artemisiajackson Artemísia Jackson

Hinata estava acostumado ao uso da expressão "achados e perdidos", mas tinha que reconhecer que naquele momento, sua situação estava mais para "perdidos e achados".


Short Story Not for children under 13.

#haikyuu #kagehina #fluffly #comedy
Short tale
2
3.2k VIEWS
Completed
reading time
AA Share

Capítulo único

Mais uma do desafio da Políbio, "Clichê às avessas". Eu amo os desafios da Políbio, já disse isso? Pois eu amo!

Enfim, o plot dessa one aqui é o 18, onde o personagem A mudou de cidade e se encontra deslocado, esbarrando no personagem B também deslocado e aí os dois idiotas perdidos se perdem mais ainda, e isso é muito KageHina hehehe.

A capa mimo foi cortesia da baby sabrinavilanova, minha rainha 🤧

É isso, espero que gostem de ler tanto quanto eu gostei de escrever ;)

Boa leitura!

***

Shouyou ia chorar, ah, ia! Já podia se imaginar perdido para sempre, pobre, vivendo dos restos de comida do lixo, num país estrangeiro cuja língua não dominava e talvez nunca chegasse a dominar. E nos seus últimos instantes de vida, ele se amaldiçoaria por ter escolhido se mudar para Nova Iorque. Em que diabos estava pensando?

Ao leitor desavisado, irei explicar: após receber uma proposta irrecusável de se juntar a um clube renomado de vôlei nos Estados Unidos, Hinata não perdera tempo em aceitar. Afinal, era o último ano do colegial e ele precisava se garantir de alguma forma. Mas claro que não se incomodara em aprender nada sobre sua nova cidade, os novos costumes e a nova língua, e droga! Shouyou era péssimo em inglês — nem Yachi e suas aulas de reforço puderam mudar isso.

Virando numa esquina qualquer, se deparou com uma bifurcação nas ruas e seguiu pela direita. A escolha o fez ficar ainda mais perdido, e Hinata sentiu que ia morrer de desgosto a qualquer momento. Resmungando alto, vasculhou os bolsos em busca de dinheiro, e sorriu aliviado ao perceber que tinha uns dólares ali. Pelo menos poderia comer se encontrasse um café decente, caso tivesse sorte o suficiente para isso — independente de já estar na hora do almoço.

Era mesmo um tolo por sair sem celular num território ainda desconhecido. Só queria conhecer o tal do Central Park, mas definitivamente não estava nem perto do local.

Ainda pensando e lamentando sobre sua idiotice extrema, Hinata colidiu com um corpo maior que o seu — não que fosse difícil alguém ser maior que ele, de toda forma. Erguendo seus olhos curiosos, se deparou com duas orbes azuis escuras e muito intimidadoras. O garoto parecia prestes a engolir o mundo e afundá-lo em sua aura ranzinza, tão mal humorado estava.

— Sabe como faço… — Começou e parou, provavelmente tentando lembrar das palavras naquela língua.

Mas Shouyou reconheceu aquele sotaque pesado que ele mesmo tinha e sorriu, satisfeito. Finalmente alguém naquela porcaria de lugar o entenderia. Além disso, o estranho parecia tão deslocado quanto ele próprio se sentia.

— Pode falar comigo no seu idioma, eu sou péssimo em inglês também — anunciou em japonês, sorrindo de forma animada para o outro. — Perdido?

— Não! — Retrucou o outro, em japonês, parecendo relutante em se confessar. — Bem, mais ou menos. Só gostaria de saber o melhor trajeto pra chegar no Central Park.

— Também? — os olhos de Hinata brilharam. — Ah, eu estava indo pra lá, mas acabei me perdendo e agora só quero achar um café. Se quiser me acompanhar…

O outro pareceu ponderar sobre a proposta, como se estivesse relutando. Mas seu estômago tomou a frente e roncou tão alto que os olhos de Shouyou se arregalaram e ele precisou se segurar para não rir.

— Tudo bem — cedeu o estranho, olhando para a própria barriga como se pudesse pulverizá-la pela indiscrição.

— Certo, então vamos! — Hinata estava bem mais animado agora, guiando o caminho como se soubesse para onde estava indo. — Aliás, qual o seu nome?

— Kageyama Tobio.

Shouyou esperou a pergunta ser retribuída, mas como não foi, resolveu fingir que estava respondendo algo quando falou:

— Ah, e o meu é Hinata Shouyou, mas pode me chamar só de Hina, se quiser.

— Hinata está bom — disparou o outro, delicado como um soco bem dado.

"Qual o problema desse cara?" — Shouyou se perguntou, encarando o estranho de soslaio. Ele ainda parecia prestes a engolir o mundo. Talvez fosse a fome.

— Então, você é turista? — indagou novamente, tentando manter uma conversa.

— Não. Me mudei há dois dias — respondeu o outro, olhando sempre para a frente.

— Oh, está aqui há pouco tempo como eu! — admirou-se Hinata, encarando o seu acompanhante. — O que acha da cidade?

— Ridícula! — Disparou Kageyama, sem papas na língua. — As pessoas são mal educadas, não limpam a sujeira delas, acham que são o centro da América e dizem que o sotaque japonês é fofo. Não existe nada fofo na nossa língua, a deles é que é estúpida e difícil. São uns idiotas esses estadunidenses ou sei lá como se chamam.

This is America — brincou Hinata, surpreso pelo tagarelar do outro. — Eu concordo sobre a língua deles, que coisa difícil! As pessoas não são tão ruins, a velhinha da esquina foi bem simpática.

Exceto, é claro, pelo fato de ter lhe dado a rota errada. Mas não devia ter sido proposital, certo? Talvez o erro tivesse sido dele mesmo, que frequentemente se confundia com a fala rápida dos nativos.

— As velhas são as piores, uma delas tentou apertar minhas bochechas — rezingou Kageyama, alisando o rosto como se ainda lembrasse da dor.

— Isso é fofo, você que é mal humorado — objetou Hinata, encarando seu companheiro ranzinza. — Eu gosto dessa coisa de contato físico, acho legal.

— É algo desnecessário — retorquiu o outro, com uma carranca.

— Nem só do necessário viverá o homem — zombou Hinata.

— Você é idiota — devolveu Kageyama, na lata.

— Você que é mal educado, sabia? — tinha parado no meio da rua, com as mãos nos quadris e cara de ofendido.

Kageyama apenas negou com a cabeça e continuou andando, obrigando Shouyou a correr atrás dele para alcançá-lo. Finalmente ele pôde se dar conta que entremeara-se ainda mais naquela cidade idiota, mais perdido do que já estava.

— Hum, Kageyama, você sabe onde estamos? — Indagou, meio sem graça.

— Claro que não, pensei que você soubesse pra onde estava indo! — Acusou ele, indignado.

— Eu disse que estava procurando um café, não que sabia onde tinha um! — Defendeu-se Hinata, agitando os braços em frente ao corpo num gesto frenético de negativa.

— Certo, então você está perdido, seu imbecil? — Vociferou Kageyama.

— Imbecil? Olha só seu… seu… boboca, até onde eu sei você também tá perdido! — Gritou Hinata, indignado.

Qual o problema daquele estranho? Aliás, que moral ele pensava ter para reclamar da falta de educação dos americanos? Ele era mesmo um garoto absurdo.

Ao redor, as pessoas dentro dos estabelecimentos encaravam a ambos, provavelmente gostando do show que protagonizavam.

— Mas que merda, se eu soubesse que você era desnecessário, tinha seguido meu caminho sozinho — resmungou Kageyama, um pouco mais baixo.

— Desnecessário? Primeiro que você quem cruzou comigo, segundo que se estivesse sozinho, ia estar perdido do mesmo jeito, seu idiota metido — disparou Hinata, sinceramente irritado agora. — Vá em frente no seu caminho, se eu te atrapalhei porque você pretendia se perder pela esquina da esquerda e nos perdemos na da direita, me desculpe, adeus e boa sorte no seu caminho de perdição solitária!

Dito isso, o tampinha teve a audácia de seguir reto, ainda sem ter ideia da direção que tomava, e sem se importar com o outro, deixando-o para trás. Por algum motivo que ele mesmo desconhecia, Tobio se desesperou um pouco ao ver Hinata partindo. Droga, ele era mesmo uma negação em socializar! Se fosse sincero consigo próprio, Kageyama admitiria que gostara de encontrar um semelhante naquele lugar repleto de gente estranha, num país ainda mais estranho.

Resolveu seguir Hinata sem dizer uma palavra. Sabia que ia continuar perdido, mas entre se perder sozinho e se perder em companhia, ele preferia a última opção — por questão de segurança e talvez, talvez, porque o baixinho desconhecido era mesmo muito bonito e melhorava um pouco do seu humor.

— Vai continuar seguindo um imbecil? — A voz de Hinata novamente cortou o silêncio, sarcástica e ácida.

— Bom… não quero me sentir culpado por seu desaparecimento — Kageyama deu de ombros, mentindo descaradamente.

— Verdade? — Shouyou estreitou seus olhos em desconfiança. — Me sinto muito mais protegido agora — ironizou.

— Deveria mesmo, já olhou o seu tamanho? Você parece ter doze anos de idade — provocou Kageyama, o olhando de cima com braços cruzados e expressão de desdém.

— Doze anos? Escuta aqui, seu bostinha, eu faço dezoito esse ano, tá legal? — Retrucou o nanico, pulando para ficar na altura do outro.

— Bostinha? Se tem alguém que cabe no diminutivo aqui é você, pirralho — prosseguiu com as provocações, com um total de zero remorsos.

— Deveria no mínimo proteger sua canela enquanto diz essas coisas — ameaçou Hinata, embora sorrisse, caminhando lado a lado com o outro. — Quantos anos você tem, pra se sentir tão mais velho assim?

— Faço dezenove em dezembro — respondeu, dando de ombros.

Hinata fez um biquinho de inconformidade tão adorável que Kageyama quis morder. Então ele arregalou os olhos e se repreendeu por isso, porque não era um desejo normal — ao menos ele não achava que fosse. Loucura devia ser contagiosa e ele pegaria se andasse por mais tempo com o nanico, mas mesmo enquanto pensava isso, Tobio percebeu que não queria sair de perto dele.

É importante explicitar ao caro leitor que os dois perdidos passaram por inúmeros cafés enquanto discutiam, mas tão entretidos estavam um com o outro que não notaram — e lentos como eram, não se deram ao trabalho de levantar um questionamento acerca do porque diabos eles não achavam um café sendo que em quase toda esquina de Nova Iorque tem pelo menos um.

— Há quanto tempo estamos andando? — Indagou Hinata, já cansado. — Não tem um lugar pra comer nessa cidade?

— Eu disse que esse país é ridículo — tornou a rezingar Kageyama, triunfante. — Aliás, a comida daqui é absurda! — Acrescentou com uma carranca de desgosto.

— Você só sabe reclamar? Vai ter rugas na cara antes dos trinta se continuar assim — observou Shouyou, finalmente se atentando aos arredores para ver se achava um local onde pudessem comer.

Depois de mais uns dez minutos andando a esmo, guiado somente pela intuição — a qual lhe rendera mais perdições em lugares estranhos do que Hinata poderia contabilizar —, o baixinho finalmente encontrou uma cafeteria decente. A Starbucks parecia praticamente a visão do paraíso para ele, que aprendera logo no primeiro dia em Nova Iorque que entrar em qualquer estabelecimento de comida poderia vir a render boas diarréias.

— Aliás, Kageyama, por que você veio pra cá se não gosta do país? — Indagou Hinata subitamente, enquanto eles esperavam o sinal abrir para atravessar.

— Por que aqui eu fui selecionado para participar de um time juvenil de vôlei que está entre os melhores — respondeu ele, orgulhoso.

Os olhos de Hinata brilharam. Não era por isso que ele estava ali também? Ignorando o sinal aberto, ele deu um pulo de empolgação e começou a chacoalhar Kageyama de forma animada, gritando como um lunático.

— Você também joga vôlei? Também foi selecionado pra um time daqui? Isso é incrível, podemos sair juntos pra treinar quando eu aprender o caminho pro parque idiota da cidade, vai ser incrível!

Ao redor, os transeuntes os olhavam como se observassem um show de horrores, provavelmente porque além de pular como um canguru e gritar, Hinata fazia isso em japonês.

— E pra qual time você vai jogar?— perguntou novamente, sem se importar com a velha que passou ao seu lado o xingando.

— RedHawks.

Mais berros, mais pulos e chacoalhões fizeram até os guardinhas do trânsito encararem os jovens com uma cara feia de reprovação. Não que Hinata se importasse, já que estava ocupado surtando.

— Vamos ser do mesmo time! Nossa, que incrível, Kageyama! — Gritava Shouyou, agora pulando ao redor do outro. — Em qual posição você joga?

— Levantador — a resposta veio sem animação, pois Tobio estava ciente demais da vergonha que passava para dividir alegria com o tampinha ligado no 220. — E vê se para com esse escândalo, imbecil!

— Oh, você vai levantar para mim — Hinata ignorou o pedido alheio. — Espero que seja bom para acompanhar minhas super cortadas! Ah, que bom que no time não vão ter só pessoas que falam inglês! Eu estou tão empolgado, você não está empolgado também, Kageyama?

— Ficaria empolgado se você parasse com esse show e atravessasse logo a rua, porque eu tô com fome e o sinal já abriu e fechou umas duzentas vezes durante seu surto — reclamou seu companheiro ranzinza.

— Ah, você tem mesmo um espírito de velho — comentou Hinata, finalmente aquietando um pouco. — Vamos logo, seu velhote jovem, vamos comer.

Dito isso, Shouyou agarrou a mão de Kageyama e o puxou pela avenida, correndo porque o sinal já ameaçava fechar novamente. Tobio tentou não pensar no calor que tomou seu corpo — principalmente suas bochechas — naquele breve segundo em que mãos se juntaram. Tão logo chegaram ao outro lado da rua, Kageyama desvencilhou-se do toque, temendo que o outro percebesse seus sentimentos tolos.

Ambos entraram na Starbucks pequena e aconchegante, cuja iluminação era alaranjada e os móveis dispostos de madeira escura, lembrando os lugares elegantes que se vêem em filmes. As mesinhas redondas espalhadas pelo centro dispunham de quatro cadeiras, enquanto as do canto possuíam um banco estofado extenso e retangular, tendo como encosto a parede cor de creme.

Hinata soltou um assobio baixo de aprovação e arrastou seu companheiro mal humorado para o canto da parede, sentando-se na ponta do banco mais perto da porta. Agarrou os cardápios, e apesar de seu inglês fajuto lhe proporcionar algum entendimento, preferiu se deixar levar pela estética dos alimentos. Kageyama fez o mesmo, porque sua cabeça não estava a fim de se concentrar na leitura.

A garçonete chegou e ambos apenas apontaram seus pedidos, poupando o constrangimento de exibir seu sotaque e ter de lidar com as exclamações surpresas — ao que parecia, japoneses com sotaque eram uma ótima atração circense.

— E então, o que vai fazer depois daqui? — Indagou Hinata, curioso, encarando seu acompanhante.

— Vou tentar achar o caminho pra casa, mas provavelmente vai ser mais difícil depois de ter seguido você — Kageyama lhe lançou um olhar rancoroso.

— Você estaria perdido do mesmo jeito, nem vem — defendeu-se o outro, meneando a cabeça em negação.

— Sim, mas agora eu tô perdido duas vezes mais, porque me perdi por mim e depois me perdi por você! — Exclamou, cruzando os braços de forma emburrada.

Se o garoto percebeu a dualidade dessa frase, disfarçou bem. Mesmo Hinata sendo lerdo como era, não pôde deixar de corar levemente com a fala de Kageyama, perdendo a linha de raciocínio contra argumentativo. O silêncio acabou recaindo entre eles, pairando em algum ponto o confortável e o desagradável. Como estava cansado e com fome, Shouyou não se esforçou para quebrá-lo dessa vez, deixando-o se estender enquanto esperava pelo pedido.

Logo a garçonete simpática retornava com os pratos e canecas. E como tinha escolhido sem ler devidamente os ingredientes, Hinata acabou tomando um chá gelado que odiou completamente, disfarçando sua desgraça para que o seu acompanhante não risse na sua cara. Pelo menos o bolinho — muffin, mais especificamente — era uma delícia, tinha um gosto refinado de banana e chocolate.

Shouyou mal percebeu que Kageyama passou pelo mesmo problema, escolhendo uma bebida cujo gosto pareceu abominável ao seu paladar. Ele também se salvou pela escolha do brownie apenas, e usou de uma tática a qual era especialista desde pequeno: sempre que comia ou bebia algo que não gostava, tratava de consumir esse algo primeiro, deixando o melhor para o final, de modo que limpasse seu paladar das desgraças degustativas da vida.

Ambos não se incomodaram em falar até que os estômagos estivessem satisfeitos e a conta estivesse na mesa. Cada um pegou o próprio dinheiro, mas então se encararam e pararam antes de entregar os dólares para a garçonete.

— Eu pago — disse Kageyama.

— Não, eu te chamei, eu pago — retrucou Hinata, já empurrando o dinheiro para a mulher.

— Não precisa pagar minha conta também, paga só a sua — reclamou Tobio ao perceber que o montante de dinheiro na mão alheia abrangia toda a despesa, não só a de Hinata.

— Eu quero pagar, Kageyama, larga de ser chato!

— Um dia eu ainda vou arrumar um namorado que brigue para mim não pagar a conta — suspirou a garçonete, sonhadora, interrompendo a "DR" dos clientes — Os caras hoje em dia chegam e falam "você não é feminista? Então paga sua conta!" Tão rudes!

Embora estivesse falando mais consigo mesma, ambos os garotos ouviram. E ainda que o inglês deles fosse deplorável, eles conseguiram entender a ideia geral. Foi nesse momento que a garçonete percebeu que existem dois tipos de pessoas.

— Que caras idiotas, mete uma bolada na cara deles! — Hinata exclamou, sendo o tipo de pessoa A.

— Nós não namoramos — Kageyama simplesmente disse, sendo o tipo de pessoa B.

A garçonete decidiu que seu tipo favorito era, sem dúvidas, o tipo de pessoa A, até porque foi Hinata quem acabou pagando a conta depois de xingar Kageyama de algo provavelmente cabeludo — ela não saberia dizer com certeza, mas deduzira — e então sair correndo Starbucks afora, para fugir do seu namoradoeles só podiam ser namorados.

Na verdade, Shouyou não tinha xingado o outro, apenas tinha apostado que ele não podia contra sua velocidade numa corrida. E antes que Kageyama percebesse a armadilha, já estava correndo atrás de Hinata, sem perceber que esquecera de pagar a conta e sem notar que o nanico tinha largado os dólares na mesa antes de disparar para as rua de Nova Iorque.

Os dois bocós correram e correram, praticamente emparelhados, desemparelhando somente quando surgiam obstáculos no caminho. Perderam noção do tempo, de espaço — que eles já não tinham, de qualquer forma — e de bom senso. Pareciam dois retardados, ou então duas crianças sob efeito de drogas eletrizantes.

E como tinham fôlego e histórico de atletas, Kageyama e Hinata percorreram um longo caminho e acabaram no lugar que queriam estar desde o momento em que tiraram suas bundas de casa. Não que tivessem simplesmente parado em frente ao Central Park, mas pararam próximo o suficiente e quando enfim desistiram de apostar corrida loucamente, ouviram uma mulher dizer para sua filha — esse era o grau de parentesco que ela usava para classificar sua cadelinha poodle — que já estavam chegando no parque. Depois disso, foram necessárias apenas algumas breves perguntas aos velhinhos assediadores de bochechas para que o paraíso pudesse enfim ser alcançado.

Kageyama e Hinata entraram pelo grande e belo portão de ferro Vanderbilt, que dava direto para o Conservatory Garden, jardim do parque. Ele explodia em cores devido a primavera, ocupando a visão dos jovens com exuberantes tons coloridos. Os gramados se entendiam, cercados por alamedas belas e cheias de requinte, cujas árvores estavam carregadas de flores rosas e brancas, e seus galhos pareciam querer abraçar o mundo ao redor de si.

— Kageyama, isso é tão lindo! — Hinata exclamou, admirado, acariciando as pétalas de uma das florzinhas do gramado.

— É mesmo — concordou Tobio, incapaz de achar algo para reclamar dessa vez.

Enquanto ouviam conversas alheias, eles andaram até o centro do viridário, que descobriram ser de estilo italiano, onde um chafariz de aproximadamente quatro metros jorrava água de forma vistosa. Ambos pararam por um momento, apreciando a beleza do monumento. Depois disso, passaram pelos outros dois jardins, apreciando e absorvendo cada detalhe de forma absorta. Se absteram de palavras, porque naquele momento só as flores e o que elas tinham a dizer importava.

Analisaram o viridário de estilo francês, ao norte do Conservatory Garden, apreciando os canteiros que formavam desenhos coloridos devido as tulipas, tudo isso em meio ao elipse do azevinho japonês — ver algo da origem japonês fez os garotos quase pularem de alegria e entusiasmo. No centro, a Three Dancing Maidens se destacava, com sua bela escultura representando três mulheres alegres e de mãos dadas dançando em volta da fonte.

Após desbravar o norte, eles andaram até o sul, curiosos para conhecer o jardim inglês. Ele possuía um clima mais íntimo — "ótimo para quem quer se pegar", de acordo com Hinata —, com árvores e arbustos coloridos enchendo a visão, além de plantas aquáticas. Como nos outros dois, possuía uma atração no centro, cujo nome Hinata e Kageyama nem tentaram pronunciar, absorvendo somente a informação de que era uma homenagem a algum livro infantil denominado The Secret Garden. Era uma linda obra de arte: no centro, sobrepostas sobre uma pedra em meio a água da fonte, situava-se duas estátuas, uma de um garoto deitado tocando flauta e outra de uma garota em pé segurando um bebedouro de pássaros, onde uma ave preparava-se para levantar vôo.

Parados encarando aquela belíssima imagem esculpida, Hinata e Kageyama permaneceram imersos e calados. Ao redor, outras pessoas observavam também, batendo fotos, selfies ou fazendo comentários inteligentes. Uma jovem repreendia a irmã mais nova, pedindo para que ela ficasse por perto para não se perder. Isso lembrou Tobio de que ambos ainda estavam perdidos, assim como o crepúsculo estava prestes escurecer os céus, algo que dificultaria a volta para casa.

— Ei, Hinata, é melhor irmos andando — chamou, tentando não sorrir ao encarar o brilho no olhar do outro. Ele parecia uma criança descobrindo a beleza do mundo.

— Já quer ir embora, Kageyama? — Ele reclamou, formando aquele adorável bico novamente. — Larga de ser velho e chato!

— Eu não sei se você percebeu, mas nós ainda estamos perdidos, seu idiota. Esperar anoitecer para voltar pra casa não vai ajudar muito — explicou o velhote, saindo dos jardins.

— Entendo — Hinata assumiu postura pensativa, a mão no queixo enquanto ele assentia positivamente. — Você tem medo de escuro!

— Quê? Mas é claro que não, seu imbecil! — Exclamou, sentindo a veia em sua testa pulsar em revolta. — Você não prestou atenção em nada do que eu falei?

— Prestei. Basicamente, você declarou que nós somos os perdidos e achados — declarou Hinata, parecendo feliz.

— Eu não disse nada disso. E não é "achados e perdidos" a expressão comum? — indagou Kageyama, confuso.

— Não, porque eu me senti perdido antes de dar de cara com o grande achado que foi você, e vice versa, né — explicou o tampinha, sem notar o quão sua fala soava atravessada. — Por isso "perdidos e achados" combina mais com a gente.

— Então por que as seções de achados e perdidos tem o "achado" primeiro se você perdeu antes de achar? — questionou Kageyama, parecendo embasbacado.

— É porque… — Começou Hinata, pausando para pensar. — Você chega a vários achados dos outros antes de sair encontrar o seu perdido.

— E se eu achar meu perdido logo de cara? — insistiu Tobio.

— Ah, aí eu não sei, né, Kageyama! — reclamou Shouyou, sentindo o cérebro dar um nó, dando a discussão por encerrada.

Eles continuaram andando, sem saber ao certo para onde iam. Como estava com um mapa em seu bolso, Tobio não demorou a pescá-lo, procurando uma saída próxima. Pretendia voltar ali outro dia, claro, de preferência mais cedo e sem se perder para que pudesse aproveitar as atrações. No momento, sua prioridade era descansar para o treino que se seguiria na semana que vem. Observou o papel cheio de curvas e indicações e fixou seus olhos na The Pond, que estava bem próxima do ponto onde se encontravam e ficava entre uma das saídas.

Eles seguiram o trajeto até o tal lago, e uma vez ali, foi impossível não parar para apreciar a paisagem. Eles pararam ao chegar na ponte, admirando a imagem que se assemelhava a bela pintura. Embora fosse um lindíssimo lugar, estava tranquilo e poucas pessoas estavam ali para deleitar-se com a obra de arte. A lagoa era calma, e podia-se ver os peixinhos coloridos nadando ali, bem como as tartarugas mais ao longe. No céu e nas árvores próximas, pássaros cantavam alegremente, oferecendo um belo contraste contra os arranha-céus que pareciam tentar invadir a imensidão azul do céu, que se mantinha inalcançável como sempre.

Parados lado a lado no centro da pequena ponte, Hinata e Kageyama sentiram o tempo parar ante a beleza daquele momento. Isso até Tobio notar um serzinho irritante voando em torno do seu rosto, uma espécie de mosquito ou inseto barulhento que parecia o seguir desde o jardim inglês. Irritado, o garoto interrompeu seu momento de contemplação para juntar suas palmas de forma barulhenta várias vezes, numa tentativa inútil de capturar a criatura diabólica que sobrevoava sua cabeça.

— Deixa de escândalo, Kageyama, é só um bichinho minúsculo, seu medroso! — Zombou o tampinha, observando a cena com um risinho contido.

Se soubesse o que estava por vir, Shouyou não teria rido, mas sim se afastado. Acontece que seu companheiro tinha uma tendência psicopata com relação a insetos irritantes, que o impelia a matá-los qualquer que fosse o custo. Kageyama mirava o inseto de forma assassina, esperando uma falha na rapidez dele para assassiná-lo. E quando o ser diabólico pousou na bochecha de Hinata, Tobio não teve de tempo de pensar com o cérebro, seu lado psicopata inseticida falando muito mais alto quando ele levantou sua mão e acertou o rosto alheio com um estalo, finalmente levando o mosquito a óbito.

Kageyama arregalou os olhos ao perceber os de Hinata cheios de lágrimas. Desesperado e se odiando pela própria estupidez, o garoto agiu no impulso mais uma vez, agora puxando o nanico na sua frente para si a fim de abraçá-lo e confortá-lo. As poucas pessoas ao redor os olhavam de forma repreensiva, mas não era com elas que o adolescente assassino de insetos estava preocupado.

— Hinata, me desculpe, perdão, eu fiz sem querer, sem pensar, eu não queria te machucar mas o mosquito pousou na sua cara e eu… — se precipitou nas explicações, mal se lembrando de respirar entre cada frase.

— Você… tá… me… esmagando — resmungou Hinata, a voz abafada e ofegante por sua cara estar enterrada no peito alheio.

— Oh! — Tobio o soltou, envergonhado. — Me desculpe! — Implorou novamente, dessa vez abaixando-se numa reverência de estilo japonês.

— Não! — Hinata reclamou novamente, os olhos se revirando em exasperação. — Não era pra desfazer o abraço, era só pra afrouxar o aperto. Você não sabe fazer nada direito, Kageyama?

Dito isso, o tampinha tornou a se enroscar no outro, que parecia muita confuso. Ele encarou Hinata e se deparou com aquele bico mega mordível, engolindo em seco ao pensar no que aconteceria caso ele ousasse mesmo morder o nanico. Mas antes que pudesse fazer algo, sentiu as mãos alheias agarrarem seus braços que pendiam inertes e passá-los em volta de seu pequeno corpo, envolvendo-se novamente em uma abraço.

— Você me agrediu, exijo carinho! — Essa foi a única explicação que Shouyou lhe ofereceu.

E como era um argumento irrefutável, Tobio aceitou, apertando Hinata contra si novamente com o braço esquerdo, enquanto o direito se erguia para que a mão pudesse acariciar a bochecha na qual batera, limpando os restos mortais do inseto que ali residiam. Os olhares se encontraram e Kageyama sentiu seu coração acelerar estupidamente enquanto uma sensação quente e acolhedora espalhava-se por toda sua alma, tudo isso apenas por observar as nuances castanho alaranjadas daquelas orbes lindas do outro idiota.

— Me beija? — Pediu Hinata de modo súbito.

Kageyama engasgou, surpreso. Não tinha pensado naquela opção, mas agora que lhe fora apresentada, parecia bem melhor que só morder os lábios do outro. Mas ele ainda queria morder aquele bico perfeito.

— Não precisa ficar assim, eu tava brincando — resmungou Shouyou, envergonhado pela cara que recebeu ante sua proposta impensada.

— Mas eu queria beijar! — Protestou Kageyama, decepcionado.

Hinata sentiu o ânimo renovar com essa declaração, e sem nem pensar muito pulou até alcançar a boca de Kageyama, as pernas se enroscando no quadril dele para manter-se na posição. Os lábios se encontraram num estalo tímido de início, mas logo as mãos de Tobio apertavam a parte posterior das coxas firmes de Shouyou enquanto as línguas exploravam tudo que podiam com afinco. Os rapazes ignoraram os murmúrios escandalizados dos outros visitantes, e como o local era tranquilo, logo tiveram paz para continuar seus amassos sem interrupções.

Perderam noção de tempo e espaço enquanto cabelos da nuca eram puxados, roupas amassadas e bundas eram assediadas. Tecnicamente, nenhum dos dois jamais achara bonito os casais exagerados que se expunham em público. Mas criticar de fora quando você não sabe o que é tal magnetismo por outro corpo e outra pessoa é sempre muito mais fácil. Eles só pararam quando o ar lhes faltou e quando uma mãe aterrorizada exclamou algo sobre chamar guardinhas.

Hinata desprendeu suas pernas do corpo alheio e sorriu de forma desafiadora antes de olhar para o caminho que os levaria até a saída.

— Aposto que alcanço o portão antes de você — declarou, já se posicionando para começar a competição.

— Você pode tentar. Mas quando eu ganhar, o que vou receber em troca? — Indagou, sorrindo de volta enquanto também se posicionava.

— O que quiser pedir, nunca vai ganhar mesmo — disparou Shouyou, dando de ombros desdenhosamente.

— Quero o direito morder seu bico quantas vezes eu quiser — decidiu de repente, achando que esse seria um ótimo prêmio.

Hinata levantou as sobrancelhas e assentiu em concordância, e então eles simplesmente voaram Central Park afora, os xingamentos soando como meros ruídos ininteligíveis ante o vento cortante que zumbia no ouvido dos dois jovens, que apenas corriam e corriam, provavelmente tendo alguns guardinhas em seu encalço conforme se aproximavam da saída.

E quando Kageyama espiou seu companheiro pelo canto do olho e viu aquele sorriso lindo que lhe era dirigido, percebeu que Nova Iorque era muito mais interessante do que imaginara, e seria ainda melhor conforme ele se integrasse no novo time com seu novo… bem, seu novo alguma coisa.

Tobio sorriu de volta quando ultrapassou Hinata e alcançou a saída milissegundos antes do dele, a expressão triunfante pela vitória e pelo prêmio de observar o bico alheio se formando, aquele que morderia e beijaria com muita propriedade por quantas vezes desejasse. É, sua estadia em Nova Iorque seria mesmo muito interessante.

***

Críticas, elogios, surtos e sugestões são sempre bem vindos.

Espero que tenham curtido, até a próxima :)

July 18, 2020, 1:02 a.m. 0 Report Embed Follow story
0
The End

Meet the author

Artemísia Jackson Afogando as mágoas na escrita!

Comment something

Post!
No comments yet. Be the first to say something!
~