Era sabido que o sistema de correio daquele reino era deveras ruim. Não que o carteiro fosse preguiçoso ou as amélias-para-lá-do-inverno atrapalhassem o tempo, não. Bom, mesmo que o cheiro dessas perigosas rosas atraíssem maus ventos e despertassem os ursos antes da hora, o problema estava enraizado como um caroço de angu.
Há muito tempo, quando as árvores ainda se preocupavam em dar bom dia e o mau agouro era uma lenda para pirralhos dormirem, alguém de alta inteligência e barba grande como a idade do tempo resolveu que era de suma inteligência que o dia do acasalamento fosse marcado com entrega de cartas. Sim, coisa antiga, desatualizada e sem uso. Quem trocaria cartas românticas antes de procriar a grande espécie dos elfos? Balela.
Jimin não era diferente da grande maioria dos elfos. Ele tinha sapatos que se dobravam no bico, um cabelo repicado como a era mandava e a preocupação de mantê-los num vermelho vívido, essas coisas que são de suma importância quando se completa trezentos ciclos de idade. Então, por que diabos ele tinha que escrever as runas em letras garrafais, com o cuidado e a decência de que os elfos Park tinham, quando na verdade ele queria mesmo era voar na vassoura sem educação de Kim Taehyung, o bruxo encrenqueiro do sistema de correios?
Absolutamente sem chances.
Entregar a carta que decidiria seu futuro parecia tão errado quanto passar a temporada de verão sem produzir vestimentas aos duendes da colina, ele podia ter certeza. Seu amor não-correspondido durava tanto que às vezes ele até se esquecia, voltando à mente apaixonadinha e sem uso toda vez que o sininho da vassoura apitava com correspondência nova. Ah, Taehyung era um dos bruxos mais lindinhos, com aqueles fios castanhos reluzentes, olhinhos de amêndoas do bosque e sorriso primaveril, com Jeongguk logo atrás e…
Espera, o que Jeongguk fazia montado em sua garupa?
— Com os cumprimentos de Merlin, venho entregar o jornal das eras. Se me permite perguntar, a carta do ciclo dourado já está pronta, senhor Jimin? — Taehyung murmurou educado, curvando-se com graça em cima da magrela.
Jimin mal teve tempo de admirar tamanha beleza ou xingá-lo por tratar do assunto dos elfos tão abertamente, não quando os olhos de Jeon Jeongguk, o bruxo da família em ascenção do reino, lhe cortava com os olhos ônix de uma maneira mortal. Pelas barbas do rei Namjoon, que insulto era aquele? Ele estava fazendo bico, ali montado na vassoura mais radical. Era um desafio?
— Bom… O jornal não é importante hoje. Deixe-me adivinhar: os trolls continuam com a gripe da idade e as abelhas se recusam a invadir o território das sereias terrestres, não é? Balela! — Park desconversou com um sorriso amarelo, a alma dando pulinhos pelo bico emburrado do Jeon lhe cortando o couro. — E eu trabalho avidamente na carta, ok?
A última frase foi expelida como suco venenoso através de seus lábios, com Taehyung dando uma risadinha gostosa pela maneira como Jimin parecia ofendido com aquilo. A carta do ciclo dourado, na linguagem élfica, significava casamento, e a ideia assombrava Jimin desde que ele era um brotinho solar em crescimento.
Não parecia certo decidir seu noivo com tão poucos anos de vida. Elfos antigos eram tão chatos com essa coisa de linhagem. Como o Park poderia dar beijinhos de outono nas bochechas de Taehyung tendo um arco florido no pescoço, como prova de que era noivo de algum maluco? Oh, Merlin foi tão malvado!
— Temo que não tenhamos muito tempo. Veja só! Estou ensinando Jeongguk a entregar as correspondências — o filhote dos Kim insinuou, apontando feliz para o garoto de fios negros como a noite atrelado a sua cintura. Jimin ousou morrer por alguns segundos. — Então, infelizmente, precisa escrever as runas o quanto antes. Seus pais estão?
Aquilo fez as orelhinhas pontudas do ruivo se remexerem em excitação. Poderia Taehyung querer tomar o chá das quatro e meia consigo, comendo biscoitos sabor tempestade que explodem na boca? Ah, seria um sonho… Tanto que nem escondeu o sorrisão bobo na cara, maneando negativamente a cabeça em resposta.
— Os Lordes da colina foram reunidos, aquelas coisas de cerimônia ao Sol. Soube que o rei Namjoon adora provar uva da terra até sair pelos olhos — Park sussurrou para os garotos, tapando a boca com a mão em seguida. Falar da bebedeira sagrada do rei era deveras ofensivo, até mesmo aos elfos. — Rogar não passará até o ciclo dos frutos, querem tomar um chazinho de erva de chuva?
Rogar era o cozinheiro dos Park. Ia e voltava a cada passagem de ciclo, então fazia uns bons cem anos que Jimin não olhava naquela cara bigoduda. Poderiam aproveitar para furtar a dispensa enquanto era tempo.
Um convite élfico era bastante sagrado, Jeongguk bem sabia, por isso não segurou os olhos de saltarem com a ideia de beber tão jovem. Não era permitido aos bruxos provarem de tal especiaria antes dos trezentos ciclos, Jimin era tão legal! Mas quando fizera menção em aceitar com toda a empolgação a qual os Jeon eram conhecidos, Taehyung interveio com um estalar de língua e cara aborrecida.
O demônio era lindo até com careta, que Merlin perdoasse Park Jimin e seus olhos furtivos.
— Infelizmente, os ventos da tarde já me aborrecem. Jeongguk não pode voltar espirrando bromélias, não é mesmo? Voltaremos amanhã no mesmo horário para pegarmos a carta do ciclo, senhor Jimin — avisou amistoso, içando a vassoura com sabedoria e se distanciando. Jimin retribuiu o tchauzinho ensaiado de Jeongguk, mesmo que emburrado com a recusa do convite.
Por mil pilões de serpentes amarelas, por que a insistência na carta? Ele só estava enrolando há dois ciclos de vida, nem é muito! A vontade de se atar emocionalmente a alguém era quase nula, a não ser por Taehyung, obviamente! Mas, quanto mais pensava sobre a possível relação no crush voador, mais se chateava. Poxa, era tão errado assim ficar juntinho de quem se gosta? Não que Taehyung retribuísse os sentimentos bonitinhos, mas passar El Dorado em suas costas era um sonho e tanto.
E agora voltamos ao motivo do sistema de correios ser ruim. Claro que apenas Jimin achava isso. Por que, raios de primavera? Quem aceitava ser tentado por um bruxo tão bonito sem cair de amores por ele? E Taehyung parecia cada vez mais preocupado com Jeongguk, aquele peçonhento de carinha emburrada e futuro promissor naquela companhia de bruxos.
Maldita genética! Jimin precisava afogar as mágoas nas petúnias, isso sim. E foi com essa coragem que deu meia-volta no próprio eixo, quase se estabacando nos tecidos longos de sua vestimenta. Além de lindo, elfos ainda eram obrigados a se vestirem como monges. Será que se mostrasse um pouquinho de pele, Taehyung o olharia? Oh, besteira…
A carinha triste poderia assustar qualquer gnomo mensageiro que ousasse passar por aqueles lados da floresta encantada, o ruivinho sabia. E foi por tal motivo que segurou a enchente no próprio peito, torcendo o nariz e rogando ao Sol que o ajudasse a evitar os ventos tristes do crepúsculo. Qualquer coisinha o faria chorar, até mesmo as joaninhas paradas nas flores de sua porta verde-musgo, todas coloridinhas trazendo a entrada de um novo arco de dia. Se pudesse, se tornava numa delas, só se preocupando em vigiar o Sol, sem coração partido ou runas que marcariam sua pele para sempre.
— Hey, dá pra você ser triste em outra porta? Está atrapalhando minha soneca.
O gritinho que o elfo da prestigiosa família Park deu poderia ter chegado até as terras da lua infinita, há tantas léguas que até o Sol tinha preguiça de dar o ar da graça por lá, sem dúvidas. O peito parecia uma britadeira aquática e Jimin até estranhou não ter envelhecido alguns ciclos pelo susto repentino.
Olhando à sua volta, não encontrou nenhum filhote de doninha-aventureira — aquelas pestes que podem tomar qualquer forma datada nas estações —, começando a pensar que seus ouvidos afiados estavam lhe pregando peças sorrateiras. Isso até um assovio ninar estranho sair por entre Anastácia e Doris, as plantas-de-branco cultivadas bem ao lado de seu portãozinho enfeitado com magia tropical.
Jimin, astuto como um camaleão ordinário, afiou os olhos até as folhas branquelas, encontrando um saco de batata estacionado em suas lindas florzinhas. Bom, o saco de batata tinha duas pernas, a cabeça recostada na grama verdinha e os olhos fechados com força, como se qualquer barulho pudesse mesmo irritá-lo.
Mas olha, vejam só! Que tipo de batata velha ousava invadir seu território? O ruivinho marchou descontente até o portãozinho, bufando caracóis e tomando o cuidado para não se enrolar nas próprias roupas. Diacho de costureira que não acertava no tamanho!
— O que você faz contaminando meu solo, mortal? — Jimin não segurou a língua afiada, o vermelho da raiva subindo às bochechas quando foi ignorado. Prontamente, preparou o dedo, rogando desculpas a Merlin ao ter o desejo de rogar algumas coisinhas mágicas àquele insolente. — Ei, estou falando com frutas orientes? Me responda, seu… seu!
— Oh, pelos coelhos selvagens, você está atrapalhando também a minha fotossíntese noturna — a voz contrariada se fez presente, mesmo que o corpo mal tivesse se mexido. Com muito custo, um suspiro foi solto e os olhos abertos. — Ah, um elfo. Que grande sorte a minha.
Park deduziu que o tom usado era de sarcasmo. Que grande ultraje nas terras do sul!
— Vai me explicar o que seu corpo patife faz no meu quintal? Não tenho um ciclo inteiro para tal.
— Ouch, patife machuca — um biquinho surgiu no rosto contorcido enquanto este se levantava, formigas vermelhas saindo ligeiras debaixo do seu corpo. Aquilo era deveras estranho; formigas só se davam bem com elas mesmas. — Achei de suma importância que eu depositasse meu sono por aqui, coisa pouca. Quem sabe os vagalumes de fogo voltassem ao Sul?
A careta de dúvida de Jimin foi engraçadinha, o estranho teve que concordar, bocejando como se fosse um dragão das salinas, meio que tedioso pela situação.
— Vagalumes de fogo foram extintos pelo monge malucão há tanto tempo que nem a árvore-mãe se lembra. Você bebeu?
— Um pouco de tônico sabor creme, quem sabe. Aqueles anões estavam muito festivos na passagem da chuva, mesmo que tenham me cobrado dois pingos de lágrimas. Isso é muito nos dias de hoje!
Uh, aquilo era bem verdade. Desde que Jimin se conhecia como elfo prisioneiro, chorar estava cada vez mais difícil. Eram tempos sombrios. Sabendo disso, se compadeceu da história do estranho, talvez um verdadeiro bunda mole para aguentar dramas em pleno seu quintal. Porém, pigarreou, se atendo ao que não devia:
— O saco de batata se dá bem com anões? — não teve como impedir a curiosidade, um mal de família. De forma desleixada, o maluquinho no chão concordou, fazendo Park dar pulinhos animados. — Que legal! Fiquei sabendo que são mal educados, sempre quis que algum deles me respondesse com um daqueles palavrões.
— Não queira, além de roubarem sua dignidade, ainda usam suas moedinhas do crime para comprarem mel do Norte. Terríveis! Mas me diga, quem eram os dois bruxinhos naquela vassoura de madeira duvidosa? Faz tanta passagem de tempo que não vejo um deles.
Jimin olhou das groselhas brotando do chão a cara relaxada do saco de batata, se perguntando se ele batia bem dos miolos. Bruxos eram tão comuns quanto sal nascendo nas costas de trolls, como ele nunca se deparou com algum? Começou a suspeitar de que estava se passando por tolo, analisando minuciosamente as características do indivíduo: pele com tom caramelo, olhos de nebula silvestre, cabelos castanhos com possíveis pontas duplas e um ar de ladrão do campo. Junção perfeita.
— São os bruxos-além-vida. Aqueles com vassouras, varinhas, correspondências mágicas e ouvidos e boca do reino — explicou dando de ombros, mesmo que um suspiro tenha lhe escapado ao pensar em Taehyung.
— Eles fazem cogumelos três tons?
— Não, as fadas vendem como remédio para furúnculo.
— Fadas por esse lado? Não estavam ocupadas tratando do portal dos insetos? — perguntou, espantado. Park fungou.
— Bom, há um ciclo talvez. Agora são as sabichonas e pipipi popopo. — Elfos não se davam bem com fadas. Maldita espécie interesseira, com asinhas lunares e pozinho da colheita, urgh.
Jimin estava cansado do interrogatório, sendo assim, pigarreou elegantemente, ligou os vagalumes que passavam com uma batidinha no popô e revirou os olhos com a chegada da Lua. Deveria estar dentro de sua toca, preocupado em terminar a carta e em desfazer algum nó de rosa, só pra garantir que Taehyung ainda se apaixonasse por si em algum ciclo distante. Milagres sempre acontecem, não é mesmo?
Errado. Ou talvez sim, pois logo o estranho ignorou a despedida desanimada, agarrando no pulso do ruivo e causando uma queimação pra lá de horrenda. Cruzes, era pior que dor de barriga mortal! Jimin quase chorou antes de se debater.
— Você é um elfo no ciclo dourado? — perguntou sem rodeios, agora de pé, provando-se alguns centímetros acima do ruivinho. Que azar, Merlin. — Não tem cara de que quer procriar brotinhos solares.
— E você tem cara de metamorfo. O que quer com Anastácia e Doris? — o elfo já estava perdendo a linda paciência, além de ter adquirido um roxo meia-lua no lugar onde fora segurado. Aquilo lhe causaria uma bronca das grandes.
Saco de batata olhou confuso para o ruivo, se certificando avidamente de que estavam sozinhos. Quando pintou os olhos foscos nas duas plantas, porém, abriu a boca de supetão, percebendo o quanto havia sido bruto com as branquelinhas. Num pedido de desculpas sussurrado, coçou os encaracolados dos fios na cabeça, quase morrendo de frustração por ser chamado de… de… Metamorfo, urgh!
— Cruzes! Não me compare com tais criaturas sedentas por filhotes de sereia — a cara de nojinho fez Jimin se arrepender um tiquinho. — Sou um híbrido! E dos bons, ok?
— Hibri quem?
— Híbridos. Aqueles caras lindões, contadores de mentira e donos de uma lábia que Merlin duvidava em seus tempos de jovem. — Um certo orgulho povoava a fala do saco de batata naquele momento, talvez uma pose exagerada sondando seu corpo. — Vim do solstício.
— Solstício?
— E antes dele, vim da floresta ao Leste. A população de minhocas estava descontrolada, fui chamado para dar uma lição de moral sobre procriação, assunto delicado na região das bacias doce — sussurrou a última parte, sentindo calafrios na espinha. Minhocas não eram compreensivas.
— Mas pensei que o Leste estava fechado aos palhaços.
— Que ultraje! Sou um golpista de renome, tenho respeito, menos com os anões. Já falei que são terríveis? Horrendos! — a excitação transbordava a cada fala, e quando menos Jimin percebeu, estava comprando uma história de uma tal moça que se apaixonou por um tritão laranja. Balela. — Voltando, não muito tarde, não pude deixar de perceber que está bobo.
O elfo fungou, esperando alguns bons segundos para ter certeza de que o esquisitão falava dele. Além de não ter freio na língua, ainda ousava o contrariar com xingamentos? Era o fim da picada.
— Com que certeza me diz que sou bobo?
— Assim como o Sol nasce todos os dias, docinho. Vejamos: está apaixonado pelo bruxo da vassoura de baixo custo. Terrível! Bruxos não são permitidos a terem filhotes com elfos, uhum.
— Fi-Filhotes? — O rosto de Jimin deveria estar em brasa viva, talvez explicasse a gagueira.
— É, aquelas pragas que destroem os campos. Sorte do reino não se deparar com uma criatura meio bruxo meio elfo, já pensou no estrago? — o castanho parou para pensar, concluindo que disse sábias palavras. Park estava murmurando bizarrices, vermelho como um pimentão agridoce. — Vai ter que se livrar das batidas descontroladas do seu coração, amigo. Como irá receber o aro de flores doente?
Aquele Hibrialguma coisa sabia de muita coisa. Primeiro que o coração de Jimin não ficava titubeando como uma libélula de cem dias, segundo que ele não estava doente! Só tinha um poço pelo bruxinho educado, oras. Inflou as bochechas, pronto para desfazer o mal entendido, mas teve o pescoço enlaçado. Saco de batata chupava uma florzinha e fazia cara de interessado.
— Posso te ajudar com meus serviços. Nada de formar pares, isso é com gnomos velhos! Porém, temo que só eu possua a resposta do que procura.
— Como a resposta ao enigma dos vampiros? — Jimin estatalou os olhos.
— Oh, balela! Os únicos sanguessugas são os aquáticos — disse de modo convicto. — Quis dizer para algo mais útil, como seu prometido. Gostaria de vê-lo com minha ajuda?
Que tipo de oferta era aquela, pelas barbas de Merlin? A desconfiança habitava o corpo do elfo, enquanto as orelhas pontudas se remexiam em excitação pura. O esquisitão das minhocas leria sua mão ou veria o futuro nas estrelas? Oh, aquilo seria um máximo!
— Não vou mentir, estou crepitando em curiosidade. — E maldita seja a genética dos elfos Park! — Envolve magia negra? — quis se certificar, claro. Aquilo não deixava de ser duvidoso, porém o carinha fez carinha ofendida, levando a mão ao peito em descrença.
— Sou um híbrido, não te disse? Meu pai foi quem plantou a árvore-mãe, se quer saber. Depois ele se envolveu com alguma prima distante da linhagem do Sol, e cá estou!
— Ah, claro, híbridos são mentirosos — murmurou desgostoso, disfarçando quando as bolotas ligeiras lhe encararam em expectativa. — Quanto vai custar?
— Oh, não muito. Apenas um copo — abaixou-se, pegando uma bugiganga engraçada dentro de uma sacola que Jimin mal percebeu —, dois vagalumes tocados por mãos élficas — catou os bichinhos voando em círculos, assustando o elfo ruivo com a brutalidade a qual usou para chacoalhá-los no tal copo —, uma pitada de Doris…
— Doris? — foi interrompido, mas antes que pudesse agir, dois galhinhos da branquela da esquerda foram arrancados. — Ei!
— Calma, é por uma boa causa — explicou pacífico, remexendo aquelas coisas todas no ar com uma cara concentrada. Após um tempo, Park soltou um muxoxo, percebendo que seriam dois vagalumes a menos no seu quintal. — Veja, está dando certo, não?
O copo foi estendido em sua direção, e com cuidado, o curioso elfo aproximou o nariz do recipiente. Os olhos dobraram de tamanho quando um caldo de aparência formidável apareceu, borbulhando como se estivesse em fogo-vivo. Virou-se automaticamente para saco de batata, pegando seu sorriso arteiro lhe bordando os lábios.
— Magia por meio das mãos. Vocês elfos estão desatualizados, uhum — disse complacente, verificando o conteúdo de forma engraçadinha. — A propósito, eu não perguntei seu nome. Nomes são importantes, evitam processos.
Jimin exclamou em surpresa, pensando no quão mal educado fora com o visitante. Bom, não era bem um visitante… Estava mais para um ladrão disfarçado, mas seu jeito gentil de agir e sussurrar lorotas era deveras interessante. Com um risinho amigável, o elfo saldou caloroso o mais alto, abaixando a cabeça.
— Sou Park Jimin, senhor golpista. Seria honrado em escutar o mesmo de você.
O castanho espirrou, logo depois verificando se a poção que fazia continuava nos eixos. Continuou a chacoalhar, pensando no quanto elfos eram honestos e bobinhos.
— Meu nome é Hoseok e apenas. Vim do solstício.
— Solstício?
— E antes dele, do Beira Mar.
— Mas não tinha sido do Leste? — o ruivinho tombou a cabeça, confuso.
— Oras, eu minto! — exclamou a verdade, fazendo um biquinho por Jimin ser tão cabeça oca. — Bem, bem, acho que está na hora. Está pronto para ver o barrigudo com que vai se casar? — soltou um sorrisinho com o revirar de olhos do Park, que se aproximou.
— O que devo fazer? Algo como passar essa gosma no cabelo e esperar por três dias? — farejou o conteúdo novamente, irritado pela forma bonitinha ter se tornado meio grotesca e sem vida. Hoseok estalou a língua com o comentário. — Então o quê?
— Feche os olhos e rogue ao Sol que te faça estar vivo até amanhã. Terá que beber meu cozido, não é maravilhoso? — perguntou retoricamente com uma animação estranha. Park quase deu meia-volta, mas foi segurado mais uma vez pelo pulso, surgindo por ali a marca dos dedos de Hoseok-e-apenas. Que maldita magia existia em sua mão? — Ora, vai, é melhor que se casar às cegas.
O tom ardiloso do senhor golpista era formidável, Jimin tinha que admitir. Mordendo o lábio inferior, ele sentia os raios da noite lhe perfurando a pele, num claro sinal de que ele deveria estar na sua caminha. Mas, ah, raios!, ele queria saber muito, muito! Então, com uma coragem que ele nem sabia que tinha em seu depósito de emoções para emergência, Jimin pegou o recipiente, fazendo uma prece e engolindo aquela desventura de uma vez.
Hoseok exclamou um ‘ouch’ negativo, abanando a mão em frente ao rosto e lamentando. A bem da verdade, ver aquela poção ser toda tomada de uma vez era sempre uma lástima. Primeiro porque ele sempre se esquecia que um golinho bastava, segundo que vagalumes da primavera tinham um gosto horrível, horrível.
Jimin bem que poderia o xingar, mesmo sem nunca ter tido contato com os anões safados do barzinho além do litoral, porém ele apenas parou como uma estátua de veludo, engolindo o resto da gororoba e parecendo pensar se deveria morrer ou viver mais um dia. O que quer que fosse que decidiu, fê-lo lacrimejar os olhos brevemente, numa clara situação comovente.
Oh, Hoseok era tão tapado! Se tivesse avisado, tsc.
— Então, gostinho de morte? — ousou perguntar, sondando Jimin com as mãos para trás. A satisfação do cliente em primeiro lugar, claro. — Jimin?
— Pela mãe celestial, isso tem gosto de arroto de troll silvestre!
— Você já provou o arroto deles?
— Claro que não, mas se tivesse, teria esse gosto — soltou um resmungo, suspirando pesado por ter sido tapeado. — Agora é proveniente acontecer o que raios de efeito?
Hoseok dedilhou o vento, fazendo suposições e calculando alguma coisa que o elfo não conseguia compreender. As palavras baixinhas eram sussurradas, espantando os vagalumes noite a dentro. Abruptamente, o tal híbrido fez uma carinha compreensiva, maneando positivamente a cabeça.
Jimin continuava com cara de paisagem.
— De fato, eu não sei bem. Varia bastante de criatura para criatura. Mas, ah… É certo de que você terá uma visão bastante bela, devo ressaltar! Nela, estará o seu futuro.
— Não está mentindo?
— Não de todo, talvez dê dor de barriga também — sorriu amarelo, com o cliente bufando irritado. — Deve começar… agora!
O dedo apontado de Hoseok na direção do ruivinho ficou no ar por tempo suficiente para os sapos da mata começarem a cantar. Jimin adotou uma expressão de puro tédio, calculando quanto tempo demoraria até que Hoseok-e-apenas tirasse o sorriso entusiasmado da face e começasse a botar o plano em prática.
Nadica de nada aconteceu. Bulhufas. Aquilo estava cheirando a balela, ah se estava.
— Uma visão, você disse. Mas só consigo encarar sua cara — a contragosto, o Park se pronunciou, denunciando que choraria a qualquer momento. — Estava enganado sobre um golpista, por Merlin!
— Hey, eu sou um de prestígio, ok? Mas não sente nada? Como se serpentes estrangeiras chacoalhassem sua cabeça, ou urros de urso no verão passassem pelos seus ouvidos? — o elfo negou avidamente, caindo no chororô, fazendo os coelhos escondidos por entre as árvores saírem pulando pela própria vida. — Está chorando por que raios, magnífica criatura?
A bem da verdade, o híbrido estava com medo de ter dado tudo errado. Pelos furões, será que deveria ter sacrificado Doris inteira para aquela poção? Há arcos de vida que aquilo não falhava, por que justo com um elfo tão novinho iria pro beleléu? A credibilidade acabaria assim!
— Oh, plantinha de amortífera, não fique assim. — Hoseok se desesperou, dando pulinhos em volta do elfo choroso. Deveria tocá-lo? Não, o queimaria na certa. Deveria acalentá-lo através de uma doninha? Quem sabe… — An, vejamos, olhe para mim.
O menor fungou três vezes seguidas, perto de espirrar bromélias pelo nariz. Não era muito bom elfos chorarem na volta da noite, ruim para o estômago! Mas fez um esforcinho pelo bem da sua plantinha, as lágrimas parando aos poucos. Hoseok tinha aquele ar de sabichão, como se fosse filho do próprio Merlin, uma pitadinha de felicidade lhe passando a expressão quando teve a atenção do elfo ludibriado.
Hoseok-e-apenas não era nada bom em qualquer coisa que não envolvesse tapeação, leitura de horóscopo solar e plantação de quiabos roxos. Para ele, era uma vitória ter conseguido algum progresso com o elfo, atando curiosamente a mão do ruivinho na sua, lendo de maneira séria e duvidosa o pó do futuro nas linhas da palma.
— Bom, vejo que não é cego — concluiu, soltando o pulso e se dando conta que, daquela vez, não teve problemas com queimadura. Jimin fungou.
— Deve ter percebido quando te olhei — a voz rouca pelo recente choro concluiu. Estavam bastante sérios, vale ressaltar.
— Algum problema com gororobas?
— Sou alérgico a problemas.
— Visão parcialmente perdida caso seja alvo de feitiçaria?
— Se partir de gnomos com problemas de artrose — o elfo pensou um pouquinho, de fato não se lembrando de nenhum efeito reverso a pólen de abelhas gigantes.
— Então deve ser cego — sugeriu o híbrido, estalando a língua e cruzando os braços, chateado com tal fato. O elfo suspirou emburrado. — Minha poção antiga levava mafagafos. Pena que foram extintos. Caquinha de rinoceronte seria uma ótima ideia!
Grilos cantores de runas fizeram o papel de censurarem o palavrão que Park trovejou, sapateando de raiva na grama de seu jardim. Maldito híbrido sanguessuga, lhe tapeando em sua presença! O que faria agora, sem Taehyung e sem marido? Oh, Merlin, bem que deveria ter desconfiado na hora do papo dos anões.
Todavia, quando pensou em expulsar tal jararaca do seu território com alguma magia, Hoseok deu um salto, exclamando feliz qualquer porcaria que parecia ser a solução. Jimin preparou os ouvidos, arfando quando teve o corpo abraçado por tempo suficiente para sentir o cheiro de camomila nos fios castanhos. Urgh, seria hidromel?
— Eu estava errado, Park Jimin não é bobo! Veja só, você só conseguirá ter uma visão se estiver realmente amaldiçoado por aquelas porcarias de amor, uhum — o ruivinho dobrou os olhos de tamanho, observando um analítico híbrido lhe examinando. — Jimin, seu futuro só pode ser agora!
Deveria bater em retirada ou bater em Hoseok? Como ele ousava insinuar que o que sentia por Taehyung não era uma queda inteira? Teria se enganado por mais de três ciclos? Namjoon é careca, por isso usa coroa?
Eram muitas perguntas, tanto que sentiu o cérebro queimando aos poucos. O corpo cambaleou, sendo amparado rapidamente pelo híbrido sorridente. Maldito! Havia lhe roubado Doris e o futuro.
— Por quinhentas garrafas de rum artificial, o que quer dizer com agora? — indagou, se livrando das mãos em suas costas. Oras, não era uma fada para aceitar tamanha intimidade. — Você bate bem da cachola?
— Uh, elfos e a mania da cotagem por ciclos. Preste atenção, Park! Não deve temer o que virá amanhã; preocupe-se com viver bem, agora. Entendeu? Devo desenhar na porta de sua casa? Jimin? Alô?
Era muito, ok? Muita coisa para processar. Jimin sentia as pernas bambas, uma gagueira lhe subindo a espinha e borboletas se debatendo em sua garganta. Pareciam travar uma guerra. E, pela careca do rei, elfos não passavam mal! Significaria que estava batendo as botas? Encontraria El Dorado e faria sua morada nos céus sem nunca antes ter dado uma bitoquinha!
Santa merda, hein.
Oh, ele pensou em um palavrão. Jimin só pensava em joaninhas, chuva e maltrapilhas que lhe tocavam. Por que Hoseok continuava berrando em sua frente? Estava tudo rodando, tudinho mesmo. Tinha que respirar, encher os pulmões e bater no curioso híbrido, socado com a cara em sua frente e prestes a lhe lançar um feitiço.
— Maldito! Não vai roubar minha árvore de bolinhos! — exclamou, voltando a cabeça ao lugar e bufando fogo.
— Por Merlin, está vivo! E ‘tá verde… Cruzes, Park Jimin, vai vomitar zangões? — Hoseok deduziu, soltando o elfo ao chão em alerta. Merlin o driblasse de zangões! Era um melzinho, teria problemas sério. — Tá tudo ok aí do chão?
— Vá catar camaleões, seu… Seu! — Que péssimo jeito de xingar alguém. Bom, mas precisava dizer os sintomas. Vai que Hoseok é médico também, certo? — Escute, tinham borboletas sambando na minha traqueia, e daí apareceu sua cara! Uma cara muito feia, devo dizer, como a que você tá fazendo agora e… senhor golpista?
Merlin de sunguinha, era aquilo mesmo que o híbrido estava ouvindo? Não pode ser! Até cruzou os braços, fixando os olhos estranhos no ruivinho esquisito. Ele não estava o tapeando, pelo visto. Claro, apenas ele mesmo era treinado na arte da traquinagem; ser enganado estava fora de seu plano de saúde. Isso foi o que os pepinos na feirinha daquela lagarta simpática haviam previsto.
Isso também explicaria a cegueira do elfo. Oh, mas Hoseok era tão novo! Não imaginou que, ao tirar um cochilo e escutar conversa alheia, amarraria sua potranca logo de cara. Mas quem poderia prever isso, certo? Jimin estava ali, bufando e reclamando como uma maritaca, ameaçando atirar coquinhos na sua cuca.
Precisava assumir as responsabilidades, uhum!
— Sinto muito, parece que roubei seu coração — o castanho murmurou cabisbaixo e bicudo, cruzando os braços. — Mas são coisas que acontecem, não é mesmo? Como minhocas procriando porque gostam, aquelas danadas.
O que aquele maluco estava dizendo? Park murchou na mesma hora, a cara de paisagem observando Hoseok chutando uma pedrinha, realmente contrariado e sussurrando qualquer porcaria. Oras, era um senhor palhaço mesmo. Jimin riu, riu com gosto, tanto que começou a chorar novamente, o híbrido se desesperando, pensando se acalentá-lo levaria a uma morte lenta. Elfos são traiçoeiros.
— Só posso ter sido amaldiçoado! — fungou pesado, tossindo a amargura.
— Nós dois, meu amigo. Tempos difíceis para ter o coração roubado, tsc. — Chutou outra pedrinha, os coelhos se assustando novamente com o chororô. Uma noite de glória. — Bom, não podemos fazer muita coisa, bobinho ao quadrado. Não teve a visão porque o garanhão aqui estava bem à sua frente, uma pena.
— Merlin, mas que grande merda — Jimin espirrou. Uh, xingar o deixava doente. — O ciclo dourado! Como vou colher as frutinhas do amor se fui roubado?
Uma preocupação e tanto, meus amigos. Jimin já não sabia se valia a pena viver mais um dia. Hoseok achava o contrário, dando de ombros e chupando uma florzinha que apanhou no chão, uma mania que tinha quando estava com a bunda na reta.
— Esqueça sobre isso! Decidi tomar a responsabilidade, vamos morar juntos.
— Onde?
— No solstício — respondeu de pronto.
— Solstício?
— E depois dele, na floresta após Véu de Prata.
— Mas não era em Beira Mar? — Não era?
— Oh, como roubei seu coração, não devo mais mentir. Pegue suas tralhas, partiremos quando Merlin suspirar o Sol nas nossas bundas. Não quero lidar com os anões de meia-idade. Horrendos!
Caracóis meridionais, o híbrido só pode ter fumado torrão de açúcar. Era o que Park tinha escrito na cara, fazendo Hoseok bufar contrariado. Jimin era tão cabeça dura, infernos!
— Não posso ir para onde não tenha bruxos, vá sozinho. — Bateu o pé, certo de que aquilo era loucura.
O híbrido achou uma péssima decisão.
— Então terei de arrancar seu coração, para modo de levá-lo.
— Mas por que barbas?!
— Eu não o roubei? — perguntou, fazendo o ruivo assentir, decepcionado. — Então está decidido. Vou procurar minha faca.
O elfo se desesperou, pensando se seria uma boa ideia realizar aquele feito em plena noite. Doeria mais, isso era certo. Porém, Hoseok foi honesto, a poção mais ainda. Havia perdido o coração. Como se recuperava tal coisa?
Foi quando uma solução borbulhou como chá silvestre na ponta dos pés. Deveria dar o troco, claro! Jimin se encheu de coragem, içando o híbrido agachado ao chão, assoviando alegre em busca dos instrumentos, assustando-o ao ponto de não ser capaz de impedir aquilo.
Park tascou-lhe uma bitoca, e das grandes, ok? Tão grande que pareceu dar calo nos lábios, o ar faltando naquela espremedeira toda. Se afastaram ao pulos, buscando desesperados o oxigênio fugitivo. Cruzes! Bitoquinhas podiam matar.
— O que fez, Park Jimin? — Hoseok estava roxo como uma pantera da neve.
— Te roubei um beijo. Bom, não? — sorriu arteiro, quase cuspindo os pulmões.
— Por Merlin, isso é crime! — o híbrido se desesperou, apontando afrontoso o indicador na direção do elfo meliante. Aquilo não se fazia! Seu peito batia tanto que pensou que iria partir dessa para pior. E se pegasse gripe da primavera. — Agora somos ambos criminosos, que vergonha.
Uma atrocidade, sem dúvidas. O que a vizinhança pensaria daquilo? Elfos mal tocavam outras espécies; Jimin nem havia tocado Taehyung! Mas ousou beijar um golpista. Que situação… excitante.
Sim, Park Jimin sentia o coração dançando, como se estivesse em um baile. Viver a vida como um roubador de bitocas era melhor que se atar no ciclo dourado, disso ele tinha certeza. Tanta que, quando fitou as bochechas rubras do farsante, não segurou a língua dentro da boca.
— Hoseok-e-apenas, quer beber chá de chuva na minha casa? Aí você me conta mais sobre o tal solstício.
O sistema se cartas daquele reino era deveras ruim, Jimin tinha certeza. Mas, pela primeira vez, gostou do atraso.
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