zephirat Andre Tornado

Um empreendimento proibido, resultados inesperados, decisões necessárias. No fim, há que escolher… entre o certo e o errado, entre a razão e o coração. Se o ator britânico Matt Smith tivesse feito parte de A Ascensão de Skywalker /The Rise of Skywalker, é ele o personagem principal desta história. O Engenheiro.


Fanfiction Movies For over 18 only. © Star Wars não me pertence. História escrita de fã para fã.

#starwars #GuerradasEstrelas #EpisodioIX #Clone #Palpatine #PaidaRey #Jakku #Engenheiro #TROS
Short tale
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Capítulo único


No início, era um trabalho como outro qualquer.


Precisava de ganhar um bom dinheiro, para ter a sua independência financeira e poder sair do buraco onde tinha vivido nos últimos dois anos-padrão. Evitara a guerra civil, enfiara-se num dos mundos da Orla Exterior a fazer contrabando de células de combustível, esbanjava os ganhos em jogo e bebida na cantina próxima, vivia numa pândega infindável, sempre a fugir, sempre a escapar-se, mas depois compreendeu que a guerra tinha gerado oportunidades únicas que enriqueceram a maioria dos seus amigos e que ele tinha se atolado naquele marasmo.


Por ter escolhido não participar na guerra civil – via-se incapaz de escolher entre as atrocidades do Império e as utopias da Aliança – deixara-se ficar num limbo que, se lhe tinha salvado a pele, não lhe dera grandes perspetivas de futuro.


Numa noite, na cantina, alguém falava num recrutamento secreto de engenheiros. Ele era um engenheiro de formação, só que, por causa da guerra e da sua cobardia que na altura lhe parecera tão acertada, nunca chegara a exercer a profissão. Obtivera o diploma de uma prestigiada escola politécnica e resolvera sair de casa a seguir, sem olhar para trás, nem dizer a ninguém do seu círculo pessoal o que pensava fazer e para onde se estava a dirigir.


Errara durante algum tempo pelos mundos das colónias, a guerra perseguia-o e foi então que embarcou num cargueiro de um pirata e tornou-se, também ele, um pirata. Roubava comboios de naves de abastecimento, para começar, e distribuía mantimentos por redes clandestinas que, segundo se dizia, iam matar a fome a populações desfavorecidas, que eram esquecidas pelo Império e ignoradas pela Aliança. Depois, estabeleceu-se num planeta escondido da Orla Exterior e serviu-se dos seus conhecimentos para alterar células de combustível defeituosas e potenciá-las para voltarem a ser usadas. Ganhou alguma fama, mas ganhou pouco dinheiro. Ou melhor, os créditos que conseguiu juntar foram todos vergonhosamente desbaratados em vício e prazeres mundanos.


Por isso, foi ouvir melhor o que o forasteiro contava sobre estarem a precisar de engenheiros. Um qualquer empreendimento secreto, quem estivesse interessado tinha de partir dali a duas horas-padrão e não fazer muitas perguntas. Ele fechou os olhos e aceitou as condições que lhe foram propostas. Podia ser uma armadilha, a Orla Exterior estava cheia delas, mas também podia ser aquele momento que ele não podia desperdiçar, sob pena de, mais tarde, se arrepender quando fizesse uma reminiscência amarga do passado.


– Para onde vamos? – perguntara.


– Só te posso dizer à chegada.


– Para onde vamos, criatura? Dá-me pelo menos essa informação.


E a criatura estalou as suas três línguas, abanou a sua cabeça monstruosa e sussurrou-lhe o nome do destino, escapando-se em seguida, fingindo que tinha cometido o deslize, não o reconhecendo se a confrontassem com a acusação.


– Exegol.


Nunca tinha ouvido falar. Ele encolheu os ombros e achou que bem podia ter passado sem a informação do nome do planeta onde iria trabalhar, nesse tal local rodeado de tanta pompa e secretismo.


Em Exegol deram-lhe acomodações razoáveis. Eram melhores do que aquelas que ele partilhava com outros proscritos na Orla Exterior, mas não abundavam em confortos, luxos ou beleza. Passou a viver num quarto pequeno, mal mobilado, austero e rústico, muito semelhante, julgou ele, a uma camarata militar. Comia num refeitório igualmente despojado e inumano com outros engenheiros igual a ele. Passava os seus tempos livres num pátio onde ninguém conversava com ninguém, desconfiados uns dos outros, pois o mistério do que faziam ali impunha-se como uma capa pesada e densa. Mas não se importava. Estava ali para trabalhar e os créditos entravam, efetivamente, na sua conta aberta numa instituição financeira com nome encriptado que operava a partir de um sistema das Regiões Desconhecidas.


E no início, realmente, era um trabalho como outro qualquer.


A seu ver, estar ali a esquematizar circuitos que depois os operários da fábrica próxima iriam construir, com base em planos truncados – ele nunca sabia na totalidade o que faziam ali, cada um trabalhava somente numa parte do empreendimento – não diferia muito de reconstruir células de combustível defeituosas para aumentar a sua eficiência.


Mas tudo mudou quando dois engenheiros, mais jovens do que ele, desapareceram subitamente e ele resolveu perguntar o que lhes tinha acontecido.


– Não deves fazer perguntas incómodas que possam obter respostas indesejáveis, humano – respondera-lhe um Twi’lek que rosnava sempre que alguém falava com ele, mas que tinha a vantagem de conhecer a língua comum e era raro utilizar o seu dialeto.


– E se eu quiser saber? Posso ser curioso…


– A curiosidade pode matar em Exegol.


– Foi o que aconteceu com os dois engenheiros que desapareceram?


– Talvez… O culto não quer que se saiba a verdade.


– O culto.


– Sim, o culto. Conheces a Força? Nós estamos a trabalhar para o lado sombrio da Força.


– Estás a falar nos Jedi? E em Darth Vader? Isso não terminou tudo com o fim da guerra, na batalha de Endor?


– Não, humano. Apenas começou. E nós fazemos parte disso.


– Eu trabalho em circuitos de plasma – justificou-se, arrogante, um sorriso desagradável a torcer-lhe a boca. – Não tenho nada que ver com a Força, nem com os Jedi, nem com os…


– Sim! Tens que ver com os lordes dos Sith! Trabalhas para eles, ignorante. Trabalhas para o culto dos Sith, neste momento, em Exegol e nem o sabias!


Ele calou-se, irritado com essa desvantagem. Ter pontos fracos que pudessem ser usados pelos seus adversários, teóricos ou efetivos, era uma forma de ser derrotado e afastado quando alguém julgasse que ele era dispensável.


Procurou saber mais e no meio das suas investigações acabou por ser transferido para outra secção. Achou estranho, mas aceitou a promoção. Talvez ele andasse a fazer perguntas estranhas, talvez quisessem que ele não soubesse mais ao lhe mudarem as tarefas. Deixou os circuitos de plasma e passou a monitorizar cápsulas de animação suspensa. Criou alguns protótipos, melhorou os equipamentos já existentes e que se mostravam obsoletos.


Nunca viu um lorde Sith ou travou conhecimento com algum dos líderes do empreendimento – nem procurou saber quem eram, onde passavam o seu tempo, como controlavam aquilo que se produzia naquele imenso complexo fabril ou como tomavam decisões que se relacionavam com todos aqueles que ali trabalhavam.


Mas numa noite, numa das oficinas… conheceu um homem e sobressaltou-se ao escutar uma voz desconhecida ecoar na sala onde ele separava cabos muito concentradamente.


– Pergunto-me se algum dia serei reconvertido e enfiado numa dessas câmaras. Seria uma solução mais branda… e no fim alcançavam o mesmo objetivo.


Ele levantou-se e encarou o homem que falava, mãos atrás das costas, a observar as cápsulas vazias, alinhadas contra uma parede.


– Eles acham que não sirvo o propósito para que fui criado… afinal, sou um modelo defeituoso. Perfeito na forma, mas imperfeito no conteúdo. Nunca mais acertam. Eu não tenho culpa e de certeza que tu também não a terás… Mas as avaliações são feitas com base em objetivos e resultados e não querem saber quem, ou o quê, será arrastado pela sua fúria. Já os viste furiosos? Eu não. Dizem que é uma visão… prodigiosa.


O homem voltou-se, rodopiando com uma ligeireza quase alegre, e encararam-se.


– Perdão… o que fazes aqui? Também trabalhas… aqui? És um dos engenheiros? Pensei que já se tinham ido embora todos depois do horário normal. Só fiquei eu, gosto de trabalhar sozinho… És novo aqui?


– Então… tu és um engenheiro – disse, sem responder a nenhuma das perguntas. Abanou uma mão num gesto cortante, mas também ligeiro e quase bem-humorado. – Espera! Espera, não me contes o teu nome. Tu serás o Engenheiro. Combinado?


– Certo… combinado – concordou, desconfiado.


– Eu serei… o Filho.


– O filho. O filho de quem?


– Não, não, meu amigo. Deves dar a entoação certa à palavra. O Filho. Como se não existisse outro. E até à data não existe mesmo outro. Sou único. O primeiro espécime que se concluiu dentro do padrão aceitável.


– O… Filho.


– Isso.


– Mas se és um filho, deverás ter um pai.


– E tenho, Engenheiro. Já te requisitaram alguma dessas cápsulas? Creio que o meu pai vai precisar de uma dessas cápsulas em breve. Os teus colegas, aqueles que trabalham diretamente com o meu pai, não conseguiram cumprir o que lhes foi pedido. Contaram-me que foram todos executados… O meu pai não tem ainda o que pediu e irrita-se facilmente, sabes?


Ele sentiu um arrepio.


– Executados?


– Nunca sentiste falta de ninguém, Engenheiro?


– Por vezes… Sim. Há pessoas que se vão embora.


– É uma boa metáfora. Ir-se embora. – O homem fez uma pausa prolongada. Observou meticulosamente a ponta das suas botas, espremendo os lábios. Cogitava algum pensamento que lhe era doloroso e ambíguo. Por fim, disse, sem levantar a cabeça: – Sou o filho de Palpatine.


O seu coração desatou a bater mais depressa, a magoar-lhe as costelas, como se não coubesse na caixa torácica. O ruído que fazia era volumoso e cheio. Significava que estava vivo, significava que o seu instinto de sobrevivência fora ativado e que ele teria de correr para se salvar da ameaça silenciosa daquelas palavras. Quis saber, no entanto, precisava de ser esclarecido.


– Palpatine? Sheev Palpatine? O Imperador?


– Sim, meu amigo. Sou o filho de Palpatine – repetiu. – Estás surpreendido? – perguntou olhando-o novamente nos olhos. – Julgava que sabias o que fazes aqui.


– Circuitos de plasma. Cápsulas de animação suspensa – gaguejou. E de repente sentiu-se mais idiota do que quando tinha sido interpelado pelo Twi’lek que rosnava, arisco, contra tudo e contra todos, numa irritação constante que lhe mostrava a dentição serrilhada numa carantonha ameaçadora.


– Estás a fabricar clones do modelo Strand-Cast, meu amigo. Alta tecnologia que nem os kaminoanos sonharam, nos tempos da Velha República. É uma ocupação… ou melhor, é uma profissão de respeito, não fosse esta tecnologia ser proibida na galáxia.


– Clones.


– Sim, clones. Eu sou um clone do meu pai, o primeiro a ser bem-sucedido. Terá sido por causa dos teus circuitos de plasma? Vamos acreditar que sim. Desse modo, temos algo que nos liga, aos dois. Tu fizeste-me… acontecer. Sou o primeiro humano nascido da bioengenharia desenvolvida secretamente em Exegol. Isso poderia constituir um motivo de orgulho, para ti e para mim. Outra linha a ligar-nos. Mas não. Não! – Negou com a cabeça, comprimindo os lábios com determinação. – O que se faz aqui não pode ser elogiado, de qualquer forma! É errado, é condenável, é sujo.


Começou a andar em círculos, o braço dobrado pelo cotovelo, uma mão crispada numa garra disforme, os dedos voltados para cima. O homem resfolegava como uma besta e ele continuava com o coração a martelar-lhe no peito, na cabeça, por todo o seu corpo. Curiosamente, não se sentia em perigo, apesar de ter o seu alarme interno ligado. O homem não era uma ameaça, mas também não era totalmente amistoso. Seria outra linha a ligá-los?


– Os senhores dos Sith que controlam este lugar querem ressuscitar o meu pai, perpetuar o seu legado no lado sombrio da Força. Um desequilíbrio inaceitável. A galáxia está a recuperar a esperança e a confiança, a luz espalha-se por todo o lado. Como sei destas coisas? Sabendo-as através de vulgares notícias clandestinas que eu consigo obter por meios dúbios. Porque não sinto a Força. Eles tiveram esperança, quando abri os meus olhos e fui capaz de os olhar de frente e de reconhecê-los, que eu fosse o meu pai reencarnado. Um clone perfeito de Sheev Palpatine. Mas não o sou e quando o descobriram… a sua ira criou uma tempestade!


Ele afastou-se, por fim, da mesa onde estivera a trabalhar nos cabos.


– Os Sith… nunca os vi.


– Poucos os viram, Engenheiro. Eles não querem ser vistos. Mas assim que perceberam que eu era o primeiro clone perfeito de um homem, quiseram conhecer-me e avaliar-me. Chumbei no teste e agora estou aqui, sabendo que as minhas horas estão a terminar.


– Vão… matar-te?


– Querem destruir-me. Por isso, preciso de fugir. E serás tu, meu amigo, que me vais ajudar a fugir. Prefiro fugir a ser confinado a uma dessas cápsulas… Seria outra solução em vez da morte. Mas não… Nunca. Não nasci para ser confinado.


O homem fitou-o com intensidade e todo o seu ser vibrou como que tomado por uma malha de fios invisíveis que o aprisionavam numa qualquer hipnose deliciosa. Ele recuou um passo.


– Eu vou ajudar-te a fugir? Como decidiste isso?


– Porque vi que tu tens um coração bom, Engenheiro.


– Não usas a Força, não podes saber isso.


O homem inclinou a cabeça.


– Não uso a Força, mas consigo… sentir. Nunca olhaste para alguém e lhe conseguiste ler imediatamente o seu carácter, sabendo que não estavas a errar, ou a enganar-te com falsas aparências? Olhei para ti e soube que tu não és como os outros.


– Serei pior que os outros, talvez.


– Circuitos de plasma e cápsulas de animação suspensa… – disse o homem, pensativo. – Preciso de uma nave, códigos de acesso e uma distração, Engenheiro. Amanhã regresso, à mesma hora e tu vais contar-me o teu plano. Vais saber que fizeste o certo, mais tarde. – Murmurou com um laivo amargo: – Não uso a Força, mas consigo ver o futuro. Tenho essa maldição. Cenas dispersas que entram nos meus sonhos que ainda se estão a organizar, porque não tenho passado, o meu presente é escasso e não possuo matéria suficiente para ousar sonhar como um homem verdadeiro. Então, descobri que os meus sonhos me falam do futuro… que também não tenho, mas pelo menos parece um destino qualquer. Existe uma menina. Tu precisas de fazer essa menina acontecer.


– Uma menina?


– Ah, uma pergunta, finalmente, com a entoação certa! Bravo! Sim, meu amigo… Uma menina. A minha filha – revelou com uma gravidade que tinha tanto de ternura, como de angústia.


– Será a neta de Palpatine, então.


– Essa menina terá a luz dentro dela e eu preciso de lhe dar vida. A vida artificial que me foi insuflada como presente envenenado precisa de ser convertida em vida verdadeira. Eu não sou digno de viver, mas ela sê-lo-á e reporá a justiça na galáxia.


Caiu o silêncio. Ele assentiu, sem saber muito bem por que motivo estava a concordar com tudo aquilo.


Ele não conhecia a Força e os seus mistérios, mantivera-se longe da guerra, escapando-se-lhe com cobardia sempre que pôde, ignorando o conflito mortífero que ceifava tantas vidas, a loucura do Imperador e a insistência do sonho da rebelião. Pelos vistos, sempre fora uma fuga inglória. Haveria sempre de ser apanhado, algures, durante o seu caminho solitário por aquela escolha que ele devia fazer com o coração e não com a razão.


A contradição oscilou, frouxa, dentro de si.


E porque era só um trabalho como os outros… certo?


O homem saiu, nos mesmos passos silenciosos com que entrara ali. No dia seguinte, ele tentou aceder aos arquivos do sistema central da fábrica e o acesso foi-lhe negado. Não insistiu. Dedicou-se, em vez disso, à tarefa paralela de obter o que o homem lhe tinha pedido. Não sabia como se chamava, mas também não se tinha apresentado e talvez fosse melhor assim. Dois anónimos que nunca se podiam reconhecer, ou denunciar. O Engenheiro e o Filho.


Na noite desse dia, o homem voltou a entrar na oficina e ele entregou-lhe um holopad com as informações que obtivera. O homem sorriu, incendiando os seus olhos azuis com uma centelha que o impressionou pelo seu brilho inaudito. Os olhos não estavam vivos e, de repente, naquele momento, acenderam-se com a imprescindível e necessária chama da vida. Ele soube que tinha feito qualquer coisa em prol dos sonhos do homem, desse futuro com que ele sonhava e sentiu uma espécie de realização. Tinha alcançado um feito qualquer que ele jamais iria esquecer.


Nunca mais soube nada do homem depois dessa noite. Nem procurou saber. Saiu de Exegol assim que conseguiu ser dispensado daquele empreendimento. Se nunca tinha acontecido uma entrevista para ser admitido ali, à saída fizeram-lhe um autêntico interrogatório ao qual ele respondeu com toda a sua solicitude e honestidade.


Mas uma vez tendo estado em Exegol, jamais deixaria Exegol, ele descobriu, amargamente, mais tarde. Tentou assentar em Chandrila, mas desistiu por não se adaptar ao ambiente cosmopolita da capital política da galáxia. Regressou à Orla Exterior e montou uma pequena loja onde tentou um negócio honesto de troca e venda de peças para speeders. Nos seus tempos livres fundou uma pequena escola onde dava formação sobre engenharia básica. Ganhava para o seu sustento e sentia-se realizado, não procurando outras aventuras. A batalha de Jakku havia acontecido, o Império Galáctico fora finalmente derrotado e desmantelado, a Nova República garantia a prosperidade de todas as zonas da galáxia, até daqueles entrepostos esquecidos nas franjas dos territórios mais abandonados.


Certa vez, foi abordado por uma criatura humanoide totalmente coberta por um manto que lhe ocultava a identidade. Ele explicou que tratava de peças, mas a criatura era insistente a pedir-lhe uma entrevista particular. Ele acedeu e fê-la entrar na sua casa. Acomodou-a na sala e serviu-lhe chá de fygre. Sentou-se na frente da criatura, as duas malgas a fumegar sobre a mesa e teve um mau pressentimento.


Um holopad foi colocado entre as malgas. O dedo enluvado da criatura ligou o aparelho.


– Em tempos, ajudaste um homem a fugir de uma prisão de alta segurança – disse a criatura. A sua voz era áspera e mesquinha. – Precisamos que emendes esse erro. Se antes agiste com o coração, agora age com a razão. Sabes que não o devias ter feito. Sabes que foi um erro.


Ele respirou fundo. Ele engoliu em seco.


– Não tenho assim tanta certeza se foi um erro… O homem não está a destacar-se na galáxia. Vive uma vida perfeitamente anónima.


– Efetivamente. O homem vive uma vida anónima – concordou a criatura.


O holopad ia emitindo hologramas de má qualidade, azulados e trémulos, de imagens captadas em segredo, resultantes de um trabalho desleixado de espionagem. Mostravam um jovem casal durante o seu quotidiano, num planeta desértico, levando uma existência modesta. Ele não lhes prestava muita atenção, mas também não conseguia deixar de assistir a cada um desses momentos que exibiam uma felicidade cândida e doce, típica dos enamorados.


– E por que motivo precisam de mim? Não o conheço, não sei onde vive… Nunca o conheci, em abono da verdade.


– Ele não pode viver. Ele é um produto defeituoso que irrita o seu criador.


– O seu progenitor.


– Criador – insistiu a criatura. – O produto tem de ser eliminado.


– Saí de Exegol há tanto tempo… Não sei o que poderei fazer para corrigir esse suposto… erro. Nunca trabalhei diretamente com o departamento genético. Tratei de circuitos de plasma e de cápsulas de animação suspensa.


– O homem confia em ti.


– E querem que o traia? – Os seus olhos abriram-se com o espanto. – Não sou um traidor.


– E, no entanto, traíste os teus superiores em Exegol ao ajudares o homem a fugir.


– Dei-lhe informações que ele me pediu. Se ele é o filho… do meu superior, devia-lhe obediência, assim como a devia ao seu pai. Fiz o meu dever. Não me podem acusar de nada, nesta questão. Estou isento de qualquer culpa. O que o homem fez com as informações que lhe providenciei, desconheço. Se lhe permitiu uma fuga que não devia ter acontecido, também desconheço.


– Entrega-o aos teus superiores e tudo ficará saldado.


– Não sabia que tinha uma dívida pendente.


O holograma mostrava agora uma menina a correr numa duna de areia, rindo com alegria. Ele cerrou os dentes com força. A criatura movimentou-se no seu assento e o couro das suas vestes estalou.


– Não sei onde é este planeta onde o homem vive com a sua família.


– Jakku.


– Se têm essa informação, porque motivo não o vão buscar lá e não me deixam em paz? O que querem de mim? – perguntou exasperado, nervoso, encurralado, a sentir todas as fibras do seu corpo a se retesarem com uma raiva quente.


– Queremos que vás até Jakku e que montes a armadilha para que ele seja capturado. Queremos que repares o teu erro e que nos demonstres que continuas a ser-nos leais. Precisamos de saber se és de confiança. Tens uma dívida, lembra-te, e só a poderás saldar se agires.


– Foste enviado pelo culto dos Sith.


– Quem me enviou não interessa. Amanhã virei buscar a tua resposta, pela mesma hora estarei na tua casa.


A criatura deixou-lhe o holopad que continuava a passar as imagens, agora as mesmas do início, repetindo o ciclo. Ele viu a menina a correr pelas dunas por três vezes, até se decidir a desligar o aparelho. O chá de fygre, entretanto, aquecera. Não sabia o que lhe poderia acontecer se dissesse que não. Ou sequer se dissesse que sim.


Passou a noite em branco, sentado na cama, a olhar para a parede desengraçada defronte dele. De madrugada, antes de o Sol raiar, saiu de casa. Comprou uma passagem num transportador que fazia a rota dos planetas esquecidos e chegou a Jakku dois dias-padrão depois.


Era um lugar realmente abandonado, onde prosperava um comércio infame baseado na sucata conseguida das antigas naves imperiais, e também destroços de naves republicanas, abatidas durante a batalha que ali tinha tido lugar, anos-padrão antes. A miséria era lugar-comum, o que indicava que os negócios apenas beneficiavam uma elite corrupta. A restante população arrastava-se numa indigência abnegada que o enojou.


Procurou pelo homem. Era difícil encontrar alguém sem nome em Jakku no meio de tantas pessoas sem identidade, mas acabou por descobri-lo por acaso, já na raia do desespero, quando bebia uma cerveja morna numa cantina infestada de parasitas e de oportunistas. Sentou-se à sua mesa e olhou-o nos olhos. O homem não se sobressaltou. Limitou-se a encará-lo com os olhos azuis acesos. Ele lembrou-se que tinha sido ele a acender-lhe os olhos.


– Andam à tua procura – disse-lhe, simplesmente.


– O meu pai…


– Sim. Creio que sim. Os lordes…


– Chiu, meu amigo. Não se mencionam palavras proibidas em lugares perigosos. Seria uma questão de tempo, não é verdade? Haveriam de me encontrar, mesmo que eu me tivesse escondido, feliz e tranquilo, num buraco chamado Jakku onde os sonhos imperiais morreram. Onde os sonhos republicanos não renasceram. Foi tudo um desperdício… lamentavelmente.


Mas o que ele tinha feito, em Exegol, anos-padrão atrás, pensou incomodado, não tinha sido um desperdício, afinal, a menina nascera e o homem conseguira ter uma vida para além da sua maldição de ser um clone forjado a partir do Mal. Pensou isto, mas não lho disse, pois, de algum modo, sabia que o homem já tinha conhecimento dessas noções, desses raciocínios.


– Deves fugir, para escapar.


– Não me poderei esconder em lado nenhum, Engenheiro… Mais cedo ou mais tarde serei apanhado – disse o homem e coçou a nuca. Dir-se-ia que debatia uma questão menor, não que estivesse a considerar que estava com a vida em perigo mortal. – Tenho uma marca demasiado grande. Sou filho do meu pai. E o meu pai quer destruir-me, envergonhado por eu ter conseguido ser alguém, para além dos seus planos megalómanos cheios de escuridão e de ambições medonhas. Ele não suporta isso… a normalidade. Sabes que ele vive? E é tudo graças a ti, Engenheiro.


– A mim…


– Ele vive dentro de uma das tuas cápsulas de animação suspensa. Um pedaço de humano, a manter o lado escuro da Força numa carcaça maldita. Afinal, foste muito útil ao teres trabalhado para nós. Os circuitos de plasma fizeram-me nascer e as cápsulas de animação suspensa mantêm as intenções malévolas do meu pai. Tu és mais do que um engenheiro. És um arquiteto!


Ele sentiu-se incomodado com aquela revelação. Perguntou, de voz estrangulada:


– Quantos anos se passaram?


– Ah, tive uma vida boa, meu amigo! – exclamou o homem e fez os copos de cerveja chocarem-se, num brinde tosco. – Dez anos. Passaram-se dez anos-padrão.


– Eles sabem sobre a menina.


– Sabem. Mas não a vão conseguir distinguir no meio de outras crianças de Jakku, que trabalham nas imensas sucateiras do planeta. Em breve, a minha filha será igual às outras meninas do deserto e vão desistir dela. Não a vão considerar e depois… depois a Força vai atuar e os meus sonhos irão concretizar-se. É irónico, não concordas? Os meus sonhos vão sobrepor-se aos sonhos do meu pai. É tudo uma questão de sonhos, afinal.


– O que vai acontecer a seguir?


– A seguir ao teu aviso, Engenheiro? Muitas coisas. Podemos definir muitos caminhos, mas eis o que vai acontecer… Vou abandonar a menina aos cuidados de um crápula nojento do entreposto de Niima e sairei de Jakku com a minha esposa. Vamos vendê-la e vamos deixar a circular o boato de que o fizemos para trocá-la por bebida, já que aparentemente somos uns bêbados incuráveis. Para além de cerveja, Jakku produz uma aguardente bastante forte e viciante que nos deixa ébrios durante dias. Nunca a proves, ou jamais conseguirás livrar-te do seu sabor tentador. Mais tarde seremos encontrados por um dos assassinos do meu pai e encontraremos o nosso destino.


– Por vezes penso que…


– Pensas que sou realmente o que sou. Um clone frio e despiedado. Talvez tenhas razão, Engenheiro. Sou um clone. Mas também tenho um coração e aprendi a amar. Amo a minha mulher e a minha filha. No entanto, o nosso caminho desenha-se algures, entre as estrelas, e não podemos evitar percorrê-lo.


– Por vezes penso que estão todos enganados. Tu reconheces a Força e serves-te dela – disse ele com uma nota de pesar.


– Talvez… O meu pai enganou-se tantas vezes. Eu poderei ser mais um dos seus erros.


– Pediram-me para te trair.


– E não o vais fazer. Eu sei disso. Vais cuidar da minha filha, por favor. Fica em Jakku, Engenheiro. Só o tempo necessário para que ela cresça. Mais dez anos. O que são mais dez anos na tua vida que oscilou entre tantas hesitações? No fim vais descobrir que tu estás aqui para fazer a diferença na galáxia. Tu vais manter o seu equilíbrio e vais preservar a luz.


– É a mim que vais vender a tua filha? – A pergunta causou-lhe repulsa, mas não evitou proferi-la. – Seria uma má decisão, eles sabem quem eu sou. Eu trabalhei para eles! Se a menina ficar comigo, eles…


– Não, vou vendê-la a um crápula nojento – repetiu, calmo. – Tu vais vigiá-la e protegê-la à distância. E não temas, eles não virão mais atrás de ti. É essa a tua missão. Vigiar e proteger a minha filha.


– Mas podem ligar-me à menina!


– A menina vai desaparecer, vai diluir-se na areia de Jakku. Tudo será esquecido. Até tu te vais esquecer…


– Sou um engenheiro, raramente me esqueço do que quer que seja.


– Vais esquecer!


O homem saiu pouco depois. Ele não soube o que fazer a seguir.


Nunca mais se encontraram, então ele depreendeu que o homem e a sua mulher já tinham deixado Jakku nos dias em que ele errou pelo planeta, sem um rumo definido. Montou outra loja no entreposto de Niima. Não sabia qual das meninas era a filha do homem. Haviam por lá tantas! O homem tinha razão, a menina acabou por desaparecer e por se diluir na areia de Jakku.


Acompanhou o crescimento de muitas meninas órfãs e desamparadas, protegendo-as, vigiando-as à distância, alimentando-as em segredo. Nunca soube qual delas era a menina certa, mas amou-as como se fossem todas filhas do homem. Também nunca soube a sua sorte, ou a sorte da sua mulher. Talvez tivessem sido assassinados, como ele profetizara e antecipara. Também nunca ninguém o foi procurar ali, ou andara a fazer perguntas a seu respeito, o que o levou a concluir que ele também teria desaparecido e se diluído na areia de Jakku.


Não percebeu os critérios dos Sith em relação a si, mas nunca quis esclarecer essa questão, mantendo-se num confortável esquecimento naquele planeta proscrito.


Era curioso o modo como as coisas acabavam por funcionar.


Dez anos-padrão depois, cansado, envelhecido e desiludido, deixou Jakku. Achava que já tinha cumprido a sua sentença. A menina teria crescido e já sabia defender-se sozinha. Ela vira-as a desabrochar, a se tornarem fortes, a conhecerem as manhas de Jakku e todas as meninas passaram a saber defenderem-se. Rumou a um dos mundos das colónias, à procura de um lugar onde pudesse refugiar-se da nova loucura que assolava a galáxia chamada Primeira Ordem. Comprou uma passagem num cargueiro de contrabandistas com a magra poupança que amealhara, entretanto, e viu-se, à chegada a um novo mundo, sem um crédito no bolso. Não conseguiu recuperar o que ganhara quando trabalhara em Exegol e também não tentou aprofundar o que tinha acontecido à conta aberta em seu nome, para não chamar a atenção do culto dos Sith. Riu-se da sua vida desperdiçada e viu-se a enfrentar um desafio para o qual já não se encontrava preparado.


Depauperado, fatigado e desiludido, não queria recomeçar.


Lembrou-se do seu amigo, daquele filho indesejado que sonhava com o futuro.


– Era este o meu caminho? Foi isto o que sonhaste para mim? Sozinho, pobre e com frio. Escolhi com o coração e perdi… mas perdi, realmente? Se tivesse escolhido com a razão teria perdido muito mais, haverias de mo dizer, se pudéssemos falar uma vez mais. Há uma nova guerra na galáxia. A Resistência opõe-se à Primeira Ordem. Espero que a tua menina consiga cumprir o teu sonho, meu amigo. Espero que ela seja a luz que tu sonhaste. Quanto a mim… só me resta fechar os olhos e aguardar que a Força me ajude, como te ajudou, e me mostre que não foi tudo em vão. Fugi sempre e nunca encontrei nada. Mas talvez te tenha encontrado a ti. Não… não. Nem, isso. Foste tu que me foste procurar e foste tu que me encontraste, naquela oficina, em Exegol. Há tantos anos, na escuridão, no vazio…


Após esta prece, nesse dia, inesperadamente, o Engenheiro encontrou um lar.

Sept. 1, 2020, 5:46 p.m. 0 Report Embed Follow story
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The End

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Andre Tornado Gosto de escrever, gosto de ler e com uma boa história viajo por mil mundos.

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