Alguns dias parece que sou feita de tudo que é bom. Chuvas na madrugada de sábado com cheirinho de grama molhada e petricor, cobertores quentinhos e uma xícara de chocolate quente, um abraço apertado, um carinho na cabeça e um elogio de mãe. Muitas vezes um filme com um final bom, picolés de uva, dormir na rede ao som das ondas do mar quebrando e uma nota boa em uma prova que estudou muito. Também reencontrar um amigo, marcar de jantar fora, comer cookies com gotas de chocolate sem se preocupar com o peso na balança.
Tem dias que eu sou tudo isso e muito mais, dias em que todo meu corpo parece perfumado como uma flor, suave como suas pétalas e doce como o mel. Dias em que meus lábios se esticam em sorriso muito antes de meus olhos se abrirem e tudo que falo parece cantado em uma voz de anjo. Nada é errado, nada é menos que puro e perfeito. Esses dias são como o gargalhar logo após a realização de uma piada, o arrepio de um cafuné. As lágrimas de orgulho que vêm nunca são salgadas e nada que eu digo é mentira.
Eu trato dias assim com muita reverência e carinho porque sei que, inevitavelmente, haverá os outros dias.
Alguns dias parece que sou feita de tudo que é ruim. Choros em silêncio para não acordar quem está dormindo, vazios no peito e calombos na garganta. Piadas preconceituosas, elogios mal-intencionados e toques não solicitados. Muitas vezes são compromissos desmarcados, amizades sendo dissolvidas com o tempo e o desinteresse, “tudo bem?” sem a vontade de saber a resposta, só para fingir que você ainda se importa. Também as brigas sem conciliação e relacionamentos que terminam sem um ponto final, um molde vazio.
Tem dias que sou tão leve quanto uma rocha, tão suave quanto um espinho e tão doce quanto traição. Dias em que começo a me contorcer em dor e amargura antes mesmo de ver o teto do meu quarto, dias em que as estrelas no céu parecem explosivos que só estão esperando pelo melhor momento para me detonar. Tudo é bagunçado e incerto e assustador. Esses dias são como o engasgar no meio de uma frase, com a realização de que ninguém no cômodo se interessa pelo que você tem a dizer, o ardido de uma cicatriz recém feita. O sangue que jorra sempre é vermelho vinho e tem gosto de veneno.
Mas tem vezes, ainda, que sou tudo junto e misturado. Sou o aperto no coração e a sensação de perder o chão seguido do alívio ao ver um rosto conhecido na multidão esmagadora, a mão calejada que conforta a minha na fila de uma montanha russa, o puxão de orelha para meu próprio bem. Às vezes o mel nem sempre é tão doce, mas, ah, ainda é comestível, e nem todo veneno que engulo me mata.
Meus melhores dias normalmente são esses. Eu aprendi que nada que é perfeito e puro como uma flor dura para sempre e, também, que nada que é doloroso como um espinho machuca para sempre. Eu aprendi que minha vida não precisa ser sempre 8 ou 80, ou que eu preciso estar sorrindo desde o momento que acordei para fazer o dia ou a vida valer a pena.
Eu aproveito o que a vida me dá, seja um limão ou um bilhete premiado. Quem decide a cor que a minha vida tem sou eu e eu cansei dela ser preta e branca. Que venham os dias confusos e assustadores, eu usarei meu pincel e os colorirei do mais lindo rosa que eu puder.
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