Talvez não tenha barulho mais irritante, depois de um bipe infindável de um relógio ou de um alarme, que um animal teimoso e insistente quando se deseja dormir. Havia mais de sete dias que Naruto tinha seu sono perturbado durante a madrugada, mas por ser ainda mais teimoso que quem que lhe arrancava o juízo, não saía do calor de sua cama para ir até o lado de fora de sua casa para saber quem ou o quê provocava aqueles sons. Tudo começou num dia que começou com uma manhã sem nuvens, quando estava a caminho do seu trabalho, completamente exausto de uma noite mal dormida.
Levava mais ou menos 40 minutos para chegar no local, trajeto que fazia todos os dias, e Naruto não estava com forças para andar mais rápido, mesmo que seu relógio dissesse com veemência que estava atrasado, porém saber de tudo isso só deixava o caminho mais longo e ele não sabia qual desculpa usaria, desta vez, para justificar seu atraso - uma noite ruim não funcionava mais.
Sua cidade era lotada de pessoas, era realmente um verdadeiro formigueiro de seres humanos, por ser um local de grande proeminência comercial e tecnológica, um exemplo claro dos novos entendimentos da Modernidade. Ainda não era um cenário futurista digno de algum filme de super herói ou de ficção científica, mas com certeza era o palco de um coração forte que batia pela evolução da tecnologia e do homem. Altos prédios cheios de cores e de telões exibindo toda classe de propagando de toda sorte de produto ou serviço, verdadeiros arranha-céus preenchiam aquele ambiente e fazia o mundo ser ainda maior do que era de fato.
Ele sempre morou ali, desde a primeira geração de sua linhagem - ou assim dizia sua mãe, ainda viva -, então não conhecia outros lugares, afinal viajava pouco já que suas condições financeiras eram bem escassas, mas não quer dizer que se sentia à vontade naquela cidade. Para onde quer que olhasse, se via pressa, não se reconhecia nada além de pressa e de vontade chegarem ao fim do desenvolvimento alcançado pela inteligência humana, apesar de não saberem onde era. Tudo estava ao ao alcance dos dedos, bastava apenas que se desse alguns toques no celular ou alguns cliques no botão e pronto, o mundo inteiro poderia ser seu.
Redes sociais de todos os tipos e jeitos conectavam as pessoas das mais distantes partes daquele globo, que era pequeno ante as novas estradas erguidas na velocidade da luz pela internet, de tal forma que até casamentos eram realizados naquele mundo virtual, que tinha tanta validade quanto aqueles que eram feitos presencialmente, e famílias eram construídas.
Poderia ir para qualquer lugar do mundo sem sair do conforto do seu lar, descobrir que até mesmo as estrelas estavam mais próximas do que jamais estiveram e que outros mundos poderiam existir, sem falar que o desconhecido tornou-se tão palpável que nem mesmo eventos sobrenaturais ocorriam com tanta frequência quanto em séculos anteriores, em que as perguntas reinavam.
Ninguém questionava mais nada, pois não havia indagações que causassem perturbações, nem mesmo as mais vagas e existenciais, como “Quem somos, de onde viemos e para onde vamos?”. Não havia tempo para saber o que estava acontecendo de fato, tampouco para pensar sobre, pois a guerra das superpotências para se firmarem seus impérios tecnológicos não dava folga ou espaço para refletir, os humanos tinham sede por mais poder. O passado era apenas uma motivação para que continuassem seguindo em frente sem pensar em quem caísse pelo caminho.
Contudo, enquanto caminhava com um despercebido semblante de apatia - que não fora provocado pela dificuldade em dormir -, Naruto se questionava por que não era como aquelas pessoas que conseguiam desfrutar de tantas inovações e de tantas otimizações que aquela realidade moderna disponilizava para os seus residentes, se questionava por que se sentia tão mal quando haviam tantas coisas boas que tornavam sua vida mais tranquila, coisas que não haviam no tempo de seus pais.
Ele parou de andar quando chegou numa encruzilhada de ruas que era antecedida por um beco. Era uma escada antiga de pedra escura e com os degraus sujos pela chuva recente da madrugada, aquele caminho levava para uma parte mais baixa da cidade tão famosa e evoluída. Um vestígio esquecido pelos governantes que passaram por ali de um tempo resistente ao crescimento desenfreado, alimentado pela necessidade de ser ainda mais poderoso. Haviam apenas cinco becos como aqueles espalhados na parte mais baixa, literalmente, da cidade.
Naruto sempre se sentia atraído para aquele lugar, mas sua mãe igualmente lhe pediu, com a mesma frequência do sentimento, que nunca fosse até, pois era o lar de criminosos e de gangues, um ambiente do qual ninguém ali se orgulhava, por isso apenas manteve a cabeça baixa, como antes, desviando o olhar para o outro lado, e seguiu seu rumo para o trabalho.
Chegou com quase trinta minutos de atraso, mas ninguém pareceu se importar porque todos estavam atentos aos telões que haviam na recepção e em alguns corredores do enorme prédio, que abrigava vários e vários escritórios de empresas diversas.
Naruto foi para o setor onde ficava a manutenção e colocou sua roupa de zelador enquanto tentava entender o que havia de tão diferente nas notícias hoje para causar semblantes de espanto e de surpresa nas pessoas ao ponto de não trabalharem e nem receberem nenhuma reclamação por isso.
Ele fitou a pequena televisão perto do teto, ouvindo o âncora mais famoso do país falar que encontraram vestígios de uma civilização que poderia mudar tudo o que se conhecia sobre o passado dos homens e da história que construíram. Contava que encontraram não apenas pedaços de utensílios antigos ou algum tipo de inscrição numa pedra enterrada, mas uma cidade inteira, tão grande quanto uma capital. As pessoas cochichavam sobre o que aquilo podia significar, o que era verdade ou mentira, quem eram os responsáveis por tudo aquilo e o que realmente acharam para causar tanto temor.
Temor. Era isso o que ele via nos olhos das pessoas. Temor de que tudo o que sabiam e pelo tanto que se esforçaram estava errado. Naruto fez seu serviço sem dar mais atenção àquilo, porque não dizia respeito à sua realidade. Ele era apenas um assalariado tentando manter seu emprego, nada mais.
Na hora do almoço, as pessoas ainda falavam da tal reportagem, mas Naruto não dava ouvidos a eles porque pensava nas contas a pagar, mas sentiu de novo aquela sensação tomar seu peito, aquela mesma de quando esteve diante do beco, aquela atração forte e quando fitou a janela, perto da mesa onde comia, a imagem daquele caminho de pedras escuras e sujas de lama surgiu diante de seus olhos como um chamado.
Seu ar faltou por um instante enquanto sentia seu corpo ser cada vez mais puxado por aquela força estranha, mas logo despertou de seu transe ao ouvir uma voz sussurrar algo numa língua que nunca ouviu.
O som se misturou aos outros ao seu redor e se tornou quase ensurdecedor. Naruto sacudiu seu rosto e percebeu que seu celular tocava, ao lado de sua mão: era Sakura, sua noiva, buscando notícias suas. Respondeu as mensagens sem tanta emoção ou ansiedade, quase de forma mecânica. Ela comentou da tal nova notícia, mas Naruto não deu atenção.
Nada mais daquele tipo de coisa lhe afetava. Foi para casa depois de uma tarde longa de trabalho, mas parou de andar novamente em frente aquele beco. O que lhe chamou não foi somente uma sensação, mas um choro de criança. Naruto podia ignorar muita coisa, mas jamais uma criança aos prantos.
Deixando de lado os avisos e os pedidos de sua mãe, que lhe dera no passado, e desceu rapidamente os degraus de pedra rumo à origem daquele som penoso, notando-se sozinho no antigo bairro de sua cidade, o que restou do passado.
Andou devagar, avaliando cada viela e cada espaço vazio daquele lugar sujo. O som estava cada vez mais alto, o que significava que não estava louco. Naruto parou de andar ao ver um bueiro aberto e perceber que o choro vinha dali.
Olhou para baixo. Era um gato. O choro na verdade era um miado esganiçado de um gato. Naruto revirou os olhos e o puxou da lama, ajudando-o a ficar de pé. Era apenas um gato adulto.
-Que susto você me deu… - resmungou ao ver o gato negro miar, fitando-o intensamente com aqueles olhos cor de cobre. - Tome cuidado por onde anda agora. Não é sempre que vou estar por aí para salvá-lo, bichano. - tomou o caminho de volta.
Porém, bem deu três passos e ouviu o miado. O gato estava lhe seguindo. Não importava para onde fosse ou o quanto rápido andasse, o felino de pelagem escura e suja aparecia em algum lugar, miando como se exigisse que lhe levasse consigo. Mas continuou seu caminho sem se importar com o felino.
Quando chegou em casa, começou seu tormento de setes dias, de um gato miando alto no muro da sua casa, como se não houvesse outras casas para incomodar. Naruto passava a noite andando pela casa, pensando a maneira mais efetiva de matar o gato, mas Sakura não deixava. Na verdade, desde que o animal chegou ali, ela tentava acolhê-lo, só que ele sempre fugia ou a atacava de forma agressiva.
-Acho que o gato não gosta de mim, Naruto. - ela retornou do pequeno quintal com uma bacia contendo um pouco de carne. Naruto terminava de consertar a pia, que novamente entupiu. Ele ergueu a vista e observou sua noiva frustrada. - Não sei por que ele não gosta de mim.
-Eu suspeito. - resmungou baixo ao se levantar e pegar a bacia para ir até o quintal. Sakura não lhe ouviu, apenas sorriu e correu para a sala, pegar seu celular. Naruto abriu a porta e se deparou com o gato sentado, olhando-o com atenção. - Você me tirou noites de sono, mas ainda não supera… - discretamente fitou a mulher bem ali e suspirou.
Naruto se sentou no pequeno batente sob a soleira e colocou a bacia ali. O animal cheirou-a, verificando se era algo que podia comer, e logo começou a mordiscar e a mastigar. Ele comeu com calma, o que permitiu que o homem o observasse.
Não havia ferimentos aparentes ou machucados, tampouco o animal manquejava ou demonstrava olhos tristes, ele parecia bem tranquilo e calmo, talvez nem foi vítima de nenhum ataque, apenas de um momento de azar.
-Temos muito em comum, não é? Você come com a calma e a serenidade de uma criatura que não é afetada por nada nessa vida. Tipo eu. E nada mais lhe machuca, como eu. - o gato parou de comer e o fitou. - Até passou por um dia ruim de muito azar… Eu também, se quer saber, mas o meu dura muito tempo.
O gato roçou suas pernas e entrou na casa como se fosse dele. Naruto riu baixo ao entender que sua casa tinha um novo dono e ele precisava de um banho urgentemente, pois fedia a lama e lixo. Sua noiva nem notou que Naruto acabara de adotar um gato e ia para o banho com ele. Estava absorta demais com as conversas que tinha pelo celular.
Naruto buscou o chuveirinho e começou a lavar o pelo, tomando cuidado com seus toques, pois podia existir algum ferimento escondido. Só nesse momento, sem ver nenhuma resistência típica dos felinos à água, Naruto percebeu o quanto estava exausto. Aos poucos, a lama saía junto do sabão e da água e o pelo limpo revelava um tom vivo de laranja, quase vermelho, Depois de alguns minutos e de secá-lo com um secador de Sakura, Naruto sorriu ao admirar o felino sobre sua cama.
-Que lindo… - sussurrou ao afagar-lhe na cabeça, perto das orelhas. O bichano ronronou baixinho, deixando-se ser tocado como queria. Ele girou sobre a cama e se deitou de costas para Naruto. - Confia em mim. Que coisa. - comentou deslizando sua mão pela pelagem macia. - Será que teve um dono?
Ele ronronava e balançava a ponta da cauda, tranquilo com as carícias. Parecia um gato selvagem, de uma raça que nunca tinha visto, mas demonstrava muito conforto com os humanos. Naruto deitou na cama, bem atrás dele, e buscou seu celular para pesquisar se havia alguma notícia sobre o animal. Tirou uma foto e dispos em sua rede social.
Esperou por um, dois, três dias, até mesmo 15 dias por alguém que tivesse perdido aquele felino, mas ninguém se manifestou, apenas pessoas encantadas pela beleza e querendo o adotar.
Naruto o entregou para dois donos, em duas tentativas diferentes, mas o animal sempre fugia para sua casa e agia de forma agressiva com outras pessoas. Talvez estivesse dizendo que já tinha um dono, por mais que ele ainda não tivesse dado conta. Por fim, não teve outro caminho: adotou o gato como seu, certificando que estava tudo bem ao ir numa Central de Registros para tirar a certidão de posse animal, bem como o levou ao veterinário.
O profissional informou um profundo desejo de comprar o animal, ofereceu uma quantia ridícula demais para ser negada, pois aquele gato pertencia a uma raça que não mais existia, extinta a quase três séculos, porém ainda havia registros de como ela era.
Ao observar os orbes assumirem um tom lindo de dourado ao fitá-lo, Naruto negou e disse que não era dono do gato, portanto não podia vendê-lo, mas o animal desejava ficar consigo e se era isso que ele queria, era isso o que Naruto faria.
Depois de vaciná-lo e comprar uma coleira, Naruto foi para casa contar a Sakura sobre a novidade que descobrira a respeito de Jaspe. Sim, este foi o nome escolhido, pois lembrava uma pedra vermelha muito bonita que vira num museu. Apesar de sua clara felicidade e animação por adotar um animal tão raro, Sakura quase lhe engoliu vivo quando soube que rejeitou a quantia exorbitante pelo gato.
-Por que não aceitou, Naruto?! - ela gritou enquanto alternava entre olhá-lo e encarar o animal nos braços do homem. - Com toda essa grana, a gente podia comprar uma casa melhor, ter uma vida melhor, investir na minha carreira midiática. - Naruto baixou os olhos, sem saber o que mais dizer.
-Eu não podia. - repetiu. - Eu vi nos olhos dele que simplesmente não podia. - arfou.
Sakura rosnou, furiosa, e lhe acertou uma tapa no braço, uma muito forte ao ponto de fazê-lo resmungar de dor. Começou a esbravejar que ele era estúpido e não pensava no bem dela, que Naruto estava de tornando um imprestável. Ela se moveu para bater nele de novo, mas desta vez não deu certo: Jaspe, bem atento aos movimentos da mulher, saltou contra o corpo a sua frente, num ataque feroz. Ele a arranhou e mordeu, mas só parou quando Naruto tirou-o de cima dela muito rápido.
-Livre-se dele! - ela gritou, observando os braços feridos em arranhões. - Livre-se agora! Este gato é um animal selvagem! Livre-se…
-Não! - Naruto alterou a voz e seguiu para o seu quarto. - É meu. Ele é meu. - foi tudo o que disse com convicção antes de fechar a porta com força.
Ninguém nunca havia o defendido assim.
Naruto segurou o gato de forma a fazê-lo lhe olhar e sorriu, emocionado, ao receber uma lambida no nariz de forma carinhosa.
Ninguém nunca o defendeu assim.
Ninguém.
Vielen Dank für das Lesen!
Wir können Inkspired kostenlos behalten, indem wir unseren Besuchern Werbung anzeigen. Bitte unterstützen Sie uns, indem Sie den AdBlocker auf die Whitelist setzen oder deaktivieren.
Laden Sie danach die Website neu, um Inkspired weiterhin normal zu verwenden.