Você sempre gostou de meninos e eles sempre gostaram de você.
Você sempre teve muitas coisas em comum com as outras meninas, eu não. Eu sempre me senti deslocada, como se a minha participação num grupo quebrasse a harmonia natural dele.
Eu sempre fui sozinha e antes de descobrir que poderia escrever, a sensação era ainda pior. Inevitavelmente eu acabo por ser uma sombra aonde quer que vá e ninguém se interessa em saber como me sinto de verdade. Nem mesmo você, pois você jamais entenderia o que se passa dentro de mim a ponto de eu querer um pouco desse anonimato ou simplesmente clamar por liberdade, no sentido abrangente da conjugação.
Eu sou livre no mundo virtual.
Sou livre, inclusive, para refletir até onde se estende meu conceito de liberdade. Há uma grande probabilidade — que não devo descartar por precaução — de que não seja deveras livre.
Levo duas vidas tão distintas entre si que num dado ponto elas se colidem num ponto em comum. Elas possuem características muito peculiares entre si.
Eu aprendo que liberdade exige responsabilidade porque é mais do que uma rebeldia sem foco.
Liberdade é respeito.
E é preciso respeitar que eu sou eu, você é você e que tudo que escrevo pode se transformar numa arma cujo gatilho estará voltado rente à minha face contra mim.
Então, por que eu escrevo almejando o anonimato se me exponho, se o contrário também é interpretado como egoísmo?
Por qual razão me exponho sem querer me expor, diria você com assombro?
Porque eu exponho de mim a parte mais conveniente, polida, porque nos meus textos procuro adequar a entonação para me fazer ouvir, sem falar baixo demais ou gritar por uma razão que tornaria a luta por independência um gesto antiético e patético.
Escrever é desnudar recantos de mim mesma que até pouco tempo eram lugares estranhos.
E é possível se conhecer tão bem?
Ainda não sei, não vivi o suficiente para te responder, nem mesmo me atrevo a te fornecer uma reticência que seja, mas estou tentando descobrir o que escondem esses recantos inóspitos que habitam em minha alma.
O real e o virtual não podem se colidir num dado instante ou inverterem os papeis?
Será a realidade cem por cento real e o virtual alheio à gravidade?
Nesse mundo virtual, as pessoas me conhecem pelo que sou sem medo de ser porque deixo de ser à sombra de ninguém, a filha esquecida que faz tudo errado, a sem talento, sem beleza, sem carisma, a anormal, a estranha, a esquisita.
Eu sou eu e tal designação não é jocosa ou ofensiva.
Eu sou eu enquanto escrevo.
O brilho que se irradia de meus olhos me faz pensar naquela estrela para a qual eu olho de vez em quando e faço de conta que é minha. Às vezes olhar para aquele pontinho tão pequenininho no céu é o suficiente para que eu me debruce sobre o teclado e desande a escrever, com ou sem o auxílio do bom e sempre aceitável café.
Escrevendo, inevitavelmente me torno a primeira avaliadora do meu trabalho. Costumo ser muito critica com relação ao conteúdo, por mais que entenda que tal ofício é um diamante a ser lapidado por intermédio de uma prática incansável.
Dedilho a transferência das ideias que fervem em minha mente e após publicadas alcançam pessoas cujos rostos eu não vejo e tenho aquela leve impressão de que posso estar em todos os lugares sem ressalvas, sem abaixar a cabeça ou me esconder em razão de me sentir inadequada.
Escrevendo, eu falo por mim, ninguém me tolhe nem me ordena o que deve ser dito, só meu coração sabe. E o meu coração vibra de desejo porque sou lida.
As pessoas não me julgam pelo que eu sou por fora e sim pelo que sou por dentro. E o que sou por dentro é infinitamente mais do que um tabu, uma ideia torta que alguém fez de como as coisas devem ser.
Escrevendo, eu sou finalmente eu.
Encontrei aquela voz que sufoquei por tanto tempo porque pensei que não podia, que não tinha o direito de falar, mas não só tinha como tenho, como estou falando em nome de pessoas como eu que nem sempre podem expressar com palavras quão difícil é ser diferente. Mais do que ser diferente, querer não ser. E, por outro lado, descobrir que ser diferente é mais comum do que ser igual. Porque igual é um sinal da matemática, uma conta exata, concreta, ilustrada. Mas a alma humana não é assim tão óbvia.
Então, mais do que me sentir chateada por ser colocada contra a parede é saber que para ter forças para ser eu, preciso de um lugar no mundo onde eu não seja eu. Ou, em miúdos, onde ser eu não se configure num ato de subversão.
Vielen Dank für das Lesen!
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