ela conversa. Até Deus se assustaria, quanto mais os representantes judaicos Dele!


11:56 PM

Scully vem com Bryan dormindo em seus braços. Ellen ao lado dela, segurando o casaco fechado na frente do corpo. Mulder e Victoria mais à frente, Victoria sentada nos ombros de Mulder, os dois conversando e brincando. Mulder algumas vezes corre, ela grita com medo de cair e dá risadas.

ELLEN: - Aquele seu comentário no carro, sobre tamanho, era pra irritar ele pela coisa da circuncisão. Eu conheço você de longa data, Dana.

SCULLY: - Tem horas que o Mulder me irrita, Ellen. Esse assunto já devia estar encerrado, tem mais de um ano e meio que aconteceu, o Bryan já vai fazer dois anos e já discutimos horrores sobre isso. Quando eu cheguei do hospital ele ficou uma fera, como se eu tivesse mutilado o nosso filho. Tudo que envolve pênis afeta a masculinidade? Ah, me poupe! Eu fiz por amor ao meu filho, para evitar que ele venha a ter problemas piores.

ELLEN: - Não acho que seja machismo, me pareceu mais um assunto que mexe com coisas dele mesmo, com o psicológico, você mesma viu ele admitir. Agora admita que errou, Dana. O filho é de vocês dois, deveria ter pedido a opinião dele antes de circuncidar o garoto. É compreensível que ele tenha ficado aborrecido. Você o excluiu de uma decisão que envolvia o filho que é dele também. Como você reagiria se ele permitisse que Victoria, por exemplo, fizesse uma tatuagem sem o seu conhecimento? Você ia gostar de ter sido excluída de uma decisão pra vida da sua filha?

SCULLY: - Ellen, para! Eu já tô me sentindo culpada e arrependida o suficiente! Juro que não pensei que Mulder reagiria assim. E o pior de tudo é que... Eu acho que é apenas birra religiosa, justamente o motivo que não existe nessa história! Sabe como Mulder é com religião, a minha então não presta nunca! Você viu o sacrifício pra batizar meus filhos, porque ele achava que isso era coisa pra eles decidirem depois de crescidos. Eu sei que ele acha que Deus é astronauta, eu vi coisas que não posso explicar, mas eu lido de maneira diferente, Deus pra mim continua sendo Deus, independente de ser ou não astronauta!

ELLEN: -Quantas pendências vocês estão arrastando? Me dá essa criança aqui! Vou ficar com seus filhos no meu quarto, preciso de companhia. Quero curtir minha afilhada divertida.

SCULLY: - Bryan vai acordar e berrar até você ter um surto.

ELLEN: - Eu já criei um filho, posso lidar com bebê chorando! Vou ficar com as crianças e você vai dar um jeito de se entender com o seu marido e terminar de vez com esse assunto, antes que daqui um ano o assunto volte novamente. Deixa de ser teimosa e peça desculpas. Ele não pede quando erra? Então peça porque agora quem errou foi você.

Ellen abre o casaco tirando uma garrafa de vinho. Scully começa a rir.

ELLEN: - Pra vocês. Agora me dá o Bryan aqui. E não me agradeça. Posso precisar que roube uma garrafa de vinho pra Walter e eu algum dia. Casamentos tem tempestades e precisam de jogo de cintura. E agora é a sua vez de rebolar. E vê se rebola bem, porque o homem tá magoado mesmo!

SCULLY: - A Barbara nunca tira a minha razão e você defende o Mulder!

ELLEN: - Eu defendo quem está certo! E agora ele tá certo. E a Dona Rata vê você como a inspiração de mulher pra ela, a conselheira, feito uma irmãzinha caçula. Eu sou a mais velha, meu dever é puxar orelhas. Anda, me dá esse garoto aqui! (GRITA) Victoria!!!! Você vai dormir com sua madrinha hoje!!!


Quarto do Hotel - 12:09 AM

Mulder abre a porta. Scully entra com a garrafa de vinho. Mulder entra atrás dela e fecha a porta.

MULDER: - Desde quando rouba vinho de festas de casamento?

SCULLY: - Coisa da Ellen. Abre pra gente.

Scully tira o casaco e vai pro banheiro. Mulder procura copos. Encontra descartáveis. Abre a garrafa e serve os copos. Tira a jaqueta e joga no encosto da poltrona. Atira-se na poltrona. Pega o copo.

MULDER: - Faltou algo naquele casamento.

Scully responde do banheiro.

SCULLY: - (RINDO) Churrasco?

MULDER: - O único rabino vivo da cidade. O Rabi Steinsaltz não estava na festa. Nem a esposa dele. A cidade toda estava lá, menos o rabino.

Scully volta pro quarto, só de sutiã e calças. Senta-se aos pés da cama, de frente pra Mulder e tira os tênis.

SCULLY: - Vai ver ele não gosta de festas.

MULDER: - Casamento é uma festa sagrada pra judeus. Por que ele não estava lá?

Scully levanta-se e tira as calças. Depois senta-se. Mulder entrega o outro copo pra ela.

SCULLY: - Acha que o rabino esconde segredos, Mulder?

MULDER: - Não, estou apenas questionando. E tinha um casal de jovens que não tirava os olhos da gente.

SCULLY: - A cidade toda está curiosa conosco, Mulder. Isso não torna ninguém suspeito.

Mulder bebe um gole de vinho e larga o copo. Tira os tênis.

MULDER: - Amanhã vamos falar com os Baroukh... E sobre Victoria, continue fazendo de conta que ela é uma criança igual a todas, se isso faz você mais feliz.

Scully olha incrédula. Mulder se levanta e tira a camiseta, indo para o banheiro. Scully vai atrás dele.

SCULLY: - O que quer dizer com isso?

MULDER: - O que você quiser entender.

Mulder para na frente do vaso e abre o zíper.

SCULLY: - Ok! Admita que não fica chocado pelo fato da nossa filha falar línguas que ninguém fala em nossa casa!

MULDER: - Não. Pra dizer a verdade, eu fico orgulhoso que ela tenha "talento" para aprender idiomas. Isso vai servir muito pra vida dela.

SCULLY: - (INCRÉDULA) Talento? Chama isso de talento?

MULDER: - Ah! Agora você começou a entender rapidinho.

Mulder fecha o zíper e dá a descarga. Lava as mãos. Scully faz um beiço.

SCULLY: - Sabe do que eu tenho medo. Por que age cruelmente comigo, Mulder?

MULDER: - Por que uma hora você vai ter que acordar antes que tenha outro problema de depressão e acabe caindo, chamando de volta tudo aquilo que já passamos, lembra?

SCULLY: - (INCRÉDULA) Eu não acredito que você está revirando o passado...

MULDER: - (IRRITADO) Eu não estou revirando o passado! Eu só estou dizendo que as coisas começam assim, com você num pedestal de felicidade e daqui à pouco frustrada e desanimada. Aí você não abre o jogo comigo, esconde o que está sentindo e acaba em merda.

Mulder tira a camisa. Abre o chuveiro.

SCULLY: - Eu não abro o jogo com você, Mulder? Isso é sério? E você? Ahn? Que está cheio de segredinhos com o Krycek? Quem está escondendo alguma coisa aqui? De repente me sinto como se eu não fosse mais a sua parceira! O seu parceiro agora é o Krycek!

MULDER: - Não começa. Você abriu a porta.

Scully olha incrédula. Mulder tira as calças.

SCULLY: - Não começa você a revirar passado! Se eu abri a porta, você gostou! E gostou tanto que colou nele e me jogou pra escanteio!

MULDER: - Nem vou dar resposta, Scully. Você nunca entenderia a minha relação com o Krycek.

Mulder tira as cuecas e vai pro box, fechando a porta.

SCULLY: - Não? Tem certeza? Só por que não sou psicóloga?

MULDER: - Você não entende nem a minha relação comigo mesmo!

SCULLY: - Sabia! Não é o Krycek ou a Victoria. Esse assunto todo é pelo Bryan!

MULDER: - Pense o que quiser. Você não tinha o direito de me esconder, como se eu não fosse descobrir.

SCULLY: - Eu não escondi! Eu só não pensei! Quantas vezes eu disse isso, Mulder? Ahn?

MULDER: - Sabe como eu me sinto? Esquece! Você não quer saber como eu me sinto. Tudo é sobre você, sempre foi sobre você! Seus filhos, sua vida, sua casa, seus sonhos. Eu não tenho participação nisso, apenas fui o doador de esperma.

SCULLY: - Não diga isso quando eu dediquei metade da minha vida atrás das suas loucuras, Mulder! Eu também tenho o direito de pensar em mim! Você mesmo concordou que eu deveria... Entendi.

Scully recosta-se na pia e cruza os braços.

SCULLY: - Isso tudo é porque vou parar de investigar! Porque decidi fazer algo diferente na vida, algo que me dá prazer, porque lembrar do FBI me causa desconforto! E mudar de profissão não vai me fazer ficar colada em você o dia todo!

MULDER: - Sabe que não é isso. Eu não vou continuar investigando coisas todos os dias. Eu quero escrever para ficar mais em casa com as crianças e pra ajudar você a realizar o seu sonho.

SCULLY: - Então por que está magoado comigo? Mulder, eu não pensei direito, certo? Não pensei em discutir a circuncisão do Bryan com você porque achei que você não se importaria!

Mulder abre a porta do box e puxa a toalha. Enrola na cintura.

MULDER: - Você toma as decisões sobre os nossos filhos e nunca me consulta. A única vez que me consultou foi sobre a escola da Victoria. Quer que eu me sinta como, além de um doador de esperma? Os filhos são apenas seus? Eu não tenho parte nisso?

Scully abre a boca. Mulder passa por ela num beiço.

SCULLY: - Mulder, você vivia me chamando de enigmática, mas agora é você quem está cheio de enigmas que estou tentando decifrar! Você está com ciúmes das crianças comigo? Sobre o quê estamos discutindo até agora?

MULDER: - Vou dormir, estou cansado. Pense o que quiser. Você só pensa em você mesma.

Mulder sai do banheiro. Scully liga o chuveiro.


1:03 AM

[Som: Shir Ahava - Yaniv Bar]

Mulder deitado de bruços na cama, abraçado no travesseiro. Olhos em lágrimas.

Scully, de camisola, ergue o edredom e se deita ao lado dele. Olha pra Mulder que está de costas pra ela.

SCULLY: - Mulder, me desculpe por ter tomado uma decisão que não era apenas minha. Eu agi errado e você tem razão. O que você falou no banheiro... Eu refleti quando você disse que eu só penso o que quero e em mim mesma. Era sobre a minha visão das coisas, como sempre foi... Minha visão direta, objetiva, pronta, de cientista mesmo. Não é sobre eu, as crianças ou Krycek... Na verdade, tudo está relacionado. É sobre você.Tudo o que falamos é sobre você. Posso não ser psicóloga, Mulder, mas eu entendo.

MULDER: - (FECHA OS OLHOS/ DERRUBA LÁGRIMAS) ...

SCULLY: - Primeiro, me perdoa. Nunca mais eu tomarei decisões sobre as crianças sem consultar você. Segundo, não me poupe da verdade sobre Victoria, porque sinto que você está carregando esse peso e dividindo coisas com o Krycek pra não me aborrecer. Terceiro. Eu entendo que o seu inconsciente veja no Krycek uma figura masculina que representa um pai que você nunca teve, afinal, ele se preocupa com você e ensina coisas que você não sabe fazer. Como a mecânica, por exemplo. Pela primeira vez na vida você tem um homem ao seu lado, que está com você, lhe ensina, dá atenção, protege e se importa com você. Você se sente amado, a criança dentro de você finalmente teve a atenção de um pai, nada agora é apenas Samantha... Eu entendo isso. Entendo sua relação complexa com o Krycek. Vocês dois se supriram emocionalmente, porque tanto você quanto ele, ambos carecem de uma figura masculina para os guiar. E eu fico feliz porque você tem um amigo que compreende isso e não se importa em ser o que você precisa.

Mulder morde os lábios, cerra os olhos chorando.

SCULLY: - Sobre a circuncisão do Bryan. Pensei até que fosse birra sua com judeus ou coisa de machão. Não. Você disse no carro que isso foi traumático... Agora eu entendi Mulder. Você se aborreceu por eu não ter consultado você sobre algo que pra mim era apenas questão de saúde, mas para você era algo que envolvia a sua psique. Você tem medo de "castrar" o seu filho como fizeram com você. De não dar opções a ele. Você se apega a Victoria, mas sempre tenta dar tudo de si ao Bryan, porque não quer que seu filho cresça à sombra de uma Samantha, a favorita da família. Um menino literalmente castrado de tudo, principalmente de amor e atenção. E a minha atitude egoísta de não discutir isso com você, me transformou na sua figura materna. Castrei você como sua mãe fazia.

Mulder solta o choro. Scully o envolve com os braços e enche os olhos de lágrimas. Dá um beijo nas costas nuas do marido e recosta o rosto nelas.

SCULLY: -Já falamos sobre essas coisas, mas nunca relacionei que a circuncisão pudesse ser um fator castrador na sua vida também. Você nunca teve direito a nada, nem mesmo sobre o seu corpo. E você tem gritado isso e eu não tenho entendido. A coisa da tatuagem, dos brincos, de mudar o visual... É você se libertando, Mulder. E o que eu tenho feito? Ao invés de o apoiar como sua mulher, sua parceira, eu tenho agido como a sua mãe.

Mulder se vira e se abraça nela, recostando a cabeça nos seios de Scully. Ela o abraça, chorando junto, o mantendo apertado contra seu corpo e afagando os cabelos dele.

SCULLY: -Me perdoa, Mulder. Perdoa essa sua ruiva idiota, que ganhou asas e resolveu voar e esqueceu que só tem as asas porque você as mostrou que eu tinha. Você me ajudou a abrir essas asas. E o que eu fiz? Eu cortei as suas. Me perdoa por deixar de dar a atenção que você merece. Eu fiz uma promessa e as coisas do dia a dia me fizeram esquecer dela. Eu prometi amar você. Cuidar de você. Das suas feridas. Me deixa ser o seu bálsamo e arrancar toda essa dor que você carrega. E cicatrizar suas asas. Nos temos um ninho pra cuidar juntos. Voos para alçar juntos. Se não for juntos, qual a graça de voar?

MULDER: - Scully, eu...

Scully coloca o indicador sobre os lábios dele.

SCULLY: - Não, Mulder... Eu amo você. E estava sentindo saudades do meu Mulder carente. Eu adoro o meu Mulder carente... Eu me apaixonei por ele. O que seria da Scully sem o Mulder?

Mulder sorri entre lágrimas. Scully continua fazendo carinho nos cabelos dele.

MULDER: - E o que seria do Mulder sem a Scully?

SCULLY: - Não seria.

MULDER: - Posso ficar assim nos seus braços?

SCULLY: - Sempre, Mulder. Sempre...

Mulder se aninha contra ela e fecha os olhos. Scully fica acariciando os cabelos dele.

SCULLY: -(SORRI) Eu gosto.

MULDER: - (OLHOS FECHADOS) Gosta que eu fique nos seus braços?

SCULLY: - (SORRI) Sim, mas não é sobre isso. Você foi o meu primeiro e único homem circuncidado.

Mulder segura o riso.

SCULLY: - Gosto do tamanho e da aparência da sua "mercadoria". Quando vi da primeira vez levei medo, imaginava que devia ser grande como você, mas superou as expectativas... E nem vou falar do funcionamento da máquina, Shaft.

Mulder sorri. Scully sorri com ele.

MULDER: - Pensei que não estivesse contente com a largura.

SCULLY: - Ah, sim! Era pra irritar você. Quer me matar é? Tá de bom tamanho, Mulder. Eu já quebro as grades da cama e acordo a vizinhança toda...

MULDER: - Você me excita mais ainda quando faz isso.

SCULLY: - Olha Mulder, a gente pode ter muitos problemas na vida, mas na cama não temos. Ah, mas não temos mesmo. Não posso reclamar disso, muito pelo contrário. E você? Pensa diferente?

MULDER: - Nenhuma reclamação, minha "Madonna" ruiva.

SCULLY: - Sexo tântrico... A gente tem que tirar um tempinho pra isso. Você me ensinou e eu gostei da coisa. Velinhas, óleo, estímulos, paciência e muito tempo nas preliminares... Só não sei como você consegue, Mulder.

MULDER: - (DEBOCHADO) Sou um alienígena, esqueceu?

SCULLY: - Que sorte a minha, não? Mas me sinto azarada também. Pensei que a gente pudesse fazer amor hoje, já que você anda bem doidinho por isso, mas acho que nesse lugar não vai rolar. Você tá muito envolvido com o seu povo.

Mulder ergue a cabeça e a questiona com os olhos.

MULDER: - Como assim, Scully?

SCULLY: - Você é judeu, Mulder. E como diz a piada, judeu não joga porra nenhuma fora. O que adianta transar se você não vai gozar?

Os dois começam a rir. Scully fica séria. Trocam um beijo.

SCULLY: - Sou cientista, preciso de provas, Mulder.

Scully olha marota e vai pra baixo do edredom. Mulder arregala os olhos.

SCULLY: -Vamos ver se essa piada tem fundamento científico... Hum, adoro esse seu "doce sem embalagem", Mulder... Dá menos trabalho comer banana sem casca...


Fazenda dos Baroukh – 8:39 AM

Mulder e Scully descem do carro. Observam a casa de cercadinho branco e jardim florido.

SCULLY: - Adoraria ter uma fazendinha assim...

MULDER: - Quero passar o resto de nossos dias num lugar como esse.

SCULLY: - Esqueça o que eu disse, Mulder. Prefiro morar na cidade. Imagine aguentar você como fazendeiro? Scully, traga as minhas botas! Scully, a vaca fugiu! Scully, as galinhas não colocaram ovos! Scully, o cavalo precisa de feno...

Mulder segue caminhando, com as mãos no bolso, ar debochado.

MULDER: - Por falar em cavalo... (RELINCHA) Eu adoraria cair de boca no seu feno.

SCULLY: - (RINDO) Para seu depravado! Para de dizer coisas obscenas! Mulder, você não tem jeito! Quanta perversão nessa mente suja!

MULDER: - (DEBOCHADO) Foi você quem começou com essa coisa de cavalo.

SCULLY: - (RINDO) Para!!!!!

MULDER: - (RELINCHA NO PESCOÇO DELA)

SCULLY: - (RINDO) Para, Mulder!!!!!! Sai!!!!

A senhora Baroukh sai da casa. Ao vê-los, volta correndo pra dentro. O Sr. Baroukh sai desconfiado.

MULDER: - Shalom! (MOSTRA A CREDENCIAL) Detetives Mulder e Scully.

SR. BAROUKH: - (OLHA ATRAVESSADO PRA SCULLY) Shalom!

MULDER: - Estamos investigando a morte dos rabinos. Gostaríamos de algumas informações...

SR. BAROUKH: - Só falo com você. De homem pra homem.

Scully abre a boca. Mulder segura o braço dela. Scully se cala. Mulder vira-se pra ela, falando em tom baixo.

MULDER: - Fique aqui fora.

SCULLY: - Só por que não tenho origem judia? É isso?

MULDER: - Não. Porque você é mulher e o assunto é de homem. Sei que é absurdo, mas contenha seus preceitos feministas, pois precisamos trabalhar, ok?

SCULLY: - (INDIGNADA) Ok. Então a mulher, a fofoqueira e inútil aqui, vai fazer a necropsia. O morto não vai reclamar.

Mulder e Baroukh entram na casa. Scully entra no carro.

SCULLY: - (RESMUNGA) Deveria ter ficado em casa com as crianças e a Ellen, com uma tigela enorme de pipocas e colocando os meus seriados em dia!


9:34 AM

[Som:Shmueli Ungar - Mach a Bracha! (Faça a bênção!)]

Mulder vem caminhando pela calçada. O jovem Israel vem o seguindo. Ao lado dele uma garota, Nínive. Os dois cochicham. Mulder percebe, mas não se vira.

NÍNIVE: -(COCHICHA) Vai você. Eu não tenho coragem. E se ele der um carão na gente?

ISRAEL: - (COCHICHA) Tá, não me deixa mais nervoso. Lembra de ontem, né?

Os dois apertam o passo.

ISRAEL: - Fox Mulder?

Mulder vira-se.

ISRAEL: - (SORRI) É você mesmo... Pela foto no livro.

MULDER: - Deixe-me adivinhar... E você é um dos corajosos que comprou o meu livro.

Israel sorri. Os dois trocam um cumprimento.

ISRAEL: - Eu sou Israel Steinsaltz, esta é Nínive, filha caçula dos Baroukh.

NÍNIVE: - Olá! É um prazer conhecer alguém famoso.

Mulder olha para todos os lados.

MULDER: - Onde???

Os jovens riem.

MULDER: - Tem certeza que estão falando de mim?

ISRAEL: - (SORRINDO) Seria chato pedir um autógrafo?

MULDER: -(RINDO) Chato seria eu oferecer um autógrafo!

Israel tira da mochila dois exemplares do livro de Mulder.

ISRAEL: - Compramos Girassol & Canela pela internet. Não tem livrarias nessa cidade.

MULDER: -Não faz muita diferença porque o livro não está em muitas livrarias. Estou por mim, publicação independente, não consegui editora.

NÍNIVE: - Uma pena, porque seu livro é ótimo e me fez chorar!

MULDER: - Isso é bom ou ruim?

ISRAEL: - É ótimo! Eu me identifiquei em muitas partes com as coisas que Yossef dizia. E depois em Auschwitz... Mulder, não tem como não se emocionar com o que seus avós passaram. Eu fecho os olhos e posso imaginar Eva no piano...

NÍNIVE: - E a gente começa a ler e não quer parar, o livro flui, a história prende a atenção e mexe com os sentimentos e os nervos. E mexe mais porque é uma história real, ela aconteceu de verdade. É um romance com final triste, mas no final de tudo, eu acho que você e Scully eram eles e se reencontraram nessa vida para viverem o que não puderam na outra.

ISRAEL: - Como você deixou a interpretação disso em aberto, eu já penso diferente da Nínive. Eu acredito que vocês dois são como uma justiça de Deus para Eva e Yossef.

NÍNIVE: - Não Israel! E como explica o amigo dele, o Krycek? Ahn? Ele era o major Yuri! Os dois tinham um carma para resolver nessa vida.

ISRAEL: - Não, o major Yuri era o avô do Krycek. Nínive, eu já dei minha teoria sobre isso. A coisa do sangue, da energia, isso nasce com a gente e as dívidas que nossos ancestrais não pagaram, essas pendências sobram nas gerações futuras e o destino se encarrega de unir todos novamente.

Mulder acha graça dos dois discutindo.

ISRAEL: - Quem está certo, Mulder?

MULDER: - Os dois. Depende do ponto de vista. Essa é a parte de vocês no livro. Cada um com sua teoria, sem respostas certas ou erradas. Afinal, quem sabe a verdade?

NÍNIVE: - Eu fico com minha teoria, é mais romântica.

ISRAEL: - E eu com a minha, é mais realista.

MULDER: - (SORRI) Pronto, um final pra cada um... Ontem no casamento... Eu vi vocês dois. Não paravam de olhar pra minha mesa.

NÍNIVE: - É que a gente queria chegar em você, mas estava com vergonha. Ai, posso tirar uma foto com você? Vou postar na internet!

ISRAEL: - E eu posso pagar um café? Se é que você tem tempo pra conversar um pouco, sei que está envolvido na investigação e é um escritor...

MULDER: -(DEBOCHADO) Vocês são os meus únicos fãs e não vou ter tempo pra tomar café com vocês?


Idishe Mame – 10:01 AM

Mulder autografa o livro de Israel. Nínive lê o autógrafo em seu livro, empolgada.

MULDER: - Confesso que senti muito não ter conhecido Klaus antes. Nas poucas horas em que conversamos, antes dele morrer, me afeiçoei nele como um neto. Mas desde que o vi, parecia que o conhecia, antes mesmo que ele abrisse a boca. Perguntei se já tínhamos nos visto antes, então ele sorriu e me pediu para sentar, pois ele tinha algo importante pra dizer.

NÍNIVE: - Mas você deve pensar no quanto foi abençoado pelas coisas que ouviu... Não são todas as pessoas que passam por uma experiência dessas.

ISRAEL: - Agora só precisamos um autógrafo da Scully. Eu quero vê-la pessoalmente.

NÍNIVE: - Será que ela tiraria foto com a gente também?

MULDER: - A Scully é a maria das fotografias e nem precisam pagar um café em troca... Talvez um gelado de arroz integral sem gordura...

Eles riem.

MULDER: - Então você é filho do Rabi Steinsaltz. E foi quem sugeriu a ele que nos contratasse.

ISRAEL: - Sim, porque além da oportunidade de conhecer vocês dois, eu creio que são as pessoas certas para resolverem os assassinatos. E você ainda tem origens judias. Foi o que convenceu o meu pai, além do seu currículo no FBI. Eu não disse nada sobre a Scully, porque se dissesse...

MULDER: - Ele não nos chamaria porque trabalho com uma mulher e isso é coisa pra homem.

ISRAEL: - Viu como você é o cara certo? Conhece as regras deles.

MULDER: - E o que sabem sobre esses crimes? Três rabinos mortos...

ISRAEL: - As pessoas ficam com medo de falar no assunto. Mas você sabe que não foram apenas três mortes?

MULDER: - Como assim?

NÍNIVE: - Eles dizem que não tem nada a ver os assassinatos de rabinos com a morte de Isaías. Mas Israel e eu temos as nossas desconfianças.

MULDER: - E quem era Isaías?

ISRAEL: - Meu irmão mais velho.

MULDER: - ... Lamento muito, Israel. Seu pai não me contou nada sobre isso...

ISRAEL: - Mulder, acho que percebeu que meu pai é uma pessoa extremamente rude e cegamente fanática. Arraigado em seus costumes e crenças, como a maior parte dos mais velhos da cidade. Todos ortodoxos ao extremo. Meu pai acredita que meu irmão morreu porque Deus quis. Não podemos mais falar sobre Isaías dentro de casa.

MULDER: - Talvez ele não aceite ter perdido um filho. É uma coisa difícil para um pai, principalmente para um judeu como ele. O filho mais velho é sagrado na tradição judaica. Ele é oferecido a Deus conforme as escrituras mandam.

ISRAEL: - Eu sei, mas... Meu irmão sofria demais nas mãos dele. Nosso pai é muito severo, impõe suas crenças, o modo de vida judeu. Ele queria que Isaías fosse rabino para seguir os costumes da família. As discussões eram constantes. Eu namorei uma menina pela web e quando ele descobriu que a garota não era judia, ele quebrou o meu computador. Disse que a web é a perdição do mundo.

NÍNIVE: - Fomos admitidos em Yale. Vamos fugir juntos e estudar. Eles não precisam saber até estarmos longe.

ISRAEL: - E não pretendemos voltar nunca mais pra esse lugar.

MULDER: - Vocês são namorados?

ISRAEL: - (SORRI) Não, somos amigos de infância.

NÍNIVE: - As pessoas aqui são muito conservadoras e seguem as leis dos patriarcas nos mínimos detalhes. Nós queremos viver da nossa maneira. Quero ser fotógrafa, viajar pelo mundo e não pretendo casar tão cedo.

ISRAEL: - Aqui você só pode esperar casar com alguém e no máximo ter um comércio. Isso não é vida. E como Isaías morreu, meu pai vai me mandar pra Tel Aviv. Quer que eu estude e vire rabino pra depois me casar com Nínive.

NÍNIVE: - Nossas famílias já trataram do nosso casamento. Eles nem querem saber se a gente se ama ou se concorda com isso.

MULDER: - Como Isaías morreu?

ISRAEL: - Suicídio. Não aguentou a pressão religiosa. Mas a gente pensa diferente. Eu acho que alguém matou meu irmão. E pra mim foi o mesmo cara que tá fazendo essas coisas.

MULDER: - E por que você diz isso?

ISRAEL: - Porque desconheço alguém que se suicide asfixiado com lama.

MULDER: - Ele também foi mutilado?

ISRAEL: - Não que a gente saiba. Encontraram Isaías no riacho. Ele tinha marcas de espancamento, estava nu e foi asfixiado com lama. O xerife encerrou o caso como suicídio e desde então, não se fala mais nisso por aqui.


Idishe Mame – 11:21 AM

Mulder sentado de frente pra Scully que lê uma revista. Mame serve cafés, pães e bolos. Mulder pega uma fatia de bolo.

MULDER: - Minha mãe fazia um bolo parecido com esse.

MAME: - Bolo de mãe é uma recordação que ninguém fica livre.

MULDER: - (DEBOCHADO)De mães judias também não.

Mame sorri e se afasta. Mulder olha pra Scully lendo a revista.

MULDER: - Cadê as crianças?

SCULLY: - Foram passear com Ellen. Estão eufóricos com tanto lugares pra correr... Você me contou a lenda do golem, mas não me disse o final dela.

MULDER: - É só visitar Praga. Você poderá entrar na sinagoga do Maharal, dizem que o golem está enterrado no sótão, mas a presença de pessoas é vetada neste recinto, porque conforme os relatos, quem entrar ali perde a própria vida... O que está lendo?

SCULLY: - Um artigo da UNICEF sobre a mortalidade de crianças no mundo. Isso é chocante... Vidas que nem começam e se terminam. O que esperar de um mundo que mata seu futuro? Fome, guerras, abuso sexual, escravidão... Isso me dá nojo!

Scully solta a revista. Mexe a colher na xícara, cabisbaixa. Mulder olha apaixonado.

MULDER: - (SUSSURRA)Ani ohev otach.

SCULLY: - (OLHA PRA ELE SEM ENTENDER)

MULDER: - Eu te amo em hebreu. Mas posso dizer isso em todas as línguas do mundo.

Scully sorri.

MULDER: - Sobre ontem... Me desculpe, eu... Eu ando cansado e...

SCULLY: - Não puxe a culpa pra você. Foi minha culpa. Estamos em paz?

Mulder olha para o anel de casamento na mão de Scully apoiada sobre a mesa. Mulder leva a mão com a aliança e encosta a ponta dos dedos nos dedos de Sculy. Vai empurrando a mão dela pra cima e envolvendo os dedos nos dedos dela. Scully olha apaixonada pra ele.

MULDER: - Eu te amo, Scully... Mas você está matutando alguma coisa na cabeça, porque conheço a minha baixinha.

SCULLY: - (SORRI) Eu te amo, Mulder... Só estava com o pensamento distante olhando para o chá...

MULDER: - Casamento é divisão de tudo, incluindo pensamentos distantes.

SCULLY: - Sei lá. Estava fazendo a necropsia no cadáver e... Comecei a pensar em coisas...

MULDER: - Que coisas?

SCULLY: - Coisas que uma quarentona começa a pensar. Tipo virar cinquentona.

MULDER: - (SORRI) Achei que só eu pensava nos cinquenta. Já estamos na menopausa?

SCULLY: - Quase lá. Estamos pensando em como a vida passa depressa. Em como os filhos crescem rápido. No que se irá fazer quando eles seguirem seus destinos... A casa vazia, completamente organizada e silenciosa... No quanto queria ter conhecido você antes, vivido intensamente tudo com você, mais uns 130 anos de bônus...Vamos falar do caso. Não quero ficar deprimida. Alguma novidade?

MULDER: - Sabia que o Rabi Steinsaltz perdeu o filho mais velho há exatos 14 meses? O rapaz de 21 anos foi encontrado morto no riacho e asfixiado com lama.

SCULLY: - Quem disse isso?

MULDER: - Dois fãs nossos que estão à sua caça pra conseguir um autógrafo e uma foto... Fale da necropsia. Então vamos para as teorias.

SCULLY: - Tem certeza que quer tratar disso enquanto come?

MULDER: - Tá me chamando de delicado?

SCULLY: - Não, é que você anda meio sensível...

MULDER: - (DEBOCHADO) Você vai ver o tamanho da minha "sensibilidade".

SCULLY: - Então vamos falar de sensibilidade. A "sensibilidade" do Rabi Josifa foi cortada com uma lâmina, provavelmente uma faca ou punhal.

MULDER: - Me diga que ele estava morto quando fizeram isso.

SCULLY: - Provavelmente não. Os olhos foram arrancados das órbitas oculares talvez com uma colher. Há lama no estômago, o que indica que ele foi forçado a engolir enquanto vivo. Bom, não sei dos outros dois rabinos, mas se foram encontrados da mesma maneira, o método deve ter sido o mesmo.

MULDER: - E como o assassino imobilizou a vítima?

SCULLY: - O corpo não indicava marcas de cordas ou mordaças. E não encontrei nenhuma substância tóxica. Apenas vinho.

MULDER: - O assassino deu um porre na vítima?

SCULLY: - Acredito que não. A quantidade é insuficiente para alterar o estado de consciência de uma pessoa.

MULDER: - Bom, todo judeu bebe vinho... Me ajude a pensar. O sujeito entra numa sinagoga. Ou, nesse caso, encontra o rabino no riacho.

SCULLY: - Ou o convida pra ir até o riacho. Um bom lugar para conversar e pedir conselhos longe dos olhos da cidade...

MULDER: - Com certeza os rabinos o conheciam, pois não fugiram dele. O assassino é da comunidade, alguém conhecido por aqui.

SCULLY: - Talvez tenham bebido vinho juntos e conversado. Talvez não tenham bebido juntos e conversado... E-eu não faço à mínima ideia de como a vítima foi imobilizada e permitiu a tortura. Temos um serial killer por aqui?

MULDER: - Eu diria que temos um assassino ritualístico e religioso. Vemos que ele é meticuloso na forma como mata, pois utiliza meios com significados religiosos. O próprio vinho já é simbólico. Talvez corte o membro da vítima com um punhal de ouro, objeto que Deus ordenou a Moisés para fazer parte do altar descrito no livro do Êxodo. Esse cara faz questão que as vítimas estejam vivas e vejam sua própria mutilação... Sabe aqueles padres da época medieval? Que infringiam punições ao corpo como forma de se castigar por seus pecados, para redimir a carne...

SCULLY: - O que tem?

MULDER: - Esse cara primeiramente deve cortar o pênis da vítima. A vítima precisa estar com os olhos para ver o "pecado" arrancado de seu corpo. Depois ele arranca os olhos, para que ela não olhe pra ele. Ele sente-se o redentor e ao mesmo tempo não quer ver nos olhos da vítima para não apiedar-se de seu sofrimento. Por fim, ele enche sua boca de lama. Deus fez o homem do barro. Do pó ao pó. Assim, ele devolve a redenção ao pecador.

SCULLY: - Quem procuramos?

MULDER: - Homens entre 20 e 35 anos. E eu já tenho por quem começar.

SCULLY: - Quem?

MULDER: - Israel, o filho do Rabi.

SCULLY: - E o xerife?

MULDER: - Você fica com o xerife. Levanta os dados de todos os homens jovens do condado. Paralelamente a isso, não vejo muitas ligações com a morte do filho mais velho do Rabi. Mas cheque isto com o xerife. Vamos investigar mais a fundo.

SCULLY: - E o tal negócio do golem?

MULDER: - (INCRÉDULO) Você acredita em homens de barro que andam por aí matando gente, Scully?


Residência dos Steinsaltz – 1:21 PM

Mulder na sala, Victoria de mão dada com ele, olhando pra tudo com curiosidade. O Rabi mais afastado falando ao telefone.

VICTORIA: - O que é aquele castiçal cheio de velas, papai?

MULDER: - Aquilo se chama Menorah.

VICTORIA: - Ah, então aquilo é a Menorah... Mas pra que serve?

MULDER: - Foi Deus quem deu as instruções para a criação da Menorah. Não se sabe o significado dela, talvez represente as sete primeiras palavras do Gênesis da Bíblia ou as Sete Igrejas do Apocalipse. Talvez as sete velas representem os Sete Espíritos de Deus.

VICTORIA: - E se apagar uma?

O Rabi se aproxima.

MULDER: - (EMBARAÇADO) Crianças... Cada pergunta!

O Rabi tira um chocolate do bolso e entrega pra Victoria.

MULDER: - Como se diz?

VICTORIA: - Muito obrigado, senhor!

O Rabi passa a mão na cabeça de Victoria. Victoria observa curiosa um pequeno altar com cortina.

RABI STEINSALTZ: - É uma bela menina, Mulder. Uma criança inteligente e encantadora.

MULDER: - Obrigado.

RABI STEINSALTZ: - Aceita um vinho, enquanto espera por meu filho?

MULDER: - Não, dessa vez não. Ou vou me acostumar com isso.

RABI STEINSALTZ: - O que quer com ele, Mulder? Não acha que Israel está envolvido nessas atrocidades.

MULDER: - Quero conversar com ele. Mas também quero conversar com você a respeito de Isaías.

RABI STEINSALTZ: - Não sei como soube de Isaías, mas este assunto está enterrado, assim como meu filho está enterrado. E não desenterramos os mortos.

MULDER: - E se a morte do seu filho estiver relacionada com...

RABI STEINSALTZ: - Não há relação alguma entre meu filho e esse insano que comete infrações contra Deus e os homens.

VICTORIA: - (APONTA) O que é aquele negócio na parede?

RABI STEINSALTZ: - É como um altar. Tem um livro muito importante nele.

MULDER: - (SORRI SEM GRAÇA) Filha, depois eu explico tudo o que quiser, mas agora, deixa o papai falar com o rabino, ok? Senta ali quietinha e não mexa em nada.

Victoria senta-se na poltrona, olhos curiosos por tudo.

MULDER: - Já reduzimos a lista de suspeitos, como eu havia comentado. Estamos procurando um homem jovem, entre 20 e 35 anos, perturbado emocionalmente e...

Mulder percebe Victoria olhando através da cortina.

MULDER: - Victoria, eu não disse pra você não mexer em nada?

VICTORIA: - Mas eu não mexi em nada! Eu só tô olhando esse livro esquisito. Por que ele é enrolado desse jeito?

O Rabi se aproxima de Victoria.

RABI STEINSALTZ: - É a Torah. Antes de ler e após ler, deve-se sempre recitar uma oração específica. E você não pode toca-la com a mão. Por isso a Torah é enrolada. Você desenrola pelas laterais de madeira.

VICTORIA: - Por que não pode tocar?

RABI STEINSALTZ: - Porque é um livro sagrado. É a Lei de Deus, que Ele transmitiu a Moisés e deixou ao povo judeu.

VICTORIA: - Mas se Deus deixou pra ler, por que não pode tocar?

MULDER: - Victoria...

RABI STEINSALTZ: - É a tradição. O homem não é digno de tocar na Torah.

VICTORIA: - Então se não é digno de tocar, por que é digno de ler e tem o dever de cumprir?

MULDER: - (SEM GRAÇA) Filha, dá um tempinho. Tá?

RABI STEINSALTZ: - Sei que não consegue entender o que está escrito, mas quando crescer você poderá estudar hebreu. É uma língua muito bonita.

VICTORIA: - Mas eu sei heb...

MULDER: - (PERDENDO A PACIÊNCIA) Victoria, o que conversamos, hum?

Victoria se cala. O rabino e Mulder vão conversar num canto. Victoria fica observando a Torah por entre a cortina aberta.

VICTORIA: - (LENDO) Bereshit bara Elohim et hashamayim ve'et ha'arets... Ah, eu conheço isso! É o Gênesis da Bíblia da mamãe! Pra que tanto drama? Minha mãe deixa eu pegar a Bíblia dela! Livros são pra ler e manusear, não pra deixar aberto na sala. Eu hein? Gente esquisita!


2:56 PM

Victoria caminha de mãos dadas com Mulder e Israel, entre os dois.

ISRAEL: - Quer dizer que estou na sua lista de suspeitos.

MULDER: - Eu não disse isso. Estou traçando um perfil para a investigação.

ISRAEL: - Eu me encaixo. Odeio esses costumes, discordo deles e também vou à sinagoga por obrigação.

MULDER: - E você mataria rabinos por isso?

ISRAEL: - Se eu fosse um maníaco, Mulder, começaria matando meu pai. Ele é o pior de todos os rabinos que conheci.

MULDER: - Como assim "pior de todos"?

ISRAEL: - É uma maneira de dizer, porque ele é meu pai. Convivo com ele fora da sinagoga. Aguento suas manias religiosas o dia inteiro. Se eu fosse um assassino começaria matando o Rabi Steinsaltz.

MULDER: - O que sabe sobre a família dos outros rabinos?


Residência do Rabi Josifa - 3:45 PM

Scully e Mulder descem do carro.

MULDER: - Vamos falar com eles. Depois vamos na casa das outras duas famílias. Ainda temos os Svoray, mas... Estão em lua de mel. É sacanagem interromper o divertimento dos outros...

SCULLY: - Acha que procuramos o filho de um dos rabinos?

MULDER: - Conversando com Israel me atentei pra essa possibilidade.

SCULLY: - Conversando com o xerife me ocorreu outra.

MULDER: - Que outra?

SCULLY: - Israel se encaixa no perfil. E some a isso que deve culpar o pai pelo suicídio do irmão.

MULDER: - O xerife disse que foi suicídio?

SCULLY: - Afirmou com veemência. E negou que o jovem tivesse se asfixiado com barro e tivesse marcas de espancamento. Disse que encontraram o corpo no riacho. Alegou que a quantidade de barro era insuficiente para causar asfixia. O cadáver afunda, a lama pode entrar pela boca e nariz...

MULDER: - Nessa hora queria ser agente do FBI para obter um mandado e abrir uma sepultura pra fazer uma necropsia. A chave está na lama. Se a lama presente no cadáver de Isaías for a mesma do riacho, o xerife está certo quanto a suicídio. Não vai bater com a lama encontrada no estômago das vítimas do nosso assassino.

SCULLY: - E se for a mesma lama de local desconhecido encontrada nas outras vítimas? Hum? Então temos mais uma vítima do mesmo assassino, mas que não se encaixa no perfil das outras e isso coloca em cheque todas as nossas teorias.

MULDER: - Vamos conversar com essa gente. Depois vamos discretamente escavar um túmulo.

SCULLY: - Você está louco? Se nos pegarem iremos presos!

MULDER: - Eu não estou louco. Eu sou louco. Você já devia saber que se casou com um maluco que para chegar à verdade desobedece a regras.

SCULLY: - Não vai me levar pro xadrez, Mulder.

MULDER: - Ótimo! Então você cuida das crianças e me leva uma torta de maçã no dia da visita. Você sabe o quanto eu fico sexy com roupas cor de laranja! Combinam com meus olhos.

Scully leva a mão à testa, num suspiro.


Hotel - 5:14 PM

No quarto, Scully troca as fraldas de Bryan. Mulder atirado na cama e pensativo. Victoria assistindo desenhos ao lado do pai.

SCULLY: - Pronto, filhote. Agora está sequinho!

Scully ergue Bryan brincando com ele.

MULDER: - Estamos fechando o cerco. Descartamos os filhos dos rabinos. Um deles têm apenas filhas. O outro tem filhos em Israel. Josifa tem um filho, mas é velho demais pra se encaixar no perfil.

SCULLY: - Então ficamos com Israel e o xerife. Na lista que consegui dos jovens da cidade, ainda temos Neemias Slovay, que foi o noivo daquele casamento maravilhoso, e mais uns nove rapazes que se encaixam na idade que você disse.

MULDER: -Você fica com cinco e eu com os outros cinco. Mas primeiro vamos escavar aquele túmulo. Estou sentindo cheiro de que vamos encontrar a verdade.

SCULLY: - E eu estou sentindo cheiro de encrenca, Mulder.

MULDER: - Deixe Bryan com Ellen. Vamos levar Victoria. Você disfarça que está passeando com ela, distrai a atenção do zelador e eu cometo a infração. Ninguém vai suspeitar de um casal com uma criança.


Cemitério do Condado de David - 6:12 PM

Mulder estaciona o carro na frente do cemitério. Vemos o zelador do lado de fora, podando os arbustos.

MULDER: - Siga o plano.

Mulder desce do carro. Um carro se aproxima e estaciona mais distante.Coin, de óculos escuros, mascando chicletes, observa Mulder pelo retrovisor lateral.

SCULLY: - Ok. Vamos descer, filha.

VICTORIA: - ...

Scully olha pra trás. Victoria agachada no banco espiando pelo vidro, olhos arregalados para o cemitério.

SCULLY: - Filha? Vamos?

VICTORIA: - Nah!

SCULLY: - Victoria, o que foi?

VICTORIA: - É um lugar de gente morta.

SCULLY: - (RINDO) Filha, gente morta não incomoda. Mamãe já explicou sobre a morte pra você.

Scully desce do carro. Abre a porta de trás. Victoria desce, com receio. Scully dá a mão pra ela.

Coin vira-se para trás, desce os óculos escuros por sobre o nariz e observa, atento.

Victoria caminha alguns passos e para. Scully a puxa. Ela não anda.

SCULLY: - Victoria, por favor!

VICTORIA: - (IMPLORA) Eu não quero ir!

SCULLY: - Filha, eu vou explicar de novo. Pessoas mortas não incomodam ninguém!

VICTORIA: - (CHORANDO) Incomodam sim!

Mulder volta até elas.

MULDER: - O que foi, Pinguinho?

VICTORIA: - (CHORANDO) Eu não quero entrar aí!

MULDER: - Por quê? Não precisa ter medo. É um cemitério e só tem gente morta.

VICTORIA: - (CHORANDO) É por isso que não quero entrar aí!

Scully começa a se irritar.

VICTORIA: - (CHORANDO) Por favor, eu não quero entrar aí!

SCULLY: - Que mal os mortos podem fazer, ahn? Não confia na sua mãe? Eu lido com mortos.

VICTORIA: - (CHORANDO) Eles querem me pegar!!!!!!!

SCULLY: -(IRRITADA) Victoria Mulder, pare com essas besteiras! Tá vendo, Mulder? Tá vendo por que eu brigo com você quando permite que essa criança assista filmes de terror? Veja no que dá!

Mulder se agacha e olha nos olhos da filha.

MULDER: - Você tem medo de cemitérios?

VICTORIA: - (CHORANDO) Tenho! Não me faz entrar aí, por favor, papai!!!!

SCULLY: - Se você tem medo, vai ter que perder o medo. É só um cemitério e um dia vai ter que encarar a vida como a vida é. A morte faz parte da vida e...

Mulder se levanta. Victoria olha para o portão do cemitério. O zelador vira-se pra ela e sorri. Victoria se esconde atrás de Mulder, segurando-se nas calças dele. Mulder olha para o portão.

MULDER: - Se ela não quer ir, não vai.

SCULLY: - Mulder, por que você sempre faz as vontades da Victoria? Você está acostumando mal essa menina. E ainda vai contra a minha decisão na frente dela e isso a faz criar desrespeito por mim. Você é o herói e eu a bruxa. É assim que você quer que a nossa filha me veja, como a bruxa má?

MULDER: - Se ela tem medo, não é enfrentando o medo que vai perdê-lo.

SCULLY: - E como seria, ahn?

MULDER: - Ela é uma criança, Scully.

SCULLY: - É de pequenino que se torce o pepino!

VICTORIA: - (AOS GRITOS/ HISTÉRICA) Eles querem me comer!!!!!!

SCULLY: -(IRRITADA) Tá vendo? Chega de filmes de terror, Mulder! Essa criança está ficando paranoica! Mortos não comem ninguém!

VICTORIA: - (GRITA) Comem sim! Comem a luz das pessoas!!!!!! O zelador no portão, ele é o pior!!!!

SCULLY: - Que zelador? Não tem ninguém lá!

O zelador vira-se novamente para Victoria. O rosto se torna disforme. A enorme boca com dentes pontiagudos se projeta pra fora como se fosse devora-la. Victoria começa a gritar histérica, olhando para os espectros parados na porta do cemitério. Mulder e Scully nada veem.

Coin observa Victoria, que solta a mão de Scully e corre pra dentro do carro. Tranca as portas.

VICTORIA: - (AOS GRITOS) Me deixem em paz!!!!!!!!!!!!

Mulder e Scully se entreolham.

VICTORIA: - (AOS GRITOS) Ehieh! Chay! Iah! Elion! Eloah! Elohim!

Coin arregala os olhos. Mulder fica boquiaberto sem entender nada. Scully olha pra filha como se visse um alienígena.

MULDER: - (ANGUSTIADO) Eu não sei o que Victoria está dizendo e muito menos o que está acontecendo, mas ela está vendo alguma coisa! Pega o carro e tira essa menina daqui! Você volta depois!

SCULLY: - Eu não acredito que...

MULDER: -(NERVOSO) Dá pra fazer isso? Ou eu vou voltar e deixa-la no hotel. Não está vendo que ela está apavorada? Isso não é medo de filme de terror! Ela vê espíritos, Scully! O idiota aqui é que não se lembrou disso! Que pai imbecil que eu sou? Tira essa criança daqui antes que dê um ataque nela. Sabe lá que coisas horríveis ela vê!

Scully pega as chaves e corre para o carro. Victoria chorando e olhando pra fora. Scully dá a partida e acelera. Victoria observa os espíritos parados na frente do cemitério estendendo as mãos pra ela em desespero. O carro toma distância.

SCULLY: - Docinho, eu... Desculpe ter gritado com você. Tem coisas que a mamãe não entende...

VICTORIA: - (SECANDO AS LÁGRIMAS/ NERVOSA/ TRÊMULA) ...

Scully observa angustiada pelo retrovisor.

SCULLY: - O que você viu lá, filha?

VICTORIA: -(TRÊMULA) ...

SCULLY: -... Victoria, respira fundo, segura a respiração contando até três e solta a respiração devagarzinho pela boca, ok? Faz com a mamãe.

Scully inspira. Victoria inspira, prestando atenção na mãe. Scully ergue a mão, contando mentalmente e erguendo um dedo de cada vez até erguer três. Solta a respiração. Victoria também.

SCULLY: - Não está se sentindo melhor? Pode fazer isso sempre que você estiver nervosa e pode repetir até sentir-se bem.

Victoria fecha os olhos e repete o exercício. Scully olha preocupada pelo retrovisor.

SCULLY: - ... Mamãe já viu também. Primeiro eu fiquei assustada. Depois surpresa. E depois disto, esperançosa. Como uma resposta, sabe? Certamente continuamos a existir depois da morte.

VICTORIA: - Eu sei, você pode ver, mas não quer ver. Melhor não ver mesmo, mamãe.

SCULLY: - Docinho e por que essas pessoas assustam você? Hum? Elas não podem fazer mal algum, já estão mortas.

VICTORIA: - Elas sabem que eu posso vê-las. Querem comer a minha luz, elas falam dentro da minha cabeça!

SCULLY: - E o que elas dizem?

VICTORIA: - Elas querem que eu as liberte e imploram pra voltar à vida, mas eu não posso fazer isso mamãe!

Scully morde os lábios.

VICTORIA: - Lá é um lugar ruim! As pessoas nunca deviam entrar em cemitérios!

SCULLY: - Mas as pessoas descansam quando morrem, não?

VICTORIA: - Quem descansa não tá lá.

SCULLY: - Então quem está lá?

VICTORIA: - Só gente esquisita. Ficam andando e escavando os túmulos, tentando voltar pro corpo e querendo comer a minha energia! Não gosto deles!

Scully arregala os olhos.



BLOCO 3:

Hotel - 9:45 PM

Mulder entra no quarto. Victoria e Bryan dormem com Scully. Mulder agacha-se ao lado da cama e faz carinhos nos cabelos da filha.

MULDER: - Desculpe, Pinguinho. Algumas vezes seu pai é burro e esquece que você é especial e pequena demais para lidar com essas coisas.

Mulder a beija. Depois beija Bryan. Scully se acorda, sonolenta.

SCULLY: - Mulder?

MULDER: -(DEBOCHADO) Por que a surpresa? Pensou que fosse quem?

SCULLY: - O que encontrou no cemitério?

MULDER: - Nada.

SCULLY: - Hum... (VIRA-SE E FECHA OS OLHOS) Então tá bom.

MULDER: - Nada mesmo. O corpo de Isaías não está na sepultura.

Scully senta-se na cama.

SCULLY: - Quê?

MULDER: - Não temos cadáver. Ou ele está andando por aí ou nunca esteve por lá. Talvez, o negócio do suicídio seja real, e sendo assim, ele não foi enterrado como judeu.

SCULLY: - E o que vamos fazer?

MULDER: - Amanhã cedo vamos até a casa do Rabi. Vou ter uma conversinha de homem pra homem, como o costume manda. E você comece a fazer amizade com a mulher dele e arranque tudo o que puder sobre Isaías.

SCULLY: - (INDIGNADA) Afinal mulheres não guardam segredos, não é?

MULDER: - (DEBOCHADO) Por isso o diabo tentou Eva. Sabia que ela ia abrir a boca. Se oferecesse o conhecimento das coisas para Adão, ele teria comido a maçã sozinho.

SCULLY: - Por essa são dois meses, Mulder.

MULDER: - Não se faz de louca, Scully... Ontem você quebrou o jejum prometido.

Mulder começa a se despir, ficando de cuecas.

MULDER: - Preciso tomar um banho.

Scully suspira olhando pra Victoria e Bryan dormindo.

SCULLY: - E eu que pensei que a noite ia render de novo...

MULDER: -(DEBOCHADO) Como render? Eu não estou de castigo por dois meses?

SCULLY: - (O FUZILA COM OS OLHOS) Cala a boca, Mulder!

MULDER: - Nossas noites já renderam, Scully. Renderam duplamente! Olha só quantos juros nessa cama!

SCULLY: - (SORRI ADMIRANDO OS FILHOS) Juros lindos... Danadinhos, mas lindos!

MULDER: - Vai dizer que não dá vontade de morder esses dois? De fazê-los acordar?

SCULLY: - Mulder, por favor. Deixe-os quietos. Se os juros acordarem, eles deixarão os investidores em pânico!

MULDER: - Ok. Deixa os juros dormirem... Mas a bolsa pode subir?

SCULLY: - Aquiete sua bolsa, Mulder. Aonde vamos investir se os juros estão presentes?

MULDER: - Quer fazer render? Hum? Dizem que bancos de automóveis rendem um ótimo investimento... E os juros ficarão aqui.

SCULLY: - Não sou mais adolescente, Mulder. Bancos de carro já eram!

MULDER: - E uma banheira? Hum? Quem sabe eu lavo suas orelhinhas?

SCULLY: - O mercado de sabonetes é pouco promissor. Não rende.

MULDER: - Ah rende! Pode apostar que é muito promissor, as ações elevam!

SCULLY: - Pode ser aplicação de curto prazo, visto que a situação hoje tá complicada?

MULDER: - Curto, médio ou longo prazo, se é pra investir, invista fundo! Não era você que queria que eu botasse tudo no seu nome?

SCULLY: - Uh! Seu maldito capitalista! Eu sou uma consumista compulsiva e neste momento tudo o que eu quero é investir e abocanhar uma fatia desse seu capital, Fox Mulder! Preciso de ações!

MULDER: - Já pro banheiro, Dana Scully, que eu vou fazer render as ações.

Scully levanta da cama e corre para o banheiro, rindo baixinho. Mulder vai atrás dela.

Residência dos Steinsaltz – 8:12 AM

Scully estaciona o carro na frente da casa do Rabi. Mulder desce com Bryan no colo. Victoria desce atrás dele. Scully olha para o banco de trás.

SCULLY: - Ellen, se quiser descer e passear por aí com as crianças, nos encontramos aqui em 20 minutos.

ELLEN: - Ok.

Scully e Ellen descem do carro. Mulder entrega Bryan pra Ellen.

MULDER: - Devemos essa pra você. Seria impossível sem você aqui.

ELLEN: - Quando eu tiver um filho com o Girafão e quiser fazer farra, eu o dispensarei pra casa do tio Mulder e da tia Scully.

SCULLY: - (DEBOCHADA) Custa vinte dólares a hora, na creche da tia Scully.

ELLEN: - Puxa, você vai me pagar então? A creche da tia Ellen custa 30. É creche móvel, vai a qualquer lugar e funciona 24 horas por dia!

SCULLY: - Você é minha amiga desde a adolescência. Sabia que envelheceríamos juntas, criaríamos nossos filhos e netos e ficaríamos caquéticas tricotando.

ELLEN: - Tricotar? Você sabe que tipo de "agulha" eu pretendo pegar até os noventa? Se duvidar morro agarrada numa!

MULDER: - (RINDO) E depois eu sou o rei da perversão... Onde está Victoria?

Eles procuram ao redor. Scully fica nervosa.

SCULLY: - Victoria!!!!!

ELLEN: - Mas ela estava aqui há alguns instantes...

Mulder observa a rua.

SCULLY: - Pra onde ela teria ido? Não conhece ninguém por aqui...

ELLEN: - Criança não dá pra gente fechar um olho que apronta!

MULDER: - (OLHANDO PRA SINAGOGA) ... Eu sei onde ela está.

Mulder suspira. Começa a ficar tenso.

SCULLY: - Mulder... Por favor, não vai ser desse jeito que vamos lidar com...

MULDER: - Tem horas que eu adoraria dar umas palmadas nela. Acredite! Acho que vou comprar uma coleira!

Mulder sai furioso em direção à sinagoga.

ELLEN: - Mas o que houve com ele? Por que Victoria teria ido pra sinagoga? E se foi? Que mal há nisso pra Mulder ficar irritado? Se ela se sente bem com determinada religião...

SCULLY: - Não é isso, Ellen... É que Victoria... Fala demais... Fala coisas perigosas que podem expô-la... Assusta as pessoas com tanto conhecimento que nem eu sei de onde vem! Por mais que a gente diga para não o fazer, Victoria sempre o faz.

Corte.


Dentro da sinagoga, a mão com o anel de rubi pousa sobre o encosto de uma das poltronas. The Gold Coin observa alguma coisa lá na frente.

O Rabi Steinsaltz sentado com os outros rabinos. Os rabinos estão de burburinho. Victoria entre eles. Victoria olha em direção da poltrona e percebe Coin que a observa sério. Victoria o ignora. Mulder entra e fica sem querer ao lado de Coin, pois não pode vê-lo. Ambos observam Victoria. Victoria olha para o pai, olha para Coin e volta sua atenção para os rabinos.

RABI STEINSALTZ: - Encontramos nos ensinamentos da Cabala, que estuda a correspondência entre letras e números. Mas você não conhece isto.

VICTORIA: - Moshiakh e Nakhash. Messias e Serpente. Ambos têm o número 358. Quero saber se isso é coincidência ou significa que vocês judeus estão enganados quanto ao Messias que esperam?

RABI STEINSALTZ: - Criança, estes conhecimentos não são lícitos a você.

VICTORIA: - "Todas as coisas me são lícitas, porém nem todas me convêm".

Coin abaixa a cabeça segurando o riso. Mulder está estupefato.

RABI STEINSALTZ: - Você não pode saber sobre a Cabala. Há um significado oculto na Bíblia, até mesmo nos Mandamentos.

VICTORIA: - As letras dos Dez Mandamentos são 613, número dos Mitzvot da Torah, que correspondem as 613 partes do corpo humano: 248 membros e 365 vasos.

RABI STEINSALTZ: - Como esta criança pode saber tanto? Você já decorou os mandamentos todos?

VICTORIA: - Pra quê decorar todos? Só há um que resume os outros: amar ao próximo como a ti mesmo.

RABI STEINSALTZ: - Não há um mandamento. Todos precisam ser seguidos. Assim como respeitar o sábado.

VICTORIA: - E se alguém se ferir no sábado, vai esperar até o domingo pra ir ao hospital?

RABI STEINSALTZ: - Deus descansou no sétimo dia, portanto fez do sábado o seu dia de descanso. Moisés escreveu a Lei que Deus ditou. O próprio Deus ordenou que o sábado fosse um dia santificado a Ele!

VICTORIA: - Descanso é uma coisa, omissão é outra. Deixará o doente morrer por que é sábado? Deixará o faminto com fome por que é sábado? Se alguém morrer no sábado, deixarão o corpo apodrecer até que o Shabat acabe?

RABI STEINSALTZ: - Percebe-se bem que você é uma menina. As mulheres não foram feitas para compreender certas coisas de Deus. A mulher entregou o homem ao pecado e tornou-se culpada por isso. Agora paga a dívida.

VICTORIA: - Por amar demais e não ser egoísta queria dividir o que lhe pareceu grandioso. A mulher pariu o filho de Deus e esta dívida foi encerrada.

RABI STEINSALTZ: - Jesus não é o Messias. O Messias ainda não nasceu.

VICTORIA: - Assim disse Ele, o Redentor dos homens: "Não cuideis que eu vos hei de acusar para com o Pai. Há um que vos acusa, Moisés, em quem vós esperais. Porque, se vós crêsseis em Moisés, creríeis em mim; porque de mim escreveu ele".

RABI STEINSALTZ: - Cabe às mulheres cuidarem da família e dos maridos. Há grandiosidade e importância nisto. Mas aos homens cabe a discussão teológica.

VICTORIA: - Certamente há grandiosidade nisso, porque gerar a vida dentro de si é um atributo divino. Você enaltece o homem por que Deus é "homem"?

RABI STEINSALTZ: - Deus não tem sexo, pequena.

VICTORIA: - Então se não tem sexo, ele não pode ser sexista. Por que vocês o são?

Os rabinos se entreolham. Mulder fica assustado e curioso.

VICTORIA: - E não entendo essa coisa de não ter esculturas. Esculturas são obras de arte.

RABI STEINSALTZ: - Esculturas são ídolos.

VICTORIA: - Mas a igreja da minha mãe tem.

RABI STEINSALTZ: - Mas é errado. Porque Deus disse "Maldito o homem que fizer imagem de escultura ou de fundição abominável ao Senhor". E disse também: "Não farás para ti imagens de escultura".

VICTORIA: - Então por que ele disse "Farás dois querubins de ouro batido nas duas extremidades do propiciatório" se fazer escultura é pecado?

Mulder observa com espanto. Os rabinos disfarçam, mas estão confusos. Coin cruza os braços, segurando o riso.

RABI STEINSALTZ: - "Deus não é homem para que minta, nem filho do homem para que se arrependa".

VICTORIA: - "Então se arrependeu o Senhor de haver feito o homem sobre a Terra, e isso lhe pesou no coração".

RABI STEINSALTZ: - "O Senhor é longânimo, e grande em misericórdia, que perdoa a iniquidade e a transgressão, que o culpado não tem por inocente, e visita a iniquidade dos pais sobre os filhos até a terceira e quarta geração".

VICTORIA: - "Os pais não morrerão pelos filhos, nem os filhos pelos pais; cada um morrerá pelo seu pecado".

RABI STEINSALTZ: - Criança, Deus não mente.

VICTORIA: - Deu-lhe este preceito: "Podes comer do fruto de todas as árvores do jardim; mas não comas do fruto da árvore da ciência do bem e do mal; porque no dia em que dele comeres, morrerás indubitavelmente...".

Coin ergue o rosto, prestando mais atenção ao assunto. Os rabinos a observam.

VICTORIA: - "Oh, não! – tornou a serpente – vós não morrereis"!

RABI STEINSALTZ: - O que tem isto?

VICTORIA: - Adão e Eva morreram? Quem falou a verdade, Lúcifer ou Deus?

Coin começa a bater palmas. Mulder vai até Victoria e a puxa pelo braço, tirando-a da sinagoga. Victoria sai emburrada, encarando seriamente Coin que ainda lhe bate palmas.

MULDER: - (SÉRIO/ NERVOSO) Eu não posso tirar os meus olhos de você por um segundo, não é mesmo? Nunca mais faça isso!

VICTORIA: - Mas papai, eu só estava discutindo uns pontos de vista...

MULDER: - É. E eu sei de um menino que começou discutindo pontos de vista com um monte de judeus numa sinagoga e terminou morto numa cruz! Victoria, minha filha... Pinguinho, você não pode sair por aí falando essas coisas. Você apavora as pessoas! Nós já conversamos sobre isso...

VICTORIA: - Mas por quê? Eu não estava predizendo nada! Só queria respostas...

MULDER: - Eu sei, mas você estava entrando em terreno perigoso. Religiões são crenças. Cada um tem a sua, não adianta você querer discutir isso.

Os dois caminham pela calçada, de mãos dadas. Coin, com as mãos nos bolsos do casaco, caminha atrás deles, atento ao assunto.

VICTORIA: - Então não deveria haver religiões. Elas só atrapalham a fé do homem!

Victoria olha pra trás e faz uma cara de brava pra Coin.

MULDER: - (SORRI) Eu concordo com você, mas as coisas não são assim. Discuta isso comigo, sua mãe, a Baba... Mas nunca com estranhos. Você chama a atenção demais para si.

VICTORIA: - Acha que eu gosto de aparecer?

MULDER: - Não é isso, Pinguinho. Você sabe demais pra uma criança de oito anos. Os adultos se espantam, comentam... E isso vai adiante. Não demora e a imprensa inteira quer explorar você até que os homens maus tentem novamente tirar você da mamãe e do papai. Entende o perigo?

VICTORIA: - Desculpe, papai. Não vou mais fazer isso na frente de estranhos. Eu prometo. Não vale a pena mesmo, porque eles não entendem nada! São iguais aquele padre lá da igreja da mamãe. Não sei de onde ele tirou a ideia de que Yeshua... Que Jesus morreu numa cruz porque a cruz representa sacrifício.

MULDER: - E o que mais a cruz representaria?

VICTORIA: - Sião, oras!

Coin fica estático. Mulder arregala os olhos.

VICTORIA: - A bandeira de Sião é branca e tem uma cruz dourada no centro.

MULDER: - (ASSUSTADO) Espera. Está falando de Jerusalém? Jerusalém era Sião.

VICTORIA: -Eu tô falando do planeta!

MULDER: - E que planeta é esse que eu não conheço?

VICTORIA: -Ah, você sabe! O planeta Sião. Fica longe, longe, longe...

Coin se aproxima mais curioso ainda.

MULDER: -Ok, eu sei. Agora me diga, quem mora em Sião?

VICTORIA: - Os anjinhos!

MULDER: - Deus também?

VICTORIA: - É. Seja Deus, esse nome que vocês chamam. Afinal o nome Dele é impronunciável mesmo!

MULDER: - (CURIOSO) E você sabe o nome Dele? O nome de Deus que não é revelado aos homens?

VICTORIA: - (DESCONFIADA) Por que quer saber?

MULDER: - Se sabe, pode me dizer?

VICTORIA: - Se não é pra revelar aos homens, por que eu revelaria?

MULDER: - Pode?

VICTORIA: - Não. Não posso. E não vou dizer.

MULDER: - Ok, mas... Você pode chamá-lo pelo nome?

VICTORIA: - Só quando preciso fazer uma coisa difícil.

MULDER: - Que coisa difícil?

VICTORIA: - ... (OLHA PRA TRÁS PARA COIN) Ai, vamos embora. Tô com fome.

MULDER: - O que foi que você falou no ouvido do seu irmão pra que ele revivesse? E no ouvido da sua mãe? É isso o que você está dizendo que é coisa difícil? Você pronuncia o nome secreto de Deus para devolver a vida?

VICTORIA: - Ai, papai, que assunto chato! Não me pergunta coisa que eu não posso responder. Como você é curioso, Mulder!

O Rabi vem furioso pela calçada.

RABI STEINSALTZ: - Sua filha é preocupante. O que você ensina a essa criança? A desrespeitar Deus?

MULDER: - Minha filha não é o que interessa por aqui. O que interessa é onde está o corpo do seu filho, porque no cemitério ele não está.

RABI STEINSALTZ: - Com quem andou falando?

MULDER: - Não importa. O que importa é aonde está Isaías.

Victoria vira-se pra Coin, furiosa. Coin ergue as mãos na defensiva e dá as costas, indo embora.

RABI STEINSALTZ: - Enviei seus restos mortais para Jerusalém. Aquele túmulo é apenas um símbolo.

MULDER: - Uma lápide para adoração? Ora Rabi, adorações a pedras esculpidas não combinam com suas crenças.

RABI STEINSALTZ: - Se não pode respeitar minhas crenças, sugiro que saia agora da cidade, você e sua mulher prostituta. Você é um judeu desonrado, que vive sob pecado e teve filhos desse pecado.

MULDER: - Eu não vou admitir que um estranho ofenda a minha mulher. Minha vida não importa a ninguém e muito menos a você!

RABI STEINSALTZ: - Quero que saia agora da cidade. Você não é mais bem-vindo aqui! Vou pagar os seus serviços...

VICTORIA: - "O estrangeiro não afligirás, nem o oprimirás; pois estrangeiros fostes na terra do Egito".

Mulder puxa Victoria e volta para o carro indignado.

VICTORIA: - Ele tá mentindo. Ele sabe da verdade.

MULDER: - O que ele sabe?

VICTORIA: - ... Esqueci. O que eu falei?

MULDER: - Não importa. Os seus amigos de Sião desligam você da tomada quando você tenta interferir no que não deve. Por isso já nem peço ajuda. Caso contrário nem precisava levantar o traseiro da poltrona. Era só perguntar a você, e eu já teria resolvido qualquer caso, por mais difícil que fosse!

Corte.


Scully e Ellen entram no carro. Ellen segurando Bryan que come um biscoito. Mulder coloca Victoria no carro.

SCULLY: - O que houve?

MULDER: - Vamos embora agora desse lugar.

SCULLY: - Mas...

Mulder entra no carro. Dá a partida. Passa na frente da sinagoga e olha para os rabinos.

MULDER: - (GRITA PELA JANELA) Malucos!!!!!!!!!!

Victoria observa o pai com receio.

SCULLY: - Mulder, o que o Rabi disse que deixou você assim?

MULDER: - Não vou dizer. Eles que se virem sozinhos, eu não tenho que passar por isso! Não mesmo!

SCULLY: - Foi algo sobre mim, não foi?

ELLEN: - E pelo jeito foi feio...

MULDER: - (ESMURRA O VOLANTE) Exigem o respeito dos outros, mas não respeitam os outros! Como eu posso respeitar as crenças de alguém, se não me respeitam? Ahn? Bom, não respeitam nem Jesus Cristo, imagine que respeitariam o Mulder? Como levar a sério essa gente? Como levar a sério gente que acha que duas pessoas que se amam não podem se casar porque são de religiões diferentes?

SCULLY: - Mulder, os evangélicos também não aprovam isso.

MULDER: - E que quando a mulher está naqueles dias ou no período de Niddah, simplesmente tem que dormir em outra cama até ficar "pura" de novo?

ELLEN: - Quê?????????

MULDER: - É, porque menstruação é algo abominável, impuro! Transar com ela então nesse período... Minha nossa, é um pecado mortal!

SCULLY: - Ah, mas é nojento mesmo. Eu não gosto. Me sinto suja.

ELLEN: - Cruzes! Quer dizer que eu fico impura uma vês por mês? Nem imaginava! Deixa o Walter saber disso...

SCULLY: - Mas tem um fundamento... A TPM...

ELLEN: - É energético. Nisso concordo. Tente bater clara de ovos ou maionese quando está menstruada pra ver se não desanda tudo. Nem a comida fica boa. Nada fica bom. Você vira um porre, tudo dá errado!

MULDER: - (ENFEZADO) E depois de sete dias limpa, ela tem que tomar um banho de pureza em exatos 200 galões de água da chuva ou de fonte natural chamado Micvê, aí sim vai estar limpa pra dormir com o marido. Bando de loucos fanáticos!

SCULLY: - Mulder, por favor. Respeite as crenças das pessoas. São tradições que eles receberam de Deus, estão todas escritas no Antigo Testamento. São leis para os judeus. Ainda bem que Jesus aliviou a nossa carga!

MULDER: - Não respeitam as minhas, então não tenho que respeitar nada!


Hotel – 11:23 AM

Mulder arruma as malas. Scully dá mamadeira pra Bryan.

MULDER: - Quando sair desse lugar vou parar o carro e limpar os meus pés!

SCULLY: - Calma, Mulder. Não adianta ficar enlouquecido desse jeito. Não devíamos ter vindo, eu fui idiota de pegar esse caso sem consultar você antes...

Mulder beija a boca de Scully. Ela fica surpresa. Mulder solta os lábios num estalo.

MULDER: - Agora me sinto melhor. (GRITA NA JANELA) Durmo com uma cristã irlandesa!!!!!!

Scully começa a rir. Bryan solta a mamadeira e olha curioso para Mulder.

SCULLY: - Mulder, não provoque a ira dessa gente. Estou preocupada com você.

MULDER: - E eu estou preocupado com Victoria.

SCULLY: - Como assim?

MULDER: - Primeiro vimos que ela sabe hebraico. Mas se você visse a nossa filha argumentando a Bíblia com aqueles rabinos... Cada versículo que eles citavam, ela citava um oposto, como se tivesse feito uma faculdade de Teologia! Eu simplesmente fiquei ali parado, sem reação. Eu desconhecia que Victoria sabia tanta coisa! Confesso, eu me assustei com aquilo. Não sabia se sentia orgulho ou se sentia medo por ela.

SCULLY: - Mas... Mas ela lê a Bíblia, pensei que fosse só pra praticar leitura. Nunca imaginei que ela pudesse entender. Tem palavras ali que eu preciso procurar no dicionário!

MULDER: - Ela me disse coisas que eu desconhecia e me deu a certeza sobre Sião. E eu percebi que não sabia muito por que tenho falado pouco com a minha filha. Concluí que não tenho dado a atenção que ela precisa. Estou mais ocupado correndo atrás de verdades do que na companhia da minha família, a minha verdade.

SCULLY: - Me senti assim com a história do cemitério...

MULDER: - Tenho que ser pai, Scully. Pai na maior parte do tempo e esse tempo só depende das minhas escolhas. E é por isso que não vejo mais graça alguma no que estamos fazendo. A graça da vida está em viver com meus filhos. Brincar com eles. Conversar com eles. Esse é o meu maior desafio: ser um pai. Ser eu mesmo, um homem comum, fazendo coisas comuns. O resto perdeu a graça há muito tempo. Não existe rotina. Existem coisas que você faz todos os dias. A rotina é apenas a falta de encanto que você não coloca nas coisas.

SCULLY: - Mulder, ouvir isso de você é... Isso sempre foi coisa de Scully, mas vinda de você soa um tanto surpreendente. Você já abandonou o FBI e agora está abandonando a agência por causa da sua família. E a sua carreira?

MULDER: - Não estou abandonando uma carreira. Estou ascendendo nessa carreira. Não vou correr mais atrás das coisas me expondo a perigos, eu escreverei sobre elas e falarei a verdade através dos meus livros. É um bom jeito de fazer as pessoas me ouvirem. E não pense que foi o Fumacinha quem colocou essa ideia na minha cabeça. Essa ideia é minha. Eu apenas tive que concordar com uma coisa que ele me disse: agora eu sei na carne o que é ter um filho. O que você precisa doar de você para eles. E eu não serei os pais omissos que tive. Que vive mais tempo longe correndo atrás de conspirações do que abraçando meus filhos.

SCULLY: - Gosto de ouvir isso, Mulder.

MULDER: - Eu posso buscar meus monstros de vez em quando e escrever sobre eles e todos os outros que já vimos. Mas esses monstros virão depois da minha família. Eu tenho o maior e mais desafiador Arquivo X morando na minha casa, um presente que nem sei se merecia! E ela precisa de um pai que a oriente. Ou vai procurar isso na rua. Ela nasceu de nós porque nós fomos escolhidos. É nosso dever zelar por ela. Eu estou ficando velho e cada minuto com eles é precioso. Metade da vida eu passei perseguindo verdades que me machucaram. A outra metade da minha vida eu quero passar com você e nossos filhos. E cada segundo que perco me faz sentir mal. Portanto, nenhum segundo a mais será perdido.

SCULLY: - E... Essa coisa de brincar de escritor e casinha vai deixar você feliz?

Mulder ajoelha-se na frente dela e olha em seus olhos.

MULDER: - Quando vai acreditar que você mudou a minha vida? Que você me fez ser uma pessoa melhor? Que eu só cheguei vivo até aqui porque você cruzou o meu caminho, me ensinou como ser gente. Você me ensinou a amar, Scully.

SCULLY: - (ENCHE OS OLHOS DE LÁGRIMAS) ...

MULDER: - Você encheu minha vida de luz e de alegria, elas eram trevas e dor. Você me transformou e aqui estou eu. Hoje eu sou o que acreditava que jamais seria. O que eu pensava que era a vida medíocre e vazia de um homem. Não... Aprendi a duras penas que não existe nada de vazio e medíocre na vida comum das pessoas. Não é fazendo algo diferente que vou me tornar diferente. Eu sou humano. E humanos precisam de vida humana. Eu me sinto melhor sendo pai e marido. Eu não chego mais num apartamento vazio e durmo num sofá. Eu chego numa casa, duas crianças me recebem com um sorriso e durmo bem aconchegado nos braços de uma linda ruiva. (DEBOCHADO) Cristã católica.

Scully sorri.

SCULLY: - Você vai me fazer chorar, Mulder...

MULDER: - Não vai perder tempo chorando. Vamos rir. Vamos voltar pra casa e fazer da nossa vida o melhor possível pra ser vivida.

Mulder afaga a cabeça de Bryan que continua tomando mamadeira. Troca um beijo com Scully. Batidas na porta. Mulder abre a porta. Israel está parado ali, nervoso.

ISRAEL: - Posso falar com você?

MULDER: - Se está aqui para tentar me convencer a ficar, está perdendo tempo precioso da sua juventude.

ISRAEL: - Sei que meu pai ofendeu sua família. Peço desculpas por ele. Como eu lhe disse, meu pai é um homem de tradições fortes.

MULDER: - Não se desculpe pelo seu pai. Você não tem culpa.

Scully vai até a porta. Israel pega na mão de Bryan brincando com ele.

ISRAEL: - Verificaram o que eu falei sobre meu irmão?

MULDER: - Seu pai disse que enviou o corpo dele para Jerusalém.

ISRAEL: - Ele está mentindo.

MULDER: - Bom, lamento dizer a você, mas não quero mais saber desse caso.

Mulder vai fechar a porta, mas Scully o detém.

SCULLY: - Vamos ouvir o que ele tem a dizer, Mulder. Em consideração ao nosso fã, hum? Você só tem dois fãs e ainda quer bater a porta na cara de um deles? Que grosseria!

Israel sorri tímido. Mulder suspira. Scully abre a porta.

SCULLY: - Entre, Israel. Nos diga o que sabe sobre tudo isso. Não vamos poder ajuda-lo, mas poderemos ouvi-lo.

ISRAEL: - Eu preciso muito falar com vocês, mas não pode ser aqui, tem muita gente que frequenta o Mame, meu pai vai acabar sabendo e eu deveria estar na escola, ok? Preciso voltar pra lá agora. Deixei de contar coisas naquele dia porque Nínive estava comigo e tem coisas que ela não precisa saber. Quero que me encontrem no riacho às 3 da tarde, no lugar onde o rabino Josifa foi encontrado. Mas precisamos encerrar a conversa cedo, porque hoje é sexta e depois das seis começa o Shabat. Preciso estar em casa ou vou arrumar confusão com o meu pai.


2:52 PM

Mulder sentado na beira do riacho. Scully sentada ao lado dele jogando pedrinhas na água.

SCULLY: - Vamos combinar de ir pescar com as crianças? Devíamos tirar uma semana pra acampar com aquele seu 4x4 parado na garagem. Victoria adoraria.

MULDER: - Então vamos fazer isso depois que chegarmos em casa.

Israel sai da floresta com uma mochila e aproxima-se deles.

ISRAEL: - Pensei que não viriam.

MULDER: - Eu já devia estar a quilômetros daqui. Portanto, fale.

Israel senta-se sobre a mochila.

ISRAEL: - Nem sei como começar esse assunto. É difícil pra mim falar sobre o meu irmão por que... Quando me lembro de Isaías sinto ódio do meu pai.

MULDER: - Por que ele magoou muito seu irmão a ponto dele se suicidar?

ISRAEL: - Não... Porque eu acho que... Meu pai matou Isaías.

SCULLY: - Isso é uma acusação grave, Israel. Por que acredita nisso?

ISRAEL: - Porque na noite em que meu irmão morreu... Horas antes, meu pai e ele tiveram uma discussão. Meu pai arrancou um laço de couro da parede e começou a bater no meu irmão.

SCULLY: -As marcas de espancamento no corpo que o xerife admitiu...

ISRAEL: -Sim. Depois disso meu irmão saiu. Meu pai foi atrás dele. Voltou depois dizendo que não o tinha encontrado, mas... Seus pés estavam molhados. No dia seguinte o xerife ligou dizendo que encontrou Isaías morto no riacho.

MULDER: - E você ligou as coisas.

ISRAEL: - Muito óbvio, não é mesmo? E-eu não sei por que brigaram. Eu só posso fazer suposições e... Eu preciso admitir pra mim mesmo que... Puxa, isso é difícil. Ninguém tem provas, mas as pessoas comentavam, meu pai negava, mas eu percebia que... Meu irmão era diferente dos outros garotos. E aborreceu meu pai por isto.

Israel fica em silêncio. Toma coragem.

ISRAEL: - "Quando também um homem se deitar com outro homem, como com mulher, ambos fizeram abominação; certamente morrerão; o seu sangue será sobre eles". Levítico 20.

SCULLY: - (FECHA OS OLHOS) Seu irmão era homossexual.

ISRAEL: - Pode imaginar o que isso significou para o meu pai? Que seu filho mais velho, sagrado para Deus, filho que deveria ser rabino... Se deitasse com homens, contra as leis de Deus? As pessoas comentavam do jeito afeminado de Isaías. Meu pai brigava muito com ele e negava tudo. Sentia-se envergonhado e tinha medo de que as pessoas tivessem essa certeza.

SCULLY: - Iria desmoralizar toda a sua família e a imagem do seu pai. O conselheiro da cidade tinha um filho "pecador".

ISRAEL: - Acho que meu pai o matou antes que... Antes que a desonra batesse à porta da nossa casa.

MULDER: - Por isso ele não enterrou Isaías no cemitério, para não violar as leis judaicas.

ISRAEL: - O xerife sabe disso e protegeu o segredo da família. Mas não sei aonde meu pai enterrou meu irmão. E por causa do pecado de Isaías, não falamos mais o seu nome dentro de casa. Sua memória deve ser esquecida.

MULDER: - Seu pai é um sujeito conservador e de morais rígidas, mas não creio que violaria o mandamento "não matarás".

ISRAEL: - E aquelas palavras bíblicas de tirar do meio do povo judeu o que lhe envergonha? Como quando o povo de Israel começou a se prostituir com as filhas dos moabitas e Deus mandou matar todos os que haviam feito tal ato?

SCULLY: - Mulder, ele tem razão. O Rabi pode ter matado seu filho para proteger sua honra e não envergonhar Deus.

MULDER: - Mas ainda assim temos três assassinatos inexplicáveis. A não ser que os rabinos mortos soubessem que Isaías era gay... Bom, não importa. Estamos fora desse caso mesmo. Lamento muito pelo seu irmão, Israel. E pela ignorância religiosa que o matou.


6:05 PM

Mulder sai com o carro do hotel. Toma a rua deserta e vazia.

MULDER: - Vamos para o lar doce lar. Finalmente!

ELLEN: - Cadê todo mundo?

MULDER: - Encerrados em suas casas ou na sinagoga. Somos os únicos infiéis a sair de carro no Shabat. Hoje é dia de descanso, de comer, agradecer, comemorar e de orar. O resto que se dane.

SCULLY: - Mulder, por favor. Não debocha.

Mulder toma a rua principal. Passa em frente da casa do Rabi. O Rabi sai da casa e desesperado faz sinal para Mulder parar.

MULDER: - Que estranho... O que ele quer?

Mulder para o carro. O Rabi se aproxima.

RABI STEINSALTZ: - Peço desculpas pelas coisas que lhe disse. Peço que reconsidere e fique com o caso. Acabei de encontrar o velho Baroukh morto na sinagoga. Em pleno Shabat! Preciso que pegue esse assassino, Mulder. Enquanto as pistas estão frescas. Esse sujeito violou um dia sagrado!

Mulder e Scully se entreolham. Victoria olha para o Rabi.

VICTORIA: - Mas é lícito trabalhar hoje desrespeitando o Shabat? E se um homem morrer no sábado?

Mulder olha incrédulo pra filha. Victoria ergue os ombros. Mulder fica fascinado.

MULDER: - Volte pra casa e honre suas crenças, Rabi. Eu não compartilho delas, portanto, se nos permitir entrar, vamos até a sinagoga e cuidaremos do caso. Amanhã, depois do Shabat, conversaremos. Aproveite o dia de orações e reflexões para meditar sobre as coisas que deveria ter me dito sobre esse caso.

RABI STEINSALTZ: - Podem ir até a sinagoga, mas não podem entrar. Nenhum impuro entrará no Templo. Vocês não estão puros sob os olhos de Deus.

MULDER: - Quer ou não ajuda?

RABI STEINSALTZ: - O xerife ajudará vocês. Removerá o corpo para fora.

MULDER: - Ótimo! Destruir evidências é crime.

RABI STEINSALTZ: - Assim será.

Sinagoga – 6:09 PM

Mulder e Scully parados na porta. O xerife está sentado num banco, observando o cadáver sentado no banco à sua frente.

SCULLY: - Puxa, nunca tinha entrado numa sinagoga. É lindo! Olha só aquelas colunas... Os lustres... Poltronas estofadas?

MULDER: -Veja que o luxo não deve nada à igreja católica.

SCULLY: - Seu subversivo.

MULDER: - Como um bom Mulder. Isso me faz pensar o que meu avô deve ter passado por ter se casado com uma alemã. Ou ela se adaptava aos costumes e virava judia ou não a aceitariam...

SCULLY: - Você faz parecer que os judeus são machistas. Sei que eles têm uns costumes estranhos e leis rígidas, mas sei também que são ótimos maridos e amantes. Prezam o prazer da mulher. São fiéis. E românticos.

MULDER: - Como sabe disso?

SCULLY: - Sou fofoqueira, lembra?

MULDER: - (ASSUSTADO) Mulheres juntas...

SCULLY: - E falando nisso, aquela sua piada sobre o seu filho ser louro. Ele tem genes alemães escondidinhos no pai, mas que saíram nele.

O xerife se levanta. Vai até a porta.

ROSENZWEIG: - O Rabi não concordará com isto. Mas como policial, sei que precisam entrar na cena do crime. O Rabi não está aqui, que Deus castigue a mim.

MULDER: - Acho que Deus tem mais o que fazer do que ficar castigando quem deixa "pessoas impuras" entrarem numa sinagoga.

Eles entram. Scully está encantada olhando por tudo.

ROSENZWEIG: - Como é Shabat, precisei chamar o serviço de necrotério do condado vizinho.

MULDER: - Você está desrespeitando mais leis sagradas.

ROSENZWEIG: - Não importa. Alguém tem que cuidar da lei dos homens enquanto os homens cuidam da lei de Deus. Devo avisar o FBI?

SCULLY: - Alguém entrou aqui?

ROSENZWEIG: - O Rabi entrou primeiro, a fim de se preparar para as orações. Ao ver o corpo, fechou a sinagoga.

MULDER: - Isole o local, xerife. Quando o Shabat acabar, isso aqui vai encher de curiosos. Faça o seu serviço, mas não chame o FBI. Não envolva os federais nisso. Preciso da sua permissão para avaliar o local e recolher provas.

ROSENZWEIG: - Não tenho quem faça isso por aqui. Será de grande ajuda.

MULDER: - Então vamos trabalhar juntos. Só quero acesso a todos os laudos.

ROSENZWEIG: - É justo... Vou isolar a área.

MULDER: - Scully... Acho que o trabalho sujo é seu.

Scully abre sua bolsa e retira luvas e sacos plásticos. Os dois se aproximam do corpo de Baroukh sentado no banco. Mulder faz cara de pânico.

SCULLY: - Mesmo padrão, Mulder... Olhos arrancados, genitais... Lama na boca... Vou coletar amostras.

MULDER: - Eu vou procurar pistas.

Mulder anda pela sinagoga, atento ao chão. Percebe numa das colunas a marca de uma mão enlameada.

MULDER: - Scully... Encontrei digitais...

Mulder atenta para o corredor escuro. A porta dos fundos bate com o vento. Mulder tira a lanterna do bolso. Segue o corredor iluminando paredes e chão com a lanterna.

MULDER: - Scully... Vou checar lá fora.

Mulder sai pela porta dos fundos. Percebe um bolo de folhas incrustadas com lama. Vê a floresta ao longe. Mulder segue lentamente observando o rastro de lama com folhas. O vento agita as árvores. Mulder entra na floresta.


7:11 PM

Scully anda pela sinagoga. Para em frente ao altar cercado por cortinas. Observa curiosa. Leva a mão até a cortina. A mão do xerife agarra a mão dela. Scully toma um susto.

ROSENZWEIG: - Não pode olhar aí dentro.

SCULLY: - Por quê?

ROSENZWEIG: - Somente o Rabi pode entrar no altar. E pra isso precisa estar purificado, sem pecados. É a Lei. Para tanto, ele sempre entra amarrado por uma corda. Caso esteja em pecado, Deus o matará e assim teremos como puxar o seu corpo para fora, sem violar a Lei. Portanto, não pode entrar aí dentro. Ninguém pode.

Scully afasta-se. Os homens do necrotério entram na sinagoga. O xerife vai até eles.

Corte.


Noite. Mulder observa a sinagoga de madeira caindo aos pedaços, no meio da floresta. Sobe as escadas e empurra a porta velha que range. Aponta a lanterna pra dentro. Percebe os bancos sujos e empoeirados. Teias de aranha, colunas de madeira corroídas, pedaços de madeira espalhados.

Mulder ergue a perna passando por entulhos. Vai seguindo por entre os bancos até a frente. Um pedaço do piso de madeira se quebra, afundando o pé de Mulder, que quase cai. Ele olha pra baixo e sente que pisou em alguma coisa. Retira o pé e ilumina o buraco no piso. Se agacha e coloca a mão dentro do buraco.

SCULLY: - O que encontrou?

Mulder toma um susto. Leva a mão ao peito. Mira a lanterna no rosto de Scully, que leva a mão aos olhos.

SCULLY: - Ei, vira essa coisa pra lá!

MULDER: - Não faça mais uma coisa dessas, Scully! Só se quiser ficar viúva com dois filhos pequenos pra criar! Isso é jeito de chegar? De mansinho e por trás?

SCULLY: -Gosto de chegar de mansinho e por trás. O que há com você, Mulder? Anda muito assustado ultimamente!

MULDER: - Isso se chama "a idade tá pegando".

SCULLY: - (RINDO) Tá bom, "vovô". O que é esse lugar?

MULDER: - (COM A MÃO NO BURACO TENTANDO TIRAR ALGO) Parece uma antiga sinagoga...

Mulder se ergue. Começa a pisar forte nas laterais do buraco e a quebrar o piso podre. Scully se afasta. Ele leva a mão pra dentro do piso e retira uma Menorah, com apenas quatro velas.

SCULLY: - O que isso faz aí?

MULDER: - Não sei, mas é de ouro. Eles não devem saber que isso está aqui, porque duvido que deixariam pra trás... Tem fogo?

SCULLY: - Por que eu teria fogo?

MULDER: - Não se faz de doida, mulher! Eu sei que carrega um maldito maço de cigarros mentolados nessa bolsa. Se não fuma, por que fica se tentando? O que deu em você?

SCULLY: - (SUSPIRA) É que cigarros já salvaram nossa vida. "Allentown"?

MULDER: - É, mas já levaram boa parte dela também. "Fumacinha"?

Scully revira a bolsa e entrega o isqueiro.

SCULLY: - Não vai acender isso. É sacrilégio, só tem quatro velas...

MULDER: - (ACENDENDO) Quatro é meu número de sorte.

Mulder ergue a Menorah iluminando o local. Os dois observam tudo.

SCULLY: - O necrotério já levou o corpo de Baroukh. Recolhi as digitais e um pouco de material da boca da vítima. Dei algumas amostras ao xerife, mas guardei as melhores pra nós. O xerife ainda é um suspeito.

MULDER: - Encontrou alguma taça de vinho ou a arma do crime?

Scully abre a bolsa e retira a taça dentro de um saco plástico.

SCULLY: - Serve essa? É de ouro puro.

MULDER: - Scully, que coisa feia! Você roubando uma sinagoga?

SCULLY: - Não roubei. Vou devolver assim que examinar as digitais. Em breve teremos a identidade do assassino e voltaremos pra casa.

MULDER: -Você não tem uma bolsa, tem a caixa de pandora! O que mais carrega aí dentro?

SCULLY: - Melhor não saber. Vai balas e atira.

MULDER: - Sabe de uma coisa? Estou começando a acreditar realmente nessa coisa de golem.

Alguém passa na penumbra por trás deles. Scully vira-se assustada. As teias de aranha se movimentam. Scully tira a arma de dentro da bolsa.

SCULLY: - Mulder...

Mulder puxa a arma do coldre. Entrega a Menorah pra Scully e fica com a lanterna e a arma apontadas. Caminha em direção das teias. Passa entre elas e percebe um bolo de roupas amontoadas no chão, sujas de lama e sangue.

MULDER: - Scully...

Scully se aproxima.

SCULLY: - O que é isso?

MULDER: - Parecem vestes sacerdotais... O choshen e o éfode.

Mulder se agacha e revira as roupas com o cano da arma. Levanta-se rapidamente, virando o rosto e levando a mão ao nariz. Scully arregala os olhos.

MULDER: - Acho que finalmente encontramos o que faltava nas vítimas...

SCULLY: - Por que ele deixaria os genitais que retirou justamente aqui?

MULDER: - Eu não sei. Só sei que em outra situação, eu odiaria ver você pegar o pênis de outro cara. Mas diante das circunstâncias, eu é que não vou tocar nisso!

Scully suspira. Tira luvas e sacos plásticos da bolsa.

MULDER: - Se é que são dos rabinos...

SCULLY: - (DEBOCHADA) São. Eu conheço um pênis judeu.

MULDER: - Em consideração a natureza hedionda da coisa, eu não farei nenhum comentário maldoso.

SCULLY: - Acho bom mesmo.

MULDER: - Enquanto você fica pegando... Essas coisas... Eu vou dar uma olhada por aí.

Mulder guarda a arma e caminha pela sinagoga, levando a Menorah com ele. Procura a porta dos fundos. Uma madeira despenca do teto. Mulder toma um susto.

MULDER: - (GRITA) Estou bem! (MURMURA) Tá na hora de parar com isso, Fox Mulder... Você está ficando velho pra essas coisas...

Mulder sacode o pó da roupa. A mão coberta de lama vem por trás dele e tapa sua boca. O outro braço agarra-o, imobilizando-o. Mulder arregala os olhos. Deixa a Menorah cair no chão, tenta se esquivar. Olha apavorado com o canto do olho para o rosto coberto de lama que se aproxima do rosto dele.



BLOCO 4:

Residência do Rabi Steinsaltz - 9:11 PM

Mulder se acorda numa cama. Levanta-se assustado. Olha pra camisa suja de lama. Abre a porta. Escuta a voz de Victoria cantando.

VICTORIA: - Shabbat Shalom, hey! Shabbat Shalom, hey!

Mulder desce as escadas, curioso. A mesa farta de comida. A Menorah acesa. Victoria cantando ao lado de Israel que bate palmas. Bryan sentando no chão bate palmas com eles achando graça na brincadeira. Scully e Ellen conversam com a esposa do Rabi. Ao ver Mulder, Scully vai ao encontro dele.

SCULLY: - Você está bem?

MULDER: - Como vim parar aqui?

SCULLY: - Encontrei você desacordado no chão. O xerife trouxe você pra cá a pedido do Rabi.

O Rabi entra na sala.

RABI STEINSALTZ: - Pensei que... Sua família gostaria de passar o Shabat conosco. É uma forma de pedir desculpas pela minha grosseria.

O Rabi entrega um kippah pra Mulder. Scully olha pra Mulder como quem implora generosidade. Mulder pega o kippah meio contrariado e coloca na cabeça.

MULDER: - Muita consideração sua e da sua família. Eu agradeço.

RABI STEINSALTZ: - Não se preocupe. Não o deixarei trancado aqui até que o Shabat termine. Você pode ir embora quando quiser... Mas precisa se lavar antes de comer. São as Leis. Vamos arrumar uma roupa limpa pra você.

ISRAEL: - O que aconteceu com você, Mulder?

RABI STEINSALTZ: - Respostas depois, Israel... Não falamos de trabalho hoje.

MULDER: - Não compartilho suas crenças, portanto, podemos falar do "meu" trabalho.

Scully se aproxima de Ellen.

SCULLY: -(COCHICHA) E não falamos palavrões e piadinhas sexuais, senhora esposa do diretor do FBI. Certo?

Ellen olha pra Scully e faz uma careta pra ela.


9:29 PM

Todos olham pra Mulder, que entra na sala, de terno preto, camisa branca, parecendo um judeu ortodoxo, com a kippah sobre a cabeça. Ellen disfarça o riso. Scully pisca o olho para ele. Israel leva Victoria até a mesa. O Rabi puxa a cadeira para sua esposa. Depois para Ellen. Mulder puxa a cadeira pra Scully. Pega Bryan no colo e senta-se à mesa. Bryan leva a mão à taça de vinho, mas Mulder o impede.

BRYAN: - Uco!!!!!!

MULDER: - Não mesmo! Isso não é suco de uva, rapaz.

RABI STEINSALTZ: - Vai ter um bom bebedor de vinho em casa, Mulder.

SCULLY: - Ele já é bom bebedor de qualquer coisa. Incluindo a água das folhagens. Tive que coloca-las em um local bem alto, longe do alcance.

SRA. STEINSALTZ: - (SORRI) As crianças nessa idade são muito ativas...

SCULLY: - Até demais!

SRA. STEINSALTZ: -Peço desculpas, mas servimos comida que não precise ser esquentada. Deixamos a comida previamente pronta, não é permitido cozinhar ou esquentar qualquer comida hoje. O pão não tem fermento...

SCULLY: - Não se desculpe pelas suas tradições religiosas. Não sou judia, mas eu as aprecio e respeito. E gosto muito da comida de vocês.

RABI STEINSALTZ: -Então, Mulder. Você tem um filho homem. Alguém para transmitir sua descendência.

Scully ergue uma das sobrancelhas, olhando para o Rabi com vontade de esganá-lo. Ellen cutuca Scully.

MULDER: - E uma filha para também transmitir minha descendência.

RABI STEINSALTZ: - O filho homem é sagrado. A filha mulher é bênção. Sei que os costumes lá fora são diferentes dos nossos. Ser judeu está além de ser um povo. Somos nossas crenças e tradições. O filho leva nosso nome, de nossos ancestrais. A mulher se casa e passa a ser parte da família do seu marido. Não digo que a mulher não tenha importância, senhoras. Uma boa esposa é o alicerce de toda a casa. Deve-se a ela respeito, por lhe conceder filhos e cuidar da sua casa, fazer dela um lar. E deve-se amor e fidelidade a esta mulher.

SRA. STEINSALTZ: - E manter o marido nos trilhos. Eles podem entender de Teologia, mas nós entendemos do resto todo.

RABI STEINSALTZ: - Sim, Deus fez as coisas perfeitas. Homens e mulheres. Cada um com seus dons e sua natureza diferente, para se completarem em um só.

VICTORIA: - Posso fazer uma pergunta?

Mulder e Scully, ao mesmo tempo, a censuram com os olhos. Victoria suspira.

RABI STEINSALTZ: - Curiosa desde pequena, como toda a mulher. Por isso Deus entregou o mundo nas mãos dos homens.

Mulder fica pensativo. Scully abre a boca, masEllen a cutuca. Aproxima os lábios da orelha da amiga.

ELLEN: -Por isso mesmo que o mundo tá nessa merda toda! É regido por cuecas!

Scully morde os lábios pra não rir. Mulder ainda pensativo.

MULDER: - Deus sempre confiou as "maiores tarefas" aos homens, mas temos mulheres que fizeram a diferença. Posso citar Sara, Raabe, Ana, Miriã, Ester, Rute...

RABI STEINSALTZ: - Certamente, Mulder. Todas foram mulheres abençoadas e que fizeram a diferença, mas Deus deu ao homem, sua primeira criação, todas as questões mais importantes, como o estudo da Torah, as guerras...

MULDER: - (PENSATIVO) Sim. Mulheres não têm força física, elas não foram feitas para a guerra. Como Deus poderia usar uma mulher para guerrear? Mulheres, por sua própria natureza, foram feitas apenas para serem mães e esposas. Por isso mesmo, Deus sempre escolheu os homens para as tarefas mais importantes Dele. A elas cabe apenas o lar, filhos e marido.

Scully e Ellen fulminam Mulder com os olhos.

MULDER: -Independente de ser ou não uma verdade para os judeus, Deus teve um filho homem e se pensarmos em manuscritos judaicos sobre uma segunda queda dos anjos, subentendem-se que todos eles eram "homens". Enfim, tudo se resume aos homens. Espera-se que o sexo masculino seja a "salvação", vamos dizer assim. Ao macho cabe as missões mais importantes de Deus.

RABI STEINSALTZ: - Exatamente.

Scully estranha Mulder.Mulder olha com ternura pra Victoria, que está entretida com a comida.

MULDER: - (SORRI) Deus é bem mais esperto do que pensamos. "Só machos"... É o que se espera. No mundo dos machos, a força de uma mulher não chama a atenção.


10:23 PM

Mulder, Israel e o Rabi sentados na sala. Scully e a esposa do Rabi passam na sala e sobem as escadas. Scully lança um olhar pra Mulder e pisca o olho.

RABI STEINSALTZ: - Então existe um golem realmente.

MULDER: - Pensei que pudesse me dizer isso. Desde o início você e o xerife suspeitavam de um golem. Por que a certeza?

RABI STEINSALTZ: - Simplesmente por causa das evidências.

MULDER: - Mas espero que esse golem tenha deixado digitais. E assim que o Shabat acabar, vamos saber a identidade dele.

RABI STEINSALTZ: - É uma criatura de barro. Nunca vai encontrar digitais.

MULDER: - Talvez. Só não entendo por que o golem não me matou.

RABI STEINSALTZ: - Um golem serve ao seu criador. E esse criador, como você mesmo disse, quer ser pego. Não mandaria matar você.

ISRAEL: - Tem certeza de que era um golem mesmo? Nossa!

MULDER: - Eu sei o que vi. Tinha muita força porque conseguiu imobilizar um homem do meu tamanho.

ISRAEL: - Nunca pensei que... Que esse tipo de magia funcionasse. A magia de dar vida a coisas inanimadas.

RABI STEINSALTZ: - Pois deveria ter pensado. Está escrito no Talmude que pode ser feito. Basta saber o ritual correto e ter a permissão divina.

MULDER: - Se o sujeito que invocou o golem conseguiu cria-lo, é como você disse. Teve a permissão divina. Por que quer então ir contra Deus?

RABI STEINSALTZ: - Não quer ir contra Deus. Duvido que Deus tenha permitido que tal criatura fosse criada para matar seu próprio povo, particularmente, homens que levam a palavra Dele.

MULDER: - Você pode estar certo. A criatura deve ter fugido ao controle. Baroukh não era rabino. Por que mata-lo? Que ligação há entre os rabinos e Baroukh?

ISRAEL: -Nenhuma. Pobre Nínive, perder o pai dessa maneira... Deve estar péssima. Gostaria de estar lá com ela...

RABI STEINSALTZ: -Mulder, já conversou com o filho mais velho dos Svoray?

MULDER: - O noivo?Ainda não. Vou ter que atrapalhar as núpcias deles.

RABI STEINSALTZ: - Pois converse.

ISRAEL: - Pai, você já vai começar com sua implicância...

RABI STEINSALTZ: - Implicância nada tem a ver com isto, Israel.

ISRAEL: - Meu pai quando não gosta de uma pessoa... Nem foi à festa de casamento. Isso que a família nos convidou. Ficou feio pra você!

RABI STEINSALTZ: - Nos convidaram por delicadeza e eu não queria que você fosse e mesmo assim contrariou meu conselho. Eles sabiam que eu nunca dividiria o mesmo espaço com aquele rapaz. Por falta de rabinos precisei casa-lo com Tamar, mas não poderiam me obrigar a ir numa festa que não quero.

ISRAEL: - Só porque Neemias não é ortodoxo.

RABI STEINSALTZ: - Não critique minhas decisões na frente do Mulder. Não é por isso, eu não gosto daquele rapaz, ele não é um judeu honrado!

MULDER: - Por que diz isso?

ISRAEL: - Porque Neemias passou a adolescência fora daqui e conhece os costumes do mundo.

RABI STEINSALTZ: - Israel, vá para seu quarto. Hoje não é dia de discussões. Quero que vá louvar Deus agora!

Israel se levanta e sobe as escadas emburrado.

RABI STEINSALTZ: - O xerife me disse que você encontrou a antiga sinagoga e a Menorah que havia sumido.

MULDER: - Como assim?

RABI STEINSALTZ: - (SORRI) Aquela sinagoga foi a primeira do condado. Meu avô teve que enfrentar muitos ladrões. Eles entravam na sinagoga e levavam tudo. Um dia ele se irritou e escondeu a Menorah. Mas já estava velho e doente. Morreu sem ter revelado onde havia escondido. Meu pai passou anos tentando encontrar, até que desistiu. Eu também tentei quando jovem, mas sem sucesso, como pôde perceber. Obrigado por tê-la descoberto. Ela acompanha a família há gerações.


Hotel - 12:21 AM

Mulder e Scully entram no quarto.

SCULLY: - Qual o motivo daquele discurso machista à mesa? Não reconheci você, Mulder! Geralmente faz isso para me provocar, mas não era o lugar e a hora!

MULDER: - Estava apenas tirando algumas conclusões sobre a nossa filha. Pensa comigo, Victoria, por ser menina, não vai chamar a atenção das pessoas, seja qual for a missão dela por aqui. Simplesmente porque é mulher! Coisas divinas são dadas a homens, não? Viu como o seu Deus é esperto? (DEBOCHADO) Ele perdoou realmente a coisa da maçã.

Scully dá um tapinha nele.

MULDER: - O que quis me dizer com aquela piscada de olho?

SCULLY: - Qual delas?

MULDER: - Todas!

SCULLY: - Bom... Na primeira foi "nossa, Mulder, mas você vestido como judeu me deixou imaginando coisinhas indecentes".

MULDER: - (EMPOLGADO) Está me propondo um fetiche, Scully?

SCULLY: - Quem sabe? Bem, e a outra piscadinha... Sou mulher, lembra? Mulheres não guardam segredos.

Mulder sorri de orelha a orelha. Senta-se na cama curioso.

MULDER: - Então, Dana Scully fofoqueira?

SCULLY: - Enquanto a esposa do Rabi foi ao banheiro, entrei no quarto de Isaías. Não havia fotos do rapaz, mas tudo estava em perfeita ordem, como se ele tivesse ido viajar e fosse voltar pra casa. Não posso afirmar se Israel falou a verdade sobre a opção sexual do irmão, porém... Encontrei CDs do Abba, Gloria Gaynor, George Michael, Elton John e muita música eletrônica...

MULDER: -(DEBOCHADO) Isso já é bem sexualmente comprometedor, embora se entrassem no meu sótão e vissem minha vasta coleção musical... E o que mais?

SCULLY: -Depois, delicadamente comecei a falar sobre os nossos anjinhos, sobre o filho que perdemos, contei que optei pela circuncisão do Bryan e então ela se sentiu mais segura e começou a falar dos filhos dela.

MULDER: - O que eu disse sobre a língua feminina?

SCULLY: - O que tem contra a língua feminina?

MULDER: - Nada! Sou completamente a favor, desde que a língua esteja...

SCULLY: - Mulder!!!!! ... Continuando. Ela falou que tinha perdido seu primogênito de modo cruel e que isso acabou com parte da vida dela. Mas que compreendia que muitas vezes Deus tira alguém da gente porque está salvando a alma dessa pessoa.

MULDER: - Tá, e onde você quer chegar com isso tudo?

SCULLY: - Ela se contradisse numa coisa. Quando falamos sobre nossos maridos...

MULDER: - Tá vendo?

SCULLY: - Mulheres falam dos maridos, oras!

MULDER: - Mulheres falam de tudo!

SCULLY: - E vocês não falam?

MULDER: -(SEGURANDO O RISO) Não, eu já disse pra você. Não falamos de esposas pra não fazer propaganda. Só falamos das vadias.

SCULLY: -(IRRITADA) Vou fingir que acredito, Mulder, ainda mais você, a raposa, o rei das galinhas, o maior pegador da história! Imagino você e Krycek apostando quem "pegou" mais mulher! Ele realmente acredita que você é toda essa propaganda ou ele sabe a verdade?

Mulder faz cara de pânico.

SCULLY: - (SORRI) Como eu imaginei, essa aposta você perdeu pra ele... Bem, ela disse que o Rabi tinha tido uma formação muito ortodoxa, na família e nos estudos. Que estudou em Tel Aviv e espera que Israel seja rabino, mas percebe que não é sua vocação, embora Israel tenha muita curiosidade sobre ciências ocultas judaicas...

MULDER: - A própria mãe entregou o filho!

SCULLY: - Não. Você não me deixou terminar. Ela completou: a fruta nunca cai longe do pé. O que entende por isso?

MULDER: - Que o Rabi sabe mais de ciências ocultas do que diz.

SCULLY: - É ele, Mulder.

MULDER: - Só me responde por que não pode ser Israel?

SCULLY: - Você acredita que Israel saberia o suficiente para criar um golem? Acho que seu perfil está errado, Mulder. Não pode ser um jovem nesse caso. Um jovem, como você mesmo disse, não teria tanto conhecimento.

MULDER: - Eu não quero acreditar que Israel tenha algo com isso. Mas preciso de mais argumentos. Também estou centrado no Rabi.

SCULLY: - Eu não vou esperar até às seis horas. Eu vou pegar o carro, a taça e a lama. Vou até o condado mais próximo.

MULDER: - E como vamos analisar isso? Não acha que o xerife vai ajudar nos levando até um laboratório forense. Se ele é amigo do Rabi, o ajudou a encobrir a morte do filho...

SCULLY: - Pra que serve o seu amigo Krycek, Mulder? Ele é a nossa porta. Basta um telefonema e qualquer laboratório forense se abrirá. Ele agora é o policial, nós não somos mais.

MULDER: - Vou com você.

SCULLY: - Ok. Ligue pro Alex. Vou pedir pra Ellen ficar com as crianças.

MULDER: - "Alex"? Hum... Quanta intimidade!

SCULLY: - Mulder, quer parar com isso? Meu negócio é raposa, não é rato.


Delegacia do Condado de Fountain - 2:34 AM

O Delegado gordinho acompanha Mulder e Scully pelo corredor, enquanto puxa as calças que insistem em cair pela enorme barriga.

DELEGADO: - O que estão investigando, policiais?

MULDER: - Um homicídio.

DELEGADO: - Seu colega da Virgínia, o detetive Krycek, disse que viriam. Devem estar com muita pressa pra pegar o safado que fez isso... E devem ter tido um bocado de estrada. Somos a única delegacia da região que tem alguns equipamentos pra diversão...

O Delegado abre a porta.

DELEGADO: - Fiquem à vontade. Se precisarem de mim, estou na salinha, em frente à televisão. Vai começar um filmão com o Bruce Willis...

O Delegado sai. Scully e Mulder entram.

SCULLY: - (DEBOCHADA) Tem certeza de que quer me ajudar? Vai começar um filmão com o Bruce Willis...

MULDER: - Bruce Willis não tem perfume de canela e nem é sexy.

Scully retira as provas da bolsa. Mulder aspira o pescoço dela.

SCULLY: - Mulder, controle-se.

MULDER: - Quando voltarmos pra casa, eu quero uma noite daquelas! Vamos quebrar a cama e cair mortos no colchão. Posso me vestir de rabino, de padre...

SCULLY: - Mulder... Toma juízo. Agora me deixa coletar as digitais. E envie essa lama para Alex... Para o Krycek. Depois você pode pedir pra usar o computador do delegado pra ver se o cara está fichado. E torça pra que esteja, ou essa correria toda foi tempo perdido.

MULDER: - Se não bater com ninguém... Amanhã vou conversar com Neemias Slovay. Se eu não posso transar, ele também não pode.

SCULLY: - O mundo é injusto, Mulder. Muito injusto.


Idishe Mame – Condado de David - 8:12 AM

Victoria sentada à mesa. Ellen dando mamadeira pra Bryan.

VICTORIA: - Eu detesto quando eles não estão por perto. Sabe, tia Ellen, eu queria que os dois ficassem pra sempre juntinho de mim.

ELLEN: - É, Victoria, mas infelizmente os adultos precisam trabalhar. Quem vai colocar a comida na mesa se eles não fizerem isso? Quem vai pagar as contas?

VICTORIA: - Mas não devia ser assim. O mundo tá todo errado. As famílias deveriam ter mais tempo pra ficarem juntas.

Bryan solta a mamadeira.

BRYAN: - Nhum qué!

ELLEN: - Você já é grandinha pra entender as coisas, mas seu irmão ainda não.

Bryan esperneia pra ir para o chão. Ellen se levanta.

ELLEN: - Calma aí, nós já vamos passear... Ainda bem que esse garoto não é daquelas crianças, que começa a fazer um berreiro quando a mãe está longe.

VICTORIA: - Ah ele chora, e como chora! Quando eu tô junto não, mas se ele ficar sozinho com alguém... Teve uma vez que ele deixou a Baba doida.

ELLEN: - É que ninguém substitui a mãe. Só meu filho acredita nisso.

VICTORIA: - Você vive chateada com ele, né?

ELLEN: - Agora está um moço, namorando... Pra que se lembraria da mãe?

Mulder e Scully entram no restaurante, com cara de sono, acabados. Mulder atira-se na cadeira.

MULDER: - Preciso de um café forte.

ELLEN: - E então? Acharam o cara?

SCULLY: - Achamos alguém. Tinha digitais de Baroukh e outra pessoa na taça. Mas vamos ter que comparar com as digitais de todos os homens do condado, que só o xerife daqui dispõe. Comunidade fechada...

MULDER: - As digitais do cara não constam no sistema...

SCULLY: - E estou esperando o laudo da composição da lama.

Neemias e Tamar entram no restaurante. Sentam-se numa mesa distante, calados. Neemias parece triste. Scully olha pra eles.

SCULLY: - Que inveja! Jovens em lua de mel...

MULDER: - Não me parecem tão felizes pra quem tá em lua de mel... Precisamos falar com esse cara.

SCULLY: - Ainda está seguindo aquele perfil, Mulder?

Mulder vai até a mesa deles. Neemias olha pra Mulder.

MULDER: - Sei que não é momento propício, mas quero conversar com você.

NEEMIAS: - Comigo? ... Claro.

MULDER: - Vamos conversar em outra mesa.

Mulder e Neemias vão pra uma mesa ao fundo. A esposa dele os observa.

MULDER: -Como está a lua de mel?

NEEMIAS: - Dizem que é a melhor fase do casamento.

MULDER: - Você me parece triste demais pra quem se casou há poucos dias.

NEEMIAS: - (SORRI) Não, estou bem. Acho que é ressaca.

MULDER: - Existem outras fases boas também... Estão passando a lua de mel em casa? Não deveriam viajar?

NEEMIAS: - Nós optamos por ficar, terminar de arrumar a casa e depois viajar.

MULDER: - Você esperou tanto tempo pra casar, pode esperar mais uns dias pela viagem de lua de mel.

NEEMIAS: - Com certeza. Então? Posso ajudar você? O que quer saber?

MULDER: - O que pode me dizer sobre a morte dos rabinos? Por que alguém mataria rabinos e depois fugiria do padrão, matando Baroukh? O que Baroukh tem a ver com os rabinos?

NEEMIAS: - Que eu saiba nada. Ele era apenas muito amigo do Rabi Steinsaltz. Israel e Nínive vão se casar.

MULDER: - Embora não queiram. Você se casou por amor ou da mesma maneira?

NEEMIAS: - Isso é uma pergunta muito pessoal.

MULDER: - É, eu sei. Mas preciso fazê-la. Não precisa responder se não quiser.

NEEMIAS: - Minha ideia sobre o amor e o casamento são bem definidas. Você nunca casa com o grande amor da sua vida. Mas você precisa casar porque um dia vai precisar ter alguém do seu lado. A solidão não é para os seres humanos. Você aprende a amar essa pessoa, porque ao final de tudo, sempre o casamento vira uma amizade. Vejo meus pais, sogros, amigos... É assim.

MULDER: - Um dia você acorda e percebe que não tem mais vontade de fazer sexo, mas ainda tem vontade de ficar deitado ao lado dela, nem que seja pra assistir televisão. Você olha pra ela, lembra das loucuras que faziam e começa a rir sozinho, percebendo que o tempo passa, a vida passa, mas essa cumplicidade de vocês continuará até a morte.

NEEMIAS: - Sério que é assim?

MULDER: - Quando se casa por amor é. Aproveite sua lua de mel. (PISCA O OLHO) Vai lembrar dela quando chegar aos 70.

Mulder se levanta e volta pra sua mesa.

MULDER: - Quando for até a delegacia me traga as digitais de Neemias Slovay.

SCULLY: - Por quê? O que conversaram?

MULDER: -"Coisas de homem"... Acho que vou dormir um pouco. É Shabat ainda, não vamos resolver nada.

VICTORIA: - Papai, posso dormir com você?

MULDER: - (DEBOCHADO) Só se você não roncar.

VICTORIA: - (RINDO) Mas eu não ronco!

Mulder dá a mão pra Victoria. Os dois saem. Scully serve um café.

SCULLY: - (RINDO) E lá vai a sombra do Mulder, não desgruda desse pai dela por nada no mundo! Vou comer alguma coisa e tentar dormir, se o Bryan deixar. Você quer ir comigo até a delegacia depois, pra me ajudar a conferir as digitais?

ELLEN: - Deixe o Bryan comigo, vou cansá-lo no parquinho no meio da criançada. E ir à delegacia inclui ver o xerife gostosão? Vou com você! Olhar não tira pedaço.


5:56 PM

Mulder parado na margem do riacho segurando os tênis de Victoria. Observa a fazenda dos Baroukh. Victoria molhando os pés no riacho.

VICTORIA: - Você tinha um lugar secreto quando era criança?

MULDER: - Claro que eu tinha.

VICTORIA: - E onde ficava?

MULDER: - (SORRI) Ficava longe da minha casa. Perto da praia. Era uma caverna. Eu e os garotos ficávamos por horas trocando figurinhas e mentindo coisas de criança.

VICTORIA: - E você tinha uma casa na árvore?

MULDER: - Eu sempre quis, mas o meu pai não tinha tempo pra construir.

VICTORIA: - A tia Ellen disse que os pais não têm tempo porque precisam trabalhar pra comprar coisas pros filhos. Papai, quando você tiver um tempo sobrando, você poderia fazer uma casa na árvore pra mim?

Mulder olha pra filha e sorri.

MULDER: - Eu vou fazer uma casa na árvore pra você.

Victoria sorri. Mulder senta-se numa pedra. Observa a paisagem. Victoria começa a brincar com as pedrinhas no fundo da água. Mulder observa a filha brincando.

VICTORIA: - Papai... Posso perguntar uma coisa?

MULDER: - Pode perguntar sempre o que você quiser.

VICTORIA: - Por que eu sou diferente das outras crianças?

MULDER: - Porque você é especial. Você é um anjinho metade gente.

VICTORIA: - Os outros anjinhos não são pessoas?

MULDER: - Não. Eles são apenas anjos.

VICTORIA: - Anjos são soldados. Não são aquelas criancinhas que a mamãe coleciona. Por que ela pensa assim?

MULDER: - A maioria das pessoas pensa assim. E eu não sei o porquê disso, antes que você me pergunte.

Victoria ergue a mão segurando uma aliança.

VICTORIA: - Olha o que eu encontrei no meio das pedrinhas!

Mulder pega a aliança. A observa. Muda a fisionomia.


Residência dos Slovay – 6:13 PM

Mulder desce do carro.

MULDER: - Victoria, eu quero que fique aqui dentro, ok?

Victoria afirma com a cabeça. Mulder bate à porta da casa. Tamar abre a porta.

TAMAR: - Posso ajudar?

MULDER: - Gostaria de falar com Neemias.

TAMAR: - Só um momento.

Mulder olha pra filha no carro. Neemias vem até a porta.

MULDER: - Quero falar com você.

NEEMIAS: - Pode entrar. Fique à vontade...

MULDER: - O assunto que tenho pra conversar, você não vai querer falar na frente da sua esposa.

Neemias sorri sem graça.

NEEMIAS: - (GRITA) Querida eu já volto!

Neemias sai, fechando a porta.

NEEMIAS: - Então, sobre o que quer conversar?

MULDER: - Acho que você perdeu alguma coisa.

NEEMIAS: - Que coisa?

MULDER: - Sua aliança.

NEEMIAS: - Minha aliança? (SORRI) Não. (ERGUE O DEDO MOSTRANDO A ALIANÇA) Ela está aqui.

MULDER: - Não falo dessa aliança. Falo da aliança que deu a Isaías, prometendo juras eternas de amor, antes de afoga-lo no riacho.

Neemias percebe a arma no coldre de Mulder. Então sai correndo, pulando a cerca. Mulder suspira.

MULDER: - Definitivamente... Eu estou ficando velho e cansado disso!

Mulder sai correndo e pula a cerca atrás de Neemias.


Delegacia de Polícia - 7:16 PM

Scully observa com os braços cruzados. O xerife está nervoso. Neemias sentado numa cadeira e algemado. Mulder anda de um lado para outro.

MULDER: - Pode começar a contar tudo.

NEEMIAS: - Não sem a presença do meu advogado.

O xerife o agarra pela camisa, o sacudindo.

ROZENSWEIG: - Com ou sem advogado você vai pagar pelas coisas que fez!

Mulder contém o xerife.

SCULLY: - Você tem direito a um advogado. Pode esperar por ele. Mas igual, temos provas circunstanciais e você fugiu durante uma investigação quando se sentiu acuado.

MULDER: - Como matou as vítimas?

NEEMIAS: - Esperem aí! Vocês não estão pensando que eu matei aqueles rabinos e o velho Baroukh!

MULDER: - Você admitiu ter matado Isaías ao fugir de uma simples conversa.

NEEMIAS: - Foi um acidente, eu já disse!!!!!

SCULLY: - Se não matou os outros é melhor falar logo. A pena por homicídio é grande, por homicídio em série é muito maior.

NEEMIAS: - Ok, eu confesso. Mas minha mulher não pode saber disso! Ninguém por aqui pode saber disso... Meus pais vão me matar!!!

MULDER: - Acho que agora entendi porque o Rabi detestava você. Ele deveria suspeitar que andava com o filho dele, mas não quis me dizer nada por vergonha.

NEEMIAS: - (REVOLTADO) Vergonha... Essa gente aqui não entende nada! Nada!

Mulder puxa a cadeira e senta-se de frente pra ele. Mostra a aliança de Isaías. Neemias olha pra aliança, abaixa a cabeça.

MULDER: - Não vamos tomar isso como um depoimento. Melhor falar. Porque já estamos associando você com outros crimes.

NEEMIAS: - Tá bem! Eu conto!

Neemias começa a ficar perturbado.

NEEMIAS: - Quando voltei pra cá, reencontrei Isaías... O conhecia desde criança, ele era mais novo do que eu... Mas nunca tivemos muito contato... Então fizemos amizade. Uma coisa leva à outra, entende? Ele era gay, qualquer idiota que morou numa cidade grande pode perceber quando o cara é gay... Eu... Eu gosto de homens e gosto de mulheres, então... Eu me apaixonei por ele. Ele era um cara legal, diferente dessas pessoas daqui. Não havia como não se apaixonar por ele...

O xerife ameaça dar um murro em Neemias. Scully segura o xerife.

ROZENSWEIG: - Seu imundo pervertido!!! Abominação aos olhos do Senhor!!!

NEEMIAS: - (ASSUSTADO/ GRITA) Segura esse cara!!!! Ele tá louco!!!!!

Scully tenta tirar o xerife da sala.

NEEMIAS: - Eu só falo com você, Mulder!!!!! Essa gente daqui não entende nada!!!!!

MULDER: - Xerife, por favor. Facilite as coisas. Depois vai tomar o depoimento dele.

Scully pega o xerife pelo braço e sai com ele da sala.

MULDER: - Continue, Neemias.

NEEMIAS: - A gente transava escondido, perto do riacho. Nos apaixonamos. Chegamos a trocar alianças. Pensávamos em fugir daqui, Isaías queria ser ator, cogitamos morar em Nova Iorque... Mas o pai dele suspeitava de alguma coisa. Então Baroukh deve ter visto nós dois juntos, porque foi falar com o Rabi. Foi quando o Rabi começou a trancar Isaías em casa, a bater nele... E eu fiquei com medo de que os meus pais ficassem sabendo que... Que eu gostava de dormir com homens... Eu disse então a Isaías, que era melhor se parássemos de nos ver. Estava ficando perigoso. Melhor dar um tempo. E nisso, meus pais combinaram meu casamento com Tamar. A ideia foi boa, eu tentei explicar a Isaías que, se me casasse com Tamar, seria bom pra nós dois.

MULDER: - Seria bom pra você. Ninguém suspeitaria que um homem casado com uma mulher transasse com outro homem. Muito conveniente.

NEEMIAS: - A gente se encontrou no riacho. Depois de transarmos, eu contei a ele que me casaria com Tamar. Ele ficou louco. Queria me matar. Começou a gritar e eu fiquei com medo de que os Baroukh ouvissem. Segurei ele pelo pescoço, mas com muita força. Eu não o matei por querer. Foi um acidente! Quando vi, ele estava pálido, caindo ao chão... (COMEÇA A CHORAR) Ele estava ali, morto, nas minhas mãos... E-eu entrei em pânico...

MULDER: - E como ele foi parar no riacho?

NEEMIAS: - Como eu disse... Eu entrei em pânico. Joguei o corpo dele no riacho. A polícia acreditaria em suicídio. Nada me ligava a ele... Deus, eu matei Isaías!

Neemias leva as mãos algemadas ao rosto e começa a chorar. Mulder suspira.

NEEMIAS: - Pode existir pena maior do que fechar os olhos à noite e lembrar que matei acidentalmente o cara que eu amava? Não ligo mais, Mulder. Eu perdi tudo. Não quero estar casado com Tamar, ela merece alguém que a ame, eu nunca vou poder dar o que ela quer.

MULDER: - Por isso você disse que nunca nos casamos com o amor de nossas vidas. Confesso que dei corda ao assunto no restaurante, porque a ideia de você e Isaías estava começando a coçar na minha cabeça. Até que encontrei a prova.

Neemias ergue a cabeça e respira fundo. Mulder se levanta e pega um copo de água e entrega pra ele. Neemias toma um gole, derruba lágrimas e fica olhando para o copo.

NEEMIAS: - Eu sou um covarde. Eu deveria ter fugido com ele... Se você visse as coisas horríveis pelas quais ele passava... O pai dele o espancava. Israel vivia machucado, só porque era gay. Você não sabe como é difícil assumir que se é gay, ainda mais quando você é judeu... E vive numa comunidade religiosa fechada. Não era fácil pra gente. Eu não podia assumir meu amor por ele, porque temia arruinar a imagem da minha família... Mas Isaías teve a coragem de admitir aos pais e dizer que me amava... Eu fui um covarde... Por que eu não fugi com ele pra longe daqui? Por que, meu Deus, por quê? Ele ainda estaria vivo!

O rapaz abaixa a cabeça e continua chorando. Mulder toca no ombro dele.

MULDER: - Tente fazer as pazes com você mesmo. Foi um acidente, como você disse.

NEEMIAS: - (CHORANDO) ...

MULDER: - Aconselho que não fale nada com o xerife, ele presta contas ao rabino. Espere seu advogado chegar. Pegue um advogado da cidade grande, mas que conheça as Leis sionistas. Ele pode argumentar através do direito à liberdade sexual, afinal somos um país livre, não vivemos sob as leis de Israel ou religiosas. Você deve assumir o que fez por questão de consciência e respeito à memória de Isaías. Mas pode alegar que foi vítima de preconceito sexual. Agora nada mais há a esconder. Seus pais vão acabar sabendo... E sua esposa também.

NEEMIAS: -Obrigado, Mulder... Você é um judeu legal.

MULDER: - Não sou judeu.

NEEMIAS: - Pode dizer que não, mas ser judeu não é religião. É sangue.

MULDER: - ... Com certeza, teria sido mais fácil assumir sua sexualidade e ter ido embora com Isaías pra bem longe daqui.

NEEMIAS: - Eu gosto de Tamar... Mas os pais dela vão pedir anulação do casamento... Ela nunca vai me perdoar... Mas não importa. Eu vou pagar a minha pena... Isaías está morto e nada do que eu fizer vai trazê-lo de volta.

Mulder fecha os olhos. Estala os dedos. Sai da sala apressado.

Corte.


Scully está no corredor, tentando impedir o Rabi Steinsaltz de entrar na sala.

SCULLY: - O senhor não pode entrar...

RABI STEINSALTZ: -(REVOLTADO) Ele matou o meu filho!!!!!! Esse desgraçado matou o meu filho!!! O induziu à perversão!!!!! A culpa toda é dele!!!!!! Eu desconfiava!!!! Eu desconfiava que era ele quem colocou a abominação na vida do meu filho!!!!

SCULLY: - Rabi, não pode culpar o rapaz por isso. Seu filho também seria culpado.

RABI STEINSALTZ: - Não! Ele induziu Isaías a essa escolha!

MULDER: - Ninguém escolhe ser homossexual. É uma condição, não opção.

RABI STEINSALTZ: - Ele matou Isaías!!!!!!! O meu Isaías!!!!!

Mulder segura o braço do rabino.

MULDER: - Ele matou Isaías... Mas não é o único culpado por aqui. Você o matou pela segunda vez quando resolveu apelar para o ocultismo para trazer o seu filho de volta à vida.

Scully olha incrédula pra Mulder. O Rabi senta-se no banco, olhos perdidos no nada.

MULDER: - Seu filho era um pecador aos olhos do judaísmo. Lhe dava muito desgosto. Mas não o queria morto, nenhum pai quer ver o filho morto. Quando soube que ele iria se encontrar novamente com um homem, que você suspeitava ser Neemias Slovay, o impediu de sair de casa. Deu-lhe uma surra. Mas isso não evitou que ele saísse.

O rabino começa a derrubar lágrimas.

MULDER: - Isaías se encontrou com Neemias. Eles tiveram uma briga. Neemias o matou acidentalmente e apavorado, o jogou no riacho. Você estava preocupado com seu filho e saiu atrás dele. Quando encontrou o corpo dele nas águas, não aceitou a morte do seu primogênito. Pediu ao xerife que o caso fosse encerrado o mais rápido possível como se fosse suicídio. Não queria chamar a atenção para um assassinato e levantar a curiosidade e a especulação das pessoas. Desonraria seu nome se as investigações descobrissem a verdade. Tratou de cuidar do corpo, fez uma sepultura falsa, porque como um homem temente a Deus, sabia que não poderia enterra-lo como um judeu no cemitério da cidade.

O rabino abaixa a cabeça.

MULDER: - Fez o que poderia fazer para ter seu filho de volta: apelou para os conhecimentos da Cabala e ciências ocultas. Fez um ritual semelhante ao do Maharal de Praga, que você deveria conhecer bem, afinal, você me disse que os seus descendentes vieram da Europa. Por que não de Praga? Não sei como o fez, mas partiu da ideia do golem. Ao invés de criar uma criatura do barro, ressuscitou um homem e acreditou que tudo estaria sob controle. O fato dele estar coberto de barro deve ser pela necessidade de imersão constante na lama para que a magia continue funcionando. Afinal, ele é um organismo complexo, não um simples homem de barro.

SCULLY: - Mulder, tem certeza de que...

MULDER: - Você pensou que poderia mantê-lo escondido na velha sinagoga. Mas como toda criatura, ele fugiu do seu controle. Passou a matar os rabinos. As vítimas eram imobilizadas não por vinho, mas por medo. Viam um morto-vivo à sua frente. Ele queria vingança dos caras que propagavam as Leis judaicas, ele morrera por causa dessas leis. Cortava o pênis, afinal, fora privado de usar o seu. Arrancava seus olhos. Eles não deveriam ver mais o seu rosto, ele não era mais digno de ser judeu. Então enchia suas bocas com lama, afinal, ele ressuscitou, livre de desejos sexuais...

SCULLY: - Mas e Baroukh...

MULDER: - Baroukh morava perto do riacho. Baroukh contou ao Rabi que vira Isaías e Neemias juntos. Por isso, o Rabi tinha a certeza de que seu filho era gay. Por isso odiava Neemias Slovay. Só o casou para não levantar suspeitas.

O Rabi afirma com a cabeça entre lágrimas.

MULDER: - Você queria que alguém parasse com isso. Por isso me chamou. Você não teria coragem de matar o seu filho.

O Rabi estende as mãos para serem algemadas.

MULDER: - Dê o fora daqui agora. Acabe com isso. Só você pode impedir que Isaías mate mais pessoas. Provavelmente a próxima vítima dele será a esposa de Slovay, Tamar.

RABI STEINSALTZ: - Eu mereço pagar pelos crimes. Eu fui o causador.

MULDER: - A polícia e o júri não vão acreditar em golem. Nem vão aceitar essa verdade. Nada vai acusar você. Essas mortes ficarão sem punição. Mas você já vai pagar lembrando todos os dias que, de certa forma, por causa das suas crenças, seu filho morreu. Morreu por causa da sua ignorância. Mas considere que ele já estava morto em vida, pois não podia buscar sua felicidade.

Mulder dá as costas. Scully vai atrás dele. Mulder está perturbado.

MULDER: - Não posso concordar com o que o Rabi fez a Isaías. Mas posso compreender o desespero para ter o filho de volta. Sempre pensamos que iremos antes dos nossos filhos. Nunca pensamos que podemos enterra-los. A lei da vida nos diz isso. E eu me coloco no lugar dele.

SCULLY: - Com certeza, Mulder. Não há dor pior do que a de perder um filho. Mas a gente só entende depois que têm filhos...

MULDER: - Esse caso me desgastou emocionalmente.

SCULLY: - Só me diga como você resolveu isso tudo de uma hora pra outra?

MULDER: - Agradeça a nossa filha. Ela descobriu a aliança de Isaías na água.

SCULLY: - Mas como ela descobriu? Como ela chegou até o riacho?

MULDER: - (SORRI) Porque eu fui pai. Resolvi passar um tempo com a minha filha. E quando fiz isso, eu encontrei todas as verdades que precisava.

Scully sorri. Os dois saem de mãos dadas da delegacia.


5:23 AM

Scully dirige o carro. Mulder no carona, pensativo, olhando para a paisagem.

SCULLY: - O Rabi ficou de nos mandar uma carta assim que resolvesse o problema. Agora está na consciência dele. Avisamos Tamar para sair da cidade até que as coisas se resolvam. Neemias Slovay foi preso por homicídio doloso e será julgado. Nos disse que mesmo na cadeia, vai criar uma entidade de proteção aos homossexuais judeus. Dará o nome de Isaías à entidade, como forma de manter sua memória e de dizer que sua morte não foi em vão.

ELLEN: - Coisa triste... Quanta ignorância a gente vê pelo mundo. Quer dizer que o rapaz morreu por nada? Que os rabinos morreram por nada?

SCULLY: - As pessoas morrem por nada, Ellen. Se houvesse compreensão no mundo, as coisas seriam diferentes.

MULDER: - (DIVAGANDO) Só há um mandamento: amar ao próximo como a ti mesmo.

SCULLY: - Verdade. Se você fizer isso, vai respeitar todos os outros. Com quem aprendeu isso, Mulder?

MULDER: - (OLHANDO VICTORIA PELO RETROVISOR) Com um anjinho.

Victoria olha pra Mulder e sorri. Mulder retribui o sorriso.


Condado de David – 6:03 PM

[Som:Psalms 104 - Yamma Ensemble]

O pôr do sol em toda a sua magnitude. O Rabi Steinsaltz se aproxima do riacho segurando uma caixa de ouro. Abre a caixa. As cinzas da caixa se espalham com o vento misturando-se à natureza.

RABI STEINSALTZ: - (OLHOS EM LÁGRIMAS) ... Do pó ao pó, Isaías... Tanto o pai, quanto o filho...

O Rabi acompanha com os olhos as cinzas do filho que flutuam no ar.


X


14/05/2002 (fin. ago/2006)

Nov. 14, 2020, 8:40 a.m. 0 Report Embed Follow story
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The End

Meet the author

Lara One As fanfics da L. One são escritas em forma de roteiro adaptado, em episódios e dispostas por temporadas, como uma série de verdade. Uma alternativa shipper à mitologia da série de televisão Arquivo X.

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