artemisiajackson Artemísia Jackson

"O amor é a chave que abre a porta da gaiola. Se você aprisiona ou é aprisionado, jamais saberá o que é amar e ser amado".


Kurzgeschichten Alles öffentlich.

#reflexão #filosofia-de-vida #amor #poesia
Kurzgeschichte
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Capítulo único

Mia sempre dizia que iria se tornar uma heroína, que salvaria o mundo. Isso aos seus oito anos. Agora, com dezessete, tinha a mesma vontade, porém não fazia nada pra isso, não sabia o que fazer ou como fazer. Se achava inútil por isso, mas o que poderia esperar? Era jovem, não tinha noção do mundo e muito menos capacidade para salvá-lo.

Estava perdida nesses pensamentos, encarando-se no espelho. Os olhos jabuticabas estavam vidrados, não por estar se admirando, mas sim por estar refletindo. Não que não se achasse bonita, pois com a pele bronzeada, os cabelos ondulados, lábios carnudos e olhos grandes e negros como a noite, era impossível se considerar feia. Mas de que adiantava aquela beleza toda? Sua boa aparência não a ajudara a conquistar seu objetivo e muito menos a se sentir satisfeita. Não era beleza que ela buscava, não era com aquilo que ela poderia fazer a diferença no mundo. Suspirando, Mia saiu do banheiro e se dirigiu ao sofá da sala, se jogando no mesmo enquanto Bio cantava, preso na gaiola. O papagaio parecia agitado aquele dia, mas a garota o ignorou e voltou seu olhar pra janela aberta, encarando o céu e se perdendo novamente em reflexões.

- Está pensativa hoje, Mia. - o avô comentou, assustando a garota. Tinha ficado tão imersa em seus pensamentos que não percebera quando o homem se aproximara.

- Vovô, lembra daquela conversa que tivemos quando eu tinha dez anos? - ela perguntou, repentinamente. Naquela época, tinha dito ao avô o desejo de salvar o mundo, e tudo que recebeu como resposta foi um "primeiro você precisa salvar a si mesma".

- Qual delas, querida? Você costumava ser bem falante aquela época. - o senhor pontuou, sorrindo nostálgico.

- Aquela que eu dizia que queria salvar o mundo. - vendo que o avô assentiu, sinalizando que se lembrava, continuou. - Naquela época, o senhor disse que eu precisava salvar a mim mesma, e quando eu respondi que não tinha entendido, o senhor garantiu que quando eu fosse mais velha, entenderia. A questão é: Sete anos já se passaram, eu ainda não entendi o significado de suas palavras, mas continuo com a mesma vontade viva dentro de mim, porém não faço ideia de como alcançar esse objetivo e continuo confusa sobre tudo. - a jovem desabafou e encarou o avô, querendo uma resposta.

- Mia, o que é salvar o mundo pra você? - o homem perguntou com tom de voz sério.

- Ora, vovô, salvar o mundo é fazer algo grande, salvar milhares de vidas e fazer um marco na história. - ela respondeu em tom de obviedade, como se todo ser humano no mundo fosse obrigado a saber daquilo.

O velho homem deu um sorriso sábio, pensando que a neta ainda tinha muito para aprender. Encarando-a com profundidade, respondeu:

- Mia, você não quer salvar o mundo. Você quer ser reconhecida por um grande feito, seu coração não está realmente focado no verdadeiro significado de "salvar o mundo." Minha querida, o ego é um dos maiores defeitos do homem, sempre o impedindo de realizar seus objetivos com nobreza. Pense nisso, salve a si mesma, e só então poderá ter uma luz quanto a salvar o mundo.

A garota revoltou-se. Como o avô podia dizer que ela não queria salvar o mundo? Por que ele estava novamente falando sobre "salvar a si mesma"? E por que não explicava direito? Irritada, encarou o senhor, exigindo respostas:

- Eu continuo não entendendo. Seja mais claro, vovô!

- Já falei o suficiente, querida. - o velho sorriu e se levantou - Logo você entenderá. - após dizer essa última frase, saiu da sala, deixando para trás uma Mia confusa e irritada.

A garota voltou a se afundar em pensamentos, reflexões e questionamentos. Passeava com o olhar pela sala, até que sua visão se deparou com o papagaio novamente. Bio agora estava mais calmo, e contemplava o céu. Ao seguir o olhar da ave de estimação, Mia entendeu o porque. Uma revoada de pássaros voava livremente, cantando e fazendo uma espécie de dança conjunta. Algo realmente digno de grande admiração. Voltando novamente os olhos para o papagaio, percebeu o quão pequena era a gaiola que o abrigava, e o quão grande parecia ser sua tristeza.

Como não havia notado antes? Como pudera ignorar por tanto tempo um sofrimento tão grande? Pior; como pudera compactuar com aquilo, apoiando o aprisionamento de um ser que nascera para voar e ser livre? Mia se sentia horrível. Sempre que se punha a pensar na questão, deixava-a de lado, se confortando com desculpas como: "aqui ele tem amor" ou "aqui ele vai viver mais". Mas de que adianta a expectativa de mais vários anos de vida quando se está preso? Com certeza, apenas mais alguns minutos de vida e liberdade valiam muito mais que cinco anos preso.

De repente, entendeu o significado de "salvar a si mesma". Salvar si própria consistia em deixar de lado seus próprios desejos egoístas para ajudar alguém, consistia em deixar de inventar desculpas e agir do modo que era certo. Com esse pensamento, Mia se levantou e andou até a gaiola, com passos firmes e decididos. Bio encarava-a, em um pedido mudo de socorro. Isso foi o suficiente pra levar embora qualquer dúvida ou hesitação. Abriu a porta da gaiola, encarou a ave e sorriu, suave.

- Voe, Bio. Seja livre, como sempre deveria ter sido! - exclamou num sussurro, segurando a portinha. O pássaro olhava desconfiado e inseguro, e longos minutos se passaram até que ele voasse para fora da sua prisão rumo a janela aberta. O voo foi um tanto desengonçado graças a falta de prática. A ave pousou brevemente na janela, e ao recuperar a pose, se jogou contra o vento e voou para reivindicar sua tão desejada liberdade.

Mia observou a cena, sorrindo. Iria levar uma bronca dos pais, provavelmente iria ficar de castigo e teria de enfrentar a raiva dos parentes, que diziam amar Bio. Mas nada daquilo importava, ela havia agido de modo correto, e isso bastava para anular o medo das possíveis consequências desagradáveis. A jovem agora entendia tudo, o significado das palavras do avô e o motivo de seu suposto "fracasso" na missão que ela mesma havia se encabido. Tudo aquilo se devia ao fato de Mia fechar os olhos para os sentimentos alheios, se importando apenas com o que lhe parecia digno de atenção. Egoísmo, vaidade, exatamente os sentimentos que o avô tinha dito que prejudicariam a jovem.

Mia agora percebia que salvar o mundo não se tratava de fazer grandes coisas. Só o fato de estar ajudando uma pessoa - ou uma ave - já era salvar o mundo, um pequeno universo particular que estava sob alguma ameaça. Era um ato tão nobre quanto qualquer grande feito de algum herói da história. Se tratava de amar de verdade, de por seus próprios sentimentos de lado para pensar no sentimento alheio. "Não se pode salvar nada nem ninguém sem amor", concluiu a garota.

Levada por um súbito momento de inspiração, Mia correu até seu quarto e pegou um caderno e caneta no meio da bagunça das suas gavetas para escrever a seguinte frase:

"O amor é a chave que abre a porta da gaiola.

Se você aprisiona ou é aprisionado, jamais poderá saber o que é amar e ser amado."


11. Juli 2019 22:15 0 Bericht Einbetten Follow einer Story
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Das Ende

Über den Autor

Artemísia Jackson Afogando as mágoas na escrita!

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