“Tu… Ru… Ru…” - cantarolou aos sussurros.
Os cabelos ruivos desgrenhados era sinal de quem, de uma hora para a outra, estava prestes a se jogar nos braços da insanidade. É, talvez a loucura fosse um consolo, um lugar onde podia fingir que nada havia acontecido.
O bater lento de suas pálpebras ficou marcado pela grossa lágrima que por entre elas passou. Chorava tanto pelo trauma quanto pelo tempo que evitou piscar, pois sempre que fechava os olhos, mesmo que por segundos, via novamente a arma apontada para sua cabeça e os homens levando não só o carro como seu bem mais precioso e até mesmo sua alma.
A blusa antes branca ficou suja do asfalto onde se arrastou na tentativa de alcançar os ladrões que junto das coisas materiais levaram seu filho, em vão. Se arrependeu de todas as vezes possíveis em que podia ter destratado aquele infiltrado que se fez de segurança apenas para saber o melhor momento para atacar, pois talvez fosse esse o motivo de uma suposta vingança.
Só assim ou sendo muito ruim pra tirar uma criança de 3 anos dos braços de uma mãe. Por maior que fosse a vivência dela lado a lado com a crueldade das ruas onde viveu por certo tempo, se recusava a acreditar na segunda opção.
Olhou para a mesa que aos poucos era desfeita pelos demais empregados que vez ou outra lhe olhavam com pena. Era o aniversário do moleque, poxa, quem havia feito aquilo, levando em conta a suspeita deles de que o responsável por tudo era bem próximo, fez tudo de caso pensado para que machucasse seus patrões de todas as formas.
Do que serviria um garoto sapeca e até mimado como Menma para um trio de criminosos? Haviam se passado horas e sequer em contato para pedir resgate haviam entrado. Não era um sequestro, disso tinham quase certeza. Era tudo algo esquematizado para acabar com eles, deixando para trás a casa, sempre alegre pela música ou pelas artes dos donos e travessuras do herdeiro, assim, quieta e triste em pleno dia de festa.
Amarga, passou os dedos com carinho pelas cordas sujas e gastas do balanço onde seu menino tanto gostava de brincar. Sem forças, sequer conseguiu dar impulso, ainda mais quando pensava que era ele quem devia estar ali enquanto esperava os convidados que já sabiam da tragédia e que precisavam poupá-la de falsos lamentos e, se quisessem mesmo fazer algo, que seria melhor endossarem as buscas que o pai do garoto liderava.
A comida seria repartida entre os próprios funcionários e o que sobrasse estava mais do que liberado para ser distribuído para os pedintes que sempre apareciam pelo bairro. Era algo que Menma, que sempre gostava de ajudar, gostaria que fosse feito e, nossa, só de pensar no quão feliz ele ficaria ela chorou de novo, apoiando a testa na corda.
“Mama, olha pra mim. Eu sou um herói”. aquela última frase dita na brincadeira em pleno parque antes de pegar no sono e de todo o quid pro quo ficaria para sempre ecoando em sua cabeça.
Sorriu nervosa. Ele era só um garotinho e, mesmo que se achasse invencível e muito esperto, era muito indefeso. O criava com toda a pompa e luxo que a riqueza que acumulou com o marido ao longo da vida podia pagar e não conseguia enxergá-lo passando fome e frio pelas ruas, caso tivesse sido ele jogado à míngua pela cidade.
Tokyo era tão grande e isso considerando que eles não tivessem fugido para alguma cidade vizinha. Não sabia se daria tempo, afinal, nem viu quando anoiteceu.
Olhou para o céu agora escuro e nublado e se sentiu representada. Era quase um quadro de sua alma e pintaria algo naquele sentido se conseguisse se mover. Não ter notícias do filho, apesar das poucas horas, tirou dela a voz, a criatividade e a vontade de viver.
Segurou o colar de pedra verde que tinha no pescoço e que fazia par com o azul que era de seu marido, mas que, tamanha a insistência de seu menino, havia lhe sido entregue como presente naquele mesmo dia.
Desde cedo achava que aquele era seu cordão da sorte, então usou-o como amuleto, rezando para que voltassem com seu neném nos braços em pensamento pois nem oração saía de sua garganta, apenas os sussurros da música triste ainda eram entoados.
Ao ver o carro de seu marido estacionar frente à casa, por um minuto, pensou que sua angústia havia acabado. Perdeu seu chão e esperanças só de olhar para o rosto desesperado que ele ainda tinha.
Chegou a tremer ao amargar toda aquela dor. Falaram algo sobre estar tarde demais para continuarem as buscas e frio demais para ela ficar ali, mas não entendeu, não fez questão. Só conseguiu pensar que Menma não estava devidamente agasalhado quando foi levado e daria tudo para que o calor do paletó de seu marido esquentasse o garoto, já que seus braços não mais o alcançavam.
Quando viu, havia sido levada para dentro de casa e sentir o cheiro dele e não ouvir sua risada era o mesmo que enfiarem um punhal em seu peito.
Passou vagarosa pela sala e ver os brinquedos dele junto aos enfeites e balões que ainda não haviam sido retirados foi cruel demais.
A decoração da festa podia ser a mais colorida que podia existir, mas tudo o que enxergava era tons de preto e branco e nada era mais significativo para uma artista, como ela, que perder a cor de seu mundo.
Como mãe, era infinitamente mais pesado ter perdido seu menino, com aquela cena desgraçada repetindo num loop infinito e doloroso do carro partindo e ignorando seus pedidos de clemência.
Ainda cantarolando, pegou nas mãos o colar e a pelúcia favorita dele, apertando os dois entre os dedos e odiando que não fosse Menma ali.
Com seu eu em ruínas, sua única ação foi, aos berros, jogar todos aqueles enfeites no chão, já que eles não tinham mais motivos e nem pra quem existir.
O canto, que já era sofrido e choroso, se tornou um grito quando ela caiu ajoelhada frente à toda a confusão, sentindo como se o mundo caísse sobre sua cabeça.
— Menma… - chamou em sua agonia, recusando o socorro de quem quer que fosse.
Era uma dor que não desejava para seu pior inimigo, se o tivesse. Não tinha cabeça nem para desejar que a lei do retorno recaísse em alguém.
Só queria que tudo fosse uma brincadeira de mal gosto e que, dali há uns anos, pudesse rir de tudo aquilo. Infelizmente, os céus não estavam dispostos a serem bons consigo.
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O tempo passou arrastado e os anos pareciam séculos. Nada voltou a ser igual para aquela mulher, que nem sabia quanto ao certo havia passado até voltar para aquela casa depois de anos no exterior e sentar no mesmo balanço.
Nada havia mudado desde o caos além dela própria que havia parado no tempo e perdido até mesmo a capacidade de se cuidar sozinha, tamanho o impacto.
Seu filho ainda não havia retornado a seus braços e ela mal conseguia se manter ali, sentindo-se dopada e contando com a ajuda da enfermeira para não cair.
— Men… Ma… - se esforçou para chamar dessa vez.
Os remédios que tomava eram tão forte que mal lhe restava desenvoltura para olhar o céu em sua revolta, sentindo que qualquer Deus que existisse lá em cima havia lhe esquecido.
Não deixava de pensar se seu filho podia olhar aquelas mesmas nuvens, se estava vestido, alimentado e sóbrio, e nem de torcer para que alguma divindade ainda olhasse por ele e que o mantesse inteiro, onde quer que estivesse, fosse ao relento, fosse no braço de alguma nova mãe.
Segurou, com muita força de vontade, seu pingente como sempre fazia naqueles mais de 15 anos passados. Tomara que o vento fizesse sua prece chegar até ele em meio às ruas perigosas.
A cidade era enorme e em pelos becos e vielas do complexo de Konoha, um garoto corria solto pelas ladeiras e escadarias do morro, rumo ao único ponto de lazer dali, sorrindo para as crianças que curtiam o velho parquinho e indo investigar a confusão que ouvia rolando ruas abaixo.
Eram gritos de mulher e como o bom rapaz e líder comunitário que era, tratou logo de “vestir” seu soco inglês, pondo seu pingente azul para dentro da camisa para que o oponente não o agarrasse por ali.
Como chamar qualquer colega pelo rádio chamaria atenção demais, dispensou a tática e confiou em seus próprios talentos. Riu de canto, afinal, adorava ser o herói de alguém.
Vielen Dank für das Lesen!
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