— Vem, Gabriel, vai começar!
Toda sexta-feira, meu pai repetia o ritual: estourava um balde de pipoca, arrumava as duas poltronas, apagava as luzes e subia o volume da tevê. Minha mãe fazia plantão no hospital e nós ficávamos sozinhos. Ele escolhia os filmes, alegando ter muitos clássicos pra me mostrar. Alguns eram legais mesmo, mas eu também aguentava muitas chatices, só para agradar meu pai e curtir esse momento ao seu lado.
— Tô indo! O que vai ser hoje? – me acomodei, arrumando o guaraná no meu canto da mesinha.
— Terror, quer dizer, um de medinho... Tudo bem?
— ...
A palavra fugiu e a saliva, no nada da voz, engrossou na garganta. Caramba! Odeio filme de terror, todo mundo sabe disso! Estaria me testando? Ele disse medinho, mas...
Diante do meu silêncio, o filme começou.
Nora e Paul estavam noivos, mas ela começou a se envolver em um romance secreto com Julian. Até aí, tudo bem. Como pipoca... Julian, na verdade, tinha se aproximado de Nora para se apossar do dinheiro dela. Tô até gostando da história! A Nora é uma gata... Só que Paul desconfia da traição e, após seguir Julian, descobre a trama. Eles começam uma briga e o rival, forjando um acidente, mata o noivo traído.. Parari, parará e... hora de enterrar o defunto.
O filme já está com mais de meia hora e, eu sei, a moleza vai acabar. Noite, cemitério e uma capela sombria. Não! É uma cripta, onde ele vai ser enterrado! De repente Nora está só na cripta e começa a ouvir minúsculos ruídos. O som aumenta e a câmera roda lentamente pelas paredes, destacando as fotos dos mortos ali instalados. A cena corta para os olhos dela, apreensivos. Cubro a cabeça para não ver o que já pressinto.
O som, a música, a pausa. Não aguento! O filme que passa atrás da coberta é pior do que qualquer outro visto de verdade. Olho. Não há mais nada, a cena já mudou para outro dia.
— Pai, você colocou o relógio para despertar? – pergunto qualquer coisa, só para aliviar o clima, então percebo que ele está dormindo. Sinto um frio na espinha por estar só naquela situação, mas a sequência na tela já está mais suave, com a quase viúva se despedindo do amante e entrando em casa.
Ah, que alívio, dá pra parar esse filme... Descubro os braços para pegar o controle remoto e quando me curvo sobre a mesinha, a cena me joga para trás:
Nora, pensando no beijo que ganhara de Julian ao sair do carro, entra no quarto e vê Paul no espelho: a sonoplastia, é claro, arrebenta o peito. Com cara de pânico, agarro meu pai.
— O que foi, moleque? Que desespero! Viu fantasma?
— Você dormiu. Não quero mais ficar vendo... Tá chato!
Na semana seguinte, como ele não quis ver Os Vingadores, inventei uma dor de cabeça e fugi (ufa!) de Psicose. Era hora de rever os preços de certos prazeres...
Fui mais cedo para o quarto e, pelo fone de ouvido, enganchei meus sonhos nas promessas da Shakira: Pideme el sol y te lo traigo ya!
Vielen Dank für das Lesen!
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