Escrevo isto ainda trêmulo e com uma espessa penumbra pairando sobre minha mente. O que me motiva é o sentimento de urgência, preciso relatar minha história antes que os detalhes se misturem e tudo passe a ser como um confuso sonho de outrora.
Eram 20h quando eu e minha mãe saímos de um mercado não muito longe de onde moramos. Geralmente a essa hora as ruas ainda estão claras, mas não nesta noite. Ela era escura e fria, e apenas quando viramos uma esquina eu notei que a lua parecia gigantesca no céu, tão próxima que eu tinha a impressão de que poderia toca-la com as extremidades de meus dedos caso desejasse. Sua luminescência era intensa e quando alcançava alguma superfície, uma luz púrpura era refletida. O roxo é uma cor melancólica e depressiva, mas de alguma forma. Era lindo. No entanto agora é como um prenúncio dos horrores que aconteceram.
Caminhávamos maravilhados com aquela cor que exalava mistério. Quando voltamos nossa atenção para o nosso caminho, notamos uma mulher idosa carregando uma sacola de farmácia e caminhando o mais rápido que aquele corpo fragilizado pelo tempo permitia. A expressão em seu rosto era o exato oposto da que estampava o nosso. Sob a luz da lua eu pude ver o terror em seus olhos e não conseguia entender o motivo, então tentei me aproximar para lhe oferecer alguma ajuda.
E então aquela coisa apareceu. Uma sombra enorme à espreita, com um grande chifre no topo da cabeça. Quase caí para trás quando a vi crescer cada vez mais enquanto se aproximava. Pensei que fosse algum demônio ou monstro tirado do mais assustador filme de terror, e eu estava certo.
O dono da sombra surgiu de trás de uma árvore com um pedaço de pau na mão e saltou bem na frente de minha mãe. Seu corpo era totalmente branco, tinha algo vermelho em seu peito, mas não pude identificar o que era, e a sua cabeça era comprida e cônica. Mesmo com toda a cor púrpura eu conseguia identificar quais cores configuravam aquela forma, talvez eu já tivesse visto aquilo em algum lugar e meu cérebro o coloriu sem a camuflagem do luar.
O mostro exalava maldade e nos olhava fixamente. Olhou por um momento para minha mãe - a pessoa mais próxima dele -, depois para mim e por fim para a senhora. Novamente olhou para minha mãe que estava estática, mas logo voltou seu olhar para a idosa e então irrompeu para cima dela, como uma cobra dando o bote em um rato.
No primeiro balançar a madeira encontrou um dos joelhos da senhora que caiu com um grito agudo. Minha mãe fez menção de dizer algo, mas imediatamente eu a empurrei para frente e disse a ela “apenas corra e não olhe para trás”. E então corremos, eu estava logo atrás dela e conseguia ouvir gritos de socorro e barulhos de impacto.
Acabei fazendo exatamente o que eu aconselhei a não fazer e olhei para trás. A senhora se contorcia e gemia cada vez mais baixo a cada paulada que recebia, e agora tinha outros dois monstros batendo nela. Outros chegavam aos poucos, com cruzes e tochas acessas. A cor da noite se mesclava ao fogo das tochas, conferindo um vermelho intenso, assim como o ódio que aquele grupo exalava. Alguns deles até dançavam ao som de impactos e ossos se quebrando, era como uma festa macabra.
Corremos até nossas pernas arderem e então continuamos correndo, ruas já haviam se passado e não existia mais sinal dos agressores, havíamos escapado. Mas eu ainda conseguia sentir a presença deles, aquela aura demoníaca em meus calcanhares, como se pudesse me derrubar e então me arrastar de volta ao inferno a qualquer momento. Chegamos em casa e nos escondemos. Na hora eu não conseguia entender o porquê daquelas coisas terem atacado cruelmente aquela mulher idosa e nem ligarem para a nossa fuga. Mas agora eu entendo. Eu e minha mãe somos brancos, já a outra mulher, era negra.
Vielen Dank für das Lesen!
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