I
Ao todo foram dois colapsos.
O primeiro impacto atingiu Olivia Marinho numa bela e quente tarde de sexta-feira, quando ela ainda preparava a pequena mesa de vidro da sala de estar para receber sua rotina de café da tarde acompanhada de seus jornais televisivos favoritos, onde as pautas sensacionalistas e dramáticas variariam dentro do espectro dos assassinatos e roubos até os sequestros acompanhados em tempo real.
Assim como em todas as outras tardes, Olivia dispôs sobre a mesa uma toalha branca florida em uma posição de losango que deixava os cantos da mesa expostos. Sobre um pires de porcelana azul com ornamentos em amarelo gema, pousou uma xícara de mesma aparência e, em cima de um pequeno prato branco, duas fatias de pão de forma, com as quais daqui a pouco preencheria com geleia de morango e requeijão. Uma vez tentara misturá-los ao invés de passar em fatias diferentes. O resultado foi horrível e desde então ela não tentou mais improvisar dentro de sua estabelecida rotina que, persistindo há tantos anos, ela nem mesmo sabia quando havia começado.
Após aprontar tudo e colocar no canal certo de televisão – preocupando-se em manter o volume acima de 15, mas abaixo de 20, já que ela achava que os alto-falantes variavam entre o alto demais e o quase inaudível com certa facilidade –, voltou-se para a cozinha para olhar a água do café. Ainda não estava pronta e, enquanto isso, aguardou na frente do fogão. Morria de medo de que um dia se esquecesse de que tinha posto alguma coisa no fogo e que, quando se lembrasse, o cheiro de queimado já tivesse tomado toda a casa e, com sorte, as labaredas ainda estariam baixas o bastante para que ela pudesse controlá-las.
Enquanto aguardava, voltou-se para a janela acima da pia. A luz da tarde entrava pelos vidros esverdeados e se derramava pela cozinha, escorrendo pela pia e terminando em retângulos deformados que emulavam a forma da janela sobre o chão. Seguindo o caminho de luz, Olivia viu um fino fio de seu cabelo pendurado na torneira. Ela sabia que era seu porque morava sozinha e visitas eram um espécime em extinção naquele lugar. Então, de quem mais seria? Retirou-o rapidamente e o jogou no lixo ao lado.
Foi quando o telefone da sala tocou:
— Demitida?! — Ela falou, apoiando-se na parede atrás da mesa. — M-Mas... Vocês não podem simplesmente fazer isso! Estou nessa maldita empresa há mais de dez anos!
Nesse momento a vontade de chorar já era incontrolável, e ela não hesitou. Havia boatos rondando entre os funcionários de que algo do tipo poderia acontecer, e ela até mesmo soube de algumas pessoas de outras linhas que foram para a rua. Mas a ligação surpresa a derrubou como uma bola de demolição.
— Eu só posso me desculpar, senhorita Olivia...
O homem fez uma pausa para engolir em seco e continuou:
— Mas estamos cortando toda a sua linha. A empresa não vem desempenhando como esperávamos e isso nos deixou de mãos atadas. Peço que a senhora entenda nosso lado. De resto, deixaremos a senhora ciente de todos os seus direitos e benefícios por conta de todos os seus anos de firma. Agradeço a compreensão, senhora Olivia. Boa tarde.
Ainda sem entender o que acontecia, Olivia deixou as costas deslizaram na parede até o chão. O telefone ainda no ouvido, como se ela esperasse que depois de alguns segundos de silêncio o homem que ela nem mesmo sabia o nome voltaria e contaria que foi tudo uma brincadeira ou um terrível mal entendido e os dois poderiam rir da confusão. Contudo, os segundos se passaram e, com ele, os bips-bips do telefone vieram para anunciar que tudo estava acabado. O homem sem nome não voltaria.
Agora, sentada no canto da sala, ela encarou o nada. As lágrimas corriam quentes pelo seu rosto e pingavam sobre uma das orelhas de um dos ursinhos carinhosos que surgia por trás de um arco-íris estampado na roupa. Lá na cozinha o bule com a água do café começou a assoviar. Da sala de estar a voz teatral do jornalista anunciava as desgraças do dia.
A água começou a escorrer e se acumular abaixo da boca do fogão.
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