"Os céus não temem a mim porque sou um Deus, temem porque sou apenas um Homem!"
- Pantheon, meu antigo main.
Que poder tem o Homem?
Foi nos dias finais de Crotona que Crota conheceu o ódio.
Crota, apesar de ser o garoto mais bondoso da vila, era também o mais alto e forte. Seu corpo atlético seria digno de reverência provinda da grande Grécia, não fosse seu estado maltrapilho e esfomeado. Ainda dizem que, na época, se banhado e de trajes brancos, Crota poderia ser confundido com um Deus, mesmo em tenra idade.
Contudo, Crota, por conta de sua linhagem e das escassas posses de sua família, era apenas um menino de rua ignorado por escultores, enojado por hedonistas e mau-dito pelos tantos filósofos que diziam ser adeptos à vida. Talvez essa repugnância também se estabelecesse sobre o fato de Crota ser pobre, mas muito mais sobre o fato da constituição de sua família.
A mãe de Crota, grávida, ao contrário do que muitos dizem por aí, era grega sim. Corriam rumores de que ela já havia sido uma das concubinas de Zeus, uma de suas preferidas, e que, pelas as demais concubinas ciumarem-na, sua expulsão de Olimpo teve de ocorrer, resguardando Zeus, contudo, às suas noites mundanas com a sua amada, o que, claro, justificaria a barriga da mulher. Era de beleza excruciante, mesmo por baixo de toda a sujeira da pobreza mortal. A mãe de Crota era cortejada nas ruas, mas não importava, a certos olhos, uma concubina sempre é uma concubina.
Agora o pai de Crota, a sina da família, uma afronta aos Deuses que habitavam Olimpo. Um troglodita peludo e cheio de marcas de tinta na pele; um demônio bruto que jamais ascenderia nos domínios da Grécia. O pai de Crota não era grego nem romano, sequer espartano, mas um bárbaro!, um daqueles bárbaros medonhos que não podia ver uma muralha esburacada que já iria querer entrar gritando profanidades. Ele, por algum motivo entranhado em sua cultura fugaz, não ligava se sua mulher já tinha sido uma concubina, apesar de que, se ouvisse esses rumores saírem das bocas aveludadas dos gregos, agora seus vizinhos, coisas que só mãos parrudas e voz de fera podiam fazer aconteceriam.
E, apesar de haver entre mãe e pai um amor inusitado, aquela terra não era para nenhum dos dois, principalmente para o bárbaro, que ainda cultuava os Deuses de sua antiga casa. Sozinho entre Deuses gregos, os quais julgava fracos, sua maior esperança era Crota; o filho que, não esperava, tinha certeza, o levaria orgulho, o mesmo orgulho que Odin sentia por Thor.
Contudo, para o desgosto do pai, Crota nasceu e cresceu com a desenvoltura de um grego em toda a sua essência: esguio mas forte, quase afeminado. Desprovido de qualquer pêlo que pudesse validar sua masculinidade ao pai selvagem. Civilizado como nenhum outro rei-filósofo, bom como uma mecenas. Sedento por conhecimento e não por sangue.
Mas ainda sim era filho de um bárbaro. Encontrava-se latente em seu sangue o mesmo gélido das terras Jötunheimr, a mesma sede de Thor, quando este bebeu do oceano através do chifre de gigantes. A mesma ambição de um nórdico sobre Valhala quando em batalha. Uma raiva selvagem e desolada e inóspita que, a cada soco do pai e cuspe da sociedade, marcava sua expressão num franzir de nariz e testa até não mais sobrar a inocência de um verdadeiro Deus, até não mais restar o sorriso, mas um rosnado bestial. Crota enfim se transformava em Homem; tomado pela clareza de haver o ódio e amor, de ser capaz de praticar os dois, sem, contudo, mascarar-se atrás de títulos de nobreza ou honrarias; a liberdade que gozava um ser humano.
Foi quando Zeus desceu do Monte Olimpo, possuindo o pai bárbaro, como ato de zombaria para com os outros deuses, para então fazer amor com a mãe de Crota, que este cedeu por completo à loucura e vingança.
A verdade era que Zeus não suportou a verdadeira reciprocidade que sua amante tinha com aquele bárbaro, ela sequer o conheceu possuindo aquele corpo bruto e profano. Machucou-lhe mais ainda saber que grávida estava mais uma vez de mais uma besta do norte. Então Zeus se fez mais presente; fez brilhar os olhos do bárbaro num azul cristalino que só seu poder recendia. Arrancou a filha não nascida da barriga da amante e a puniu com a morte como única maneira de ninguém mais possuir aquela beleza.
Alguns dizem que logo após esse duro sacrifício - eu chamo de assassinato -, Crota apareceu e avançou contra seu Deus na esperança de vingar a mãe e irmãzinha. Zeus, limitado por um corpo humano, e Crota, agora só dentes e saliva. Crota fez com o corpo do pai o mesmo que Zeus fez com o corpo da mãe: cortou-lhe o bucho e arrancou-lhe as vísceras. Foi quando Zeus saiu do corpo do bárbaro que Crota entendeu o porquê dos olhos azuis; Zeus saiu sem nenhum machucado, sequer manchado de sangue humano, e prometeu que Crota seria a próxima besta que ele enjaularia para servir aos Deuses do Olimpo.
Crota, numa fúria que rasgava sua educação ao meio, prometeu que cresceria suficientemente para jogar o Monte Olimpo na Midgårdsormen, para que não somente ele pagasse pela morte de sua mãe, mas seus filhos e filhas e irmãos e irmãs.
- Você matou minha mãe e possuiu meu pai pois sente medo de outros Deuses. A mim você temerá não porque sou um Deus, mas porque sou apenas um Homem.
Então Crota correu para planejar sua vingança. Fugiu de Crotona, nada mais haveria ele de ter ali. Viveu nas ruas de Grécia e fomentou sua marginalidade, sendo o mais temido dentro os maltrapilhos. Aquele que antes era o mais alto e também o mais bondoso, agora era ainda maior e musculoso e justo consigo mesmo, tomando tudo aquilo que pensava ter direito. Soldados espartanos tão logo perceberam a sua braveza e convicção; tomando-o para Esparta como cidadão, já que Grécia não o considerava homem político. Foi em Esparta que Crota conquistou o direito de ser chamado Atlas, logo após persistir e sobressair no Agogê. Em diante ele lutou muitas batalhas e também se feriu, mas a todas sobreviveu; um instinto impulsionado pela efervescência que sentia dominar seu sangue a cada outro Homem que conseguiu subjugar.
Crota de Crotona então passou a ser chamado Atlas, o gigante de Esparta. Atlas não temia Homem algum, mas todo homem temia Atlas. E a Atlas corrente alguma conseguiria suportá-lo, então partiu em direção à sua vingança, abandonando sem remorso seus irmãos espartanos, que de nada poderiam fazer para contê-lo.
Foi em Fenicides, uma vilazinha atormentada por bandidos, que decidiu se estabelecer. Lá guarneceu os camponeses de Fenicides, impedindo que os bandidos sobrepujassem suas parcas terras. Ganhou casa, pequenas provisões e um bezerro; animal este que os habitantes insistiam em nomear com o mesmo nome da vila, pois Atlas nunca saia de casa sem que o bezerro estivesse montado em suas costas. E à medida que Fenicides, o bezerro, crescia, Atlas crescia junto. De bezerro passou a boi, de Atlas passou a uma fera sem pêlos que não mais cabia em casas convencionais. Atlas persistiu em carregar Fenicides nas costas até a morte do animal. Atlas disse algumas palavras a Fenicides, palavras de respeito, mas nunca palavras que o faziam esquecer-se de sua vingança; não tardou em devorar o grande boi, rasgando a carne com mãos agora maiores que a do seu pai. Comeu toda a carne em uma noite só, marchando ao Monte Olimpo no primeiro filete de luz.
Pouco se sabe após esta marcha, mas adianto que Atlas não consumou a sua vingança. Ganhou, me arrisco a dizer, uma coisa muito melhor: ver medo nos olhos de Deuses ditos seus autores.
- Pode me aprisionar como besta que sou, como Homem que diz ter criado. Aprisiona-me, pois força para me submeter não há. Zeus, eu sou o Homem que conquistou o medo de seus Deuses. Zeus, eu sou o Homem que nem você, sequer sua prole, conseguiu matar.
Então Zeus, tomado pelo peso da verdade, condenou Atlas a carregar o mundo nas costas. Atlas gargalhou.
- Zeus, que infâmia! A última coisa que carreguei nas costas morreu antes de me cansar. Tente! Testa-me a força, me condene a carregar seu reino, mas lembre-se que, se um dia você sucumbir, eu estarei aqui para devorar tudo o que é seu.
Vielen Dank für das Lesen!
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